' Q-S O JULGAMENTO DE NUREMBERÔ (Carlos Santiago Nino) ~"^ A - APRESENTAÇÃO As nações vencedoras da Segunda Guerra Mundial, lideradas pela Inglaterra, França, Estados Unidos e União Soviética (os Aliados), ao derrotarem o Eixo (Alemanha, Itália e Japão), criaram um Tribunal Internacional na cidade de Nuremberg,-na Alemanha,--com-a. finalidade de julgar os nazistas, acusadas de_ crimes contra a humanidade. O texto abaixo, escrito pelo jurista Carlos Santiago Nino, foi inspirado nesse Tribunal. As três sentenças que compõe o texto não retraíam a verdade histórica dos argumentos utilizados pelos juizes em algum processo particular. No entanto, tomam como ponto de partida esse trágico acontecimento do século XX para reacender o debate entre positivismo jurídico, jusnaturaiismo e as possibilidades de superação desses dois grandes paradigmas jurídicas O JULGAMEfíTO Na Cidade de Nuremberg, no dia 25 de novembro de 1945, o Supremo Tribunal das Forças Aliadas reúne-se para ditar a sentença aos presos, aqui presentes, pelos presumíveis crimes cometidos contra a humanidade e pelos crimes de guerra. Escutados os argumentos da acusação e da defesa, analisadas as provas, os senhores juizes deste Tribunal manifestarem-se nos seguintes termos. VOTO DO EXCELENTÍSSIMO SENHOR Juiz SEMPRÕNIO Distintos colegas, estamos aqui reunidos para julgar um conjunto de homens que participaram ativamente na realização daquilo que foiT sem dúvida, o fenõmgDQ-JàOdal—e-pol?tíco mais terrível_da história da humanjdade/ Temos testemunhos de outros fatos históricos terríveis, em que certos homens causaram o sofrimento, a destruição e a morte em extensos grupos humanos. Porém, dificilmente poderá citar-se um antecedente' comparável aos fatos que estes homens, hoje sentados no banco dos réus, ajudaram a desencadear. Foram milhões de seres humanos que se viram afetados direta ou indiretamente pelas ações criminosas destes indivíduos. Imbuídos de um messianismo desvairado, movidos peia fanática crença da superioridade de sua raça, esses indivíduos infligiram a seus congéneres danos e sofrimentos que nem sequer foram imaginados pelos escritores que exercitaram sua fantasia para dar uma vívida pintura do "castigo eterno" (...)A_defgsa_ de alguns dos acusados não nega os_fatgs sobre os quais se baseia a acusação, jnas apenas contestada qualificação juridicajaue osjgmgria puníveis. Em síntese, a defesa propõe a tese de que estes indivíduos cometeram ^ãtos que, jndependeníe^ia..3vatíacão moral a SBU-Lagnelto^foram perfeitamente legítimos de acordo com a ordemjurídica^que prevalecia no tempo e nolugãFe^ realizados. JPs processados, segundo esta tese, eram funcionários públicos que agíamem plengucontoonidade com as nojTnas Jurídicas ditadas pelos òrgãõsTégííímos GO Estado Nacional Socialista. Não"só estavam autorizados a fazer o que fizeram como também, em alguns casos, estavam legalmente obrigados afazê-ío. A defesa nos lembra um princípio elementar de justiça, que a civilização .que..nós.iepresentamos_,acejtojj. há ..muito' tempo, _e.._que._q. próprio ...regime .nazista desconheceu: esse princípio, formulado usualmente com a expressão latina "nuilum crímem, nulla poena sine iege praevia" (não há crime sem lei anterior que o defina), proíbe impor uma pena por ato que não estava proibido pelo direito que era válido no momento em que o ato foi. cometido. A_ defesa insiste que, se castigarmos aos processados, estaríamos infringindo este princípio liberai, visto que os atos que julgamos não eram puníveis segundo o direito quejggja no terngo_eTugar de sua execução. Dístintos~cõ!egãs; creio que um dos serviços mais impõrtintês~qae~esterTribunaipode prestar para a humanidade consiste em contribuir para afastar, de uma vez por todas, a absurda e atroz concepção de direito invocada pela tese de defesa. Esta concepção sys^tajquej^stamos_djante ^e uro_ s[stemaJurídico cada vez que um grupo hurnãno ffnseguejmpgr certo: .conjunto_dé nprrnas_em~determinadã sòcied"ade]e conta com a força" suficiente para fazé-íàs cumprir, seja_gual forp^alpFmõrãi de tais_j3anMsT Isto"tem gerado o^obscgng lema "á' lei é ajei" que serviu pára justificar as opressões mais aberrantes. ~~ •• Há muito tempo, pepsadsEes sumamente