UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC CURSO DE DIREITO WANESSA PACHECO RONCHI A NATUREZA JURÍDICA DA COMPETÊNCIA NORMATIVA OUTORGADA ÀS AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS: UM ESTUDO ACERCA DAS CORRENTES DOUTRINÁRIAS E POSICIONAMENTOS JURISPRUDENCIAIS. CRICIÚMA, JULHO DE 2010. WANESSA PACHECO RONCHI A NATUREZA JURÍDICA DA COMPETÊNCIA NORMATIVA OUTORGADA ÀS AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS: UM ESTUDO ACERCA DAS CORRENTES DOUTRINÁRIAS E POSICIONAMENTOS JURISPRUDENCIAIS. Monografia apresentada para a obtenção do Grau de Bacharel no Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC. Orientadora: Profª. Esp. Aline Colombo Bez Birolo. CRICIÚMA, JULHO DE 2010. WANESSA PACHECO RONCHI A NATUREZA JURÍDICA DA COMPETÊNCIA NORMATIVA OUTORGADA ÀS AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS: UM ESTUDO ACERCA DAS CORRENTES DOUTRINÁRIAS E POSICIONAMENTOS JURISPRUDENCIAIS. Monografia aprovada pela Banca Examinadora para obtenção do Grau de Bacharel, no Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em Direito Administrativo e Constitucional. Criciúma, 8 de julho de 2010. BANCA EXAMINADORA Profª. Aline Colombo Bez Birolo – Especialista – UNESC – Orientadora Profª. Fabrícia Cardoso Barata Paulo – Especialista – UNESC Prof. Maicon Henrique Aléssio - Especialista - UNESC AGRADECIMENTOS Em especial, a minha Orientadora, Profª. Aline, pela competência, seriedade e dedicação no decorrer deste estudo. Aos membros da banca, por aceitarem participar desta etapa importante da minha vida acadêmica. E, a todos aqueles que me incentivaram durante este trabalho com palavras carinhosas de apoio, especialmente, meus pais, Vilson e Marize, meu irmão Wagner e Fernando. “No tempo, todo sistema jurídico dura, mas só perdura, transformando-se internamente”. Jean Carbonnier RESUMO O presente estudo teve por objetivo analisar a competência normativa atribuídas às agências reguladoras federais, instituídas no Brasil como resultado de um processo de reformas iniciado em meados da década de 90. O interesse pelo tema justifica-se na constatação das divergências doutrinárias acerca da natureza jurídica dos atos normativos expedidos pelas referidas entidades diante dos limites do ordenamento jurídico nacional. A metodologia empregada consistiu no estudo bibliográfico e na identificação de decisões do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Regional da 4ª Região e Tribunal de Justiça de Santa Catarina, atinentes à matéria, de forma não exaustiva. Inicialmente, foram apresentadas as circunstâncias históricas que culminaram no surgimento das agências reguladoras em diversos setores econômicos do país e, em seguida, abordadas as principais características das agências, as quais possibilitam sua distinção diante das demais entidades regulatórias brasileiras. Posteriormente, o estudo concentrou-se na análise das correntes doutrinárias acerca da natureza jurídica da competência normativa das agências e nas decisões extraídas da jurisprudência acerca do assunto. Ao final do presente trabalho, pôde-se concluir que há maior coerência na corrente que define a competência em questão como de natureza discricionária, derivada de uma delegação normativa secundária realizada pelo Poder Legislativo. Ademais, verificou-se que a discussão do assunto é fomentada em grande parte pela ausência de consenso doutrinário acerca dos conceitos de alguns institutos do direito brasileiro, em especial, do poder regulamentar. Palavras-chave: Agência reguladora. Competência normativa. Princípios. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade ANA – Agência Nacional de Águas ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações ANCINE – Agência Nacional do Cinema ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária art. – Artigo CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica CF – Constituição Federal CVM – Comissão de Valores Mobiliários EC – Emenda Constitucional EUA – Estados Unidos da América HC – Habeas Corpus MARE - Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado MG – Minas Gerais PEC – Projeto de Emenda Constitucional PFC – Proposta de Fiscalização e Controle PL – Projeto de Lei PLS – Projeto de Lei do Senado PND – Plano Nacional de Desestatização PR - Paraná PRS – Projeto de Resolução do Senado REsp. – Recurso Especial RIC – Requisição de Informações RJ – Rio de Janeiro REOMS – Remessa Ex Officio em Mandado de Segurança ROMS – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança SC – Santa Catarina SP – São Paulo STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TJSC – Tribunal de Justiça de Santa Catarina TRF – Tribunal Regional Federal SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11 2 ASPECTOS HISTÓRICOS RELEVANTES AO SURGIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL.................................................................................. 13 2.1 O advento do Estado regulador brasileiro ...................................................... 15 2.2 A trajetória de reformas da administração pública brasileira ....................... 20 2.3 A reforma gerencial de 1995........................................................................... 266 3 AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES .................................................................................................... 31 3.1 A natureza jurídica das agências reguladoras ............................................... 35 3.2 As entidades reguladoras federais em sentido amplo................................... 40 3.2.1 As agências reguladoras federais em espécie ............................................ 42 3.3 A autonomia como característica relevante das agências reguladoras....... 49 3.3.1 A autonomia estrutural .................................................................................. 50 3.3.2 A autonomia econômico-financeira ............................................................ 533 3.3.3. A autonomia funcional .................................................................................. 55 4 A NATUREZA JURÍDICA DA ATRIBUIÇÃO NORMATIVA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS DIANTE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ........... 57 4.1 Princípios constitucionais norteadores da atividade normativa estatal ...... 60 4.1.1 O princípio da separação dos poderes ........................................................ 61 4.1.2 O princípio da legalidade ............................................................................. 655 4.2 Considerações essenciais acerca das normas e do ordenamento jurídico nacional .................................................................................................................... 69 4.3 As disposições legislativas atribuidoras da competência normativa das agências reguladoras ............................................................................................. 74 4.4 Os entendimentos doutrinários e os posicionamentos jurisprudenciais acerca da natureza jurídica da competência normativa atribuída às agências reguladoras .............................................................................................................. 78 4.4.1 O reconhecimento de competência normativa autônoma .......................... 81 4.4.2 O reconhecimento da competência normativa derivada/discricionária .. 855 4.4.3 O reconhecimento da competência normativa de natureza meramente administrativa .......................................................................................................... 92 4.5 Análise das questões divergentes acerca da competência normativa atribuída às agências reguladoras ...................................................................... 944 5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 97 REFERÊNCIAS....................................................................................................... 100 11 1 INTRODUÇÃO As agências reguladoras surgiram no Brasil como resultado de um processo de reestruturação do Estado e da Administração Pública, idealizado a partir da segunda metade da década de 90 em decorrência da crise fiscal instalada no país desde os anos 80. À época, a proposta reformista do governo foi pautada, de um lado, pelas deficiências ocasionadas pelo modo de intervenção direta na economia responsável pelo endividamento do Estado ao concentrar-se demasiadamente na produção de bens e serviços desde a década de 30, com o surgimento do Estado do bem-estar-social - e, de outro, pela inadmissibilidade de implantação de um modelo de Estado mínimo, com características neoliberais extremadas, no qual a coordenação da economia estaria submetida ao livre cargo do mercado. Em outras palavras, buscava-se uma redefinição do papel estatal, na qual o Estado pudesse se adaptar às novas realidades de um mundo globalizado, bem como atender adequadamente as demandas sociais. Apesar das críticas ao referido plano de reformas, já que para promover o ajuste fiscal o governo priorizou medidas como, por exemplo, o aumento da abertura ao capital estrangeiro e também o fim dos monopólios estatais, em 1995 foram iniciados os debates que culminaram numa série de reformas constitucionais, possibilitando a transformação almejada pelo governo. Desse modo, a partir de 1997, começaram a ser criadas as primeiras agências reguladoras federais brasileiras, com a função de desempenhar uma atuação indireta do Estado na economia, regulando os setores abertos à iniciativa privada de modo a garantir um equilíbrio entre o Estado, produtores e consumidores, podendo constatar-se que o referido modelo vem apresentando expressiva expansão em diferentes áreas de atuação estatal. Tais entidades foram introduzidas na estrutura da Administração Pública indireta, como autarquias de regime especial, devido, principalmente, à ampla margem de autonomia decisória conferida às mesmas, inspiradas no modelo norteamericano de “agências”, o qual apresentava relevante experiência no campo da regulação estatal. 12 Com efeito, pode-se afirmar que as agências reguladoras possuem um conjunto de peculiaridades institucionais que vêm gerando grandes controvérsias, tanto no meio jurídico como no político. Contudo, parece não haver tema que suscite maiores divergências do que aquele relacionado aos limites e à amplitude da competência para emitir normas gerais e abstratas, ao disciplinar o exercício de atividades econômicas por particulares. Assim, o presente estudo tem como objetivo principal analisar o debate motivado pela atribuição normativa das agências reguladoras, tanto no campo doutrinário, quanto jurisprudencial, apresentando os vários argumentos elaborados para a legitimação ou não da referida competência diante do ordenamento jurídico nacional. Para tanto, no primeiro capítulo serão descritos os aspectos históricos relevantes do surgimento das agências reguladoras no Brasil, esclarecendo as circunstâncias do advento do Estado regulador brasileiro, bem como a trajetória de reformas da administração pública, com ênfase na reforma de 1995. No segundo capítulo serão verificadas as principais características das agências reguladoras, apresentando sua natureza jurídica, as peculiaridades que as distinguem das demais entidades reguladoras brasileiras, especialmente em relação aos aspectos da sua autonomia estrutural, econômico-financeira e funcional. E, no capítulo final, os tópicos estarão dispostos de modo a, primeiramente, dar a noção da controvérsia atinente ao tema, para em seguida discorrer sobre o assunto diante dos limites do ordenamento jurídico pátrio, apresentando brevemente os princípios constitucionais pertinentes ao tema, bem como as diversas espécies normativas formais, e, enfim, os entendimentos dos estudiosos com relação à competência normativa atribuída às agências reguladoras. 13 2 ASPECTOS HISTÓRICOS RELEVANTES AO SURGIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL Para que se possa compreender de maneira adequada a criação das agências reguladoras e, principalmente, analisar o debate acerca da natureza jurídica dos atos normativos expedidos pelas mesmas, será necessário que se discorra previamente sobre o processo de evolução político-econômica ocorrido no país, que fortaleceu a intervenção indireta do Estado na economia e ocasionou o surgimento dessas novas figuras da administração pública nacional. Para Justen Filho (2005, p.451) o tema referente à regulação tem ganhado grande relevância no cenário mundial, levando a doutrina a afirmar a existência de um novo modelo de Estado que, embora inacabado, denota um ponto em comum entre as diversas propostas elaboradas: a redução da atuação direta do Estado. Não há, porém, homogeneidade nas concepções políticas e econômicas relativas a esse modelo. A propósito das disputas ideológicas presentes, tem-se num extremo os defensores do absenteísmo estatal, partidários de concepções qualificadas como neoliberais e, em outro, os que propugnam por uma atuação estatal exaustiva, mesmo que regulatória. (JUSTEN FILHO, 2005, p. 451). De acordo com Justen Filho (2005, p. 451) ambas as posições devem estar presentes, muito embora com seus excessos atenuados, concluindo: a democracia exige a garantia da autonomia individual e da sociedade civil, mas a realização dos valores fundamentais a um Estado Social impõe a participação de todos os seguimentos sociais. Para Mattos (2006, p. 139) a concepção de um modelo de Estado regulador no Brasil não constitui novidade, fazendo referência ao período inicial do século XX, principalmente, a partir do primeiro governo Vargas. Segundo ele, a partir de 1930 o processo de industrialização brasileiro é marcado pela adoção de novas técnicas administrativas de regulação na economia, fazendo com que o setor produtivo privado se desenvolvesse estreitamente enlaçado com o setor produtivo estatal: um Estado regulador marcado pelo pensamento autoritário nacional, centralizado nas decisões tomadas no interior da burocracia estatal. (2006, p. 141). 14 Contudo, cabe esclarecer que a regulação a ser abordada no presente trabalho constitui uma espécie de intervenção “indireta” do Estado, ou seja, regulamentando e fiscalizando a prestação de determinados serviços, como forma de equilibrar os interesses dos usuários ou consumidores e os do mercado, em prol do interesse público. É a denominada “moderna regulação”, na qual os mecanismos de atuação direta do Estado não mais são considerados como uma atividade regulatória propriamente dita. (MARQUES NETO, 2005, p. 34). É oportuno enfatizar que a ação moderna do Estado regulador não pressupõe substituir a intervenção direta quando esta lhe for conveniente. Aliás, as formas de intervenção do Estado, seja como provedor ou regulador de serviços, não são excludentes entre si, como evidenciado na própria Constituição Federal de 1988. Tal afirmação pode ser constatada através do “caput” do art. 1731, que dispõe sobre a intervenção estatal direta e, do art. 1742 que caracteriza a atuação indireta do Estado. Também merecem atenção os incisos XI e XII, do art. 213 que prevêem a exploração direta do Estado ou por particulares mediante delegação dos serviços, surgindo então, a necessidade da ação reguladora do Estado. (MESQUITA, 2005, p. 25). Também o art. 1774, disciplina o monopólio da União nas atividades do setor de petróleo e gás, prevendo a possibilidade dessas atividades serem 1 Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. 2 Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. 3 Art. 21. Compete à União: XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres; 4 Art. 177. Constituem monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; 15 contratadas com empresas estatais ou privadas, além de prever a criação do órgão regulador do monopólio, evidenciando as duas formas de intervenção de maneira concomitante. (MESQUITA, 2005, p. 26). Nas palavras de Mesquita (2005, p.25) tais modos de intervenção estatal “podem se complementar ou estar mais presentes uma ou outra dependendo das necessidades da sociedade, da capacidade econômica do próprio Estado e da vertente política dominante, entre outros fatores.” Afirma Justen Filho (2002, p.27) que em qualquer modelo de Estado, a atuação deste sempre estará voltada para a realização do interesse público. Num Estado regulador, por exemplo, o modo de realizar o bem comum consiste na atuação regulatória, traduzindo-se basicamente na edição de regras e outras providências orientadas a disciplinar pessoas e instituições, diminuindo consideravelmente a relevância das propostas de intervenção direta e material. Assim, objetivando melhor esclarecer esse modo de atuação estatal, doravante será apresentada uma síntese da evolução histórica dos aspectos políticos e econômicos do país que culminaram no surgimento desse novo modelo de Estado, baseado na regulação. 2.1 O advento do Estado regulador brasileiro Mediante um breve relato histórico buscar-se-á demonstrar as modificações no modo de atuação do Estado e nas estruturas sociais desencadeadas, principalmente, pelas transformações do modo de produção econômico. No século XIX a ordem econômica do Estado liberal, sob o manto do poder político exercido pela burguesia, ficou conhecida pela sua omissão no trato IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; § 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei. § 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: [...] III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União; 16 com o mercado, sob o argumento da liberdade como direito fundamental. Nesse período, houve um intenso desenvolvimento da civilização, por meio do enorme impulso proporcionado à produção de bens e serviços e, também, pela revolução tecnológica sem precedentes na história. Tal surto econômico se concretizou à base de leis de mercado e com o afastamento do Estado, gerando ao longo do tempo, graves complicações sociais em decorrência dessa expansão. (LEHFELD, 2008, p. 53). Nesse sentido, em consequência do desenvolvimento industrial, balizado pela sistemática capitalista liberal, surgem os grandes aglomerados urbanos, evidenciando o desemprego, a pobreza, má distribuição de renda, exploração desmedida da força de trabalho, levando o liberalismo à perda do seu primado no século XX. Em meio às crises econômicas decorrentes das duas grandes guerras mundiais que assolaram a Europa e a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929, demandou-se uma nova atuação do Estado. (LEHFELD, 2008, p. 124). Di Pietro (2005, p. 26-27) entende que, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, é que o Estado social realmente consolida-se. Conclui que nesse período não mais se pressupõe a igualdade entre os homens, conforme se afirmava no art. 1º5 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Pelo contrário, percebeu-se que a aplicação de tal norma gerava profundas desigualdades sociais, atribuindo-se então ao Estado uma nova concepção, com a missão de buscar essa igualdade. A partir de então, o Estado deveria transferir sua preocupação com a promoção da liberdade para promover a igualdade, intervindo na ordem econômica e social para ajudar os menos favorecidos. Em outras palavras, a preocupação com o bem comum e o interesse público tornaram-se relevantes, em substituição ao individualismo imperante no Estado liberal. (DI PIETRO, 2005, p. 27). De qualquer modo, obviamente que tal processo não se deu de maneira simples. Sobre a ruptura definitiva do Estado liberal e a sua substituição pelo Estado social, afirma Bonavides (2001, p. 24): Com este, deu-se o esgalhamento de rumos. Uns quiseram fazê-lo totalitário: os da direita, em harmonia com o capitalismo, malsucedidos; os da esquerda, mediante abolição do sistema capitalista, ainda em franco 5 “Art. 1º. Os homens nascem e vivem livres e iguais em direitos. As diferenças sociais só podem ser fundamentadas no interesse comum.” 17 combate. Outros, os do lado de cá, desejosos de conservá-lo democrático, amparado na idéia de conciliação da personalidade com a justiça social. No início do século passado, ainda que inexistindo a intervenção indireta do Estado por meio da regulação, ou seja, nos moldes existentes atualmente, tanto nos Estados Unidos quanto nos países da Europa e da América Latina, preponderou a intervenção direta pela multiplicação das empresas estatais em resposta às crises. (MESQUITA, 2005, p. 26). Segundo França (2010, p. 130) no Brasil, mais precisamente a partir da revolução de 30, no início da era Vargas, o Estado “voltou-se a sua vocação fundamentalmente paternalista. Isto é, alargou fortemente a atuação da máquina pública, ao tomar para si todo o encargo de sustentar e impulsionar o País”, começando a caracterizar-se dentro do contexto nacional, o Estado providência, também chamado de Estado do bem-estar social. Para Matias-Pereira (2008, p. 63) o surgimento do Estado do bem-estar pode ser relacionado a três elementos essenciais definidos da seguinte maneira: A existência de excedentes econômicos passíveis de serem realocados pelo Estado para atender às necessidades sociais; o pensamento keynesiano6, que estruturou sua base teórica; e a experiência de centralização governamental durante a II Guerra Mundial, que fomentou o crescimento da capacidade administrativa do Estado. Costa (2008, p. 842) afirma que esse período ensejou uma reflexão sobre o desenvolvimento econômico não só no Brasil, mas na América Latina em geral. Por um lado, como forma de evitar a desvalorização de seus produtos, passou-se a propugnar uma política de crescimento interno baseada na industrialização via substituição de importações, reduzindo a dependência de produtos primários. De outro, as ações bem sucedidas do governo americano com a implantação do New Deal,7 após a crise de 29, levaram a crer que tal política de intervenção do Estado 6 Assim chamado por ser inspirado no economista britânico John Maynard KEYNES (1883-1946), que junto com Otto Von BISMARK, é um dos maiores precursores do Estado providência moderno. O argumento Keynesiano consistia na eliminação do desemprego como meio propulsor do desenvolvimento da economia e da superação da recessão, através da renda dos trabalhadores. (HOBSBAWM apud SILVA, C., 2002, p. 41). Afirma ainda Pereira, (1998, p. 25), que atribuiu-se a Keynes a estratégia político-econômica que, de 30 a 70, transformou a natureza do Estado, favoreceu a constituição das economias mistas e de proteção social, com o fim do pensamento liberal, e abriu o caminho para o Estado ativo e intervencionista, o chamado Welfare State. 