O patrão pode ler o seu e-mail?

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4 • Digital • Sábado 12 Janeiro 2008
Mundo digital
Inês Sequeira
[email protected]
¬ Rui Marote, fotógrafo do Diário de
Notícias da Madeira, foi obrigado a sair
da empresa por alegadamente ter violado o dever de lealdade, através da
utilização do seu endereço de correio
electrónico. Uma secretária de direcção foi despedida de uma grande empresa de comércio automóvel, depois
de enviar um e-mail com comentários
pessoais sobre uma reunião de trabalho para uma colega e amiga.
Em Portugal, estes dois casos fazem
parte do pequeno número de processos judiciais que envolvem a utilização
do correio electrónico nos locais de
trabalho. E, em ambos, a justiça decidiu que os despedimentos são ilícitos,
devido ao carácter privado e confidencial das mensagens electrónicas apresentadas como prova.
De acordo com um acórdão emitido em Julho passado pelo Supremo
Tribunal de Justiça, e com uma sentença do Tribunal de Trabalho do Funchal
em Dezembro, um trabalhador tem
direito de confidencialidade sobre a
correspondência que envia e recebe,
pelo que essas provas são nulas em tribunal. Em especial, quando não existe qualquer regulamento que defina a
utilização do e-mail apenas para fins
profissionais.
Joaquim Dionísio, advogado e responsável pelo gabinete de estudos da
CGTP, aponta o dedo a muitas empresas que “têm a ideia formada de que
podem fazer mais do que a lei permite” no que respeita à privacidade dos
seus funcionários. “Não há muito eco
de problemas a esse nível”, acrescenta
Dionísio, “porque existe pouca consciência das empresas de que às vezes
violam a lei e pouca consciência dos
trabalhadores de que estão a ser vítimas de invasão da sua vida privada”.
Regras com limites
O Código do Trabalho define que o trabalhador goza do direito de reserva e
de confidencialidade no que respeita
às mensagens electrónicas de carácter
não profissional trocadas no local de
emprego. Em contrapartida, determina que as empresas têm o poder “de
estabelecer regras de utilização dos
meios de comunicação” que colocam à
disposição dos seus funcionários.
Na prática, se o objectivo é limitar
a utilização do correio electrónico para fins profissionais, essas regras têm
de estar claramente escritas e ser conhecidas de todos os funcionários,
indicam vários juristas portugueses
que já escreveram sobre esta questão,
citados pelo acórdão do Supremo. E
mesmo que o regulamento não seja
cumprido, o que constitui infracção
disciplinar, “o empregador não pode
aceder” ao conteúdo de mensagens
ou informação pessoal.
As empresas são também obrigadas
a submeter à aprovação da Comissão
Nacional de Protecção de Dados
(CNPD) a forma como pretendem
fiscalizar o cumprimento das regras
de utilização do correio electrónico,
lembra por seu turno Pedro Romano
Martinez, docente da Faculdade de
Direito de Lisboa e presidente do
Instituto de Direito do Trabalho (ligado à mesma universidade).
Caso contrário, não podem sequer
fiscalizar com quem é que os trabalhadores andaram a trocar correio, mesmo que esteja em causa uma suspeita
sobre o envio de segredos empresariais, defende este jurista.
Em contrapartida, a conversa será
outra se o conteúdo dos e-mails fiscalizados estiver associado a endereços
criados exclusivamente para fins profissionais, acrescenta Martinez. “Um
endereço de e-mail que seja peças@
empresa.pt, destinado a questões de
logística”, exemplifica.
Poucas notificações
Notificar e pedir autorização à CNPD,
para fiscalizar a utilização do e-mail,
é uma obrigação prevista na Lei de
Protecção de Dados Pessoais, por se
referir ao tratamento de dados dos
trabalhadores.
No entanto, nem por isso tem sido
muito seguida em Portugal: no total,
serão cerca de 30 as notificações de
tratamento de dados relativas ao controlo de chamadas telefónicas, utilização de correio electrónico e acesso à
Internet apresentadas à comissão, algumas das quais ainda estão em apreciação, indicou ao PÚBLICO a portavoz da CNPD, Clara Guerra.
Da parte da comissão, existe também um conjunto de orientações,
publicado em 2002, sobre o controlo
do e-mail no local do trabalho, o tratamento de dados em centrais telefónicas e o acesso à Internet.
Desde logo, salienta o organismo
que regula a protecção de dados pessoais, “o facto de a entidade empregadora proibir a utilização do e-mail
para fins privados não lhe dá o direito
de abrir, automaticamente, o e-mail
dirigido ao trabalhador”.
Pelo contrário, mesmo que haja suspeitas de violação das regras, “o acesso
ao e-mail deverá ser o último recurso
a utilizar pela entidade empregadora”, sendo “desejável” que seja feito
perante o funcionário em causa e um
representante dos trabalhadores.
Além do mais, este acesso “deve limitar-se à visualização dos endereços
dos destinatários, assunto, data e hora
do envio”. O trabalhador pode especificar também se existirem e-mails de
natureza privada, em que “a empresa
deve abster-se de consultar o conteúdo” dessas mensagens.
O patrão pode ler o seu e-mail?
Segundo a lei, em princípio não. Mesmo quando as empresas definem regras sobre
a utilização do correio electrónico apenas para fins profissionais, não podem ler
mensagens de carácter pessoal sem consentimento do trabalhador, entendem os juristas
DR
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