As novas tecnologias de informação e comunicação vieram colocar

Propaganda
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Comunicação ao SPEED
9 de Abril de 2014
OS LIMITES AO PODER DE CONTROLO ELECTRÓNICO DO EMPREGADOR: OS CASOS
ESPECÍFICOS DO CORREIO ELECTRÓNICO E DA VIDEOVIGILÂNCIA
As novas tecnologias de informação e comunicação vieram colocar à disposição do
empregador novos meios de controlo da actividade e dos trabalhadores, permitindo que
sejam vigiados os seus gestos, movimentos e a forma como é prestado o trabalho, o que
acarreta riscos para a privacidade e reserva da vida privada dos trabalhadores.
Nessa medida, a utilização das novas tecnologias de informação e comunicação na
relação de trabalho fez surgir um novo tipo de controlo: o controlo electrónico do empregador. As
novas tecnologias – como a internet, o e-mail, as redes sociais ou os meios de vigilância à
distância – permitem um controlo mais intrusivo do que os tradicionais meios de controlo
não electrónicos, tornando possível uma vigilância total e permanente da actividade do
trabalhador, bem como um tratamento quase ilimitado de dados pessoais, o que tem vindo
a colocar novos desafios ao Direito do Trabalho.
Ao empregador é reconhecido o poder de controlar a execução da prestação laboral
do trabalhador. Porém, estas novas tecnologias aumentaram as potencialidades desse poder
de controlo, fazendo surgir novas situações de conflito entre os legítimos interesses do
empregador e os direitos fundamentais dos trabalhadores, maxime o seu direito à
privacidade.
O poder de controlo do empregador tem como limite os direitos fundamentais dos
trabalhadores, pelo que eventuais compressões a esses direitos – para serem admitidas –
terão de ser indispensáveis e necessárias para satisfazer um interesse do empregador
merecedor de idêntica protecção.
A necessidade de harmonizar os direitos fundamentais em conflito levou
à imposição de certos limites ao controlo electrónico do empregador, o que se reflecte,
designadamente, em matéria de correio electrónico e de utilização de sistemas de
videovigilância no local de trabalho.
No que respeita ao correio electrónico, este é simultaneamente um instrumento de
trabalho disponibilizado pelo empregador para o exercício da actividade laboral e um
instrumento de controlo dessa mesma actividade ao dispor do empregador. Importa ter
presente que, por se tratar de um meio de comunicação, o e-mail encontra-se protegido
1
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Comunicação ao SPEED
9 de Abril de 2014
pelo direito à inviolabilidade da correspondência, previsto no artigo 34.º da CRP. Assim, o
interesse do empregador em controlar o correio electrónico do trabalhador colide com os
direitos deste à privacidade e à confidencialidade das suas comunicações, colocando em
evidência um potencial conflito de direitos fundamentais.
Afigura-se, por isso, relevante saber (i) se o empregador pode controlar os e-mails
enviados e recebidos pelo trabalhador, acedendo ao respectivo conteúdo, (ii) se o
empregador pode restringir ou proibir a utilização do e-mail da empresa para fins pessoais,
e (iii) se o empregador pode utilizar os e-mails enviados e recebidos pelo trabalhador como
meio de prova para fins disciplinares.
Do disposto no artigo 22.º do Código do Trabalho extrai-se que o trabalhador goza
do direito à reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de
natureza pessoal. Donde se extrai que o empregador está limitado no seu poder de controlo
electrónico, não podendo aceder ao conteúdo dos e-mails de natureza pessoal enviados ou
recebidos pelo trabalhador, nem utilizá-los como meio de prova para fins disciplinares.
Diferentemente, não parece estar vedada ao empregador a possibilidade de aceder a
mensagens de correio electrónico do trabalhador que revistam natureza profissional.
O cerne da problemática do controlo do correio electrónico gira, pois, em torno da
questão fundamental de saber como é possível ao empregador distinguir entre mensagens
de natureza profissional e mensagens de natureza pessoal, antes de as abrir. Conforme
decorre do exposto, é esta destrinça que permite aferir se o empregador pode ou não
aceder ao respectivo conteúdo e, bem assim, utilizá-lo como prova de eventuais infracções
disciplinares praticadas pelo trabalhador. A questão não se afigura de fácil resolução, atenta
a ausência de quaisquer critérios legais. Porém, a doutrina e a jurisprudência têm
desempenhado um papel fundamental na densificação dos aludidos conceitos e na
delimitação das situações em que as mensagens de correio electrónico – apesar de enviadas
ou recebidas através do computador da empresa – revestem natureza pessoal, estando
protegidas pelo sigilo da correspondência.