7 O New Deal externou-se em uma alteração radical das concepções políticas, sociais e econômicas, sendo usualmente reconhecido como divisor de águas nas concepções acerca das funções governamentais nos Estados Unidos da América. [...] O governo central assumiu a responsabilidade 18 na economia, também poderia ser passível de ser aplicada nas economias periféricas, como forma de promover seu crescimento. Para atingir esses objetivos, foram criadas pela administração pública, instituições que possibilitaram sua atuação direta no fomento da atividade econômica, inicialmente com as autarquias, que tiveram grande impulso na década de 40, e, posteriormente com as empresas públicas8 e as sociedades de economia mista, juntamente com as concessões de serviços, desempenhando papel relevante um pouco mais tarde, entre os anos 50 e 70. (SILVA, C., 2002, p. 41). Sobre a ideia que dominou a esfera governamental à época, descreve Costa (2008, p. 842): O Estado nacional poderia liderar o processo de desenvolvimento, estabelecendo barreiras alfandegárias, construindo infra-estruturas, criando subsídios e incentivos e oferecendo crédito. Esse papel supunha não só a capacidade de gerar poupança interna para participar da formação bruta de capital como também um elevado grau de intervenção na economia, em particular, e na vida social em geral. Estavam lançadas as bases do modelo de crescimento e do Estado intervencionista brasileiro. Justen Filho (2002, p. 17) afirma que esse período “significou a assunção pelo Estado de funções de modelação da vida social.” Além de prestador de serviços o Estado passou a ser considerado também empresário, adentrando em campos até então típicos da atividade privada. Na medida em que exercia atividades em novos setores, o Estado transformava o mercado, renovando estruturas sociais e econômicas. A princípio, o modelo intervencionista foi extremamente positivo, trazendo inúmeros benefícios para a população. Neste período, por exemplo, foram ofertados serviços de saneamento, educação, assistência e previdência a todos, em condições de igualdade (ao menos, formal, como observa o autor). Ou seja, um acesso em termos tão democráticos, jamais vistos na história nacional. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 18). Tal política, entretanto, ao longo do tempo gerou um crescimento desordenado, levando à insustentabilidade da máquina administrativa, obrigada a pela conformação da atividade econômica, produzindo incentivos e chegando a desenvolver atividades econômicas antes reservadas aos particulares. (JUSTEN FILHO, 2005, p. 78-79). 8 Lembra Costa (2008, p. 844) que a partir de 1937, foram promovidas uma série de transformações no aparelho do Estado, tanto na morfologia, quanto na dinâmica de funcionamento. Até 1930, por exemplo, existiam no Brasil apenas doze empresas públicas; já de 1930 à 1945, foram criadas treze novas empresas, sendo dez do setor produtivo, entre elas a Companhia Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional, ambas já privatizadas. 19 arcar com ônus impraticáveis para manter os investimentos necessários a evitar o sucateamento das inúmeras empresas criadas à época, afundando-se em meio a uma grave crise financeira. (FRANÇA, 2010, p. 131-132). Além disso, Justen Filho (2002, p. 19) afirma que inúmeros fatores colaboraram para gerar uma inviabilização do modelo de Estado providência. Dentre eles, um fator relevante reside no fato de que tal modelo gerou benefícios e vantagens que redundaram na multiplicação da população, o que não foi acompanhado da modificação dos mecanismos de seu financiamento. Conclui ainda: A crise fiscal significou não apenas a suspensão de novos e ambiciosos projetos relacionados ao bem comum como também limitações muito mais imediatas. Não mais existiam recursos para manter as conquistas anteriores, os serviços já consolidados, as indústrias vitoriosas. Instaurou-se situação de deterioração dos serviços e estruturas estatais. Nas palavras do referido autor, “esse foi o panorama que incentivou a instauração de novos modelos políticos, inclusive com a configuração de um modelo regulatório de Estado”. (2002, p. 19). De maneira semelhante Pereira (1998, p. 26) conclui que após os anos 70, os níveis elevados das despesas públicas com as consequentes crises fiscais do Estado do bem-estar fizeram ressurgir o pensamento liberal. Segundo a referida autora, “passou-se ao entendimento oposto – de que o Estado intervinha demais, sendo necessária uma nova regulação do mercado sem o Estado.” Também sobre este período de crise, Pereira (2006, p. 28) afirma que em resposta à insatisfação surgida, principalmente, no início dos anos 70, com relação à administração pública burocrática, surge uma nova proposta em busca de uma administração mais moderna e eficiente, com o chamado modelo gerencial, que será devidamente abordado neste trabalho em momento oportuno. Ainda acerca da trajetória do Estado brasileiro até o advento da “moderna regulação”, França (2010, p.132) afirma que já “não suportando os problemas advindos da estagnação evolutiva de sua estrutura produtiva e prestacional de serviços essenciais, gerados pelas suas próprias falhas e limitações”, o Estado passa a flexibilizar seus serviços na década de 90. À época, instituiu-se um programa com fins de promover a desestatização dos serviços públicos, criando, posteriormente as primeiras agências reguladoras 20 federais, fazendo, por conseguinte, com que o Estado assumisse o papel de regulador dos mercados que originou. (FRANÇA, 2010, p. 132). Sobre os entes reguladores responsáveis pela execução dessa nova função estatal, Silva, F. (2002, p. 90) aponta que: a regulação por meio das agências reguladoras independentes apresentase como a grande inovação na atividade regulatória dos serviços públicos. Segundo seus defensores, a regulação por meio das agências teria duas grandes vantagens: a especialização técnica e a independência. Desta maneira, será oportuna a realização de um estudo sobre o processo de reformas ocorrido na Administração Pública nacional, o qual possibilitou o surgimento das agências reguladoras independentes no cenário brasileiro, sendo estas o objeto principal do presente trabalho. 2.2 A trajetória de reformas da administração pública brasileira Para que melhor se compreenda as transformações ocorridas na administração pública nacional até a proposta clara de implantação do modelo gerencial, a partir da década de 90, na tentativa de superação dos traços burocráticos presentes até então, far-se-á uma descrição da trajetória de reformas administrativas instituídas no país, desde o início do século passado. Partindo-se do pressuposto de que não será possível entender as recentes transformações do Estado, da organização governamental e da administração pública brasileira sem tentar reconstruir os processos de formação e diferenciação histórica do aparato estatal que se constituiu no Brasil, serão descritas a seguir três grandes reformas que se sucederam à Revolução de 1930, a partir das quais a administração pública se consolidou com grande rapidez. Ensina Costa (2008, p. 841) que a Revolução de 30 significou um marco para a história nacional, com a passagem do Brasil agrário para o Brasil industrial. Do ponto de vista político, o movimento revolucionário contava com o apoio das elites oligárquicas, unidas às forças emergentes da nova burguesia industrial, das camadas médias urbanas e, ainda, dos tenentes, comprometidos com um projeto de reformas modernizadoras e autoritárias. 21 O governo deste período lançou-se de maneira direta no projeto desenvolvimentista, criando as bases necessárias da industrialização e assumindo papel estratégico na coordenação de decisões econômicas. Para tanto, precisou aparelhar-se, já que as velhas estruturas não se prestavam mais às novas formas de intervenção no domínio econômico, na vida social e no espaço político remanescente. “Estado, governo e administração pública careciam de reformas”. (COSTA, 2008, p. 844). Assim, a administração pública burocrática foi adotada para substituir a já ultrapassada administração patrimonialista, na qual se confundiam o patrimônio público e o privado, onde o nepotismo, o empreguismo e a corrupção eram a regra. Na verdade, com a emergência do capitalismo e da democracia, fez-se necessário um tipo de administração que mostrasse clara a distinção entre o público e o privado e, também, a separação entre o político e o administrador público. (PEREIRA, 2006, p. 26). Ao apresentar sua plataforma de governo em seu discurso de posse, Vargas já se propunha a promover uma série de reformas, entre elas a criação de Ministérios, a remodelação do Exército e da Força Armada e a reorganização do aparelho judiciário, além da manutenção de uma administração rigorosamente econômica, cortando todas as despesas improdutivas e desnecessárias. (COSTA, 2008, p. 845). Porém, entre todas as ações instituídas pelo governo visando a promover a racionalização burocrática do serviço público, a mais relevante foi a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público9, sobre o qual, define Costa (2008, p. 845): O Dasp foi efetivamente organizado em 1938, com a missão de definir e executar a política para o pessoal civil, inclusive a admissão mediante concurso público e a capacitação técnica do funcionalismo, promover a racionalização de métodos no serviço público e elaborar o orçamento da União. O Dasp tinha seções nos estados, com o objetivo de adaptar as normas vindas do governo central às unidades federais sob intervenção. 9 Sobre a evolução do Dasp, Pereira (2006, p. 243), esclarece que em 1986, foi extinto dando lugar à Secretaria de Administração Pública da Presidência da República (Sedap), que em 1989 foi igualmente extinta para ser incorporada à Secretaria do Planejamento da Presidência da República. Em março de 1990, foi criada a Secretaria da Administração Federal da Presidência da República (SAF), que em 1992 foi incorporada ao Ministério do Trabalho. Em 1995, no início do governo Fernando Henrique Cardoso, a SAF transformou-se em Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (Mare). 22 Segundo Costa (2008, p. 845-846) esta primeira experiência abrangente de reforma inspirava-se no modelo “weberiano”10 de burocracia, tomando como principal referência a organização do serviço civil americano. Sua metodologia fundava-se na centralização das decisões; na hierarquia e estrutura piramidal de poder; nas rotinas e controles rígidos dos processos administrativos e no quadro de administradores profissionais especialmente recrutados e treinados, com promoções baseadas no mérito e no tempo de serviço, com vistas a constituir uma administração pública mais racional e eficiente. Na opinião de Di Pietro (2005, p.30) a forma burocrática de organização foi aplicada indistintamente em todos os setores da atuação estatal, inclusive nos de natureza econômica e social, contribuindo para a prestação de serviços ineficientes. Foi tão grande o inchaço da máquina administrativa que havia quem falasse em “burocratização do mundo”. Sobre a problemática, Pires (1997, p. 239) comenta que: além do resquício patrimonialista, aí sob novas roupagens, o autoritarismo, a burocratização, a ineficiência oxidaram as engrenagens principais da máquina pública, fazendo-a burocracia por burocracia, muitas vezes desviada de seu papel finalístico. Começavam a surgir diversas críticas ao modelo burocrático em função, principalmente, da morosidade e da falta de racionalização na coordenação dos serviços, que para Meirelles (2005, p. 715) tratava-se de uma “verdadeira subordinação das atividades-fins às atividades-meios”. Também Lehfeld (2008, p. 197) aponta que a referida reforma não foi eficaz para responder às necessidades do Estado. Nela, não se chegou a adotar uma política de recursos humanos realmente consistente, nem combater o patrimonialismo que persistia com força própria no quadro político da época - agora com o clientelismo, ao invés do coronelismo - revelando um ambiente adverso para 10 Segundo Secchi (2009, p. 350) o modelo burocrático é atribuído a Max Weber, já que foi o sociólogo alemão quem analisou e sintetizou suas principais características. Abrucio (in PEREIRA; SPINK, 2006, p. 178) lembra que a expressão “burocrático weberiano” não é unanimemente utilizada por todos os autores, nem em todas as nações. Na Grã-Bretanha, o modelo administrativo adotado desde a segunda metade do século XIX é intitulado de Whitehall; nos Estados Unidos, é muito vinculado à era progressista, chamado então de progressive public administration. Contudo, entendese que a escolha realizada justifica-se, uma vez que a burocracia weberiana é tomada como um tipo ideal classicamente referido às características do que hoje vem sendo classificado de antigo modelo administrativo – basicamente, uma organização guiada por procedimentos rígidos, forte hierarquia e total separação entre o público e o privado. 23 uma reforma modernizadora, devido às práticas de favoritismos fortemente enraizadas. Nos anos em que Getúlio Vargas esteve fora do governo (1946-1950) não se obteve notícias de grandes esforços reformistas no âmbito da administração pública. Porém, eleito pelo voto direto nas eleições de 50, em seu segundo governo, Vargas designou um grupo de trabalho com a missão de elaborar um projeto de reforma administrativa. Porém, nada foi concretizado nesse período, conturbado por golpes, visando à tomada do poder, levando inclusive ao “desfecho trágico da morte de Vargas em 1954”. (COSTA, 2008, p. 847). Em 1956, Juscelino Kubitscheck de Oliveira assume o governo e apresenta as primeiras tentativas de reformas na administração através da criação da Cosb (Comissão de Simplificação Burocrática) e da Cepa (Comissão de Estudos e Projetos Administrativos), com os seguintes objetivos, descritos por Costa (2008, p. 848): A primeira tinha como objetivo principal promover estudos visando à descentralização dos serviços, por meio da avaliação das atribuições de cada órgão ou instituição e da delegação de competências, com a fixação de sua esfera de responsabilidade e da prestação de contas das autoridades. A Cepa teria a incumbência de assessorar a presidência da República, em tudo que se referisse aos projetos de reforma administrativa. O mesmo autor lembra que nessa época já se percebia um grande contraste entre a estrutura da administração direta, cada vez mais submetida a regras rígidas e ao clientelismo, deteriorando o núcleo central da administração, enquanto na administração indireta se observava uma maior autonomia gerencial, constituindo serviços de excelência voltados para o desenvolvimento. Nessa conjuntura, o governo de João Goulart foi o próximo a deixar alguma contribuição no sentido da realização de uma reforma administrativa, com a criação da Comissão Amaral Peixoto, cujo objetivo principal era promover uma ampla descentralização administrativa, concomitantemente a uma ampla delegação de competências. (COSTA, 2008, p. 849). Apesar de todos os esforços citados, com a criação das referidas Comissões, colaborando para uma nova visão da administração pública e servindo de base para futuras reformas11, tem-se que a década de 1952 a 1962 jamais 11 Segundo Costa (2008, p. 850) conforme exaustivamente documentado por Beatriz Wahrlich principal teórica da Reforma Desenvolvimentista dos anos 60 e 70 - na verdade algumas das grandes 24 conseguiu implementar seus projetos. O que se continuava a observar era a manutenção de práticas clientelistas, que negligenciavam a burocracia existente, além da falta de investimento na sua profissionalização. (COSTA, 2008, p. 849). O segundo período no ciclo de reformas da administração nacional se deu no contexto da ditadura militar, no governo Castello Branco. Na visão de Pereira (2006, p. 243) esta pode ser traduzida como a primeira tentativa clara para a implementação de um modelo gerencial na administração pública. Com o Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, iniciou-se a busca pela superação da rigidez burocrática. À época, Meirelles (2005, p. 715) se refere com otimismo à diretriz adotada pelo referido decreto, já que determinava uma distinção clara entre os níveis de direção e execução das atividades administrativas. O mesmo autor (2005, p. 720) ainda faz menção aos princípios fundamentais estabelecidos naquele período de reforma: A Reforma Administrativa de 1967 (Dec.-lei 200/67, art. 6º) estabeleceu os princípios fundamentais12, com a preocupação maior de diminuir o tamanho da máquina estatal, simplificar os procedimentos administrativos, e, consequentemente, reduzir as despesas causadoras do déficit público. Para a obtenção desse fim foram editados decretos e leis, visando à extinção e privatização de órgãos e de entidades da Administração Federal, instituindo a nova sistemática monetária e tributária e reorganizando a Presidência da República e os Ministérios. De maneira breve, pode-se elencar algumas das propostas da referida reforma que são muito semelhantes às propostas da reforma elaborada na década de 90. Como exemplo, cita-se a ênfase na descentralização, com maior autonomia à administração indireta, apoiada sobre o argumento de maior eficiência em comparação ao núcleo central da administração e, ainda, na terceirização de serviços. Ademais, cabe lembrar que além da descentralização, foram instituídos outros princípios da racionalidade administrativa, como o planejamento e o orçamento, a delegação de competências e o controle de resultados. (SILVA, C., 2002, p. 66). De qualquer forma, embora ainda tenham sido elaborados, entre os anos de 1979 e 1982, outros dois programas de reforma – a desburocratização e a inovações introduzidas pela reforma de 1967 estavam registradas nos relatórios precedentes da Cosb, da Cepa e, sobretudo, da Comissão Amaral Peixoto. 12 Tais princípios orientadores da Administração Pública, a saber: planejamento, coordenação, descentralização, delegação de competência e controle, são estudados na obra de Meirelles (2005). 25 desestatização – a reforma iniciada em 1967 não alcançou completamente seus objetivos na tentativa de modernização do aparelho do Estado. Apesar de um crescimento da administração direta (burocrática, formal, defasada), sobretudo no número de ministérios, houve, de maneira muito superior, a multiplicação de entidades da administração indireta (tecnocrática e moderna), reforçando ainda mais a dicotomia já existente entre uma e outra. Além disso, a abertura para contratação de pessoal na administração indireta sem concurso público favoreceu as velhas práticas patrimonialistas e clientelistas. (PEREIRA, 2006, p. 244). Nos anos que seguiram ao fim do período militar, com a transição democrática ocorrida mediante as eleições de 1985, o governo tinha a tarefa de tornar o aparelho administrativo mais reduzido, orgânico, eficiente e receptivo às demandas da sociedade. Três foram os objetivos principais do programa de reformas do governo, quais sejam, a racionalização das estruturas administrativas, formulação de uma política de recursos humanos e contenção de gastos públicos. Contudo, na prática os resultados não foram os esperados novamente, já que persistia no processo de reformas do Brasil uma enorme distância entre as funções de planejamento, modernização e recursos humanos. (COSTA, 2008, p. 858). Paralelamente às tentativas de reformas do governo, foi promulgada a Constituição Federal em 1988, que embora tivesse produzido grande avanço com relação à democratização da esfera pública, apresentou forte característica burocrática, ignorando princípios da moderna administração pública. (PEREIRA, 2006, p. 246). Comentando brevemente sobre o governo Collor, no qual, na opinião de Costa (2008, p. 861) “a reforma administrativa caminhou de forma errática e irresponsável no sentido da desestatização e da racionalização, conduzidas de maneira perversa e equivocada”, e sobre o governo Itamar Franco, que devido ao seu caráter de excepcionalidade, adotou uma postura tímida em relação à reforma administrativa, passa-se à análise do governo Fernando Henrique Cardoso, que teve a proposta clara pela adoção de um modelo gerencial no Brasil. Diante, pois, da relevância da reforma iniciada em meados da década de 90 para o presente estudo, vez que introduziu os órgãos reguladores no cenário nacional, será abordada de modo detalhado a seguir. 26 2.3 A reforma gerencial de 1995 No Brasil, a crise fiscal e a crise do modo de intervenção do Estado na economia começaram a ser percebidas ainda no final da década de 80, depois do fracasso do Plano Cruzado, sendo, porém, somente após a hiperinflação de 1990, que sociedade e governo se alertaram para a situação crítica pela qual atravessava o país. Diante daquele cenário, já no governo Collor, foram dados os primeiros passos para a reforma da economia e do Estado, através de uma importante medida de abertura comercial, dando novo impulso para as privatizações. (PEREIRA, 2006, p. 249). Porém, no que se refere à administração pública neste período, as tentativas de reformas foram equivocadas, com a ideia de reduzir drasticamente o aparelho do Estado, demitindo funcionários, extinguindo órgãos, desorganizando ainda mais a estrutura existente. (PEREIRA, 2006, p. 249-250). Sobre as características da Constituição de 1988, com relação à administração pública, conclui Lehfeld (2008, p. 216-217): A Reforma Administrativa de 1995, novamente levantou a necessidade de flexibilidade da gestão pública no exercício da função administrativa. O motivo dessa preocupação foi a perda de autonomia administrativa das entidades descentralizadas – autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista – pelo retrocesso ao sistema burocrático formalizado pela Constituição de 1988. Originalmente, o texto constitucional impôs a essas entidades a mesma moldura de gestão aplicada ao núcleo estratégico do Estado. Somente a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, é iniciado um amplo debate acerca da crise instalada no cenário econômico, assim como no funcionamento da máquina administrativa, donde se concluiu a necessidade de mudanças. (PEREIRA, 2006, p. 21). Nas palavras do então Presidente da República: É imperativo fazer uma reflexão a um tempo realista e criativa sobre os riscos e as oportunidades do processo de globalização, pois somente assim será possível transformar o Estado de tal maneira que ele se adapte às novas demandas do mundo contemporâneo. (CARDOSO in PEREIRA; SPINK, 2006, p. 15). 