O BC e o juro real de equilíbrio

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Rio, 28/09/2010
Caros amigos,
Nessa próxima quinta-feira (dia 30/09), o Banco Central divulgará o Relatório de Inflação do terceiro trimestre.
Dessa vez, a ansiedade do mercado é mais elevada que a média, sobretudo pelos últimos comentários do BC
na última ata acerca de uma alegada queda estrutural da taxa real de juros de equilíbrio no Brasil. A
declaração tem gerado grande polêmica no meio econômico.
Evidentemente, se a autoridade monetária atual estiver errada na sua hipótese, o BC do próximo governo
eleito terá que corrigir rumos, elevando a taxa SELIC. Mesmo assim, se o nível de liquidez mundial continuar
alto, o diferencial de juros poderá atrair ainda mais investimentos de portfólio, invertendo ou provocando um
“flattening” na curva de juros, o que tornaria a vida do próximo Banco Central bem mais difícil em termos de
convergir o IPCA para a meta de 4,5% a.a.
Por outro lado, se a teoria do BC de hoje estiver correta, podemos estar diante de substanciais prêmios de
prefixação no mercado de DI futuro. O DI Janeiro/12, por exemplo, já embute hoje, começando de
Janeiro/2011, três altas de 0,5% e uma de 0,25%, com a taxa SELIC chegando em meados do ano que vem
na casa de 12,50% a.a.
Apesar da aridez do assunto – em mercados emergentes, consideramos que faz mais sentido falarmos em
taxa de juros conjuntural de equilíbrio e não estrutural - nossa área macroeconômica, comandada por Felipe
Tâmega, elaborou um estudo interessante sobre o tema, que apresentamos a seguir.
Um abraço,
Alexandre Póvoa
CEO Modal Asset
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A taxa real de juros brasileira encontra-se acima do patamar neutro? O BC
está correto na sua hipótese que a taxa de juros real estrutural de equilíbrio
caiu nos últimos anos no Brasil?
A modelagem macroeconômica básica leva em consideração a interação entre inflação, nível de atividade e
taxa de juros. De forma simplista, o regime de metas de inflação nada mais faz do que prover uma regra de
atuação para a autoridade monetária em relação aos níveis de inflação e atividade, usando a taxa de juros
como instrumento. Ou seja, o Banco Central ajusta a taxa de juros de forma a encontrar o equilíbrio entre
desvios da inflação em relação à meta e desvios do produto em relação ao seu nível potencial.
Há várias formas de se analisar essa interação entre inflação, nível de atividade e taxa de juros. Por exemplo,
variações da Curva de Phillips explicam a taxa de inflação como sendo uma função de alguma variável que
mede o nível de atividade (tais como desemprego, PIB, hiato do PIB, etc.) e taxa de juros. Analogamente,
adaptações da Curva IS relacionam o PIB (ou hiato do PIB) à taxa de juros e à inflação. Por sua vez, essas
duas curvas são consubstanciadas pela Regra de Taylor que define qual a reação da autoridade monetária
(em termos de movimentos da taxa de juros) em resposta a desvios da inflação em relação à meta e do
produto em relação ao produto potencial (ou do desemprego em relação ao desemprego estrutural).
À primeira vista equacionar inflação e crescimento pode parecer tarefa impossível, mas definindo o PIB
potencial como o nível de produto que gera inflação na meta, num cenário sem choques, o Banco Central
poderia teoricamente encontrar um nível de taxa de juros que zeraria o hiato do PIB e geraria uma inflação
exatamente igual à meta. Nessa situação de equilíbrio, encontraríamos a taxa de juros neutra.
Assim, nesse arcabouço teórico, na ausência de choques, desvios da inflação em relação à meta, do produto
em relação ao produto potencial, do desemprego em relação ao desemprego estrutural e da taxa de juros em
relação à taxa de juros neutra são maneiras equivalentes de se analisar um mesmo problema: se a economia
está ou não em equilíbrio. Portanto, um cenário para inflação e crescimento econômico comporta
implicitamente uma suposição de desvio da taxa de juros em relação à taxa de juros neutra. O objetivo desse
comentário é exatamente o de estimar essa taxa de juros neutra para a economia brasileira e discutir sua
compatibilidade com o nosso cenário de inflação e crescimento econômico.
No que diz respeito à situação atual, a discussão sobre o nível da taxa de juros real neutra recentemente
ganhou importância e tornou-se bastante direta, induzida pelo próprio Banco Central, que afirma que o nível
da mesma para o Brasil é menor do que acredita boa parte do mercado, dando a entender que o atual nível
de juros já seria suficiente para reduzir as pressões inflacionárias.
Situação atual da Economia Brasileira e Riscos para Inflação
O gráfico abaixo é uma representação da Curva de Phillips, que associa o hiato do produto com o
comportamento da inflação. A política econômica deve procurar manter o patamar de inflação o mais próximo
possível do centro da meta (4,5% a.a atualmente no Brasil), usando a taxa de juros para corrigir quaisquer
distorções sobre o hiato e minorar eventuais efeitos que isso possa ter sobre a inflação. No contexto da
Figura 1, a Curva de Phillips deveria girar em torno do ponto 0% para o hiato e 4,5% para a inflação.