No que concerne à videovigilância, importa antes de mais referir que, sem prejuízo
das inúmeras vantagens que apresenta, esta constitui um excelente meio de controlo da
actividade laboral dos trabalhadores. A utilização deste tipo de equipamentos no local de
trabalho coloca em confronto diferentes direitos fundamentais: de um lado, o direito à
privacidade, à imagem e à protecção de dados pessoais do trabalhador e, de outro, o poder
2
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Comunicação ao SPEED
9 de Abril de 2014
de controlo do empregador, aliado ao princípio da liberdade empresarial. A solução para
este conflito passa pela harmonização dos aludidos direitos, o que implica a imposição de
certos limites a esta forma de controlo electrónico do empregador, limites estes que
decorrem, desde logo, do disposto nos artigos 20.º e 21.º do Código do Trabalho.
Assim sendo, no que respeita a este meio de controlo electrónico, colocam-se
essencialmente duas questões: (i) em que casos é admissível ao empregador a instalação de
sistema de videovigilância no local de trabalho e quais os requisitos substantivos e
procedimentais de que depende a licitude dessa instalação e (ii) se o empregador pode
utilizar as imagens recolhidas através de sistema de videovigilância instalado no local de
trabalho como meio de prova para fins disciplinares.
Do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código do Trabalho extrai-se o princípio geral
de que é proibida ao empregador a utilização de meios de vigilância à distância no local de
trabalho com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Porém,
o n.º 2 do mesmo preceito admite duas excepções a esta regra, considerando lícita a
utilização de equipamentos daquela natureza quando (i) a mesma tenha por finalidade a
protecção e segurança de pessoas e bens ou (ii) particulares exigências inerentes à natureza
da actividade o justifiquem. A utilização destes conceitos indeterminados suscita
dificuldades ao aplicador do direito, tendo cabido à doutrina e jurisprudência a tarefa de
concretizar as situações enquadráveis nas excepções acima expostas.
Uma das questões que tem suscitado alguma controvérsia em matéria de
videovigilância consiste em saber se, nos casos em que as câmaras de videovigilância estão
instaladas no local de trabalho com a finalidade de garantir a segurança e protecção de
pessoas e bens, as imagens recolhidas podem ser utilizadas como meio de prova de
eventuais infracções disciplinares praticadas pelos trabalhadores que se traduzam,
precisamente, em actos atentatórios da segurança e protecção de pessoas e bens.
A lei não regula expressamente esta questão, podendo suscitar-se a dúvida quanto à
admissibilidade deste meio de prova, tendo em conta a proibição de utilização de meios de
vigilância à distância com a finalidade de controlar o desempenho profissional dos
trabalhadores.
A questão afigura-se complexa, uma vez que coloca em confronto diferentes
direitos passíveis de protecção: por um lado, o direito de propriedade e de iniciativa privada
do empregador e, por outro, o direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito à
3
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Comunicação ao SPEED
9 de Abril de 2014
imagem do trabalhador. Fruto da complexidade inerente, a resposta que tem sido dada à
questão em apreço, a nível doutrinário e jurisprudencial, está longe de ser unânime. Com
efeito, podem identificar-se, essencialmente, duas posições na doutrina e jurisprudência:
por um lado, há quem admita – em determinados casos e desde que verificadas
determinadas condições – a licitude da utilização das imagens para efeitos disciplinares; por
outro lado, há quem defenda que tal meio de prova é sempre inadmissível.
Em suma, as duas situações acima expostas (correio electrónico e videovigilância)
colocam em evidência a necessidade – sentida pelo legislador laboral – de impor limites ao
poder de controlo electrónico do empregador, como forma de harmonizar os direitos
fundamentais em conflito. Porém, o legislador poderia ter ido mais longe, clarificando
algumas questões de enorme relevância que se colocam a propósito destes meios de
controlo. Ao não o ter feito, abriu-se um campo privilegiado de debate doutrinário e
jurisprudencial, que se mantém desde a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003,
e que, pelo menos relativamente a algumas questões, não logrou ainda alcançar uma
resposta consensual.
Isabel Valente Dias
4
Download