27 No Brasil, os objetivos da reforma foram expressos no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado – MARE, que teve a nomeação de Luiz Carlos Bresser Pereira para ministro, aprovado ainda no ano de 1995, pela Câmara da Reforma do Estado13. Tal Plano tinha como proposta explícita inaugurar a chamada administração gerencial, que não obstante as tentativas anteriores, nunca houvera sido implementada de maneira efetiva. De acordo com Di Pietro (2005, p.39) a administração pública gerencial emerge na segunda metade do século XX, devido à insuficiência do modelo burocrático para atender à expansão das funções econômicas e sociais do Estado, da tecnologia e da globalização mundial. Segundo ela, a partir daí, a necessidade de diminuir custos e aumentar a qualidade dos serviços em prol dos cidadãos torna-se essencial. A administração passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e da qualidade. Compartilhando de visão semelhante à anterior, Secchi (2009, p. 354) define que a administração pública gerencial ou nova gestão pública é “um modelo normativo pós-burocrático para a estruturação e a gestão da administração baseado em valores de eficiência, eficácia e competitividade.” Para Luiz Carlos Bresser Pereira, idealizador da reforma, a administração pública gerencial é orientada para o cidadão-cliente e para obtenção de resultados, inspirando-se na administração de empresas, porém, não se confundindo com esta. Pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de um grau limitado de confiança, sendo preciso combater o nepotismo e a corrupção, porém sem a necessidade dos procedimentos rígidos do modelo anterior, valendo-se do contrato de gestão14 como meio para controlar os gestores públicos. Utiliza ainda a 13 A Câmara era composta pelos ministros da Administração e Reforma do Estado, do Trabalho, da Fazenda e do Planejamento e Orçamento e, pelo ministro chefe das Forças Armadas, responsável pela deliberação dos projetos, sendo assessorada em seu trabalho por um Conselho, composto por representantes da sociedade. (DI PIETRO, 2005, p. 48-49). 14 Bagatin (in PECI, 2007, p. 126) aponta que com a Reforma Administrativa, o legislador brasileiro optou por constitucionalizar os denominados contratos de gestão, através da EC nº 19/98, acrescentando o seguinte conteúdo ao art. 37 da CF: § 8º. A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objetivo a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidades, cabendo à lei dispor sobre: I – prazo de duração do contrato; II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; 28 descentralização e o incentivo à criatividade e à inovação na gestão pública. (PEREIRA, 2006, p. 28-29). Para atingir seus objetivos, o Plano assinalava ser necessário: - a redefinição dos objetivos da administração pública, voltando-a para o cidadão-cliente; - o aperfeiçoamento dos instrumentos de coordenação, formulação e implementação e avaliação de políticas públicas; - a flexibilização de normas e simplificação de procedimentos; - o redesenho de estruturas mais descentralizadas e - o aprofundamento das idéias de profissionalização e de permanente capacitação dos servidores públicos, idéias que vêm da administração pública burocrática, mas que jamais foram nela plenamente desenvolvidas. (BRASIL, 1995). Enfim, acerca dos objetivos da reforma, Pereira (2006, p. 265) conclui que suas ações foram firmadas em três dimensões: a institucional-legal, a cultural e de gestão. Cabe enfatizar que no primeiro campo descrito está o maior interesse do presente estudo, já que diz respeito à remoção de normas antigas, ao mesmo tempo em que foram criadas outras novas, no intuito de instituir a descentralização administrativa, criando além das organizações sociais, as agências autônomas de regulação no cenário nacional. Por sua vez, no campo cultural a questão era a transição de uma concepção burocrática para a gerencial e, no de gestão, o acolhimento de novas práticas para o atendimento de qualidade ao cidadão visto agora, como cliente. (PEREIRA, 2006, p. 265). Abrucio (2007, p. 71) ao descrever sobre a chamada reforma Bresser, como ficou conhecida, também evidencia alguns pontos da mesma. Em primeiro lugar, chama atenção para o fato de que por mais que a reforma tenha tido um discurso etapista – com a reforma gerencial vindo depois da burocrática, como se estivessem isoladas uma da outra – o que se percebeu foi um aperfeiçoamento do modelo weberiano. Houve uma intensa reorganização administrativa do governo federal, o fortalecimento das carreiras de Estado e grande número de concursos públicos realizados. Outro aspecto da reforma diz respeito ao contexto em que ela foi realizada. Para o autor, o MARE não teve a capacidade para coordenar o processo de reforma, pois a visão economicista estreita do governo à época barrou muitas das inovações institucionais pretendidas, como a maior autonomia das agências III – a remuneração do pessoal. 29 reguladoras, sob o argumento da possível perda de controle sobre as despesas dos órgãos, além de outras formas de resistência que também vinham do Congresso e do núcleo central do governo. Cabe lembrar que os períodos anteriores de reformas na década de 30 e 60, ambas em regimes autoritários, faziam com que não houvesse no Brasil uma experiência democrática de reformismo, baseado em debates e negociações, ou seja, num processo decisório menos concentrador. Além disso, Abrucio (2007, p. 71) ainda chama atenção para as iniciativas de reformas na área legal, principalmente no campo constitucional, com várias emendas aprovadas naquele período. Sobre a referida reforma constitucional, Azevedo e Andrade (in COSTA FILHO, 1997, p. 67) constatam: Chave para todo o processo de modernização da máquina governamental, nos termos da proposta Bresser, é a flexibilização da administração pública a ser alcançada por meio de reforma constitucional. Para Menezello (2002, p. 44) as Emendas Constitucionais promulgadas em 1995, juntamente com a aprovação da Lei Federal nº 8.987/95 (Lei Geral de Concessões de Serviços Públicos) e seus desdobramentos institucionais, “propiciaram toda a readequação do intervencionismo econômico praticado pelo Estado brasileiro.” Assim, mesmo que de modo breve, cabe descrevê-las: Emenda Constitucional nº 5, de 15 de agosto de 1995 (fim da exclusividade da prestação direta, pelos Estados-membros, dos serviços locais de gás canalizado); Emenda nº 6 de 15 de agosto de 1995 (extinção do tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional, especialmente quanto à lavra de recursos minerais e ao aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica); Emenda nº 7 de 15 de agosto de 1995 (abertura à navegação de cabotagem e interior às embarcações externas ao país); Emenda Constitucional nº 8 de 15 de agosto de 1995 (eliminação da exclusividade estatal dos serviços de telecomunicação); Emenda nº 9 de 9 de novembro de 1995 (quebra do monopólio estatal das atividades de pesquisa, lavra, refino, importação, exportação e transporte de petróleo, gás natural e hidrocarbonetos). Ainda, deve ser destacado o fato de que as Emendas nº 8 e 9 acrescentaram, de forma inaugural, dispositivos no texto constitucional determinando a criação de órgãos reguladores. (MAZZA, 2006, p. 20-21). 30 Posteriormente, após um longo período de tramitação no Congresso Nacional, foram aprovadas as Emendas nº 19 de 4 de junho de 1998 (referente aos princípios e disciplina da Administração Pública Federal) e nº 20 de 15 de dezembro de 1998 (relativa à reforma do sistema previdenciário brasileiro), ambas previstas no Plano de Reforma do Aparelho do Estado de 1995. Para Abrucio (2007, p. 71) Bresser foi pioneiro em perceber as grandes mudanças pelas quais passava a administração pública mundial, devendo ser introduzidas também no Brasil, de modo a garantir a competitividade num cenário globalizado. Porém, sem desmerecer sua grande contribuição para os avanços da administração pública, o estudioso acredita que Luiz Carlos Bresser Pereira nem sempre soube traduzir politicamente tais transformações para as peculiaridades brasileiras. Tal afirmação, entretanto, ficará mais evidente quando as agências reguladoras forem estudadas de modo aprofundado, demonstrando as dificuldades na implementação desse modelo institucional dentro do contexto brasileiro. Doravante, uma vez esclarecidos os eventos da crise15 e a reforma do Estado brasileiro, incluída a reforma da administração pública, pode-se passar propriamente à abordagem da regulação e das transformações operadas nos serviços públicos, mediante um estudo mais detalhado acerca das entidades reguladoras, porquanto são resultantes daqueles primeiros. 15 Élvia Fadul (in PECI, 2007, p. 14) aponta que esta crise pode ser entendida a partir de diversos prismas, conforme a doutrina adotada – crise financeira, crise fiscal, crise de paradigmas, de métodos e de instrumental de gestão, crise de legitimidade, crise do modo de intervenção estatal, crise do modo burocrático de administrar, crise de governabilidade e de governança, crise de identidade, crise das formas políticas estatais, crise de proteção institucional, crise das formas de provisão dos serviços públicos. 31 3 AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES Neste momento, passar-se-á à análise específica das entidades reguladoras brasileiras, definindo com mais clareza seu posicionamento na atual estrutura administrativa estatal, bem como as características que lhes são peculiares. Com efeito, Souto (1999, p. 131) aponta que anteriormente à execução do Programa Nacional de Desestatização – PND16, a regulação no Brasil “era desenvolvida no âmbito do Banco Central e do CADE, e da utilização de estoques reguladores do Estado para intervenção como instrumento de política agrícola e o uso de tributos”. Além disso, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, também pode ser incluída nesse rol, vez que exerce função de regulação, fiscalização e supervisão dos mercados de títulos e contratos de investimentos coletivos. (SOUTO, 1999, p. 131). A partir de 1997, porém, a regulação passou a ser atribuída a entidades independentes, com a criação das agências reguladoras17, a princípio, nos setores de energia, telecomunicações e petróleo. (SOUTO, 1999, p. 132). Neste momento, muito embora não se pretenda fazer uma análise detalhada acerca da estrutura administrativa norte-americana, visto que o objetivo não é adentrar o campo do direito comparado, faz-se importante as lições de Di Pietro (2005, p. 196) ao citar a influência do modelo norte-americano para a proliferação das agências, não apenas no direito brasileiro, e sim no mundo, em decorrência da globalização. Para ela, trata-se de mero modismo, já que o emprego da referida expressão “não acrescenta nada de útil ou vantajoso ao direito brasileiro”, apesar de advertir que não haveria qualquer impedimento ao uso desse 16 Lehfeld (2008, p. 236) lembra que o legislador, ao criar o PND, parece ter escolhido o termo desestatização, adequadamente, ao invés de privatização, pois, sob o ponto de vista jurídico, a transferência do controle acionário de empresas estatais para a iniciativa privada não alterou o regime jurídico dessas entidades, que estão submetidas ao direito privado. 17 Peci (2007, p. 80) afirma que no Brasil, a primeira referência às agências reguladoras foi no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (abordado no tópico 1.3 deste trabalho). As atividades exclusivamente estatais seriam desempenhadas pelas agências autônomas, que caracterizam dois tipos diferentes de entes públicos: as agências executivas e as agências reguladoras. A propósito, Justen Filho (2005, p. 465) aponta que a lei pretendeu reservar a expressão agência executiva para as autarquias subordinadas a um plano estratégico e a um contrato de gestão, destituída de competências regulatórias, desenvolvendo apenas atividades administrativas clássicas, inclusive a prestação de serviços públicos. 32 vocábulo. Afirma ela que o ente que nos Estados Unidos é chamado de agência, aqui trata-se de órgão administrativo ou autarquia de regime especial, já conhecidos de longo tempo, podendo-se citar as universidades federais, concluindo: Provavelmente, o que se quis ressaltar, com a nova terminologia, foi que a idéia era a de realmente copiar o modelo norte-americano, em que, [...], está presente a característica da independência em relação aos demais Poderes do Estado, pelo fato de seus dirigentes gozarem de estabilidade em suas funções e a entidade dispor de funções quase-legislativas e quasejudiciais. (DI PIETRO, 2005, p. 209). Justen Filho (2005, p. 55), em profundo estudo sobre a evolução do modelo regulatório nos Estados Unidos, destaca que a tradição jurídica daquele país, herdada do regime britânico, sempre comportou a intervenção regulatória estatal, permitindo o desenvolvimento de instituições com este objetivo. Assim, após a independência, houve o surgimento de órgãos administrativos que passaram a ser identificados como agências. Medauar (2010, p. 79) aponta que a proliferação das referidas agencies nos Estados Unidos, teve início com a criação da chamada Interstate Comerce Comission18 - ICC, em 1887, como entes independentes, criados pelo Legislativo para disciplinar os negócios privados, regulamentando atividades e impondo deveres. Porém, cabe ressaltar a anotação de Peci (2007, p. 74) sobre a diferença substancial dos fatores que impulsionaram os marcos regulatórios americano e brasileiro, lembrando que: Diferente da reforma de inspiração liberal do final do século XX, a regulação nos EUA justificou-se com base na defesa que poderia propiciar com relação à excessiva competição. [...] Desde a sua origem, a regulação apresenta-se como uma política intervencionista, cujo principal objetivo era a defesa dos efeitos negativos decorrentes da competição. Seu surgimento e consolidação são potencializados por um ambiente caracterizados por crises profundas do capitalismo e por uma ideologia favorável à maior participação do Estado na vida econômica e social. (PECI, 2007, p. 74). Sobre a adoção deste instituto no contexto nacional, Justen Filho (2005) faz uma análise crítica, arrolando diversos pontos positivos e negativos daí 18 Este primeiro órgão foi criado para combater as práticas de abuso nas ferrovias americanas. A partir dos anos 1930, a regulação como intervenção do Estado na economia é consolidada sob a convicção de que poderia aliviar os efeitos da crise naquele país, ocasionada, para muitos, por uma competição considerada excessiva. Gradualmente, as agências ampliaram seu campo de atuação para outros setores. (PECI, 2007, p. 73). 33 decorrentes, considerando não ser possível fazer uma avaliação mais criteriosa destas entidades sem levar em conta esses diferentes aspectos. Assim, sintetiza como potenciais benefícios, a dinamização de produção normativa, já que os instrumentos tradicionais do Legislativo e do Executivo para a regulação da atividade privada, ou seja, a lei e o regulamento, envolvem dificuldades de ordem formal (demora) e material (conteúdo). Isso porque, como lembra o autor (2005, p. 361) o processo legislativo no Brasil demanda anos e, até mesmo a produção de regulamentos administrativos, “sujeita-se a trâmites temporais imprevisíveis”. Além disso, as normas legislativas genéricas e abstratas eram eventualmente complementadas pelo Executivo, porém, nunca importando maiores inovações na situação jurídica dos particulares. Ademais, tanto a lei quanto o regulamento resultam de interesses políticos, exercitados por autoridades legitimadas pelo processo eleitoral, preocupadas muitas vezes com a adoção de soluções mais agradáveis ao povo, levando à ausência de comprometimento com critérios científicos importantes para atividade regulatória estatal. (JUSTEN FILHO, 2005, p. 362). Situação semelhante se evidencia a propósito da fiscalização dos agentes econômicos privados, já que a atividade fiscalizatória exercida pela Administração central, influenciada diretamente por critérios políticos, não dispõe, na maioria dos casos, de agilidade ou especialização necessárias ao adequado acompanhamento ou verificação de irregularidades no desempenho da atividade privada. (JUSTEN FILHO, 2005, p. 362). Outra vantagem é descrita como a concentração de competências regulatórias em órgãos permanentes e estáveis, o que, ao longo do tempo propicia uma “memória regulatória”, reduzindo o risco de produção de regras sobre questões já discutidas e contradição entre normas posteriores e anteriores, além de criar um amplo conhecimento sobre os riscos regulatórios, por experiências negativas anteriores. (JUSTEN FILHO, 2005, p. 365). Ainda, na visão do autor, as agências criam núcleos de pessoas dotadas de um conhecimento aprofundado acerca de determinada área acarretando maior racionalidade no processo decisório das mesmas. Segundo ele, essa especialização das decisões acaba por tornar tal processo mais fácil e ágil frente a temas tão complexos e de difícil compreensão para os leigos. (JUSTEN FILHO, 2005, p. 366). 34 A instituição da agência também aumenta a visibilidade das decisões e o controle social, visto que sendo “órgãos de competência centralizada e especializada, suas decisões passam a ser muito mais visíveis à própria sociedade” e, ainda, acaba por promover a ampliação dos instrumentos de controle jurisdicional sobre as decisões estatais, pois transferindo-se decisões do âmbito legislativo para as agências, abre-se oportunidade para a instauração de um controle de conteúdo, e não, apenas restrito à constitucionalidade ou à legalidade. Justen Filho (2005, p. 367) cita que “a evidência de que a decisão da agência é incompatível com o conhecimento técnico autoriza sua desconstituição, o que dificilmente pode dar-se no âmbito do controle da constitucionalidade das leis”. Enfim, há a produção de credibilidade política, pois “a atuação estatal por meio de agência é um modo organizado, concentrado e preordenado à geração de legitimidade política, por via do desempenho efetivo e satisfatório” e há ainda, o fracionamento de poder e ampliação de controles, pois, como define o autor: O princípio fundamental da organização política consiste na fragmentação de competências, de modo a gerar um sistema de freios e contrapesos. A redução das competências e a ampliação das estruturas orgânicas estatais é a fórmula essencial para evitar a prepotência das escolhas governativas. A concepção das agências é harmônica com essa filosofia política. Cada agência se torna um núcleo de poder, o que acarreta a redução dos poderes centralizados e a ampliação de instrumentos de acompanhamento e fiscalização das atividades estatais. (JUSTEN FILHO, 2005, p. 368). Já quanto aos riscos inerentes ao modelo, o autor argumenta inicialmente sobre a ausência de instrumentos de legitimação política, já que as decisões das agências, baseadas apenas em critérios técnicos, acabam por afastá-las do âmbito do princípio da soberania popular; há uma ausência de “legitimação democrática” por assim dizer. (2005, p. 369). Além disso, uma das mais graves situações ocorre quando a agência acaba beneficiando interesses dos empresários ao invés do interesse público, o que a doutrina denomina de captura da agência pelo mercado regulado. (2005, p. 369). A ausência de coordenação das diversas agências também pode indicar uma atuação realizada de modo não integrado, cada qual orientando-se apenas para seu fim específico. Igualmente, a exacerbação da especialização técnica, pode levar o regulador à tomada de decisões que ignoram o contexto integral da realidade, adotando “soluções destituídas de razoabilidade”. (2005, p. 372). 35 Enfim, a perda de controle sobre a agência, o risco da burocratização com os mesmos defeitos existentes nos velhos modelos, o desvio de finalidade, mascarando as decisões puramente políticas sob o argumento dos critérios técnicos e instituídas pelo governo como um meio para a responsabilização pela tomada de medidas impopulares, fazendo com que “o governante preserve sua imagem perante os eleitores”, são outros aspectos negativos descritos pelo autor. (JUSTEN FILHO, 2005, p. 373-374). Também Lazzarini (in PROENÇA et al., 2009, p. 63), após fazer uma análise sobre os riscos e benefícios criados nesse contexto, conclui: Lamentavelmente, essa profunda mudança na estrutura da máquina governamental, com a criação de agências, de modo geral, foi marcada pela inexistência de debate sobre as prioridades políticas, sobre o acesso e a universalização de serviços públicos; pela ausência de marcos regulatórios claros; e pela falta de definição dos mecanismos de transparência e de controle social e político. Nem os princípios básicos das agências, como a transparência e a participação, foram adequadamente definidos por uma lei específica, o que ocasionou uma grande diferença entre as formas de atuação desses órgãos. Na maioria dos casos, não houve esclarecimento público sobre o papel dos órgãos criados, o que aumenta a dificuldade para os cidadãos monitorarem o seu desempenho. Sem adentrar, porém, no debate doutrinário existente acerca da defesa ou críticas ao referido modelo, apresentar-se-á a seguir a natureza jurídica de tais entidades, bem como as diversas agências reguladoras existentes, e os vários aspectos de sua autonomia. Tais peculiaridades serão devidamente abordadas nos tópicos posteriores, visto que são essenciais para que se possa compreender a atuação das agências reguladoras na atual estrutura da Administração Pública brasileira. 