lúcidí^, têm demonstrado a falsidade desta ideia com argumentos contundentes. Acima das normas djtadaslf pelos homens há um conjunto de princípios mocaisHiníversaimente válidos^ e critérios de justLcaL_e_diC£itas.fundamenta|s inerentes á verdadeira natureza humana. Induem-se aí o direito à vida, a integridade física, õ direito dê"êxprèssar o~piniões políticas, praticar cuítos religiosos, não ser discriminado peia raça, não ser julgado e condenado sem o devido processo legal. EsteQgnjynto de pjjncjgiogjorrnarn^quesechqmajle^direitonaturar. As normas positivas, ditadas pgtos homens, são direitcrapãpas-na medida em qug__se_conformam com Q direJtgJTíatural erT^Jj—^ontradízem. Quando ênfrérítãmcsf^Õm sistema de normas que está~èm=5j5õslçaò tão evidente com os princípios do direito naturai, como o esteve o ordenamento jurídico nazista, desnaturalizar grosseiramente ~~ ~^ diferença há entre as normas do ordenamento nazista e "uma 'organização criminosa como a máfia, a não ser que as primeiras desprezaram de forma mais radicai que as últimas os princípios fundamentais de justiça e moralidade? Á posição da defssa implicaria que os juizes que juígam os membros i de uma organização ilegal, teriam de fazê-ío de acordo com as regras internas]' dessa organização e não de acordo com os princípios juridicos válidos. Se aceitássemos a tese da defesa, teríamos a situação ridícula de que depois de íar vencido o monstruoso regime nazista, com "sangue, suor ejl lágrimas", acabaríamos aplicando "as normas desse mesmo regime para absolver algumas das suas principais autoridades. Os vencedores se submeteriam às vencidos. Nãc sendo as regulações do regime na^sta_verdadeiras 7 __ normas jurídicas, eías sãojnopersntes para legitimar os atos executaos" em conformidade com as mesmas. Peio contrário, tais atos constituem violações grotescas das normas mais elementares do (fireito_naturalT gueéjum direitgj^ue existia^tanto^n^Jempo em que esses atos foranf executad^^emõ^gora^ "seropre, Assim, resulta absdfciã a pretensão da defesa de que condenar os réus implicaria violar o princípio segundo o quaí "não há pena sem lei anterior que a defina". Há umajejuitgmaj^ atos e esta é a lei que aplicaremos. submetendo^ que se condene os reusT ~~~ ~~^~~~ ~~~~ ....... ....... ' ' * VOTO PO ExcEismissíMo SENHOR Jtm; ç/^" Eu partilho tías considerações morais que o distinto Juiz que me precedeu fez dos atos submetidos à consideração deste Tribunal Supremo. Eu também considero que tais atos constituem formas extremamente aberrantes de comportamento humano, sem precedentes de igual magnitude no curso da história. Ao formular este julgamento não estou opinando como juiz, mas sim como ser humano e cidedão de uma nação civilizada que contribuiu para erradicar o regime que tomou possível essas atrocidades. Mas a questão é outra. Será que nos é permitido, na condição de juizes, fazer valer esses julgamentos morais para sustentar uma decisão nesse processo? Os juízos morais, inclusive os que acabo de. formular, são relativos e subjetivos. Os historiadores, sociólogos e antropólogos têm mostrado como são diversas as regjgs^mQraiserr^d[stíntas sociedades e^erfQdos ^ que uff>-pevetimafíjrepoca t considera moralmente abominável, oujrgjjgyg. o aceitá~comõ^èffêjme]razQavei elèqítínia Podemos negar que o nazismo gerou" uma" verdadeira "concepção moral na^qúãi acreditavam honestamente grande parte da população desse país? Não nenhum proç^dinr^ntoj^Letivg^ para ^demonstraria validez de certos julgamentos morais e a invalidez de_o^ros. A idéia^é"que"5dste um direito natufâTlmOfávêr e universaír~acê5sívêr a razão~humana, é uma'vã, ainda que nobre, ilusão. Demonstra isso a d-vergência entre os pensadores jusnaturalistas no'que diz respeito ao conteúdo das nornnas do direito natural. Para alguns, o direrío natural consagra a monarquia absoluta. Para outros, a ,d.emocracjaj^opular. Segundo l ~"~ ãíguns autores, a propriedade privada é uma instituição do dírètõiniíural. Outros acreditam que o direito natural toma legítima apenas a propriedade coletiva dos recursos económicos. / / urna oas congjistas mais nobres QaJiucaaDidade^foi. a-adoção da idéia_de que os conflitos sociais cevem ser reso!yidos_jTãQ_sj23^ "concepções