A SUA EMPRESA “ Pagamentos COMO PREVENIR FATURAS EM ATRASO Ficar sem receber o pagamento é o pior que pode acontecer a um negócio. Se não quer ver o seu barco a afundar fuja dos maus pagadores 10 Proteste Investe 960 edição mensal outubro 2016 O segredo está na massa”, afirma sorridente Julien Letartre, um dos sócios das padarias Eric Kayser, o famoso pasteleiro francês, definindo desta forma o sucesso deste negócio lançado em Portugal que conta já com 10 lojas espalhadas pelo país com um volume de faturação de três milhões de euros. Outro ingrediente secreto é que 90% da faturação é consumida na hora, ao balcão, quando os clientes compram o produto. O risco de atraso no pagamento das faturas emitidas é, por isso, zero. Os restantes 10%, esses sim, podem ter percalços de incumprimento porque estão focados no sector empresarial. No entanto, o gestor garante que “a relação de confiança estabelecida com os clientes, o controle constante de quando devem as faturas ser pagas e o seguimento apertado das contas correntes lhes têm valido cobranças a 100%. Sem problemas.” Além disso, trabalham apenas com empresas que conhecem bem. Os atrasos nos recebimentos são uma espécie de bolo caracol; uma espiral que pode levar uma pequena empresa à falência, aliás este é um dos principais problemas da nossa economia. Para este ano 32% dos empresários portugueses preveem um aumento de risco de mora. Julien confessa que ficou pasmado com os prazos de pagamento em Portugal. “Podem chegar aos 90 dias, diz, incrédulo. Mas diz que nunca lhes ficaram a dever dinheiro. Os portugueses são bons pagadores”. Mas a realidade é que estamos no quadro de desonra no que toca a cumprimento das dívidas, ao lado da Bulgária e da Grécia. Um estudo da consultora Dun & Bradstreet concluiu que 20,1% das empresas nacionais já faz pagamentos dentro dos prazos. E 58,6% continua a pagar com 30 dias de atraso. A percentagem que cumpre entre 30 e 90 dias ronda os 9,6%. A 90 dias são cerca de 11,7%. As empresas mais pequenas são as que mais honram os compromissos financeiros. Os sectores mais certinhos na hora de fazer as contas são os da agricultura, silvicultura, caça e pesca. O mais “caloteiro” é o sector da construção; cerca de 20,4% das empresas desta área demora mais de 90 dias a saldar as suas dívidas. Porém, nem todos os gestores vivem tão descansados como os sócios da Eric Kayser. Muitos recebem chamadas do banco a www.deco.proteste.pt/investe dizer que a conta está a descoberto e que o problema tem de ser resolvido rapidamente. Basta um telefonema destes para deixar um pequeno empresário à beira de uma ataque de nervos. O telefone transforma-se numa pequena arma de arremesso a disparar números para tudo quanto é lado, a tentar cobrar as faturas em atraso. Um trabalho árduo, complicado e desgastante. Os atrasos nos pagamentos são um problema tipo pescadinha de rabo na boca. Os clientes não pagam as faturas, aumentando os custos financeiros ao fornecedor, - muitos têm mesmo de recorrer ao crédito para cobrir as quebras de liquidez. Alguns sentem de imediato as dificuldades em cumprir os seus próprios pagamentos a outros fornecedores, compra de matéria-prima e, por vezes, até pagamento de salários ou subsídios de férias e natal. Pode haver um estrangulamento da atividade financeira da empresa, adiamento de projetos de investimento e, no limite, até falência. Para meter literalmente as mãos na massa existem leis. Falta saber é porque é que muitas empresas não as cumprem. Mas funciona assim: se nada for escrito entre as partes, o prazo de pagamento é de no máximo sessenta dias. Prazo mais reduzido está estipulado para as entidades públicas, ou seja 30 dias, excepto as que prestam cuidados de saúde, aí o prazo pode ser alargado a 60 dias. Muitos gestores ao lerem estes dados vão decerto esboçar um sorriso amarelo, afinal o Estado português é o rei dos maus pagadores. A média do executivo ronda os 76 dias. Os clientes empresariais demoram 68 dias a pagar. Há leis, faça valer os seus direitos! Muitos pequenos empresários não sabem mas