3.1 A natureza jurídica das agências reguladoras Na lição de Justen Filho (2005, p. 381-382) a determinação da natureza jurídica do objeto de estudo se faz importante na medida em que propicia um resultado prático fundamental, ao uniformizar o tratamento jurídico aplicável a figuras aparentemente distintas entre si; é o que permite descobrir aquilo que é essencial a uma determinada categoria. Segundo ele: 36 A natureza jurídica consiste em um dos instrumentos fundamentais através dos quais se desenvolve o pensamento jurídico. A atividade jurídica da doutrina, mas também dos demais operadores do Direito, produz o agrupamento dos diferentes fenômenos examinados em categorias. Isso significa a necessidade de identificar características e diferenças. Utiliza-se a expressão natureza jurídica para referir-se às qualidades relevantes apresentadas por um fenômeno examinado sob o enfoque jurídico, as quais são utilizadas como critério para a classificação em gêneros, espécies e subespécies. (JUSTEN FILHO, 2005, p. 381). Nesse sentido, de acordo com as normas vigentes no país, todas as agências reguladoras são qualificadas como autarquias especiais, sendo necessário verificar, principalmente, no que consiste a especialidade que vem sendo atribuída pelo legislador a essas entidades. (CUÉLLAR, 2008, p. 78-79). Menezello (2002, p. 62) aponta que dentro dos limites que o sistema jurídico brasileiro impõe, a autarquia seria a entidade administrativa que melhor conseguiria atender às finalidades pretendidas com a criação das agências reguladoras, decorrentes da decisão política de reorganizar o Estado. Ao analisar a necessidade de repensar a estrutura da administração pública e os moldes da prestação dos serviços públicos, Moreira Neto (2001, p. 147) se posiciona nos seguintes termos: Assim é que a descentralização autárquica, depois de um certo declínio, ressurgiu restaurada, como a melhor solução encontrada para conciliar a atuação típica de Estado, no exercício de manifestações imperativas, de regulação e de controle, que demandam personalidade jurídica de direito público, com a flexibilidade negocial, que é proporcionada por uma ampliação da autonomia administrativa e financeira, pelo afastamento das burocracias típicas da administração direta e, sobretudo, [...] pelo relativo isolamento de suas atividades administrativas em relação à arena políticopartidária. Segundo o Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, as autarquias são entidades da administração indireta, conceituadas em seu art. 5º, inciso I, da seguinte forma: o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da administração pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. (BRASIL, 2008, p. 153). Fazendo uma análise da noção contida no referido inciso, Medauar (2010, p. 75) adverte para o uso inadequado do termo autônomo, que poderia levar ao entendimento de que são dotados da mesma autonomia política dos entes 37 federativos. Segundo ela, aqui deve ser entendido como uma maior liberdade de agir quando comparados aos outros órgãos da Administração Direta, uma vez que não são subordinados hierarquicamente a esta última. Para melhor elucidar a questão, cita-se a lição de Meirelles (2005, p. 337) sobre as autarquias: São entes autônomos, mas não são autonomias. Inconfundível é autonomia com autarquia: aquela legisla para si; esta administra-se a si própria, segundo as leis editadas pela entidade que as criou. O conceito de autarquia é meramente administrativo; o de autonomia é precipuamente político. Outra observação acerca da definição de autarquia contida no Decreto-lei mencionado é feita por Mello (2006, p. 145-146) para quem o mesmo carece de precisão técnica, ao deixar de mencionar exatamente o “único traço que interessaria referir: a personalidade de Direito Público” 19 . De acordo com o autor, é essencial suscitar tal ponto, pois é o que realmente permite às autarquias serem titulares de atividades públicas, ao contrário das empresas estatais, que por serem pessoas de Direito Privado, podem apenas receber qualificação para o exercício de tais atividades. Define ele, então, que as autarquias são “pessoas de Direito Público dotadas de capacidade exclusivamente administrativa” e ainda: gozam de liberdade administrativa nos limites da lei que as criou; não são subordinadas a órgão algum do Estado, mas apenas controladas [...] seus assuntos, são assuntos próprios; seus negócios, negócios próprios; seus recursos, não importa se oriundos de trespasse estatal ou hauridos como produto da atividade que lhes seja afeta, configuram recursos e patrimônio próprios, de tal sorte que desfrutam de “autonomia” financeira, tanto como administrativa; ou seja, suas gestões administrativa e financeira necessariamente são de suas próprias alçadas – logo, descentralizadas. Meirelles (2005) pronuncia-se nos seguintes termos: entes administrativos autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de Direito Público interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas. [...]. (p. 337). Sendo as autarquias serviços públicos descentralizados, personalizados e autônomos, não se acham integradas na estrutura orgânica do Executivo, nem hierarquizadas a qualquer chefia, mas tão somente vinculadas à Administração direta [...]. Por esse motivo não se sujeitam ao controle hierárquico, mas, sim, a um controle diverso, finalístico, atenuado, normalmente de legalidade e excepcionalmente de mérito, visando unicamente a mantê-las dentro de suas finalidades institucionais, enquadradas no plano global da 19 Meirelles (2005, p. 338) também manifestava-se de maneira semelhante ao concluir que o conceito de autarquia do Decreto-lei nº 200/67, apesar de aproximar-se da boa doutrina, apresentava defeitos de redação e omitia a personalidade de Direito Público que lhe era essencial. 38 Administração a que se vinculam e fiéis as suas normas regulamentares. (p. 343). Na definição de Justen Filho (2005, p. 101-102) acentua-se ainda a possibilidade de graduação da autonomia, o que permite ao Estado definir, de acordo com os objetivos da descentralização, o nível adequado de inibição de interferência da Administração direta necessário para o desempenho das atividades: “autarquia é uma pessoa de direto público, instituída para desempenhar atividades administrativas sob o regime de direito público, criada por lei que determina o grau de sua autonomia em face da Administração Direta”. Assim, as agências reguladoras foram sendo instituídas como autarquias especiais, dado o maior grau de autonomia conferido a cada uma delas por suas respectivas leis criadoras, de modo que pudessem atingir de forma eficiente os seus objetivos. (CUÉLLAR, 2008, p. 78). A expressão autarquias de regime especial, segundo Medauar (2010, p. 77) surgiu, pela primeira vez, na Lei 5.540, de 28 de novembro de 1968, em seu art. 4º, para indicar uma das formas institucionais das universidades públicas, porém, não estabelecendo, assim como também não o fez o Decreto-lei nº 200/67, a diferença geral entre as autarquias comuns e as autarquias especiais. Meirelles (2005, p. 345), afirmando a imprecisão conceitual que o termo especial suscita, define: “o que posiciona a autarquia como de regime especial são as regalias que a lei criadora lhe confere para o pleno desenvolvimento de suas finalidades específicas, observadas as restrições constitucionais”. Para Medauar (2010, p. 78) as características das autarquias especiais: vão decorrer da lei que instituir cada uma ou de uma lei que abranja um conjunto delas (como ocorre com as autarquias universitárias). Por vezes, a diferença de regime está no modo de escolha ou nomeação do dirigente. Por vezes está na existência de mandato do dirigente, insuscetível de cessação por ato do Chefe do Executivo. Por vezes, no grau menos intenso dos controles. Por vezes, no tocante à gestão financeira. Deixando clara sua postura em relação à falta de uma definição adequada acerca dos regimes especiais das agências reguladoras, definindo-as como fruto da “mal-tramada ‘Reforma Administrativa’, Mello (2006, p. 154) conclui que “a única particularidade marcante do tal regime especial é a nomeação pelo Presidente da República, sob aprovação do Senado, dos dirigentes da autarquia [...]”. Para ele, termos encontrados nas leis instituidoras de tais órgãos, como, por exemplo, 39 “independência administrativa” ou “autonomia administrativa”, “autonomia financeira”, “autonomia funcional” e “patrimonial e da gestão de recursos humanos” ou de quaisquer outros que lhe pertençam, “autonomia nas suas decisões técnicas”, “ausência de subordinação hierárquica”, são elementos intrínsecos à natureza de toda e qualquer autarquia, nada acrescentando ao que lhes é inerente. Nisto pois, não há peculiaridade alguma; o que pode ocorrer é um grau mais ou menos intenso desses caracteres. Já Di Pietro (2005, p. 194) assinala que o regime especial das autarquias vem definido em suas leis criadoras, dizendo respeito, em regra: (a) à maior autonomia em relação à Administração Direta, (b) à estabilidade de seus dirigentes, garantia pelo exercício de mandato fixo, [...], e (c) ao caráter final de suas decisões [...] Por sua vez, Mazza (2006, p. 23) se posiciona nos seguintes termos: Sendo concebidas para realizar, de modo descentralizado, atividades tipicamente administrativas, as agências reguladoras foram criadas como autarquias e submetidas ao cumprimento dos princípios e das normas do direito administrativo. Existem, entretanto, peculiaridades no regime jurídico que diferenciam as agências das autarquias comuns. Daí dizer-se que as agências reguladoras têm um regime especial caracterizado principalmente pela estabilidade de seus dirigentes e pela existência de mandatos fixos, elementos ausentes na disciplina normativa das autarquias em geral, e que terminam por conferir às agências uma autonomia qualificada frente à Administração direta. Na mesma linha, Figueiredo (2004, p. 152) faz a seguinte conclusão acerca da natureza jurídica das agências reguladoras: Todas essas agências já criadas, ou que se pretenda criar, são autarquias especiais – portanto, em relação às quais se propõe tenham maior autonomia, maior flexibilidade para contratar quer seus funcionários, quer com terceiros, etc. Enfim, se estudado minuciosamente seu regime jurídico, verifica-se que se aparta do regime dos entes públicos; entretanto, não podem deixar de ser autarquias. Desta forma, diante do debate acerca da amplitude da autonomia conferida às agências em decorrência do regime especial em que são instituídas, serão apresentadas a seguir as diversas entidades regulatórias brasileiras, a fim de que se possa vislumbrar o conjunto de peculiaridades que fazem com que as agências reguladoras possam ser diferenciadas das demais autarquias existentes no cenário nacional. 40 3.2 As entidades reguladoras federais em sentido amplo Para abordar o tema, traz-se as lições de Di Pietro (2006, p. 457), que conclui: Agência reguladora, em sentido amplo, seria, no direito brasileiro, qualquer órgão da Administração Direta ou entidade da Administração Indireta com função de regular a matéria específica que lhe está afeta. [...] No direito brasileiro, existem, desde longa data, entidades com função reguladora, ainda que sem a denominação de agências. A fim de exemplificar a afirmação, a autora menciona algumas entidades20 como: o Comissariado de Alimentação Pública (1918), o Instituto de Defesa Permanente do Café (1923), o Instituto do Açúcar e do Álcool (1933), o Instituto Nacional do Mate (1938), o Instituto Nacional do Sal (1940) e o Instituto Nacional do Pinho (1941), “todos instituídos como autarquias econômicas, com a finalidade de regular a produção e o comércio”. Além daqueles, cita ainda outros exemplos, como o Banco Central, o Conselho Monetário Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários. (2005, p. 75). No mesmo sentido, Justen Filho (2002, p. 329) lembra da “pré-existência das agências no Direito brasileiro”, muito embora não houvesse maiores preocupações com relação as suas peculiaridades, concluindo: É importante destacar, por isso, que a criação das entidades denominadas agências, na segunda metade da década de 90, não significou consagrar inovações absolutamente originais ou totalmente desconhecidas no universo legislativo brasileiro. Ao contrário, muitas dessas características eram praticadas no Direito brasileiro anterior, ainda que tal se fizesse por entidades não qualificadas formalmente como agências. Com efeito, para que se possa distinguir as agências reguladoras, objeto deste estudo, das demais entidades regulatórias existentes, estas últimas serão abordadas a seguir, de modo a evitar qualquer confusão, visto que não possuem todas as prerrogativas21 conferidas às primeiras. 20 Para tanto, Di Pietro utiliza-se de trabalho elaborado por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, sobre o papel das agências reguladoras e fiscalizadoras, publicado na revista Fórum Administrativo, ano 1, nº 3, p. 253-257. 21 Muito embora suas peculiaridades serão apresentadas posteriormente de modo mais detalhado, em síntese, as agências reguladoras independentes apresentam um conjunto de características simultâneas que permitem sua diferenciação das demais entidades, quais sejam: são autarquias; criadas sob regime especial; dotadas de competência regulatória conferida pela lei respectiva lei de 41 Neste sentido França (2010, p. 146) afirma: Assim, por exemplo, observa-se o caráter especial de provimento dos dirigentes do Banco Central; a acentuação da autonomia das funções do Cade; o poder normativo da CVM. No entanto, essas características não são suficientes para estabelecer o caráter de agência reguladora dessas autarquias, pois estão difusas a cada uma. Ademais, como já posto, as agências reguladoras federais, da forma que foram desenhadas, possuem tais prerrogativas concentradas individualmente. Nesse mesmo entendimento, Alexandre Santos de Aragão (apud FRANÇA, 2010, p. 147) também afirma que não são agências reguladoras independentes: (a) o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central em razão de, apesar de serem reguladores, não possuírem independência; (b) a Comissão de Valores Mobiliários – CVM porque, malgrado ser uma entidade reguladora e possuir autonomia orgânica, não tem autonomia funcional, estando sujeita a recursos para a Administração Direta; (c) o Cade e as universidades públicas, que são entes independentes, mas não são reguladores. Porém, a propósito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, na visão de Cuéllar (2008, p. 130), possui atribuições de ente regulador, porém lhe faltando a mesma autonomia orgânica conferida às agências, devido à possibilidade de exoneração de seus dirigentes. Sobre esta última, Mazza (2006, p. 25) afirma: Nos termos do art 5º, caput, da Lei nº 8.884/1994, o presidente e os conselheiros da entidade poderão perder os mandatos em virtude de decisão do Senado Federal, por provocação do Presidente da República, hipótese assemelhada à exoneração ad nutum. Com relação à CVM, porém, há entendimentos dissonantes, pois como entendido por Cuéllar e também afirmado por Mello (2006, p. 156) trata-se de uma entidade que possui todas as características inerentes ao que se convencionou denominar “agência reguladora”, porém, não vindo a receber essa denominação ao manter seu nome original22. criação; redução do grau de subordinação em face da Administração direta; impossibilidade de revisão dos seus atos por autoridade integrante do Poder Executivo e fontes de receita própria. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 343). 22 Segundo ele (2006, p. 156), isso se deve à inconstitucional MP nº 8, de 31 de outubro de 2001, que fora expedida fora dos requisitos do art. 62 da CF, porém, hoje convertida na Lei nº 10.411, de 26 de fevereiro de 2002, que alterou alguns artigos da lei anterior instituidora da CVM (6.385/76). Com a nova redação, Mello afirma que a CVM passou a dotar exatamente as mesmas características das ditas “agências reguladoras”. 42 Enfim, é adequado mencionar ainda, que existem outros tantos entes estatais que embora não possuam atribuição regulatória, vêm sendo instituídos utilizando a nomenclatura de agência. É o caso da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, Agência Federal de Prevenção e Controle de Doenças – APEC, Agência de Desenvolvimento do Nordeste – ADENE e Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA (CUÉLLAR, 2008, p. 122-124) e da Agência Espacial Brasileira – AEB. (MAZZA, 2006, p. 26). Uma vez esclarecidos os motivos pelos quais se faz possível diferenciar o conjunto das agências reguladoras das demais entidades anteriormente referidas, passa-se à apresentação daquelas primeiras, porquanto são o foco do presente trabalho. 3.2.1 As agências reguladoras federais em espécie Cumpre esclarecer que para a abordagem específica das agências reguladoras, alguns doutrinadores utilizam-se de termos distintos, visando justamente a diferenciação das mesmas diante das outras entidades regulatórias existentes. Como exemplos, pode-se citar Justen Filho (2002, p. 51), Cuéllar (2008, p. 111) e Aragão (2000, p. 280), que as denominam como agências reguladoras independentes. Por sua vez, Marques Neto (2005, p. 55) declara que “menos por razões de purismo conceitual e mais por uma questão didática e metodológica” prefere a expressão autoridades reguladoras independentes para “designar esses entes reguladores da nova geração”. Ainda França (2010, p. 129), adotando a nomenclatura também formulada por Marçal Justen Filho, utiliza a expressão autarquias especiais modernas ou ainda, agências reguladoras modernas para diferenciá-las das outras entidades autárquicas especiais, porém, mais antigas, como por exemplo, o Banco Central, o CADE e a CVM. 43 Atualmente, no âmbito federal, podem ser elencadas dez entidades denominadas como agências reguladoras23 por suas leis instituidoras, incumbidas da regulação em suas respectivas áreas. (LEHFELD, 2008, p. 272-273). São elas: a) Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL: criada pela Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996 - regulamentada pelo Decreto nº 2.335, de 6 de outubro de 1997 – é “vinculada ao Ministério de Minas e Energia, com sede e foro no Distrito Federal” (art. 1º), tendo por finalidade, “regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal” (art. 2). (BRASIL, 2010-B); b) Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL: criada pela Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 - regulamentada pelo Decreto nº 2.338, de 7 de outubro de 1997 - “vinculada ao Ministério das Comunicações, com sede e foro no Distrito Federal” (art. 1º), incumbida de “organizar a exploração dos serviços de telecomunicações” (art. 2º). (BRASIL, 2010C); c) Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP: (redação dada pela Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005): criada pela Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 – regulamentada pelo Decreto nº 2.455, de 14 de janeiro de 1998 – como “órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, vinculada ao Ministério de Minas e Energia” (art. 7º), com “sede no Distrito Federal e escritórios centrais na cidade do Rio de Janeiro, podendo instalar unidades administrativas estaduais” (art. 7º, parágrafo único). Tem por finalidade “promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis” (art. 8º). (BRASIL, 2010-D); 23 Muito embora não sejam o objeto deste estudo, cabe citar a pesquisa realizada por Cuéllar (2008) a qual relata que existem agências reguladoras estaduais e também municipais, geralmente incumbidas de função multissetorial, sendo que suas respectivas legislações vêm conferindo a tais entes as mesmas características das agências federais. Pelo menos 21 Estados contam com a atuação das referidas agências, além do Distrito Federal e outros seis municípios. 44 d) Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA: criada pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999 – regulamentada pelo Decreto nº 3.029, de 16 de abril de 1999 - “vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro no Distrito Federal” (art. 3º), com a “finalidade institucional de promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos e dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e fronteiras” (art. 6º). (BRASIL, 2010-E); e) Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS: criada pela Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000 – regulamentada pelo Decreto nº 3.327, de 5 de janeiro de 2000 – “vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro [...] como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde” (art. 1º). Tem por “finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadas setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País” (art. 3º). (BRASIL, 2010F); f) Agência Nacional de Águas – ANA: criada pela lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000 – regulamentada pelo Decreto nº 3.692, de 19 de dezembro de 2000 – “vinculada ao Ministério do meio Ambiente, com a finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos, integrando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos” (art. 3º), tendo “sede e foro no Distrito Federal, podendo instalar unidades administrativas regionais” (art. 3º, parágrafo único). (BRASIL, 2010-G); g) Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT: criada pela Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001 – regulamentada pelo Decreto nº 4.130, de 13 de fevereiro de 2002 – “vinculada ao Ministério dos Transportes” (art. 45 21), com “sede e foro no Distrito Federal, podendo instalar unidades administrativas regionais” (art. 21, §1º), tendo como objetivos “implementar, em suas respectivas esferas de atuação, as políticas formuladas pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte e pelo Ministério dos Transportes e regular ou supervisionar, as atividades de prestação de serviços e de exploração da infra-estrutura de transportes exercidas por terceiros” (art. 20, I e II). (BRASIL, 2010-H); h) Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ: criada pela Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001 – regulamentada pelo Decreto nº 4.122, de 13 de fevereiro de 2002 - “vinculada ao Ministério dos Transportes” (art. 21), com “sede e foro no Distrito Federal, podendo instalar unidades administrativas regionais” (art. 21, §1º), tendo como objetivos “implementar, em suas respectivas esferas de atuação, as políticas formuladas pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte e pelo Ministério dos Transportes e regular ou supervisionar, as atividades de prestação de serviços e de exploração da infra-estrutura de transportes, exercidas por terceiros” (art. 20, I e II). (BRASIL, 2010-H); i) Agência Nacional de Cinema – ANCINE: criada pela Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001 – regulamentada pelo Decreto nº 4.121, de 7 de fevereiro de 2002 – “vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior” (art. 5º), com “sede e foro no Distrito Federal e escritório central na cidade do Rio de Janeiro, podendo estabelecer escritórios regionais” (art. 5º, §1º), como “órgão de fomento, regulação e fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica” (art. 5º). (BRASIL, 2010-J); j) Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC: criada pela Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005 – regulamentada pelo Decreto nº 5.731, de 20 de março de 2006 – “vinculada ao Ministério da Defesa” (art. 1º), com “sede e foro no Distrito Federal, podendo instalar unidades administrativas regionais” (art. 1º, parágrafo único), competindo-lhe “regular e fiscalizar as 46 atividades de aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária” (art. 2º). (BRASIL, 2010-I). Sobre as entidades acima descritas, faz-se importante a distinção realizada por Di Pietro (2005, p. 193), envolvendo duas fases na criação das mesmas. Segundo ela: Inicialmente, elas começaram a ser criadas para regular atividades econômicas atribuídas ao Estado, com ou sem natureza de serviço público, sendo objeto concessão, permissão ou autorização. Foi o que ocorreu nos setores de energia elétrica, telecomunicações, exploração de petróleo, dentre outros. [...] Após uma primeira fase, [...] foram sendo criadas outras, que exercem típica atividade de polícia, voltadas para outras áreas de atividade privada, [...] A autora explica que as primeiras possuem dupla função ao assumirem “os poderes e encargos do poder concedente” assim como o exercício da atividade regulatória propriamente dita, ou seja, “competência para estabelecer regras de conduta, para fiscalizar, reprimir, punir, resolver conflitos, não só no âmbito da própria concessão, mas também nas relações com outras prestadoras de serviços”. Já as segundas, que exercem o típico poder de polícia, impõem “limitações administrativas previstas em lei, fiscalizam, reprimem, aplicam penalidades”. (DI PIETRO, 2005, p. 193). Já Mazza (2006, p.27-28) em elaboração mais recente, cita três períodos diferentes na criação das agências: entre 1996 e 1997 (primeira geração24), entre 2000 e 2001 (segunda geração), e em 2005 (terceira geração), esclarecendo: As agências de primeira geração (ANEEL, ANATEL e ANP) foram instituídas logo após o processo de privatizações, assumindo a função de gerir e fiscalizar setores abertos à iniciativa privada. [...]