Resenha da Internet – Quinta, 5/11/98 – ESPECIAL PACOTAÇO O Brasil na encruzilhada O pacotaço de Fernando Henrique coloca o país e a oposição diante de um impasse. Não enfrentá-lo implica aceitar mais pobreza, mais desigualdade e menos democracia. A rejeição mostraria que as sociedades não são reféns dos mercados financeiros O que torna tão sombrias as fases mais agudas do afastar a crise – por isso os ministros correm atrás alcoolismo é o sentimento de impotência. A alma de um empréstimo bilionário do FMI. embotada do doente não vê outra saída para o mal Não é difícil enxergar que as conseqüências são exceto na... bebida. A ruína que a droga provocou dramáticas. Os credores poderão condicionar cada no corpo, os dramas familiares, o declínio da vida nova liberação de recursos a novas social, o fim da auto-estima concessões (já se trama abertaOs credores condicionarão – tudo isso se esquece na mente, por exemplo, a entrega da hora dos delírios. O pequeno cada liberação Petrobrás). O Congresso Nacional gesto necessário para ter de de recursos a novas será pressionado a receber e engovolta os encantos que a vida concessões. lir todas as novas exigências – continua a oferecer parece O Congresso será porque, afinal de contas, a rejeição impossível. Um novo trago será vista pelo FMI como uma inpressionado a engolir tudo alivia, por algum tempo, os disciplina inaceitável. Mas mesmo tremores, os suores e a dor – porque a rejeição que o país se curve a tudo que lhe no peito – apenas para proserá vista pelo FMI for imposto, não há garantias convocar, adiante, uma recaída como uma tra um colapso semelhante ao da ainda mais grave. Desde a indisciplina inaceitável. Rússia ou da Coréia. A economia semana passada, o Brasil neoliberal está em crise, há muitos Mesmo que o país corre o risco de viver um países pendurados, todos os antese curve, não há garantias drama semelhante. O presicedentes ensinam que os ricos saldente FHC ofereceu, a uma contra um colapso vam apenas a si próprios. sociedade dilacerada pelos semelhante ao da Rússia juros que paga aos capitais Muito antes do pacotaço havia fivoláteis, uma dose cavalar cado claro que as elites brasileiras seriam incapade dependência. zes de agir sensatamente quando chegasse ao Brasil o furacão que varre a economia mundial. Há Ao subordinar os direitos sociais, a Constituição e pouco mais de um ano, quando os primeiros países o pacto federativo aos mercados financeiros, o foram atingidos, o presidente FHC chegou a sugePrograma de Estabilidade Fiscal reduzirá o país, se rir, numa frase que revela pequenez moral, que poaprovado, à condição de refém. Segundo dados do deríamos tirar proveito do sofrimento alheio. Mais próprio governo, as medidas do pacotaço obrigam tarde, menos eufóricos, os ministros econômicos a sociedade a transferir, em três anos, mais 99,8 desprezaram quem procurava alertar para a necesbilhões de reais aos credores da dívida do Estado. sidade de tomar medidas preventivas, e insistiram Mas já se sabe que elas não são suficientes para que nada abalaria a suposta solidez do real. O pior começou há alguns meses. Pelo menos desde setembro, todo o mundo dos meios financeiros, dos círculos do poder e da “grande” imprensa sabia que o Brasil era a “bola da vez” no terremoto global. Mas ninguém, nesses meios, julgou necessário debater os problemas com a sociedade, porque todos estavam empenhados em conservar o poder. Não seremos panfletários. Vamos mostrar, com informações e dados, que: 1. A crise brasileira não é resultado dos supostos “privilégios” dos funcionários públicos (que tal uma caça aos verdadeiros privilegiados?), nem dos “direitos sociais exacerbados” (quem dera...) instituídos pela Constituição de 88, mas de um modelo global de desenvolvimento que tornou-se ultrapassado antes de completar vinte anos; Nos últimos vinte anos, os O povo pode aceitar os conselhos dessa gente? Nos últimos vinte anos, os mal-chamados “mercados emergentes” 2. O Plano de Ajuste Fiscal “mercados emergentes” foram a foram proposto pelo governo condena mina de ouro que assegurou o a mina de ouro o país à ineficiência. Ele imsucesso do neoliberalismo. Os pede o Estado de executar as taque assegurou o sucesso do capitais aplicados nesses países refas que poderiam superar o renderam os juros e os lucros neoliberalismo. Agora que atraso do país, amplia as desique já não era possível obter a ciranda global entrou gualdades que não deixam a sonas economias centrais. No em parafuso, ciedade brasileira encontrar-se Brasil, por exemplo, a fortuna é justo esperar consigo mesma e a obriga a um dos credores nacionais e estranesforço insano, cujo único reque as sociedades paguem geiros da dívida pública ausultado é servir aos que vivem a conta e se calem? mentou seis vezes (de R$ 49,9 dos juros e do parasitismo; bilhões R$ 326,5 bi) apenas entre 1993 e junho deste ano. 3. Contestado pelas forças proAgora que esta ciranda global gressistas mesmo nos países rientrou em parafuso, é justo esperar que as sociedacos, um acordo com o FMI salvaria os capitais que des paguem a conta e se calem? provocaram a crise, mas seria incapaz de evitar que a economia brasileira afundasse num atoleiro de Após o pacotaço, o Brasil está diante de uma enrecessão, desemprego e, muito provavelmente, cruzilhada histórica. Ao contrário do que dizem os crise cambial a médio prazo; jornais, o Plano de Ajuste Fiscal e o acordo com o Fundo Monetário não são a única saída. São, como 4. Uma alternativa baseada na independência do no caso do alcoólatra, a pior. É certamente côBrasil em relação aos capitais voláteis é política e modo optar por mais uma dose, ou mais um acordo tecnicamente viável. Além disso, pode tranformar com os credores. É engraçado ver que o garçom o país em ator destacado na luta por uma globalisempre atende ao chamado, e o FMI nunca se rezação solidária, oposta à conduzida pelo neolibecusa a algum tipo de acerto. Mas vale a pena? ralismo. A série de cinco matérias que a Resenha da InterAs quatro edições que fecham esta série sairão ennet inaugura hoje dirige-se aos que respondem a tre amanhã e dia 20. Além da seqüência iniciada esta pergunta com um não. Queremos dialogar hoje, a Resenha publicará, nesse período, mais com você, que se incomoda quando culpam os material jornalístico de qualidade sobre a crise. Ao aposentados pela crise, que desconfia das manfinal da próxima semana, talvez seja possível dechetes em que a ação do FMI é sempre tratada bater uma saída tanto para a crise brasileira quanto como “ajuda”, que sente cheiro de cinismo no ar para nossa pobre democracia, golpeada todos os quando ouve o ministro Malan dizer que “não hadias pela desinformação que os “grandes” jornais via outra saída”. promovem.