quando chega à data de pagamento e não recebem têm direitos. Por exemplo, têm direito a juros de mora de 8% (taxa revista semestralmente) acrescidos de uma indemnização pelos danos causados, cujo montante mínimo são 40 euros. Para salvaguarda dos empresários está convencionado que não são admitidas quaisquer cláusulas contratuais que excluam aqueles direitos e que representem condições abusivas, como por exemplo prazos excessivos de pagamento. Depois há mecanismos adicionais que permitem gerir melhor os recebimentos, embora os custos possam ser elevados, basta compará-los com o custo de crédito e ver se compensam. Para escolher uma ajuda extra tem de calcular o custo de crédito da sua empresa. Para fugir ao mar de dividas há boias de salvação. Uma delas é o factoring; a sua empresa pode vender um conjunto de créditos de curto prazo dos seus clientes a uma empresa de factoring. Ao fazê-lo recebe os TRANCAS À PORTA CUSTO DE CRÉDITO Fases de recuperação de créditos Prazo médio Vendas Custo do = de pagamento x líquidas x 0,08 (atual) crédito anuais 365 dias Acima de 90 dias 10,6% Entre 30 e 90 dias 9,7% Até 30 dias 55,7% www.deco.proteste.pt/investe Dentro do Prazo 24% Para ter uma ideia mais concreta podemos desenhar o seguinte cenário: se os seus clientes tiverem uma média de pagamentos de 60 dias, as vendas anuais da sua empresa forem de 300 mil euros e a taxa de juro se mantiver nos 8%, o custo do seu crédito será 3945.20 euros. Note que este valor tende a ser superior, uma vez que há clientes que ultrapas-sam o prazo médio e cuja cobrança das dívidas implica um custo adicional. Veja se compensa! MAU EXEMPLO Estado, mau pagador! De maio a junho de 2016 os pagamentos em atraso do Estado aumentaram 66 milhões de euros. Um fenómeno preocupante, não só pelo mau exemplo que é dado, como também pela enorme dificuldade em reaver o dinheiro. Torna-se, por isso, imperativo criar um regime especial de liquidação do IVA para as transações em que o Estado figura como cliente. Esta pode ser uma das soluções. Esse regime poderia, por exemplo, prever que as empresas só deveriam pagar o IVA quando o cliente Estado efetuasse o pagamento a que se encontrava obrigado. A resolução do problema das dívidas do Estado também pode passar pela criação de um sistema de Confirming a negociar entre o Estado e a banca, através deste aquele transferia para a banca a gestão dos pagamentos aos seus fornecedores. Por seu lado, esta adiantava as faturas num curto espaço de tempo e o Estado tinha um prazo adicional para regularizar a situação com a banca. valores em dívida mas é importante referir que apenas o factoring sem recurso assume todos os riscos. Isto é, caso os devedores não paguem a fatura a sua empresa não será lesada. Se optar pelo factoring com recurso aí a empresa de factoring fará apenas adiantamento do pagamento e prestará o serviço de cobrança. Se o devedor não pagar, a sua empresa terá de devolver o dinheiro. Julien Letartre diz que na Eric Kayser utilizam este instrumento. “É um bom sistema, uma vez que adianta o dinheiro. E exemplifica, um pequeno negócio que fature 100 mil euros e tenha uma fatura de 20 mil euros em cobrança, se fizer um contrato de factoring pode ser uma mais valia porque fica de imediato com o dinheiro em caixa”. Além disto, são dadas informações mais detalhadas sobre os clientes resolvendo grande parte dos problemas de tesouraria. Mas nada é de graça. Este serviço tem Proteste Investe 960 edição mensal outubro 2016 11 A SUA EMPRESA um custo que é mais elevado no factoring sem recurso. Implica o pagamento de juros correspondentes aos financiamentos concedidos, bem como cobram comissão pelo serviço e ainda imposto de selo. Casa arrombada? Trancas à porta! Pegando neste dito popular há empresários que optam pelos seguros de crédito, que servem para cobrir o risco de um não pagamento. Há uma avaliação da sua carteira de clientes e os que apresentam maior risco de incumprimento são excluídos de imediato. Excluídas à partida ficam também as entidades públicas. Após ser atribuído um Os portugueses são bons pagadores. Nunca tivemos problemas em receber os nossos pagamentos JULIEN LETARTRE SÓCIO DA ERIC KAYSER FASES DE RECUPERAÇÃO DO CRÉDITO SINAIS DE PERIGO! Nem sempre as dificuldades implicam que os credores fiquem de mãos a abanar. Há casos limite mas também há luz ao fundo do túnel Quem pode pedir? Processo especial de revitalização (PER) Sistema extrajudicial de recuperação de empresas (SIREVE) 12 Em que circunstâncias? 