. A segunda geração de agências brasileiras (ANS, ANA, Anvisa, ANTT, ANTAQ, [...] e ANCINE)25 não possui vinculação direta com a onda de privatizações. Ao contrário, surgiram atendendo a necessidades peculiares de setores variados, ora para exercer polícia administrativa sobre segmentos específicos, ora para centralizar e racionalizar a concessão de incentivos estatais. [...] Atualmente, com o surgimento da ANAC, identifica-se uma terceira etapa no processo de implementação do sistema regulatório brasileiro com a criação de agências pluripotenciárias, que exercem sobre o 24 Lembrando que o referido autor utiliza-se da terminologia elaborada pela Doutora Dinorá Adelaide Musetti Grotti, apenas, lhe fazendo adaptações. (MAZZA, 2006, p. 27). 25 O autor inclui ainda a ADA (Agência de Desenvolvimento da Amazônia) e a ADENE (Agência de Desenvolvimento do Nordeste) no rol das agências de segunda geração, porém, segue-se a lição de Mello (2006, p. 156) ao argumentar que apesar de serem autarquias, criadas e patrocinadas pelo Executivo, também denominadas “agências”, não se constituem em “autarquias especiais”, não reproduzindo os caracteres jurídicos comuns às agências reguladoras. 47 setor regulado simultaneamente poder de polícia, fomento e tarefas de poder concedente. Por sua vez, Mello (2006, p. 154-156), ao analisar o conjunto de agências existente, apresenta uma subdivisão baseando-se nas atividades a serem reguladas pelas mesmas. Assim, para ele, há as atividades de serviços públicos propriamente ditos, como no caso na ANEEL, ANATEL, ANTT, ANTAQ, ANAC; as atividades de fomento e fiscalização de atividade privada, caso da ANCINE; as atividades exercitáveis para promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, caso da ANP; as atividades que o Estado também protagoniza (e quando o fizer serão serviços públicos), mas que, paralelamente, são facultadas aos particulares, como o caso da ANVISA e ANS; e, por fim, há a agência reguladora do uso de bem público, caso da ANA. Da mesma forma, Mazza (2006, p. 28) faz uma classificação das agências levando em consideração a “atividade preponderante exercida pela entidade”. Assim, segundo ele, são divididas em três categorias: agências de serviço, que exercem atividades típicas de poder concedente, como por exemplo, ANATEL, ANEEL, ANTT, ANTAQ; as agências de polícia, que realizam a fiscalização administrativa sobre setores específicos, moldando as ações dos agentes privados em favor do interesse público, como a ANVISA e ANS; e, as agências de fomento, que gerenciam os incentivos estatais concedidos a setores sociais específicos, como no caso da ANCINE. Peci (2007, p. 84) faz ainda uma crítica ao observar o conjunto das agências e os setores diversos nos quais vem atuando, trazendo a seguinte anotação: Contudo, um dos principais pontos de estrangulamento do modelo regulatório brasileiro está relacionado com a ausência de uma política regulatória. Esse problema pode ser visto como conseqüência do processo de criação das agências (caracterizado pela incoerência e falta de consenso político) e do mimetismo das estratégias formais (ou seja, relativas apenas à discussão da forma organizacional ‘agência independente’) adotadas a nível internacional, sem que tenha havido uma discussão sobre as premissas, a relevância e as funções do modelo. Como resultado, existe um conjunto de entidades reconhecidas como agências reguladoras, mas com objetivos e funções muito diferenciados. Basta comparar agências como a Anatel, a Aneel e a ANTT com a Ancine, na área de cinema, por exemplo. Isso significa que na ausência de macrobalizamentos da política regulatória, o modelo “agência” começa a proliferar em vários setores, sem que, no entanto, seja justificado como uma estratégia formal. 48 A propósito do comentário tecido pela ilustre doutora, Justen Filho, ao prefaciar obra de Leila Cuéllar (2008, p. 9-10) coloca sua opinião sobre o assunto. Aponta ele que “na etapa inicial, as agências foram criadas como parte de uma política orientada a captar investimentos estrangeiros”, o que levou a produzir o entendimento de que o modelo adotado causaria a “desnacionalização da economia brasileira e a submissão aos interesses externos”. A partir de então, Justen Filho aponta que talvez as críticas acima referidas tenham motivado a criação de outras agências, até o final de 2002, em áreas com características bastante distintas com o objetivo de “demonstrar que as agências reguladoras poderiam ser um instrumento útil e adequado para a disciplina das atividades econômicas e dos serviços públicos nos mais diversos setores”. Enfim, na visão do autor, o panorama atual das agências reguladoras demonstra que: a persistência e regularidade da atuação das agências e a redução de preconceitos ideológicos relativamente a elas vêm propiciando um processo de conquista de um prestígio decorrente de virtudes próprias. [...] Passam a ser reputadas como mecanismos indispensáveis ao controle do exercício do poder político estatal e como manifestação estatal da organização das atividades privadas para a realização dos valores fundamentais consagrados pela Nação.26 (in Cuéllar, 2008, p. 10-11). Uma vez elencadas as diversas agências reguladoras criadas no âmbito federal, serão apresentados adiante os aspectos da sua autonomia, porquanto podem ser traduzidos como essenciais à diferenciação das agências reguladoras e demais entidades regulatórias existentes. 26 Contudo, o papel desempenhado pelas agências ainda gera muitas críticas e desconfiança, principalmente, no meio político, sendo vários os projetos e outras proposições encaminhados ao Congresso. Dentre eles, pode ser destacado o PL nº 3337/2004 de autoria do Poder Executivo, que está tramitando na Câmara de Deputados, com a seguinte ementa: Dispõe sobre a gestão, a organização e o controle social das Agências Reguladoras, acresce e altera dispositivos das Leis [...] e dá outras providências. Outros exemplos na Câmara são: o RIC nº 3412/2005 (aprovado), PL nº 1850/2007 (tramitando), PEC nº 371/2009 (tramitando), PFC nº 94/2009 (aguardando parecer). No Senado: PLS nº 705/2007 (tramitando), PRS nº 37/2008 (tramitando), PEC nº 11/2009 (tramitando), esclarecendo, contudo, que este rol não é exaustivo. 49 3.3 A autonomia como característica relevante das agências reguladoras Antes mesmo da abordagem do tema, é imprescindível deixar claro o prisma sob o qual o termo será tratado, pois como lembra Justen Filho (2002, p. 396), a indeterminação semântica do vocábulo autonomia tem sido capaz de gerar muitas controvérsias. Para tanto, no presente estudo, a matéria não será examinada sob o ponto de vista político, mas sim jurídico, ou seja, verificando-a conforme os limites do ordenamento jurídico brasileiro. Nas palavras de Justen Filho (2002, p. 398): a disciplina jurídica acerca da autonomia reflete uma ordenação acerca da distribuição de poder numa sociedade. O Direito concebe uma forma de distribuição de poder entre os diversos segmentos e as variadas instituições. A solução jurídica acerca da autonomia reflete um modelo de partilha de poder, tal como idealmente almejado pela sociedade. Outro fato que merece atenção é a vasta utilização do vocábulo independência para o mesmo significado do vocábulo autonomia, não havendo, em regra, uma opção pacificada entre os doutrinadores27. De todo modo, não sendo objetivo primordial deste trabalho discorrer sobre os argumentos da escolha realizada pelos vários estudiosos do assunto acerca do vocábulo mais adequado, para fins deste tópico, opta-se por não se fazer distinções entre um e outro, muito embora se deva alertar que ao enunciar os assuntos seguintes, utilizando-se a palavra autonomia, estar-se-á referindo-se a matéria muitas vezes abordada na doutrina sob o enunciado da independência. Acerca do assunto, porém, faz-se interessante o posicionamento de França (2010, p. 155): 27 Cabe lembrar que apesar da utilização dos vocábulos autonomia e independência para discorrer sobre o mesmo conteúdo, alguns tratam de utilizá-los sob diferentes vieses. A exemplo, Menezello (2002, p. 64-65) defende que a independência como característica de uma autarquia, é algo inadmissível no ordenamento jurídico pátrio, já que tais órgãos devem sempre estar sob o manto do Estado, permitindo-lhe apenas a autonomia. Da mesma forma, o fazem Alexandre Santos de Aragão e Marçal Justen Filho. Já para Marques Neto (2005, p. 67) a independência é o traço essencial de tais organismos, entendendo serem independentes, mas, nunca imunes aos controles institucionais. Para ele, a autonomia poderia dar a entender que estar-se-ia diante das tradicionais autarquias do direito brasileiro. Compartilham da mesma ideia: Leila Cuéllar, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, entre outros. Por sua vez, Di Pietro (2005, p. 194) utiliza a característica da autonomia das agências reguladoras quando comparadas aos órgãos da Administração Direta, e a independência em relação aos Poderes, entendida nos termos compatíveis ao regime constitucional brasileiro. 50 A autonomia/independência das agências reguladoras federais urge no sentido de sua atuação junto aos particulares detentores das responsabilidades delegadas pelo Estado. Uma vez que não dependem, tecnicamente, financeiramente ou administrativamente de qualquer outro órgão, há condições de estabelecer-se a imparcialidade e, consequentemente, a confiança da população em suas decisões, assim como a devida fiscalização propriamente dita. Antes, porém, de discorre-se sobre o assunto, é fundamental frisar a seguinte questão apontada por Justen Filho (2002, p. 343): Não existe homogeneidade na configuração do regime jurídico das diversas agências reguladoras independentes. Isso permite, inclusive, a variação de intensidade e da extensão da sua autonomia. Deste modo, cabe esclarecer que buscar-se-á neste estudo aquilo que compõe a essência das agências reguladoras em geral e não as particularidades de cada uma delas. Dito isto, passa-se à análise mais criteriosa sobre a questão da autonomia, visto que se trata de importante característica da atuação destas entidades. 3.3.1 A autonomia estrutural Para adentrar na questão, cabe lembrar a lição de Justen Filho (2002, p. 415) que aponta que a autonomia orgânica é “tema de cunho constitucional”, sendo que os únicos órgãos instituídos como autônomos em face aos tradicionais três Poderes, são o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União. O autor esclarece que tal situação não é a mesma que se passa com as agências, ou seja, sua autonomia não se dá em termos absolutos, dada a inexistência de previsão constitucional, reputando-se ainda, que devam ser consideradas como integrantes da estrutura do Poder Executivo, argumentando: O desenvolvimento do modelo de agências sempre caracterizará uma opção infraconstitucional, a ser perseguida no âmbito interno das diversas estruturas delineadas constitucionalmente. Isso significa, antes de tudo, a ausência da obrigatoriedade da instituição das agências. Na visão de Cuéllar (2008, p. 82) os objetivos perseguidos com a instituição das agências reguladoras estão na neutralidade e na imparcialidade das 51 decisões diante dos vários operadores que se apresentam no mercado, criando uma espécie de imunidade em relação às pressões políticas e econômicas. Além disso, a busca pela eficiência, que nas palavras da autora pode ser traduzida pelo “cumprimento de metas e objetivos com o mínimo de gastos, ônus ou efeitos negativos”, faz com que sejam garantidas às agências diversas competências, como por exemplo, as vinculadas à função executiva, à resolução de litígios, à conciliação, entre outras. (CUÉLLAR, 2008, p. 83). Visando o ideal da eficiência regulatória, Cuéllar (2008, p. 83) aponta que há uma ausência de vinculação dos diretores das agências à Administração Direta, concluindo: Essa independência é garantida pela previsão de estabilidade dos diretores, o que se concretiza através da forma de escolha e nomeação desses diretores, por meio da existência de mandato fixo e da impossibilidade de exoneração desmotivada e do estabelecimento de causas de incompatibilidades durante e após findo o mandato. Discorrendo com mais clareza sobre as referidas garantias, Cuéllar (2008, p. 84) destaca que conforme se verifica nas legislações pertinentes às agências, assim como na Lei nº 9.986 de 18 de julho de 200028, os dirigentes das agências são nomeados pelo Chefe do Poder Executivo, devendo tal decisão ser levada à posterior aprovação do Senado Federal,29 para que se verifique acerca do cumprimento das qualificações técnicas necessárias para o desempenho do cargo, assim como a existência de alguma incompatibilidade30 ao exercício da função. Depois de nomeados, os dirigentes passam a ter mandatos fixos, variando entre três a cinco anos, conforme fixado na lei de criação de cada agência, e com a impossibilidade de demissão desmotivada durante o período do mesmo. (CUÉLLAR, 2008). Neste ponto, Menezello (2002, p. 87) lembra que apesar da regra do sistema jurídico brasileiro para o dirigente público ser a demissão livre a qualquer 28 Segundo seu art. 5º, alguns requisitos são exigidos para a investidura em cargo de direção de agência, sendo eles: a nacionalidade brasileira, a reputação ilibada, a formação universitária e o elevado conceito no campo de especialidade. 29 Procedimento previsto no art. 52, inciso III, alínea “f”, da Constituição Federal de 1988. 30 Cuéllar (2008, p. 91-92) lembra que não pode ser nomeado diretor aquele que for acionista ou sócio de empresa regulada; o indivíduo que for membro dos conselhos de qualquer espécie, de empresa regulada, assim como a pessoa que for empregada nesta última. Além disso, há um período de “quarentena”, no qual o ex-diretor da agência não poderá exercer atividades em empresas reguladas. Tal período não apresenta uniformidade entre as legislações pertinentes a cada agência, sendo, porém, na maioria dos casos, de doze meses. 52 momento, também traduzida como demissão ad nutum, esta não pode ser aplicada às agências. Assim argumenta: Não se trata aqui de um privilégio dado aos dirigentes da agência, mas de requisito essencial para resguardar o princípio da segurança jurídica para os agentes regulados, objetivando maior continuidade nos atos regulatórios. De qualquer modo, não se cogita que os administradores não possam perder seus cargos, o que só acontecerá nos casos de renúncia, sentença judicial condenatória transitada em julgado ou decisão em processo administrativo disciplinar, conforme art. 9º da Lei nº 9.986/00, que prevê ainda em seu parágrafo único, que “a lei de criação da Agência poderá prever outras condições para a perda do mandato”. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 462). Assim, o referido autor conclui que “a garantia contra a exoneração discricionária se destina a proteger o ocupante do cargo da agência contra o risco de ser afastado em virtude de manifestações populistas ou clientelistas”. (2002, p. 462). A questão, porém, suscita críticas, a exemplo de Mello (2006, p. 160), que se coloca desfavorável ao modelo de estabilidade dos dirigentes das agências reguladoras, determinando que tais mandatos só poderiam “operar dentro do período governamental em que foram nomeados”, sob pena de “engessar a liberdade administrativa do futuro Governo”. Por sua vez, Figueiredo (2004, p. 146) apresenta opinião diversa da de Mello, ao afirmar: Acreditamos que, se não houve empeço constitucional, tal seja, a atribuição à agência de competências que não lhe possam ser outorgadas, não parece que seja atentatório à independência dos poderes limitar a atuação do Chefe do Executivo, obstando-lhe a possibilidade de fazer e desfazer a seu talante. Até seria muito salutar para que não houvesse troca de favores, mas, sim, total independência. Sobre os mandatos, o art. 7º da Lei nº 9.986/00 preceitua que a “lei de criação de cada agência disporá sobre a forma não-coincidente de mandato”, sobre a qual Justen Filho (2002, p. 446-447) explica: A descoincidência dos mandatos se produz a partir da diferenciação do primeiro mandato dos membros da agência. Alguns são nomeados para prazos mais reduzidos de atuação. A partir daí, o mandato apresenta igual duração, mas se produz a descoincidência. Isso significa que os administradores não terão sido todos nomeados pelo mesmo Presidente, do que deriva ampliação da autonomia política da agência. 53 Justen Filho (2002, p. 426) também esclarece que, muito embora não haja previsão constitucional sobre um modelo específico para a estruturação da agência, a opção do órgão colegiado foi acolhida, ao menos em nível federal, pela Lei nº 9.986/00, que estabelece que “a pluralidade de sujeitos titulares da competência conjunta para deliberar sobre esses assuntos neutraliza as influências políticas externas à agência.” Para Marques Neto (2005, p. 73) a estabilidade dos dirigentes assegura que o regulador poderá exercer suas atribuições sem sofrer as ameaças políticas do poder central, tendo sido abordada, inclusive, em decisão do Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar na ADI nº 2.310-DF, onde o Senhor Ministro Marco Aurélio de Mello, se pronunciou asseverando que: Ninguém coloca em dúvida o objetivo maior das agências reguladoras, no que ligado à proteção do consumidor, sob os mais diversos aspectos negativos – ineficiência, domínio de mercado, concentração econômica, concorrência desleal e aumento arbitrário de lucros. Hão de estar as decisões destes órgãos imunes a aspectos políticos, devendo fazer-se presente, sempre, o contorno técnico. É isso o exigível não só dos respectivos dirigentes – detentores de mandato -, mas também dos servidores [...](BRASIL, 2010-V) Aliada à estabilidade dos dirigentes, Marques Neto (2005, p. 75) cita ainda “a ausência de mecanismos típicos do controle hierárquico”, que acabam contribuindo exatamente no mesmo sentido, visto que seus atos não são passíveis de anulação, revisão ou revogação pela administração central. Contudo, lembra-se que tal discussão será abordada em momento adequado porquanto se trata de matéria relacionada à autonomia funcional das agências. Assim, uma vez apresentados os instrumentos que visam garantir a autonomia estrutural dos entes reguladores, passa-se ao estudo da autonomia na obtenção de recursos econômico-financeiros, fundamental para garantir o bom funcionamento e a independência dos entes reguladores. 3.3.2 A autonomia econômico-financeira Justen Filho (2002, p. 473), compartilhando de opinião semelhante à de Marques Neto (2005, p. 77), lembra que a disponibilidade de recursos materiais se 54 faz imprescindível para que as agências desempenhem suas funções de maneira adequada, devendo ser instituídos meios automáticos para a obtenção dos mesmos, evitando que a entidade venha a sofrer com as tradicionais pressões políticas existentes. Assim, além da transferência de patrimônio que lhes é feita quando da sua instituição e dos fundos orçamentários gerais, garantidos pelo envio de proposta orçamentária ao respectivo Ministério ao qual estejam vinculadas, as agências contam com outras fontes de receitas próprias, como citado por Cuéllar (2008, p. 99): recursos oriundos de arrecadação de taxas de fiscalização sobre as atividades reguladas, produtos de multas, emolumentos e retribuição de serviços prestados a terceiros, rendimentos de operações financeiras, recursos provenientes de convênios, acordos ou contratos celebrados, doações, legados, dentre outros que forem destinados e valores apurados na venda ou aluguel de bens móveis ou imóveis de propriedade das agências. Cuéllar (2008, p. 99-100) ressalta que no Direito brasileiro não são raras as discussões acerca da natureza jurídica das referidas receitas regulatórias que, em síntese, dependerão da natureza da atividade regulada e da disciplina específica de cada agência. Deste modo, a autora, utilizando-se das lições de Alexandre Santos de Aragão, expõe que: em relação às agências reguladoras de serviços públicos ou de exploração privada de monopólios ou bens estatais, não se trata de taxa, vez que a agência não exerce poder de polícia, mas um dever de fiscalização sobre os concessionários, inerente ao Poder Concedente. No que tange as atividades econômicas privadas, tais ‘taxas de regulação’ podem ser ‘taxas’, quando a sua exação visar somente a realização da justiça fiscal correspectiva à atividade de fiscalização desempenhada pela agência, ou ‘contribuições de intervenção no domínio econômico’, nas hipóteses em que se destinarem ao fomento e à conformação do próprio setor regulado. Já Justen Filho (2002, p. 478), ao analisar a questão pelo ângulo tributário, afirma que a receita própria gerada através da cobrança de taxa de fiscalização, se constitui naquela mais adequada ao caso das agências a despeito das tarifas ou contribuições, pois segundo ele, tal taxa se relaciona ao exercício estatal do poder de polícia que é típico da competência regulatória das agências, servindo para custear exatamente tal atividade. Em outras palavras, na medida em que a regulação é atividade tipicamente estatal, não caracterizando prestação de serviço público algum, não há 55 razão para exigir-se remuneração tarifária face à atuação das agências. No mesmo sentido, a contribuição (de intervenção no domínio econômico) também seria inadequada para o custeio das atividades das agências, vez que é tributo destinado ao fim único de promover efeitos interventivos na economia, “visando a influenciar o desempenho do mercado e obter rendimentos para implementação das políticas públicas”. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 477). A seguir passa-se para a questão da autonomia funcional, que de antemão pode ser definida como a característica que suscita maiores discussões em decorrência da atividade normativa que lhe é inerente. 3.3.3. A autonomia funcional Como já mencionado anteriormente, este pode ser definido como um dos aspectos essenciais para a independência das agências reguladoras, conforme diversos estudiosos do tema. Segundo Cuéllar (2008, p. 94): cabe a cada ente regulador desempenhar suas atribuições regulatórias (em síntese, regulamentação, supervisão e aplicação de sanções) de forma autônoma, sem qualquer ingerência externa, por parte do Poder Executivo ou dos demais poderes. Além disso, a autora conclui que a autonomia funcional deriva das decisões que emitem, já que as mesmas não são passíveis de serem revisadas por demais autoridades dentro da esfera administrativa. (2008, p. 94). Com efeito, porém, lembra-se que a revisão de suas decisões caberia ao Poder Judiciário, como afirma Di Pietro (2005, p. 211): Na medida em que se reconhece, sem qualquer controvérsia, a possibilidade do Judiciário examinar matéria de fato, por mais técnica que seja (e o faz em regra com a ajuda de peritos), e na medida em que é perfeitamente possível o abuso de poder, o arbítrio, o erro, o dolo, a culpa, no estabelecimento de critérios técnicos, também não se pode deixar de reconhecer que a chamada discricionariedade técnica pode causar lesão ou ameaça de lesão e, portanto, ensejar correção judicial. De modo adequado à abordagem desta temática, Justen Filho (2002, p. 482) lembra que: 56 a autonomia das agências no desenvolvimento de suas funções envolve uma análise acerca de suas competências para aplicação do Direito. A expressão pode ser interpretada em termos amplos, quer para indicar a produção de normas abstratas como também para referir o processo de individualização da norma concreta destinada a reger uma situação específica. As agências exercitam não apenas competências de cunho normativo. Também são titulares de outras funções tipicamente administrativas, de cunho autoritativo, com perfil amplamente conhecido no âmbito do Direito Administrativo. Assim, também França (2010, p. 165) aponta os diversos campos de atuação das referidas entidades, como, por exemplo, “regulamentando, sancionando, fiscalizando, dirigindo, mediando, arbitrando, coordenando os envolvidos nos mercados econômicos [...]”. Ainda, entende ele, que: tais atividades devem, necessariamente, ter a devida previsão em lei específica, além de estarem dotadas de todos os deveres e prerrogativas decorrentes do âmbito administrativo, estabelecendo claramente seus delineios, demonstrando em termos legislativos, a evolução de suas concepções perante os demais órgãos do Poder Público. Assim, no mesmo tocante, submetem-se aos limites que os partícipes da esfera administrativa detêm. Porém, novamente traz-se o posicionamento de Justen Filho (2002, p. 483) acerca de que o mero entendimento de que as agências são parte da Administração Pública não é condição suficiente para determinar a natureza dos poderes reconhecidos às mesmas, restando controvérsias quanto às margens de sua autonomia perante a lei ou às políticas fixadas pelo Governo. O autor frisa o fato da questão polêmica não estar relacionada às “funções administrativas propriamente ditas”, ou seja, aquelas típicas a qualquer ente autárquico, mas sim, à “possibilidade de as autoridades independentes produzirem normas abstratas”, além de algumas divergências acerca da extensão de suas atribuições na aplicação de normas para o caso concreto. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 483). Desta forma, diante da temática relacionada aos limites da competência normativa atribuída às agências reguladoras, que inevitavelmente suscita divergências entre os estudiosos do âmbito do Direito Administrativo, buscar-se-á, no capítulo posterior, apresentar os posicionamentos existentes acerca do assunto. 57 4 A NATUREZA JURÍDICA DA ATRIBUIÇÃO NORMATIVA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS DIANTE DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Moreira Neto (2001, p. 162) afirma que o êxito do modelo das agências reguladoras deve-se não apenas a sua “descentralização, mas, e, principalmente, pela outorga de competência normativa sobre o setor que administram”, levando-o a ser adotado em vários países, inclusive no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, não raras vezes, percebe-se na doutrina a discussão acerca dos atos normativos expedidos pelas agências reguladoras, na tentativa de definir-se a natureza jurídica dos mesmos, levando-se em consideração os limites da ordem jurídica brasileira. Com efeito, a fim de demonstrar a afirmação realizada, buscar-se-á apresentar adiante os diversos comentários tecidos pela doutrina acerca do tema, evidenciando a relevância do mesmo no cenário jurídico nacional. Para tanto, dispõe-se os mesmos respeitando a ordem cronológica das obras, de modo a destacar sua importância ao longo do tempo, e, ainda, a contemporaneidade do assunto. Em criterioso estudo sobre o direito das agências reguladoras, Justen Filho (2002, p. 483) aponta: O poder de gerar normas de natureza e eficácia abstratas é uma das formas de exercício da competência regulatória estatal. Cabe verificar a viabilidade de sua atribuição a um órgão autárquico integrante do Executivo, o que envolve o exame de pressupostos tradicionalmente afirmados e admitidos no pensamento jurídico nacional. Com relação à matéria, Celso Ribeiro Bastos (in MENEZZELO, 2002, p. 16), ao prefaciar a obra, bem sintetiza a dissonância dos estudiosos: No que tange ao poder normativo dessas agências reguladoras, é interessante salientar que parte da doutrina considera-o uma afronta ao princípio da legalidade e da separação dos poderes [...]. No entanto, a maioria da doutrina não verifica nesse fato nenhuma violação ao princípio da separação dos poderes, posto que toda a administração pública, inclusive as agências reguladoras, deve pautar sua atuação na lei. Ademais, Figueiredo (2004, p. 143) faz a seguinte anotação acerca da competência normativa em questão: 58 O nosso ordenamento jurídico não permite que obrigações, proibições, constrangimentos aos administrados, façam-se por outro meio que não a lei (art. 5º, inciso II), obrigando-nos, destarte, a grande esforço de intelecção para o deslinde de quais sejam os limites do órgão regulador. Por sua vez, Meirelles (2005, p. 348) aponta o seguinte ensinamento: Tem-se contestado o poder normativo conferido às agências, mas esse poder normativo há de se cingir aos termos de suas leis instituidoras e aos preceitos dos decretos regulamentadores expedidos pelo Executivo. Já Aragão (2006, p. 2), mesmo reconhecendo a existência de diversas outras características institucionais também geradoras de divergências em relação às agências, afirma: Não há, contudo, tema do Direito Regulatório brasileiro que suscite tamanha discussão, tanto na doutrina como na prática contenciosa, administrativa e judicial, que o da amplitude, limite e controles do poder normativo das agências reguladoras, ou seja, da sua competência para emitir normas gerais e abstratas disciplinando o exercício de atividades econômicas por particulares. No mesmo sentido, Carvalho Filho (2006, p. 52), ao atentar-se para o fato de que seria inviável a regulação dos diversos setores da vida social sem a edição de atos que incidam, inevitavelmente, sobre o campo regulado, resume que “várias controvérsias têm surgido a respeito da natureza jurídica do poder normativo outorgado às agências reguladoras”. Com efeito, Mello (2006, p. 157) apresenta seu posicionamento receoso com relação à produção normativa das agências ao mencionar: O verdadeiro problema com as agências reguladoras é o de se saber o que e até onde podem regular algo sem estar, com isto, invadindo competência legislativa [...]. Desgraçadamente, pode-se prever que ditas “agências” certamente exorbitarão de seus poderes. Moreira (in ARAGÃO, 2006, p. 114) traz a seguinte anotação: Como se sabe, as agências reguladoras brasileiras efetivamente emanam normas gerais e abstratas. Isso se dá todos os dias, num ritmo nunca dantes experimentado: a profusão de tais atos normativos é patente. Contudo, e infelizmente, nem sempre eles respeitam a Constituição da República e a legislação ordinária. Há alguns desvios e excessos que merecem ser postos em foco pela doutrina, quando menos visando aos seguintes objetivos: o estímulo ao debate, a consolidação do respectivo controle jurisdicional e a inibição dos eventuais abusos futuros. 59 Da mesma forma, Mazza (2006, p. 29) anota que tal tema é o de maior interesse prático com relação às agências reguladoras, ao dizer que: Carecendo de uma investigação mais pormenorizada, o assunto desperta preocupação diante do cenário atual de descrédito do Legislativo e do Executivo. Isso porque a comunidade jurídica e o Judiciário demonstram uma certa tolerância diante do “ímpeto legiferante” das agências [...] Cuéllar (2008, p. 57) também reforça a necessidade da emanação de normas jurídicas no desempenho da função regulatória atribuída às agências. Para ela: Logo, conclui-se que a atribuição de poder-dever normativo às agências independentes é inerente ao seu papel regulador. Não se regula sem competência normativa. Aliás, quanto a isso não há controvérsia alguma: esta se instala quando do debate a propósito dos limites materiais dessa competência essencial à regulação. Araújo (2008, p. 100), propondo-se a “analisar a repercussão do agigantamento do ambiente normativo do Estado brasileiro, verificado a partir do advento do Estado regulador”, comenta: as agências reguladoras independentes já possuem mais de 11 anos de existência no Brasil e seu surgimento causou certa apreensão na comunidade jurídica, em face de disporem de amplos poderes, em especial, o normativo, normalmente incomuns na Administração Pública tradicional. Também França (2010, p. 166), de modo semelhante aos autores citados anteriormente, define que “o poder normativo das agências reguladoras é o ponto de maior inquietude entre os doutrinadores no que tange a sua abrangência e seus limites”, asseverando ainda: A constitucionalidade das normas administrativas regulatórias, bem como sua capacidade de exigir ou proibir determinadas atitudes dos regulados, ainda é tema de variáveis posições entre os autores que se dedicam a estudá-la. Assim, evidenciado o embate acerca do conteúdo, passa-se a discorrer sobre alguns princípios basilares do Estado de Direito, porquanto se traduzem em pressupostos essenciais para o adequado entendimento dos posicionamentos doutrinários acerca da natureza jurídica da competência normativa das agências reguladoras, que serão posteriormente apresentados. 60 4.1 Princípios constitucionais norteadores da atividade normativa estatal Para iniciar o tópico em questão, vale-se da lição de Di Pietro (2005, p. 194) na qual aponta que às agências reguladoras costuma-se atribuir certa independência frente aos Poderes do Estado, embora tal característica deva ser interpretada com base nos preceitos constitucionais brasileiros. No mesmo sentido, Souto (in ARAGÃO, 2006, p. 97) observa que: A regulação é atividade administrativa, que deve se desenvolver, com autonomia e independência, dentro dos limites da lei, podendo ser praticados atos administrativos normativos que orientem o seu cumprimento e seu desempenho controlado, tomando por base a observância dos princípios constitucionais aplicáveis à Administração Púbica31. Deste modo, verifica-se no campo doutrinário a existência de vários estudos dedicados ao tema, com foco nos diversos princípios da esfera constitucional32. Contudo, para os fins específicos deste trabalho, analisar-se-á o Princípio da Legalidade, bem como o Princípio da Separação dos Poderes, porquanto são os que suscitam maiores questionamentos quanto à legitimidade da atribuição normativa conferida às agências reguladoras. Acerca disso, Justen Filho (2002, p. 498) lembra que “as novas configurações político-econômicas contemporâneas” acabam promovendo uma série de fundamentações teóricas sobre a instauração de novos modelos de fontes de Direito, citando as palavras de Carlos Ari Sundfeld, que afirma que: “o que o direito global parece pôr em xeque é o princípio da legalidade e a separação dos poderes, considerados por muitos a alma do direito administrativo” Demonstrando a relevância da análise dos princípios referidos, Cuéllar (2008, p. 57) também aponta: Questão importante a ser salientada relaciona-se com a fixação do conteúdo e dos limites do poder normativo das agências, tendo em vista 31 Tais princípios estão elencados no art. 37 da Constituição Federal de 1988, sendo eles: da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. 32 Para exemplificar a afirmação, cita-se a obra de Marcos Juruena Villela Souto – As agências reguladoras e os princípios constitucionais; Carlos Roberto Siqueira Castro - Função normativa regulatória e o novo princípio da legalidade; Glauco Martins Guerra - Princípio da legalidade e poder normativo: dilemas da autonomia regulamentar; Tercio Sampaio Ferraz Junior - O poder normativo das agências reguladoras à luz do princípio da eficiência; Fábio Barbalho Leite - O controle jurisdicional de atos regulamentares das agências reguladoras diante do princípio da moralidade administrativa. 61 especialmente os princípios da separação dos poderes e da legalidade, previstos na Constituição brasileira. Assim, a análise de tais princípios possibilitará identificar as circunstâncias do seu surgimento desde a concepção clássica do modelo de Estado, perpetuando-se ao longo do tempo, até os dias atuais. Diante do que fora apresentado, e, ainda, com amparo nas palavras de Ferraz Júnior (in ARAGÃO, 2006, p. 177) para o qual “o questionamento acerca do poder normativo das agências insere-se no âmbito dessa busca dos fundamentos e limites constitucionais impostos a essas entidades pela Constituição pátria”, faz-se indispensável, para a análise da temática principal deste trabalho, discorrer-se acerca dos princípios anteriormente referidos. 4.1.1 O princípio da separação dos poderes Tendo em vista a polêmica questão da atribuição normativa às agências reguladoras diante da ordem jurídica pátria, abordar-se-á no presente momento a Tripartição dos Poderes, previsto no art. 2º33 da Constituição Federal de 1988, que é tão basilar da ordem jurídica brasileira quanto o Princípio da Legalidade. Relativo ao princípio em questão, percebe-se que há um certo consenso de opiniões quanto à sua flexibilização nos vários países. Numa referência histórica, Silva (2008, p. 109) lembra que: O princípio da separação dos poderes já se encontra sugerido em Aristóteles, John Locke e Rousseau, que também conceberam uma doutrina da separação dos poderes, que, afinal, em termos diversos, veio a ser definida e divulgada por Montesquieu. [...] Tornou-se, com a Revolução Francesa, um dogma constitucional [...] Segundo o referido autor (2008, p. 109) a divisão ou separação de poderes fundamenta-se em dois elementos, quais sejam: a especialização funcional e a independência orgânica. Assim, quanto ao primeiro deles, pode ser resumido como a especialização que cada Poder possui no exercício de sua função respectiva, ou seja, a função legislativa, executiva e a judiciária. Já a independência 33 Art. 2º- São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. 62 orgânica traduz-se na necessidade da ausência de meios de subordinação entre os Poderes, tratando-se, pois, conforme as palavras do autor, “de uma forma de organização jurídica das manifestações do Poder”. Sobre o assunto, Canotilho (2003, p. 558) aponta a seguinte lição: Através da atribuição a um órgão ou grupo de órgãos de uma função específica fundamental, visa-se obter o velho desiderato do equilíbrio de poderes e de um governo moderado, tal como Montesquieu o definiu [...] Esta ideia de governo moderado centrada no balanço e controlo recíproco de poderes configura-se e concretiza-se de forma diversa nos vários ordenamentos constitucionais [...] Da mesma forma, Justen Filho (2002, p. 344-345) concorda que tal teoria nunca pode ser aplicada de forma homogênea e radical nos diversos países, o que, segundo ele, pode ser comprovado se observados os diferentes tipos de organização institucional existentes. Com efeito, Silva (2008, p. 109) afirma que tal princípio “hoje, [...] não configura mais aquela rigidez de outrora”, dadas “as ampliações das atividades do Estado contemporâneo”. Desse modo, no parlamentarismo prefere-se falar em colaboração de poderes, enquanto no presidencialismo, menciona-se que “desenvolveram-se as técnicas da independência orgânica e harmonia dos poderes”. Para tanto, cabe citar a lição de Canotilho (2003, p. 575), que argumenta sobre a crise da separação dos poderes, ao discorrer sobre a tipologia de formas de governo, explicando: Alguns dos critérios tradicionais estão hoje em crise. É o caso do critério da divisão de poderes (ou de separação de poderes) com base no qual se distingue entre formas de governo como separação rígida de poderes (forma monárquico, constitucional e forma presidencial) e forma de governo com separação flexível, denominada pela colaboração – confusa de poderes (forma parlamentar). É um critério abandonado por três razões principais: (1) permanece vinculado à concepção clássica de divisão de poderes, interpretada (de forma “mítica”) como um esquema de correspondência perfeito entre órgão, função exercida e forma dos actos; (2) não tem potencialidades diferenciadores suficientes, pois “mete no mesmo saco” uma monarquia constitucional e uma republica presidencial; (3) não corresponde ao esquema dinâmico de separação e interdependência dos órgãos de soberania nos estados democráticos da actualidade. Aragão (2001, p. 61), autor de vários textos acerca do referido princípio, afirma que: Se retirarmos o caráter dogmático e sacramental impingido ao princípio da separação dos poderes, ele poderá, sem perder a vitalidade, ser colocado em seus devidos termos, que o configuram como mera divisão das 63 atribuições do Estado entre órgãos distintos, ensejando uma salutar divisão de trabalho e um empecilho à, geralmente, perigosa, concentração das funções estatais. No mesmo sentido, Kelsen (2000, p. 385), ao discorrer sobre o conceito de “separação de poderes”, afirma que se trata de um “princípio de organização política” que pressupõe que os “três poderes podem ser determinados como três funções distintas e coordenadas do Estado, e que é possível definir fronteiras separando cada uma dessas três funções” asseverando, no entanto, que tal “pressuposição não é sustentada pelos fatos”, argumentando o seguinte: Como vimos, não há três, mas duas funções básicas do Estado: a criação e a aplicação do Direito, e essas funções são infra e supra-ordenadas. Além disso, não é possível definir fronteiras separando essas funções entre si, já que a distinção entre criação e aplicação de Direito – subjacente ao dualismo de poder legislativo e executivo (no sentido mais amplo) – tem apenas um caráter relativo, a maioria dos atos do Estado sendo, ao mesmo tempo, atos criadores e aplicadores de Direito. É impossível atribuir a criação de Direito a um órgão e a sua aplicação (execução) a outro, de modo tão exclusivo que nenhum órgão venha a cumprir simultaneamente ambas as funções. Retomando-se, pois, os ensinamentos de Justen Filho (2002, p. 345) o mesmo lembra que, de fato, o sistema da tripartição nunca esteve vinculado com a implantação de uma ordem democrática, tal como vivida nos dias atuais. Segundo ele, nem mesmo através da leitura do próprio texto de Montesquieu, pode-se verificar a vinculação entre um e outro, em especial, “pela situação jurídica e política do século XII”, como lembrado pelo autor. Desse modo, conclui ele que a teoria da separação dos poderes visa estabelecer “o equilíbrio entre os diversos estratos titulares de poder em uma ordem jurídica”, sem, contudo, determinar como seria feita tal distribuição de poder, levando-o a afirmar: Portanto, seria um equívoco imaginar uma relação inalterável entre a configuração original da separação de poderes e uma ordem democrática. Um dos fatores de maior relevância para a alteração dessa relação se relaciona ao tema da participação popular na formação dos corpos políticos. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 345). Assim, percebe-se um consenso doutrinário ao admitir-se que a teoria da separação dos poderes não contempla todas as competências estatais hoje existentes. Sobre a questão, Justen Filho (2002, p. 350) assevera: 64 a situação se agravou radicalmente com a consagração de concepções interventivas para o Estado, o que importou a implantação da complexidade de questões sob disciplina estatal. Guerra (in ARAGÃO, 2006, p. 207), ao desenvolver estudo sobre o problema da legitimidade decisória das agências reguladoras no plano do direito constitucional brasileiro, aponta que o equilíbrio entre os três poderes, aquele nos moldes do Estado liberal, vem abalado desde a formação do Estado regulador brasileiro a partir dos anos 30, com a criação de entidades do Executivo, incumbidas da regulação nos seus respectivos setores. Segundo ele: Já nessa época o equilíbrio entre os três poderes, tal como concebido no modelo de Estado liberal, foi posto em cheque. E nesse momento parte dos juristas brasileiros procuraram enfrentar a questão para dar sentido à delegação legislativa num contexto no qual a ampliação das funções do Poder Executivo davam margem à ampliação do poder discricionário da administração pública. [...] enfrentar a delegação legislativa como um fato inerente ao fenômeno do Estado regulador e dar sentido à delegação legislativa para garantir o controle democrático de processos decisórios sobre a formulação de políticas públicas pelo Executivo implica pensar a separação de poderes dentro de um novo conceito de democracia. (GUERRA in ARAGÃO p. 207-208). Para Guerra, a concepção teórica clássica de separação de poderes, formulada num contexto muito diverso ao atual, “não consegue dar conta do grau de complexidade das relações sociais inerentes ao fenômeno do Estado regulador”, observando que, “o debate sobre a legitimidade democrática da ação regulatória do Estado ficaria, assim, restrito a conceito formal de legalidade”. (GUERRA in ARAGÃO, p. 207-208). Bruna (2003, p. 71) também se manifesta acerca da concepção clássica da teoria, afirmando que não obstante a mesma ter sido concebida originalmente com a supremacia do Legislativo frente aos outros poderes, atualmente “passa a ser marcado por uma gradativa proeminência do Poder Executivo, gerando a necessidade de certo rompimento com as concepções tradicionais”. Por sua vez, Mello (2006, p. 331), ao defender o princípio constitucional da indelegabilidade, apontando que o mesmo decorre diretamente do art. 2º da Constituição Federal de 1988, afirma que se os poderes pudessem delegar uns aos outros as funções que lhe são próprias, “a tripartição proclamada pela Lei Maior não estaria nela ou por ela assegurada”, argumentando: 65 Tal indelegabilidade, portanto, não é homenagem vã aos ocasionais detentores das distintas funções estatais. Significa, isto sim, cautela estatuída em prol dos administrados, isto é, óbice a que qualquer dos Poderes se demita de sua missão própria ou seja complacente com o uso de atribuições suas, trespassando-as para outro Poder, no que estaria derrocando todo o sistema de repartição de Poderes, concebido para a proteção dos indivíduos. Enfim, como ressaltado por Justen Filho (2002, p. 352) “se existe uma experiência comum entre os Estados ocidentais, essa reside na constatação da insuficiência da modelagem oitocentista para a estrutura estatal”. Isso, segundo ele, diante de uma intensa “reordenação das funções e competências estatais” ocorridas durante a segunda metade do século XX. Assim, afirma que se torna praticamente impossível analisar a questão da teoria da separação dos poderes nas diversas óticas existentes, visto que quase a totalidade dos estudos constitucionais reporta ao tema. Contudo, baseando-se na observação do jurista Clèmerson Merlin Clève, Justen Filho (2002, p. 352) concorda que tal princípio “não pode ser esquecido nem abandonado, ainda que a sua aplicação rígida seja incompatível com a realidade social contemporânea”. Assim, convém citar as palavras de Clève (2000, p. 44): A missão dos juristas, hoje, é a de adaptar a idéia de Montesquieu à realidade constitucional de nosso tempo. Nesse sentido, cumpre aparelhar o Executivo, sim, para que ele possa, afinal, responder às crescentes exigentes demandas sociais. Mas, cumpre, por outro lado, aprimorar os mecanismos de controle de sua ação, para o fim de torná-los (os tais mecanismos) mais seguros e eficazes. Uma vez feitas as considerações acerca do princípio da separação dos poderes, apesar da clara impossibilidade de esgotar o assunto, como colocado acima, passa-se à abordagem do princípio da legalidade, já que tão pertinente à temática principal deste trabalho quanto o princípio ora analisado. 4.1.2 O princípio da legalidade Explica Moraes (2007, p. 36) que, visando uma atuação estatal não arbitrária, dispõe o art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, que “ninguém será 66 obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim, somente através do adequado cumprimento às regras do processo legislativo, é que poderão ser criadas obrigações para os indivíduos de forma legítima, visto que o Parlamento é considerado como a expressão da vontade geral. Da mesma forma, Silva (2008, p. 420) lembra que tal princípio “é nota essencial do Estado de Direito”, devendo entender-se que está sujeito ao “império da lei”, porquanto esta se traduziria numa lei garantidora de justiça e igualdade, entendida como representação da vontade popular. Segundo ele, o texto relativo ao inciso II, do art. 5º, deve ser compreendido da seguinte forma: dentro do sistema constitucional vigente, mormente em função de regras de distribuição de competência entre os órgãos do poder, de onde decorre que o princípio da legalidade ali consubstanciado se funda na previsão de competência geral do Poder Legislativo para legislar sobre matérias genericamente indicadas, de sorte que a idéia matriz está em que só o Poder Legislativo pode criar regras que contenham, originariamente, novidade modificativa da ordem jurídico-formal [...].(SILVA, 2008, p. 420). Ainda, a fim de que se possa obter uma compreensão adequada do que fora exposto acima acerca da ideia de proteção contra a arbitrariedade do Estado e, ainda, da legitimidade do Poder Legislativo na criação das leis, cita-se o estudo realizado por Castro (in ARAGÃO, 2006), no qual apresenta uma evolução da configuração do princípio da legalidade, elaborado diante da seguinte situação avistada pelo autor: uma das questões de maior atualidade no campo das normas constitucionais protetoras dos direitos humanos tem a ver com a denominada eficácia externa, ou seja, com a operância erga omnes de seus efeitos ou de sua extensividade às relações que se multiplicam a toda hora na órbita privada entre os membros da sociedade civil. (p. 17). Afirma ele que ao definir-se a origem e os fundamentos dos direitos humanos, conclui-se que os mesmos apresentam-se como resultado de “um certo tipo histórico-filosófico de homem, de sociedade e de Estado”. Ao sintetizar tal processo, menciona que: a antecedência de um estado de natureza e de direitos inerentes à essência humana ao momento de institucionalização da comunidade política, que constitui a pedra fundamental do liberalismo, explica o fato e a argumentação iluminista de que os direitos do homem e do cidadão foram reconhecidos pelas Declarações revolucionárias do século XVIII, 67 notadamente as norte-americanas e a francesa, como instrumentos de defesa do ser individual contra o Estado. (p. 18). Desse modo, os direitos individuais naturais foram sendo conservados pelo Estado, sob a perspectiva liberal, de que seriam “anteriores e superiores à sociedade política”, sendo consagrados nas Declarações e, posteriormente, nas Constituições dos Estados. Tais direitos, como, por exemplo, a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão deveriam ser tutelados pelo Estado e deixados “permanentemente ao livre e soberano arbítrio de seu titular: o indivíduo”, caracterizando um direito de conteúdo negativo. (CASTRO in ARAGÃO, 2006, p. 20). Da mesma forma, Bruna (2003, p. 69) traz o seguinte posicionamento acerca da concepção clássica do modelo de Estado: destarte, era natural que somente a lei, ato aprovado pelos parlamentos, pudesse gerar obrigações aos particulares. Na luta contra o absolutismo, o Parlamento surge como um órgão de limitação do poder despótico do monarca, por meio do qual a burguesia somente tolera como obrigatório aquilo que tenha recebido de seus representantes. Por um lado, a obrigatoriedade da lei decorre desse assentimento, desse consenso quasecontratual e que configura a lei como expressão da vontade geral, nos moldes de Rousseau. Por outro, predominam, na Filosofia do Direito, as idéias jusnaturalistas, segundo as quais a lei nada cria, mas apenas “descobre” ou “revela”, mediante o emprego da razão, aquilo que já existia em estado imanente na natureza das coisas ou na vontade divina. Uma legalidade assim concebida bem serviria para refrear o poder do monarca. Conforme coloca Castro (in ARAGÃO, 2006, p. 20) no Estado burguês de Direito, o Parlamento vivia sua hegemonia, utilizando para bem caracterizar a afirmação, as palavras de Paulo Bonavides, donde “o idealismo burguês vislumbrava no Poder Legislativo a moradia da liberdade mesma, visto que ali se debatiam, fora de toda coação, as grandes teses, os grandes princípios, as grandes verdades”. Sob a influência da mesma ideia de liberdade individual, as Constituições posteriores igualmente estabeleceram que somente ao Parlamento caberia o poder legítimo de legislar, não podendo delegar tal função, que lhe é típica, a nenhum outro órgão ou agente estatal. Atualmente, porém, afirma o autor que “o legalismo formal e dogmático tem experimentado notória superação em face da hipertrofia do Poder Executivo e da difusão multiforme do fenômeno da normatização”. (CASTRO in ARAGÃO, 2006, p. 23). 68 Conforme explica: A rigor, pelo expedinte de toda sorte de delegações legislativas, tanto nominadas quanto inominadas, despregou-se em larga medida a função legiferante dos canais tradicionais da representação popular, para expressar-se por uma rede fragmentária de pautas normativas, de autoria plúrima e sujeitas a multiformes procedimentos de institucionalização. (CASTRO in ARAGÃO, 2006, p. 24). Ademais, na visão de Bruna (2003, p. 69), a ideia clássica do Estado burguês, “não serviu tão bem, no entanto, para funcionar como instrumento da intervenção do Estado na economia, que se fez necessária com o desenvolvimento do capitalismo”. Justen Filho (2002, p. 499), porém, apresenta entendimento de que “não é admissível que alguém contraponha à disciplina constitucional as contingências da economia mundial”. Para ele somente através de um “processo de filtragem constitucional”, as circunstâncias internacionais podem ingressar na ordem jurídica do nosso país, respeitando-se a força normativa da Constituição. Em sua visão: Seria possível afastar (ou substituir) as soluções consagradas formalmente em uma ordem constitucional mercê da invocação da nova ordem mundial? A resposta apenas pode ser negativa. [...] A organização constitucional não pode ficar na dependência de circunstâncias fáticas externas à Nação. Tal superação do legalismo, como colocado anteriormente, não é acolhida de forma unânime pela doutrina. Assim, pode-se, por exemplo, citar o posicionamento de Mello (2006, p. 89), que defende os traços clássicos do princípio da legalidade, afirmando que o mesmo “é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da cidadania”, concluindo ainda, que no Direito brasileiro “o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecêlas, cumpri-las, pô-las em prática”. (p. 90). Contudo, salienta Mello (206, p. 90) que, em cada país, tal princípio pode ser flexibilizado em maior ou menor grau, conforme a orientação constitucional a que estiver submetido. No caso brasileiro, porém, ressalta: No Brasil, o princípio da legalidade, além de assentar-se na própria estrutura do Estado de Direito e, pois, no sistema constitucional como um todo, está radicado especificamente nos arts. 5º, II, 37, caput, e 84, IV, da Constituição Federal. Estes dispositivos atribuem ao princípio em causa uma compostura muito estrita e rigorosa, não deixando válvula para que o Executivo se evada de seus grilhões. 69 Percebe-se que o autor busca deixar clara sua oposição quanto aos regulamentos independentes, autônomos ou autorizados, que segundo ele, “são visceralmente incompatíveis com o Direito brasileiro”, ressaltando que, não raras vezes a experiência do Direito alienígena, principalmente europeu, é trazida, equivocadamente, para o nosso Direito, visto que não são harmônicos à nossa Constituição. (MELLO, 2006, p. 92-93). Tendo em vista, porém, que tal discussão estará pautada em tópico posterior, quando da análise da atribuição normativa das agências reguladoras, neste momento, passa-se às considerações acerca das normas jurídicas, que tal como os princípios analisados, é pressuposto indispensável para a adequada compreensão do assunto. 4.2 Considerações essenciais acerca das normas e do ordenamento jurídico nacional Como bem lembrado por Mazza (2006, p. 30), em estudo sobre a atribuição normativa conferida às agências reguladoras: “em termos gerais, competência normativa é a aptidão para emanar normas jurídicas. Convém analisar, como ponto de partida, a própria noção de norma”. Desta forma, cumpre apresentar as considerações doutrinárias acerca da norma jurídica para, em seguida, elencar as diferentes espécies normativas formais admitidas no Direito brasileiro. Assim, segundo Kelsen (2010, p. 47) “as normas jurídicas são normas de um sistema, que, para o caso de violação da norma, prevê, no final, uma sanção, isto é, uma força organizada, especialmente uma pena ou uma execução”. No mesmo sentido, tem-se a lição do Bobbio (1999, p. 27) que determina norma jurídica “como aquela norma ‘cuja execução é garantida por uma sanção externa e institucionalizada’”. Tal conclusão, segundo ele, leva o teórico que busca uma definição do Direito a abandonar o estudo da norma jurídica isoladamente, para dedicar-se ao entendimento do complexo orgânico de normas existente, qual seja o ordenamento, no qual o fenômeno jurídico encontra sua adequada explicação. 70 Nesse sentido argumenta: Se sanção jurídica é só a institucionalizada, isso significa que, para que haja Direito, é necessário que haja, grande ou pequena, uma organização, isto é, um completo sistema normativo. Antes, porém, da abordagem do ordenamento jurídico e apresentação do conjunto de normas jurídicas que fazem parte do mesmo, cumpre apontar algumas observações anotadas por Justen Filho acerca do conceito e da estrutura da norma jurídica. Assim, muito embora ressalte que se trata de uma definição bastante simplista, afirma que “pode dizer-se que a norma jurídica consiste na disciplina socialmente imposta à conduta intersubjetiva, cuja eficácia é respaldada pelo poder político”. Continuando sua análise, aponta que “uma norma jurídica determina que certas condutas são obrigatórias, proibidas ou permitidas em face do Direito”. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 483). Quanto à estrutura das normas em questão, o autor explica: É usual distinguir, na estrutura da norma jurídica, dois aspectos fundamentais. Há por um lado, a hipótese de incidência. Ademais disso, a norma contém um mandamento. A hipótese de incidência consiste na previsão teórica dos pressupostos de aplicação do mandamento. Essa previsão se faz através da descrição de uma certa ocorrência material, identificada através de referência a tempo, espaço e pessoas. O mandamento explicita a regulação jurídica propriamente dita, disciplinandose uma relação jurídica. No mandamento, está previsto um vínculo jurídico entre sujeitos distintos, em face do qual um ou alguns estão subordinados a desenvolver condutas específicas em face de outro ou outros. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 484). Além disso, seguindo esquematização formulada por Bobbio, cita que as normas podem ser classificadas também quanto a sua abrangência. Desse modo, conforme aplicável a uma ou mais pessoas específicas, será considerada como norma individual, ao passo em que, sendo aplicável a um número indeterminado de pessoas, será uma norma geral. Ademais, sob outro enfoque, diz que as normas podem se caracterizar como concretas ou abstratas, asseverando: “aludir-se-ia a norma concreta para indicar aquela que disciplina uma conduta precisa, enquanto a norma abstrata seria aquela apta a abranger uma série ilimitada de condutas”. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 484). 71 Segundo o autor, estas distinções são de fundamental importância, pois: a competência para gerar normas abstratas reflete poderes políticos muito mais intensos. As normas gerais e abstratas vinculam um número indeterminado de pessoas e de situações, aplicando-se ao longo do tempo como instrumento de controle social e de determinação dos destinos da comunidade. (2002, p. 484). Dada a relevância do assunto para o presente estudo, convém citar a manifestação do Senhor Ministro do STF, Carlos Britto, no julgamento do Agravo Regimental na ADI 2.950-9-RJ: Como dizia Lourival Villanova, as normas jurídicas têm uma estrutura lógica binária; elas se compõem de um descritor e de um prescritor; o descritor é a hipótese de incidência; o precritor é a consequência, o mandamento. Todas as vezes que a hipótese de incidência mantiver, com o mandamento, uma relação de vinculabilidade senão incessante, porém duradoura, está-se diante de uma norma abstrata e essa abstratividade da norma não significa outra coisa senão que a norma detém um conteúdo normativo; é uma norma em sentido material [...]. (BRASIL, 2010-S, p.104). Apresentadas tais considerações, passa-se então a abordar as questões relacionadas ao ordenamento jurídico, indispensável diante da pluralidade de normas existente. Para tanto, traz-se alguns pontos elaborados por Bobbio (1999, p. 34) em sua teoria sobre o assunto, que serão fundamentais para a adequada análise dos entendimentos doutrinários dispostos posteriormente. Segundo ele: Se um ordenamento jurídico é composto de mais de uma norma, disso advém que os principais problemas conexos com a existência de um ordenamento são os que nascem das relações das diversas normas entre si. Em primeiro lugar se trata de saber se essas normas constituem uma unidade, e de que modo a constituem. O problema fundamental que deve ser discutido a esse propósito é o da hierarquia das normas. Bobbio (1999, p. 37) afirma que os ordenamentos podem ser simples ou complexos, conforme suas normas derivem apenas de uma ou mais de uma fonte. Todavia, afirma que “os ordenamentos jurídicos, que constituem a nossa experiência de historiadores e de juristas, são complexos”, o que torna difícil o rastreamento de todas as suas normas, justamente por derivarem de fontes diversas, comentando: A complexidade de um ordenamento jurídico deriva do fato de que a necessidade de regras de conduta numa sociedade é tão grande que não existe nenhum poder (ou órgão) em condições de satisfazê-la sozinho. Para vir ao encontro dessa exigência, o poder supremo recorre geralmente a dois expedientes: 1) A recepção de normas já feitas, produzidas por ordenamentos diversos e precedentes. 2) A delegação do poder de produzir normas jurídicas a poderes ou órgãos inferiores. 72 Com base nas razões acima, o autor diz que é possível verificar em cada ordenamento que, “ao lado da fonte direta temos fontes indiretas que podem ser distinguidas nestas duas classes: fontes reconhecidas e fontes delegadas”. Para exemplificar, anota: “típico exemplo de recepção, e, portanto, de fonte reconhecida, é o costume nos ordenamentos estatais modernos, onde a fonte direta e superior é a Lei. [...] Típico exemplo de fonte delegada é o regulamento com relação à Lei”. (BOBBIO, 1999, p. 38-39). Ao discorrer sobre as fontes do Direito, porém, o autor é categórico ao afirmar: o que nos interessa notar numa teoria geral do ordenamento jurídico não é tanto quantas e quais sejam as fontes do Direito de um ordenamento jurídico moderno, mas o fato de que, no mesmo momento em que se reconhece existirem atos ou fatos dos quais se faz depender a produção das normas jurídicas (as fontes de direito), reconhece-se que o ordenamento jurídico, além de regular o comportamento das pessoas, regula também o modo pelo qual se devem produzir as regras. (p. 45). Assim, afirma o autor que em cada grau normativo de um ordenamento estatal moderno pode-se constatar a existência de normas de conduta ao lado de normas de estrutura, fazendo uma observação importante quanto a estas últimas: “basta-nos ter chamado a atenção sobre esta categoria de normas para produção de outras normas: é a presença e freqüência dessas normas que constituem a complexidade do ordenamento jurídico”. (p. 47). Tais normas, entendidas como “comandos de comandar”, podem ser chamadas de normas imperativas de segunda instância, evidenciando que apenas ao considerar o ordenamento no seu conjunto, é que se faz possível a aceitação de tais normas, que, aliás, possuem classificação ainda mais complexa do que as de primeira instância. (p. 47). Para o entendimento de toda essa complexidade, sem, contudo, excluir sua unidade, é que, segundo o autor, adota-se a teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico, elaborada por Kelsen, na qual seu núcleo é que “as normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano. Há normas superiores e normas inferiores”. (p. 49). Assim, segundo Kelsen (2010, p. 51) o sistema escalonado segundo a força derrogatória, trata-se de divisão de formas jurídicas, explicando: 73 As disposições jurídicas elaboradas conforme as mesmas regras de produção possuem a mesma forma jurídica. Falamos, em suma, sem considerar o conteúdo – da forma constitucional, a forma legal ou a forma regulamentar, na qual se manifesta uma disposição jurídica. Estas formas jurídicas irão dividir-se, de acordo com o critério de sua força derrogatória. [...] Assim, as regulamentações na forma constitucional podem derrogar, normalmente, as regulamentações na forma legal, mas não vice-versa. Algo análogo vale para a relação da forma legal com a forma regulamentadora. Com efeito, neste momento, serão apresentadas as diversas espécies normativas formais admitidas no Direito brasileiro, para que se possa verificar a complexidade do ordenamento. Segundo Justen Filho (2002, p. 487) quanto às referidas espécies normativas, “a lei é uma delas, mas existem outras figuras. Tradicionalmente, apontam-se os casos de regulamento, da sentença e do próprio contrato como manifestações dessa competência normativa”. Além disso, comenta que existe uma modalidade de distinção hierárquica entre as diferentes categorias: A lei apresenta superioridade hierárquica perante as outras três, na acepção de que se superpõe a elas, gerando direitos e obrigações com intensidade muito maior e mais ampla. Tem sido usual afirmar que a lei é instrumento de inovação primária na ordem jurídica [...] Já as demais categorias de atos normativos seriam destituídas dessa condição inovadora, apresentando cunho secundário. Dito de outro modo, [...] A função normativa daquelas três figuras seria, portanto, muito menos relevante do que aquela inerente à lei. Essa é uma fórmula tradicional, que vem sendo revista nos mais diversos ordenamentos jurídicos. Ademais, Moraes (2007, p. 635) esclarece que a enumeração do art. 59, da Constituição Federal de 1988, “traz as espécies normativas primárias, ou seja, aquelas que retiram seu fundamento de validade diretamente da Carta Magna”, quais sejam, as emendas à constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, Decretos-legislativos e as resoluções. Enfim, traz-se, uma última observação de Bobbio, que diz respeito aos limites formais e materiais do poder normativo, pois vão ao encontro dos pressupostos necessários para a análise principal pretendida neste estudo. Comenta ele (1999, p. 53) que “quando um órgão superior atribui a um órgão inferior um poder normativo, não lhe atribui um poder ilimitado. Ao atribuir esse poder, estabelece também os limites entre os quais pode ser exercido”. Portanto, através dos limites materiais e formais é que o poder superior restringe e regula o poder inferior, sendo que quanto mais “se avança de cima para baixo na pirâmide, o poder normativo é sempre mais circunscrito”. (p. 53). 