morais dos que e'sfac~encarregados_de julgá-íos, mas sim sobre__a_ as jundjcas ^iatelecicgs. E "o quê se denominou cie "estadõ~d~^ toma possí7ei a ordem, a segurança ~ e a certeza nas re!açõés~sòcíaisT^:3 O direito de urna comijntâaGe é unT sistema ~cOjo alcance pode ser verificado empiricamente, de forma objetiva e concludente, independente das nossas vaiorações subjetivas. Cada vez que nos encontramos frente a um conjunto de normas que estabelecem instituições distintivas, como tribunais de justiça, e que são ditadas, por sua vez, por um grupo humano que tem o monopólio do uso da força num território definido, estamos diante de um sistema jurídico, podendo ser idanííficado como tal independente de nossos julgamentos morais a respeito do valor de suas disposições, Odireito_distin^ urna organização criminosa, como j2jdajTi_áfiat não jaela justiça doj^onteúdo de suas normas, mas s[m_gejolatojte^staiirespaidado pQLum~aparato_a3erotivo que sejxgfcesobre umajjopuiação definida e um território delimitado, sem entrar na .competição, no mesmo âmbito, com um aparato que çonte_com um pqder_superjpr ou equivalente. Se a. máfia conseguir assumir o controle efetivo e estável sobre uma porção definida de território e de_pgpuiaçao1__as_D.Qrrnas_que..ditar constituirão" um ordenãmentojuríd[cg. ™ ~~ Por essa razões, considero que o sistema normativo vigente na Alemanha nzzlsta e nos países ocupados pelas suas tropas era um sistema jurídico, por mais que consideremos abominável o conteúdo de suas disposições. Quero salientar que esse sistema foi reconhecido internacionalmente, inclusive pnr alguns dos nossos países, antes de decidirem declarar guerra ao Fixo As atrocidades que hoje julgamos são o resultado de normas cujo conteúdo moral repudiamos. No entanto, essas normas eram vigentes e efetivas no tempo em que o sistema era quase universalmente reconhecido. E claro que -há uma relação entre direito e moral. Ninguém duvida que um sistema jurídico reflete, de fato, os projetos e aspirações morais da comunidade ou de seus grupos dominantes (o sistema nazista não foi uma exceçáo a isso, pois refietiu a concepção moral prevalecente na sociedade aiemã). Não há dúvidas, tampouco, de que isso deve ser assim para que o sistema Jurídico alcance certa estabilidade e durabilidade. Contudo, o que questiono é que seja concertualmente necessário para qualificar um sistema de normas como "jurídico" que ele esteja de acordo com os princípios morais e de justiça que consideramos válidos. Nós somos juizes, e não políticos. É nosso dever julgar de acordo com normas jurídicas. São as normas jurídicas, e não nessas convicções morais, que estabelecem para nós a fronteira entre o legítimo e o ilegítimo, entre o permitido e o proibido. A existência de normas jurídicas implica a obrigatoriedade da conduta que elas prescrevem e a legitimidade dos atos realizados em conformidade com elas. É verdade que não somos nos juizes do sistema jurídico nazista - graças a Deus derrotado para sempre - e não estamos, portanto, submetidos às suas normas. Mas qualquer que seja a posição que aaotarmos a respeito da origem da nossa competência e das normas que estamos obrigados a aplicar, terminaremos por reconhecer a validez das nefastas normas do regime nazista no íempo e lugar em que tiveram vigência. Quando se diz qua_çonstituímps yrnjribunalLJPtemacionaL submetido às normas do direito ca comunidade de nações, deveríamos concluir que esse direito inclui o chamado "princípio de efetividade". que outorga validez a todo _Sistema ; normativo ditado por um poder soberano que exerce deforma estável o monopólio* l do uso da forca num determinado^teintQrJQ. Por outro lado, quando afirmamos que" l ^- .