1) Dificuldades em cumprir as obrigações Devedor e pelo (atrasos nos menos um pagamentos), embora credor (é preciso não seja uma situação que pelo menos de incumprimento 1/3 do total dos generalizado; créditos aceite 2) Permite renegociar as negociar) obrigações (Ex.: prazos de pagamento, extinção total ou parcial das dívidas...) Devedor dirige requerimento eletrónico ao IAPMEI Situação económica difícil ou estado de insolvência iminente ou atual Quais os procedimentos? O que podem fazer os credores? Como se conclui o processo? 1) Os devedores e todos os credores que queiram participar nas negociações têm que declarar por escrito a vontade de iniciar as negociações no âmbito de um PER e têm que assinar essa declaração; 2) O devedor dirige-se ao tribunal e comunica que quer dar início ao processo; 3) O tribunal nomeia um administrador judicial provisório; 4) O devedor deve informar todos os credores que está um PER em curso e convidá-los a participar; 5) É publicada um lista provisória de créditos, que pode ser impugnada no prazo de 5 dias; 6) O prazo máximo de negociações é 2 meses (prorrogáveis por mais 1 mês) A partir do momento em que tomam conhecimento do PER, têm 20 dias para reclamar os créditos Há acordo: as partes elaboram um Plano de Recuperação da Empresa; o acordo vincula todos os credores, mesmo os que não participaram Não há acordo: encerramento do processo. Impossibilidade de iniciar outro PER no prazo de 2 anos 1) Caso o IAPMEI aceite o requerimento, notifica os credores; 2) O prazo máximo das negociações é 3 meses (prorrogáveis por mais 1 mês) 1) Uma vez notificados, têm 60 dias para revelar a sua posição face à proposta do devedor; 2) Qualquer credor pode requerer a sua participação; 3) As restrições aos credores desaparecem a partir do momento em que estes comuniquem ao IAPMEI que não pretendem participar no SIREVE Há acordo: o IAPMEI elabora o acordo e este deve ser subscrito pelo próprio IAPMEI, pelo devedor e pelos credores que representem mais de 50% das dívidas apuradas. O acordo não vincula os credores que não participaram Não há acordo: encerramento do processo. Impossibilidade de iniciar outro SIREVE no prazo de 1 ano 1) São considerados credores todos aqueles cujas dívidas foram contraídas antes da declaração de insolvência; 2) Os credores reclamam os créditos no prazo de 30 dias, indicando os montantes em dívida e juntando a documentação que a comprova O administrador da insolvência elabora o relatório que pode apresentar uma das seguintes soluções: 1) Declaração da insolvência (com a venda dos bens que compõem a massa insolvente e repartição do seu produto pelos credores); 2) Recuperação da empresa (com o devido plano de insolvência). Esse relatório será avaliado na assembleia de credores, que ocorre de seguida Insolvência 1) A própria empresa; 2) Por requerimento de qualquer credor ou do Ministério público 1) Impossibilidade do devedor cumprir a generalidade das suas obrigações já vencidas; 2) Situação de incumprimento iminentes 1) O juiz analisa se estão cumpridos os requisitos legais; 2) Profere a sentença que declara a insolvência; 3) Apuram-se os credores da insolvência; 4) Credores são informados da sua condição; 5) Uma vez reclamados os créditos, o tribunal decide quais são os montantes em dívida Falência 1) A própria empresa 2) Por requerimento de qualquer credor ou do Ministério público 1) Incumprimento generalizado das obrigações (mais dívidas do que bens); 2) Fuga dos titulares da empresa; 3) Dissipação do património 1) Citação da devedora e dos credores podendo opor-se ou justificar os seus créditos; Após a citação