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Figura 1 - Curva de Phillips
6,5%
6,0%
5,5%
2010.1
5,0%
2010.2
IPCA 12 meses
4,5%
4,0%
3,5%
3,0%
2007.1
-4,0%
-3,0%
-2,0%
-1,0%
2,5%
0,0%
1,0%
Hiato do Produto
2,0%
3,0%
4,0%
Fonte: IBGE. Elaboração: Modal Asset Management.
Percebe-se então que o Brasil se encontrava durante o primeiro trimestre de 2010 em uma região
desconfortável, com hiato do produto positivo e inflação acima da meta, indicando que alguma medida
contracionista deveria ter sido tomada. De fato, houve um processo de aumento de juros Selic, iniciado em
abril último, que elevou a taxa para o nível atual de 10,75% ao ano. Seria essa taxa suficiente para trazer a
economia de volta ao nível de equilíbrio?
Analisando primeiramente a taxa de inflação, houve uma redução do IPCA no acumulado 12 meses, o qual se
encontra hoje muito próximo da meta. No entanto, grande parte desse efeito deflacionista foi puramente
sazonal, impulsionado pelo grupo alimentação. Desse modo, as medidas de núcleo continuam ao redor de
5%, e mostram tendência ascendente (tal como verificado no último dado do IPCA-15). Parece inclusive
haver uma tendência recente de pressão sobre os preços advinda de um choque de commodities agrícolas,
que já se traduziu em aumentos recentes dos preços no atacado. Ainda que pressões dessa natureza não
devessem necessariamente influenciar a política monetária, dependendo da magnitude do choque agrícola,
dificilmente a autoridade monetária poderia ignorá-lo dado o grau de persistência da inflação brasileira.
A demanda aquecida também vem pressionando os preços. Essa pressão de demanda pode ser vista por
duas óticas distintas, mas complementares. Por um lado o desemprego corrente (6,7% em agosto) se
encontra acima do desemprego estrutural (estimado em 7,5%) e por outro lado, o nível de atividade (tal qual
indicado na curva de Phillips) está acima do potencial (hiato positivo).
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Estimando a Taxa de Juros Real Neutra
Ainda que relevante, a discussão em torno do nível da taxa de juros real neutra é complicada num país de
histórico instável como o Brasil. Dificilmente poderíamos considerar qualquer sub-período desde a adoção do
sistema de metas inflacionárias (em janeiro de 1999) como representante de qualquer tipo de equilíbrio.
Porém, parece plausível afirmar que ao longo do tempo, a taxa de juros real neutra do país vem caindo,
acompanhando a evolução dos fundamentos macroeconômicos e das instituições que regem o
funcionamento da economia.
Em economia maduras, é possível afirmar que existe uma taxa neutra de juros reais, que é pouco volátil e
varia vagarosamente ao longo do tempo. Já no caso de economias como a brasileira, a taxa de juros de
equilíbrio mostra-se mais dinâmica. Não parece existir equilíbrio estático para o Brasil. Desse modo, os
métodos utilizados na estimação da taxa de juros neutra mostram-se inadequados para o caso brasileiro e,
em geral, apresentam viés positivo. Por exemplo, pode-se estimar a taxa de juros neutra a partir da Regra de
Taylor abaixo:
(1)
onde rt é a taxa real de juros,
é a taxa de juros real neutra (não observada), πt é a taxa de inflação
acumulada em 12 meses, π* é a meta de inflação (4,5%) e é o hiato do produto, definido como sendo
. Nesse tipo de modelo, a taxa de juros real neutra é, basicamente, uma média ajustada
da taxa de juros nominal observada no período (intercepto da regressão). Estimando-se a taxa de juros de
equilíbrio entre 2003 e 2010 pela equação (1), teríamos algo próximo de 7% de juros reais neutros para o
período.
Uma melhor solução seria utilizar modelos dinâmicos, que permitem que a taxa de juros varie livremente ao
longo do tempo. Partiríamos da premissa de que não há equilíbrio de longo prazo, mas haveria sim um
equilíbrio de curto prazo, ou seja, uma taxa de juros que equaliza inflação e crescimento econômico a cada
momento do tempo. Para tanto, nos baseamos no modelo apresentado no texto para discussão DP2004/01
do Banco Central da Nova Zelândia. O modelo é estimado por Filtro de Kalman e calcula a taxa de juros real
neutra a partir de uma Regra de Taylor e de informações obtidas na curva de juros brasileira. A idéia é a de
que a arbitragem entre juros longos e curtos, dado o prêmio de termo, é também baseada num patamar de
juros neutros. O modelo é definido da seguinte forma: há duas equações de medição (Regra de Taylor e
arbitragem de juros) e três equações de transição (que definem a trajetória do prêmio de termo e da taxa de
juros neutra). Estimamos 6 especificações diferentes, baseadas em variações do modelo básico apresentado
no Apêndice. Tais variações contemplam escolhas diferentes para a taxa mais curta (3 meses ou 1 ano),
inclusão ou não do hiato do desemprego e o uso de desvios da expectativa ou da inflação acumulada em
relação a meta. A Figura 2 abaixo mostra a evolução da taxa de juros neutra ao longo do tempo, indicando os
máximos, os mínimos e a mediana estimados por essas 6 especificações.