^^ somos juizes das nações vencedoras, cem poder para aplicar as normas de nossos próprios sistemas jurídicos, estendidos transitoriamente a este território, / deveríamos concluir que nossos respectivos ordenamentos jurídicos incluem entre | seus princípios fundamentais c "nullum crítnem, nuila poena sine lege praevia",! que nos obriga a iuiçar os atos de~ãcòrdo com as nomnas'^/ig¥rítesl^Tfiífi'pn;e .'no. lugar em que foram cometidos e não de acordo ..cpm_jngnmas...Hjtadas posteriormente ou para um território diferente. Chegamos, assim, ao reconhecimento da validez das normas do direito nazista no momento e no território em que os atos ora Isso não significa que estamos nos submetendo às normas dos vencidõsTmas é a conclusão natural de apficar nossas próprias normas jurídicas. Devemos, pois, aceitar a tese de defesa, segundo a quaS estes atos moralmente horrendos 'foram juridicamente legítimos e não podem ser punidos. Estes indivíduos sentados no banco dos réus já foram julgados pela opinião moral da humanidade civilizada. Não vamos destruir nossos próprios princípios jurídicos para acrescentar a essa condenação moral uma pena supérflua e perniciosa. Cuidemos de não abrir um precedente suscetíyel de ser usado no futuro com finsTdiferentes d'aquetes que nós perseguimos. A barbárie do nazèsmo e ao seu desrespeito pelo Estado dê" Direito, vamos opor nosso profundo respeito peias instituições jurídicas. Voto, pois, peia absolvição dos -réus. VOTO DO EXCEUEmiSSIHG SEHHCRjlKZ TÍCIO ÀS opiniões de meus ilustres colegas levaram-me a um estado de profunda perplexidade. Tenho consciência de nossa responsabilidade histórica de assentarmos princípios ciaras e conclusivos que expressem a resposta que o mundo civilizado deve dar a fatos de barbárie como os que são julgados neste processo. Confesso, porém, que não encontrei nos votos dos juizes que me precederam os elementos de julgamento que permitam formular tais princípios. É bem verdade que estou plenamente de acordo com muitos aspectos das opiniões que acabamos de escutar. Mas é também verdade que há nessas opiniões urna série de confusões conceituais e alguns pressupostos valorativos dificilmente justificáveis. Permitam-me começar por um ponto queTise não é díretamente relevante para o problema que ternos de resolver, desempenhou um papel decisivo nas opiniões de meus colegas. O Juiz Sernprônío sustentou que há certos princípios jjiorais e de justice qua são universais e etemgs1_acessjyeis_à_razão.,,e.,que derivam da 'Verdadeira natureza humana". Ao'contrário, o Juiz Cayo negou a existência de um direito natural e afirmou que os julgamentos vaíorativos são ríecessãnarnents subjetivos e raSatjyosTsefri que existam procedimentos racionais e objetivcs para determinar a sua validez ou invalidez. Ambas as posições pa'ecen>ni8 insatisfatórias. A primeira não nos diz como se., demonstra a existência ca tais princípios cê direito natural, como se selecíonarn as propriedades aos seres humanas que constituem sua verdadeira essência ou natureza, como se procuz a inferência de tais princípios normativos a partir de certos pressupostos dados acerca da condição humana (...). Por outro lado, a. segunda posição, que sustenta que os julgamentos vatorativos são subjetivos e relativos, gera também dúvidas qua não são fáceis de erradicar. Será verdade que quando dizemos que a!ao é bom ou justo nos deixamos levar apenas pelas emoções? Do fato de as sociedades divergirem em seus juízõ¥ vãiorátivds, podemos concluir que todos etes sejam igualmente razoáveis e válidos? Tení sentido sustentar que nem aos homens nem às sociedades devemos julgar de acordo com os princípios morais que nós sustentamos, mas sim com os que "eles" sustentam? Não implica isso a impossibilidade de todo julgamento moral a respeito da conduta alheia (quando o agente crê que está agindo moralmente)? É possível formular julgamentos morais e sustentar ao mesmo tempo que julgamentos morais opostos são igualmente válidos? Confesso que as minhas dúvidas a respeito das duas posições me colocam numa situação incernoda. Embora não me pareçam convincentes os procedimentos que os filósofos morais propuserem até agora para justificar princípios valorativos últimos, não acho satisfatório o ceticisrno ético fundado numa concepção subjetivista ou relativista dos valores. Porém, creio que podemos deixar esta questão aos filósofos - de quem espero um progressivo esclarecimento dos problemas conceituais e epistemológicos que ela atinge - já que no fundo não é relevante para enfrentar a discussão aqui apresentada. Mesmo quando adotamcs uma concepção cética em matéria ética,_ nãg_pgdemosevitar a fomiulação çle julgamentos morais. E se formulamos julgamentos" valorativcs - como o faz o