podem justificar 2) Findo o processo o tribunal fixa o prazo os seus créditos no prazo de para a reclamação de créditos (até 30 dias) e 10 dias nomeia o liquidatário judicial e a comissão de credores (se ainda não existir) Proteste Investe 960 edição mensal outubro 2016 Uma vez declarada a falência, ocorre o vencimento imediato de todas as dívidas e a liquidação do ativo, isto é, a venda de todos os bens apreendidos (prazo de 6 meses) www.deco.proteste.pt/investe MELHORES E PIORES CONSELHOS Dinamarca lidera ranking de pagar a horas Prevenção, o melhor remédio 87% MELHORES PAGADORES Dinamarca 72,3% Alemanha 59,8% Hungria PIORES PAGADORES limite de garantia para cada um dos clientes é feita uma apólice. Com o contrato em vigor terá de pagar um prémio cuja periodicidade pode variar de mensal, semestral ou anual. Este engloba custos de avaliação, despesas de contencioso e custos do prejuízo a indemnizar. Mónica Morais, Chief Governement Office da Systell, empresa de engenharia na área da produção animal explica que já utilizou esta forma de contornar os atrasos nos pagamentos mas que não lhe serviu, uma vez que teve de manter os clientes que apresentavam mais risco para fechar negócios, logo os que estavam seguros eram os que à partida não lhe causariam problemas. Desengane-se quem pensa que este é um problema só português. Lá fora também há bons e maus pagadores. As PME nacionais exportam essencialmente para Espanha, França e Alemanha mas quem está no quadro de honra face a pagamentos são a Dinamarca, que ocupa o top com 87%, seguida da Alemanha e Hungria. As empresas que vendem para fora podem-se proteger com o crédito documentário, um compromisso entre o banco emitente, que atua sob as instruções de um importador, que fica obrigado a efetuar o pagamento – à vista ou a prazo – ao exportador contra a apresentação de documentos, em conformidade com a carta de crédito. É uma espécie de garantia do pagamento a favor do exportador. Mónica Morais, explica que o problema surge nas “discrepâncias” entre as partes. A experiência ensinou-lhe 20,1% Portugal 21,7% Bulgária 22,7% Grécia Estes são os páises que pagam dentro dos prazos Nas cartas de crédito simplifique para não existirem desacordos entre as partes MÓNICA MORAIS CHIEF GOVERNEMENT OFFICE DA SYSTEEL www.deco.proteste.pt/investe • Conheça bem os seus clientes. No caso dos antigos analise o histórico de pagamentos. Quanto aos novos recolha informação através do mercado. Pode ainda recorrer a empresas especializadas em fornecer essa informação. • Atualize periodicamente a sua base de dados de clientes e segmente-os. • Cobre taxas de juro e indemnização pelos atrasos. • Monitorize a informação sobre as vendas e os pagamentos através de sistema informático. • Crie um mapa que contenha o crédito concedido a cada cliente, os diversos horizontes temporais (Ex: 30, 60 e 90 dias) e os saldos vencidos em cada um desses horizontes temporais. • Fixe regras de pagamento e reproduza-as de forma clara nos contratos. • Defina os limites de crédito que permite (Ex: crédito até Eur 1 000,00 deve ser liquidado até sessenta dias). • Atribua vantagens aos clientes cumpridores (como por exemplo descontos) • Incentive os pagamentos eletrónicos, evitando assim os cheques sem cobertura ou falta deles. • Emita corretamente as faturas. • Envie alertas a cada um dos seus clientes, lembrando-os do prazo. • Sistematize os procedimentos que os seus colaboradores devem seguir logo que um cliente ultrapassa o prazo (ex: envio de e-mail uma semana antes do vencimento das faturas). que mais vale simplificar. A primeira carta de crédito que fez no valor de cerca de 8 milhões de euros, estava a empresa ainda no início do negócio, para um grande projeto na arábia saudita originou oito discrepâncias. Resultado? Se o cliente quisesse não teria pago. A empresária diz que basta faltar um original, ou algo semelhante para colocar em causa tudo. E mais uma vez proteger o crédito tem custos. Neste caso a empresa pagou 70 mil euros. ¬ Proteste Investe 960 edição mensal outubro 2016 13