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Figura 2 – Estimação da taxa de juros real neutra
17
High
Low
Mediana
15
13
11
9
7
6,80
6,10
5,43
2010Q1
2009Q3
2009Q1
2008Q3
2008Q1
2007Q3
2007Q1
2006Q3
2006Q1
2005Q3
2005Q1
2004Q3
2004Q1
2003Q3
2003Q1
5
De acordo com o modelo, na melhor hipótese, a taxa Selic atual estaria apenas levemente abaixo da taxa
nominal neutra: somando-se 5,1% de inflação projetada em 12 meses (expectativas FOCUS), teríamos
10,53% de juros nominais neutros. Nas demais especificações a taxa de juros nominal estaria sempre abaixo
da taxa neutra, indicando uma política expansionista. Dado que o nível de atividade encontra-se acima de seu
nível potencial, mesmo no melhor dos casos o Banco Central não estaria gerando um diferencial de juros
suficiente para trazer a economia rapidamente de volta para o equilíbrio, num contexto em que a inflação dá
indícios que vai se acelerar até o final do ano. Essa estratégia de atuação do Banco Central, baseada na
hipótese de que estamos hoje no juro real de equilíbrio parece, no mínimo, arriscada.
É provável que a autoridade monetária esteja assumindo que a economia mundial sofreria deterioração forte
o suficiente (portanto maior do que a esperada pelo mercado) para zerar uma convergência dos juros para o
seu nível neutro, zerando o hiato e fazendo a inflação se aproximar da meta.
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Figura 3 – Gap Juros Reais, Expectativas e Inflação
14
Gap Juros
12
Gap Inflacao
Gap Expectativas
10
8
6
4
2
0
-2
2010Q2
2010Q1
2009Q4
2009Q3
2009Q2
2009Q1
2008Q4
2008Q3
2008Q2
2008Q1
2007Q4
2007Q3
2007Q2
2007Q1
2006Q4
2006Q3
2006Q2
2006Q1
2005Q4
2005Q3
2005Q2
2005Q1
2004Q4
2004Q3
2004Q2
2004Q1
2003Q4
2003Q3
2003Q2
2003Q1
-4
De fato, de acordo com a Figura 3 acima, o nosso modelo indica que a diferença entre os juros reais
observados e os juros reais neutros explica historicamente o desvio da inflação em relação à meta. Sempre
que a inflação superou a meta, a autoridade monetária reagiu levando os juros reais para cima do nível
neutro, garantido uma queda subseqüente do diferencial da inflação em relação à meta. Entretanto, no
período atual, a inflação encontra-se levemente acima da meta, mas a autoridade monetária não tem dado
sinais de que irá reagir tão cedo com novas subidas de juros. Nesse contexto é razoável esperar que o
diferencial de inflação (liderado, provavelmente, pelas expectativas de inflação) comece a aumentar de forma
significativa.
Nossa estimativa de taxa de juros real neutra é condizente com o resultado de nosso modelo de inflação.
Pelo modelo, no cenário atual (câmbio a 1,74 R$/US$, CRB futuro em 280, Petróleo – WTI – em US$77, e
juros estáveis em 10,75% a.a.) a inflação estimada para o IPCA não converge para a meta em 2010 ou 2011.
De forma análoga, pode-se dizer que a inflação não converge porque a taxa Selic está abaixo do seu nível
neutro nominal. Para garantir a convergência é necessária uma melhora do cenário para alguma outra
variável relevante do modelo (desaquecimento econômico mundial ou uma valorização mais expressiva do
câmbio – tudo mais constante – por exemplo).
É interessante observar que avanços precisam ser feitos do ponto de vista fiscal (complementados por
mudanças institucionais) de forma a garantir que a queda da taxa de juros neutra de curto prazo gere uma
queda permanente da taxa de juros real neutra. Infelizmente, não percebemos esses avanços nos últimos
tempos (muito pelo contrário...). Portanto, o patamar de juros real neutro atual pode simplesmente revelar-se
transitório.
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Apêndice
Como especificado no texto, o modelo de taxa de juros real neutra é composto por duas equações principais
(equações de medição) que especificam a Regra de Taylor e a arbitragem de juros. Juntamente com as
equações de transição, que especificam o padrão de comportamento das variáveis endógenas, o modelo
pode ser estimado por filtro de Kalman. O método (suavizado) permite uma estimação dinâmica da taxa de
juros neutra, resolvida a cada período e atualizada no período seguinte com as novas informações das
variáveis exógenas. O período amostral vai de janeiro de 2003 até julho de 2010. Seguem abaixo as
equações do modelo.
Equações de medição (signal equations):
(2)
(3)
Equações de transição (state equations):
(4)
(5)
(6)
Felipe Tâmega Fernandes – Economista-Chefe
[email protected]
Werther Vervloet – Economista-Brasil
[email protected]
Augusto Vanazzi – Economista-Internacional
[email protected]
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