Juiz Cayo ~ adotamos uma posição moral e estamos comprometidos a agir de forma consequente. O problema filosófico no qua! entrei somente se apresentaria se alguém nos desafiasse a justificares princípios morais últimos nos quais nossos julgamentos se baseiam. Contudo, por sorte, tal problema não se coloca aqui, já que todos nós, membros do Tribunal, coincidimos nas nossas convicçõas morais e fundamentais. A questão que se apresenta neste procasso é saber se podemos, como juizes, fazer vaiar tais convicções morais para decidir este caso, ou, ao contrário, se devemos nos ater exclusivamente à aplicação de princípios e normas jurídicas. Para o Juiz Serrprônio não existe a disjunção que acabo de colocar. Para ele a identificação das regras jurídicas implica íé-las passado pela peneira de nossas convicções morais. Um conjunto de regras que contradiz princípios morais e de justiça considerados válidos não constitui um sistema jurídico. Eu não estou de acordo com essa posição e coincido nisto com a opinião do Juiz Cayo. Se não nos deixamos seduzir pela pretensão de encontrar â verdadeira essência do direito, mas nos preocupamos em determinar como a expressão "direito" é usada na linguagem corante de leigos e juristas, concluiremos, sem dúvida, que em muitos contextos ela ã aplicada zz.ra denominar sistemas normativos que não satisfazem mínimas exigências de justiça. Nem todo aquele que fala em "direito nazista" adere è ideologia nazista. O próprio Juiz Semprônio teve que recorrer a circunlóquios arfcrticieig psira fazer referências ao conjunto de normas implantadas peio Terreiro Relch sem usar a expressão direito. É difícil definir o. termo "direito" ou "sistema jurídico" na linguagem corrente. Trata-se, por certo, de uma expressão bastante vaga. C -juiz Cayo não está errado ao pressupor que a palavra se aplica a um conjunto de normas que são reconhecidas e que se tomam efetivas por aqueles que controlam o monopólio da coação em um certo território. Tais são,. aproximadamente, as condições que lavamos em conta para identificar um fenómeno como o "direito"babilônicc" "ou "o"""direito chinês". São condições puramente fálicas e não incluem propriedades valoratívas. Se nos perguntarmos, entretanto, não como efeílvamsnta se usa o termo "direito", mas sim como séria conveniente que fosse definido e empregado em certo contexto, penso, em primeiro iugar, que não hajs outro tipo de razões para preferir uma definição a outra a não ser pela clareza conceituai e pela conveniência para uma comunicação fluída que se obtém quando se emprega a expressão de acordo com a definição escolhida. Em segundo iugar, não creio que existam razões dessa índole que justifiquem afastar-se do uso comum dominante. Isso me leva a concluir que não podemos negar a qualificação de "jurídico" ao sistema nazista. O Juiz Semprônio, contudo, poderia dizer que não se trata meramente de Uma questão de palavras, como transparece claramente rio voto do Juiz Cayo, para quem identificar um sistema como "direito" teria consequências práticas sumamente importantes, urna vez que implicaria concluir que as suas normas têm ou tiveram validez e força obrigatória, que os atos realizados em conformidade com elas foram legítimos e que nós, juizes, estaríamos obrigados a reconhecer tais normas em nossas decisões. £ neste ponto que estou em completo desacordo com o Juiz Cayo. Ele nos disse que "as normas de um sistema jurídico são válidas e têm força obrigatória no tempo e lugar em que elas vigoram", mas o que quer dizer isso? Se isso significa que as normas jurídicas estipulam a obrigação de realizar determinados atos. istolTobvíamentecerto. mas não implira que devemos realizar tais atos. Também a ordem de um assaitante^èstipulã" á obrigação de realizar um ato, mas isso não quer dizer que devam_Qs_reaijzarjesse r ato, ainda que não nos reste outra saída a não ser executá-ío. Ao sustentarmos que há urna obrigação de obedecer as normas jurídicas e não as ordens da um assaitante - devemos perguntar de onde surge essa obrigação. Não se pode responder qua surge da norma jurídica, uma vez que se assim fosse teríamos que nos perguntar se estamos obrigados a obedecer essa outra norma jurídica. Em aigum momento se esgotarão as normas jurídicas que estipulam a obrigação de obedecer a outras normas jurídicas. A única resposta possível é Que a obrigação de obedeceras normas jurídicas surge de outro tipo de" norma, de normas_que_são consideradas "intrinsecamente ottógatónas^ As únicas normas das quais se pode dizer que são intrinsecamente obrigatórias são as nnrrrtas de uma rnoraJ critica. Definitivamente, quando G Juiz. Cayo defende que as normas jurídicas são obrigatórias, está pressupondo uma norma ou princípio mora! que prescreve obedecer as disposições de iodo sistema jurídico. Ele não é consequente corn a sua tese de qua se deve julgar levando em conta somente normas jurídicas e não nossas convicções morais. O Juiz Cayo de forma encoberta, •> j — introduz,•——— ~— —suas ^convicções morais ac postular que toda noima jurídica é obrigatória e deve ser reconhecida pelos juizes. Â obrioalonedade a oue se refere é uma obrigatoriedade mora!. Que sie introduza suas convicções morais não é em si mesmo criíicável, ainda que o tenha feito de forma encoberta, já que toda decisão a respeito de uma matéria meramente relevante inr;Di;ca adotar urna posição morai. O que se deve averiguar porém, é 58 as convicções morais do Juiz Cayo são aceitáveis. O princípio mcrai segundo 3 qual deva-se obedecer e spiicar as normas jurídicas vigentes é um principio plausível, dssde que vinculado a valores tais como segurança, orderr:, coordenação de atividádes sociais etc!" Mas é absurdo pretender que seia o únícc princípio morai válido. Também há outros princípios como aqueies que consagram o direito á vida, á infegridãcfelísica, ã~líbeí^ãáè étc. Em certas circunstâncias excepcionais, a violação destes últimos princípios, ^em que se incorreria se fossem observadas as regras jurídicas, seria tão radicai e tão grosseira quanto o é; normalmente, o Afastamento do princípio morai que prescreve ater-se 30 direito vigente. Taís circunstâncias se deram durante o regime nazista e não se pada duvidar que os funcionários desse regime não podiam justificar moralmente es atrocidades que executaram peio simples fato de estarem elas autorizadas ou prescritas pelo direito vigente. E mais, se um juiz alemão da ápocs tivesse sido suficientemente temerário para condenar um funcionáílo por alguns desses aios, desobedecendo as normas jurídicas vigentes, seu comportamento teria sido plenamente justificado e teria enorme mérito moral. Pode-se dizer o contrário de uma decisão análoga que adotasse este Tribunal? Certamente não. Tanto o princípio da efetr/idade do direito internacional como o princípio "nuila poena síne lege praevia" r Q'Q directo interno de nossos países são princípios muito respeitáveis que refletem valores morais primários^ tais como a soberania dos Estados e a segurança individual Esses princípios devem ser observados escrupulosamente em iodos os aios que não envolvam uma verdadeira catástrofe para a sociedade. Contudo, nenhum valor morai, por mais importante que seja, é absoluto e prevalece acima de todos os demais. Este tribunal tem a imperiosa necessidade de ratificar contundentemente o valor da vida, da integridade física, da intrínseca igualdade de todos os seres humanos. Para tanto7"nãõTsè pode deixar impunes os personagens de um regime que violentou brutalmente todos esses valores, como nunca hav!a acontecido antes, isto implica deixar de lado princípios jurídicos normalmente valiosos, como aqueles que a defesa alega. _Qaj/emos_^assumir Plenamente asta desgraçada consequência como um mal menor. A soiução do Juiz Sernpmnio não toma explícita tal^cõnsequência, ^ encobiindo-s. Q^mdpkiJfraf/a poena sine /eqe alguém, que exista urna lei íuridica_pgsitjya que proíba o ato. Tal princípio se dirige precisamente contra a pretensão ds se fundamentar uma pena na violação de normas morais (e é isso o que tanto o Juiz Semprônio como eu estamos sustentando). O rumo escolhido por meu distinto colega é sumamente perigoso: uma vez que não se reconhece abertamente a violação de um princípio valioso, não fica claramente assentado em que circunstâncias extremas tal violação é permissiva!, abrindo-se a porta para outras violações encobertas menos justificáveis. Vox, conseqúentemente, pela condenação dos réus.