74 Sobre os referidos limites aponta: Os dois limites podem ser impostos contemporaneamente; mas em alguns casos pode haver um sem o outro. A observação desses limites é importante, porque eles delimitam o âmbito em que a norma inferior emana legitimamente: uma norma inferior que exceda os limites materiais, isto é, que regule uma matéria diversa da que foi atribuída ou de maneira diferente daquela que lhe foi prescrita, ou que exceda os limites formais, isto é, não siga o procedimento estabelecido, está sujeita a ser declarada ilegítima e a ser expulsa do sistema. (BOBBIO, 1999, p. 54). Deste modo, de acordo com os ensinamentos do ilustre jurista, pode-se concluir que para a verificação da legitimidade de um poder normativo, deve-se observar os limites acima mencionados. Nesse sentido, torna-se importante então, apresentar os dispositivos legais que atribuíram a competência normativa das diversas agências reguladoras federais brasileiras. 4.3 As disposições legislativas atribuidoras da competência normativa das agências reguladoras A fim de se verificar as atribuições normativas conferidas às diversas agências, serão extraídos alguns dispositivos diretamente de suas respectivas leis criadoras, possibilitando uma noção, conforme as palavras de Lima (2007, p. 85) do “plexo de poderes de natureza normativa” atribuídos a tais entidades34. a) Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, Lei nº 9.427/1996 (BRASIL, 2010-B) : Art. 3º. Além das atribuições previstas [...], compete à ANEEL: (Redação dada pela Lei nº 10.848, de 2004) (Vide Decreto nº 6.802, de 2009). I - implementar as políticas e diretrizes do governo federal para a exploração da energia elétrica e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos, expedindo os atos regulamentares necessários ao cumprimento das normas estabelecidas pela Lei no 9.074, de 7 de julho de 199535; XVII - estabelecer mecanismos de regulação e fiscalização para garantir o atendimento à totalidade do mercado de cada agente de distribuição e de comercialização de energia elétrica, bem como à carga dos consumidores 34 Importante lembrar que o rol apresentado neste estudo não é exaustivo, existindo outros exemplos de atribuições normativas às agências em suas respectivas leis criadoras. 35 Tal lei “estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências”. 75 que tenham exercido a opção prevista nos arts. 15 e 16 da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995; (Incluído pela Lei nº 10.848, de 2004) XIX - regular o serviço concedido, permitido e autorizado e fiscalizar permanentemente sua prestação. (Incluído pela Lei nº 10.848, de 2004) b) Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, Lei nº 9.472/1997 (BRASIL, 2010-C): Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público; X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado; XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem; XIV - expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo inclusive os equipamentos terminais; c) Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, Lei nº 9.478/1997 (BRASIL, 2010-D): Art. 8º. A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe: III - regular a execução de serviços de geologia e geofísica aplicados à prospecção petrolífera, visando ao levantamento de dados técnicos, destinados à comercialização, em bases não-exclusivas; VI - estabelecer critérios para o cálculo de tarifas de transporte dutoviário e arbitrar seus valores, nos casos e da forma previstos nesta Lei; XV - regular e autorizar as atividades relacionadas com o abastecimento nacional de combustíveis, fiscalizando-as diretamente ou mediante convênios com outros órgãos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. XVI - regular e autorizar as atividades relacionadas à produção, importação, exportação, armazenagem, estocagem, distribuição, revenda e comercialização de biodiesel, fiscalizando-as diretamente ou mediante convênios com outros órgãos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.097, de 2005) XIX - regular e fiscalizar o acesso à capacidade dos gasodutos; (Incluído pela Lei nº 11.909, de 2009) XXIII - regular e fiscalizar o exercício da atividade de estocagem de gás natural, inclusive no que se refere ao direito de acesso de terceiros às instalações concedidas; (Incluído pela Lei nº 11.909, de 2009) XXV - celebrar, mediante delegação do Ministério de Minas e Energia, os contratos de concessão para a exploração das atividades de transporte e estocagem de gás natural sujeitas ao regime de concessão; XXVIII - articular-se com órgãos reguladores estaduais e ambientais, objetivando compatibilizar e uniformizar as normas aplicáveis à indústria e aos mercados de gás natural (Incluído pela Lei nº 11.909, de 2009) 76 d) Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, Lei nº 9.782/1999 (BRASIL, 2010-E): Art. 7º. Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo: III - estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária; IV - estabelecer normas e padrões sobre limites de contaminantes, resíduos tóxicos, desinfetantes, metais pesados e outros que envolvam risco à saúde; e) Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, Lei nº 9.961/2000 (BRASIL, 2010-F): Art. 4. Compete à ANS: VI - estabelecer normas para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde SUS; VII - estabelecer normas relativas à adoção e utilização, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de mecanismos de regulação do uso dos serviços de saúde; IX - normatizar os conceitos de doença e lesão preexistentes; XI - estabelecer critérios, responsabilidades, obrigações e normas de procedimento para garantia dos direitos assegurados nos arts. 30 e 31 da Lei no 9.656, de 1998; XII - estabelecer normas para registro dos produtos definidos no inciso I e no § 1o do art. 1o da Lei no 9.656, de 1998; XVI - estabelecer normas, rotinas e procedimentos para concessão, manutenção e cancelamento de registro dos produtos das operadoras de planos privados de assistência à saúde; XVIII - expedir normas e padrões para o envio de informações de natureza econômico-financeira pelas operadoras, com vistas à homologação de reajustes e revisões; XLI - fixar as normas para constituição, organização, funcionamento e fiscalização das operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o da Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998, [...] (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) f) Agência Nacional de Águas - ANA, Lei º 9.984/2000 (BRASIL, 2010-G): Art. 4o A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos [...], cabendo-lhe: (Vide Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001) II – disciplinar, em caráter normativo, a implementação, a operacionalização, o controle e a avaliação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos; XIX - regular e fiscalizar, quando envolverem corpos d'água de domínio da União, a prestação dos serviços públicos de irrigação, se em regime de concessão, e adução de água bruta, cabendo-lhe, inclusive, a disciplina, em caráter normativo, da prestação desses serviços, bem como a fixação de padrões de eficiência e o estabelecimento de tarifa, quando cabíveis, e a gestão e auditagem de todos os aspectos dos respectivos contratos de concessão, quando existentes. (Redação dada pela Lei nº 12.058, de 2009) 77 g) Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, Lei nº 10.233/2001 (BRASIL, 2010-H): Art. 24. Cabe à ANTT, em sua esfera de atuação, como atribuições gerais: IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à exploração de vias e terminais, garantindo isonomia no seu acesso e uso, bem como à prestação de serviços de transporte, mantendo os itinerários outorgados e fomentando a competição; XIV – estabelecer padrões e normas técnicas complementares relativos às operações de transporte terrestre de cargas especiais e perigosas; h) Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, Lei nº 10.233/2001 (BRASIL, 2010-H): Art. 27. Cabe à ANTAQ, em sua esfera de atuação: IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à prestação de serviços de transporte e à exploração da infra-estrutura aquaviária e portuária, garantindo isonomia no seu acesso e uso, assegurando os direitos dos usuários e fomentando a competição entre os operadores; XIV – estabelecer normas e padrões a serem observados pelas autoridades portuárias, nos termos da Lei no 8.630, de 25 de fevereiro de 1993; XIX – estabelecer padrões e normas técnicas relativos às operações de transporte aquaviário de cargas especiais e perigosas; i) Agência Nacional do Cinema – ANCINE, Medida Provisória nº 2.2281/2001 (BRASIL, 2010-J): Art. 7º. A ANCINE terá as seguintes competências: V - regular, na forma da lei, as atividades de fomento e proteção à indústria cinematográfica e videofonográfica nacional, resguardando a livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação; Art. 9º. Compete à Diretoria Colegiada da ANCINE: II - editar normas sobre matérias de sua competência; j) Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, Lei nº 11.182/2005 (BRASIL, 2010-I): Art. 8º. Cabe à ANAC adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e fomento da aviação civil, da infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária do País, atuando com independência, legalidade, impessoalidade e publicidade, competindo-lhe: XI – expedir regras sobre segurança em área aeroportuária e a bordo de aeronaves civis, porte e transporte de cargas perigosas, inclusive o porte ou transporte de armamento, explosivos, material bélico ou de quaisquer outros produtos, substâncias ou objetos que possam pôr em risco os tripulantes ou passageiros, ou a própria aeronave ou, ainda, que sejam nocivos à saúde; XII – regular e fiscalizar as medidas a serem adotadas pelas empresas prestadoras de serviços aéreos, e exploradoras de infra-estrutura 78 aeroportuária, para prevenção quanto ao uso por seus tripulantes ou pessoal técnico de manutenção e operação que tenha acesso às aeronaves, de substâncias entorpecentes ou psicotrópicas, que possam determinar dependência física ou psíquica, permanente ou transitória; XXX – expedir normas e estabelecer padrões mínimos de segurança de vôo, de desempenho e eficiência, a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços aéreos e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária, inclusive quanto a equipamentos, materiais, produtos e processos que utilizarem e serviços que prestarem; Uma vez vislumbrados alguns dos dispositivos legais que atribuem competência normativa às agências, pode-se ter uma ideia da amplitude da mesma e, consequentemente, dos possíveis entraves práticos no desempenho desta função diante dos limites do ordenamento jurídico nacional, que foram expostos no decorrer deste capítulo. Assim, baseando-se no conteúdo apresentado até o momento, poder-seá, enfim, analisar com mais subsídios as divergências existentes acerca do assunto. 4.4 Os entendimentos doutrinários e os posicionamentos jurisprudenciais acerca da natureza jurídica da competência normativa atribuída às agências reguladoras A princípio, cabe lembrar que ao analisar a atribuição normativa conferida às diversas agências, será focado o poder de gerar normas de natureza e eficácia abstratas, ou seja, não será aqui examinada a competência para expedir atos normativos típicos da administração, porquanto não suscitam divergências quanto ao seu desempenho pela Administração Pública. Ademais, para uma abordagem adequada, cumpre ressaltar que competência normativa não é sinônimo de competência legislativa, como ensina Justen Filho (2002, p. 485-487): A competência normativa consiste no poder de produzir normas de conduta, em virtude da qual são gerados comandos destinados a regular a conduta intersubjetiva. A competência legislativa configura-se como o poder de produzir normas jurídicas de cunho legislativo. [...] A expressão competência normativa apenas pode ser utilizada se acompanhada da advertência de que se refere a um gênero de competências estatais, relacionadas à produção de atos destinados a gerar normas jurídicas. Sob esse ângulo, a competência legislativa é uma modalidade de competência normativa. 79 No mesmo sentido tem-se a manifestação do STF no Agravo Regimental na ADI 2.950-9-RJ, do qual se extrai da ementa: [...] Estão sujeitos ao controle de constitucionalidade concentrado os atos normativos, expressões da função normativa, cujas espécies compreendem a função regulamentar (do Executivo), a função regimental (do Judiciário) e a função legislativa (do Legislativo). [...] O Poder Legislativo não detém o monopólio da função normativa, mas apenas de uma parcela dela, a função legislativa. (BRASIL, 2010-S, p. 93). Além disso, é importante esclarecer que a discussão do assunto está atrelada ao poder regulamentar que é reconhecido como legítimo, por diversos doutrinadores e juristas, às agências no desempenho da função regulatória. Assim, antes mesmo de adentrar no debate referido, cabe apontar alguns conceitos e considerações acerca do poder regulamentar, formulados por importantes doutrinadores da área do Direito Constitucional. Silva (2008, p. 425) baseando-se no art. 84, inciso IV e VI36, da Constituição Federal de 1988, afirma que cabe ao Presidente da República “o poder regulamentar para fiel execução da lei e para dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, [...]”, não havendo dúvidas quanto à legitimidade de sua faculdade nas três esferas governamentais. Para ele, no sistema constitucional brasileiro, são admitidas duas espécies de regulamento, quais sejam, de execução, que é caracterizado como um regulamento vinculado (à lei), e, de organização (com a redação da EC nº 32/2001), que pode ser considerado como uma forma limitada de regulamento autônomo, já que este último, “no sentido em que é admitido no Direito Constitucional e no direito estrangeiro, não encontra guarida na Constituição”. (SILVA, 2008, p. 426). No mesmo sentido se posiciona Moraes (2007, p. 451), ao afirmar que a finalidade das normas expedidas pelo Presidente, através dos regulamentos, é de “facilitar a execução das leis, removendo eventuais obstáculos práticos que podem 36 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; [...] VI - dispor, mediante decreto, sobre:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;(Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) 80 surgir em sua aplicação e se exteriorizam por meio de decreto, sendo, pois, como relembra Marcelo Caetano, importante fonte do Direito Administrativo”. Ademais, aponta que o exercício de tal poder “situa-se dentro da principiologia constitucional da Separação dos Poderes”, já que, salvo nos casos legalmente definidos, via de regra, o Chefe do Executivo “não pode criar normas gerais criadoras de direitos e obrigações, por ser função do Poder Legislativo”. Tal exercício será realizado apenas “quando alguns aspectos da aplicabilidade da lei são conferidos ao Poder Executivo”. (MORAES, 2007, p. 452). Também se pode citar as lições de Canotilho (2003, p. 833) coerentes com o sistema constitucional brasileiro. Segundo ele: O regulamento é uma norma emanada pela administração no exercício da função administrativa e, regra geral, com carácter executivo e/ou complementar da lei. É um acto normativo e não um acto administrativo singular; é um acto normativo mas não um acto normativo com valor legislativo. Como se disse, os regulamentos não constituem uma manifestação da função legislativa, antes se revelam como expressões normativas da função administrativa [...]. Devido ao facto de se tratar de uma norma jurídica secundária, condicionada por lei, o regulamento está, por um lado, submetido ao princípio da legalidade da administração; por outro lado, o poder regulamentar, [...] deve ter um fundamento jurídicoconstitucional. Enfim, observa Bastos (1989, p. 31) que “quanto aos regulamentos delegados, encontráveis em alguns países, também eles não se amoldam ao nosso direito”, porque se trata de transferir competência legislativa, o que só se pode fazer pela única via constitucionalmente aceita, que é a da lei delegada. E para a expedição de regulamentos o que resta é apenas a competência privativa do Presidente da República (regulamento para a fiel execução de leis, art. 84, IV da CF). Antes de adentrar na disputa doutrinária acerca do assunto, se faz importante destacar a conclusão feita por Carvalho Filho (in ARAGÃO, 2006, p. 44) ao discorrer sobre o tema: A despeito dos ingentes esforços dos doutrinadores, nunca foi inteiramente precisa a linha que demarca os atos tipicamente legislativos e os atos administrativos de caráter normativo, como, por exemplo, os regulamentos. É justo reconhecer que, em alguns casos, é possível chegar a uma conclusão mais próxima da verdade. Em outros, contudo, têm surgido fundas discrepâncias entre os estudiosos quanto à natureza do ato.O efeito distintivo não é meramente acadêmico. Nos sistemas, como o nosso, que repartem, entre Poderes estruturais, o exercício das funções básicas do Estado - a legislação, a jurisdição e a administração - torna-se relevante 81 identificar os limites da atuação de cada Poder para evitar eventuais ingerências indevidas de um em outro. Apontadas tais observações, passa-se à apresentação dos argumentos elaborados pela doutrina, bem como pela jurisprudência37, sobre a competência normativa conferida às agências reguladoras, alertando-se que, para tanto, faz-se uma divisão baseada no grau de autonomia do poder normativo considerado como legítimo a tais entidades, através da amplitude normativa reconhecível aos seus regulamentos. 4.4.1 O reconhecimento de competência normativa autônoma Moreira Neto (2001, p.166) apresenta a ideia da competência normativa autônoma baseado no instituto da delegificação ou deslegalização, diferenciando-se dos entendimentos que serão colocados posteriormente, ao caracterizar-se por uma atuação de natureza primária, consistindo, “na retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias, do domínio da lei, [...], passando ao domínio do regulamento [...]”. Baseado, de modo geral, na doutrina italiana, Moreira Neto apresenta três técnicas existentes de delegação, quais sejam, a delegação receptícia (delegação para a produção de normas com força de lei, como, por exemplo, no caso das leis delegadas), remissiva (remessa pela lei de uma normatividade a ser criada posteriormente à lei, sem, contudo, ter força de lei, sendo exemplo, o poder regulamentar atribuído ao Chefe do Executivo), e, enfim, a deslegalização (retirada de matérias do domínio da lei), na qual estariam legitimados os atos normativos gerais e abstratos das agências. Tal retirada de certas matérias do âmbito legal poderia ser caracterizada na modalidade ampla, quando o Estado não optasse por regular “determinada matéria em fonte própria”, deixando espaço para a sociedade organizada preencher o mesmo, e, na modalidade restrita, na qual a delegação é feita de maneira 37 Com relação à pesquisa jurisprudencial, cabe ressaltar os limites delineados à mesma. Assim, informa-se que foi restrita ao STF, STJ, TRF da 4ª Região e TJSC, no período de 1997 à 2010, com os comandos “agência”, “reguladora”, “regulamento”, extraindo-se apenas os conteúdos de interesse ao presente estudo, de forma não exaustiva. 82 expressa pelo legislador, “a uma fonte reguladora secundária”, como seria no caso das agências reguladoras. (MOREIRA NETO, 2001). Assim, o autor defende a produção de regulamentos autônomos pelas agências, baseado na ideia da deslegalização feita pelo legislador em nível constitucional à ANP e à ANATEL, e em nível legal, nas próprias leis de criação das agências. (2001, p. 171). Castro (in ARAGÃO, 2006, p. 30) ao discorrer sobre a regulação realizada pelo Executivo, aponta que se tornou inevitável, que o “forte intervencionismo estatal em que radica o constitucionalismo social no presente século”, “trouxesse em seu bojo um novo sentido e estilo de administrar a causa pública”. Para ele, este é um fenômeno que pode ser verificado em vários países, nos quais se considera o Poder Executivo “como o departamento da soberania melhor habilitado para o trato dos inúmeros e cambiantes aspectos da vida pósmoderna”. Assim é que aponta: Notadamente os chamados regulamentos econômicos, em suas várias modalidades, assumiram o papel de maior relevo na atividade normativa do Estado contemporâneo. [...]. Cuida-se, em suma, de normas [...] destinadas a disciplinar setores não ocupados pela legislação, com relação aos quais não subsiste reserva legal por imperativo da Constituição. (CASTRO in ARAGÃO, 2006, p. 31-32). Para ele, apesar da Constituição separar as funções de legislar e de regular, estas “não se podem considerar substancialmente distintas e rigorosamente delimitáveis”. Assim, afirma que “entre as duas competências medeia uma zona de fronteira, indecisa, mista, porventura comum, em que ora as leis regulamentam, ora os regulamentos legislam". (p. 35). E, ao expor seus argumentos em favor dos regulamentos autônomos, conclui: Daí por que, em que pese o princípio da legalidade haver sido enunciado em nossa tradição constitucional com efusiva ortodoxia e erigido pela Constituição à categoria de direito fundamental do indivíduo (sob a consagrada fórmula - "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" - como contida no art. 5º, II, da atual Constituição da República), e em que pese não existir previsão constitucional para a edição de regulamentos que não seja para fins de fiel execução das leis, é certo que as exigências do governo contemporâneo acabaram por consagrar entre nós a prática dos regulamentos autônomos e independentes da lei, infelizmente nem sempre acompanhada da devida teorização constitucional e democrática. A tendência que se firmou, portanto, em sintonia com a tônica do constitucionalismo contemporâneo e 83 dos reclamos da administração governamental nestes tempos, é no sentido de se permitir o exercício do poder regulamentar autônomo [...] Justen Filho lembra que, no campo jurisprudencial, a orientação majoritária dos Tribunais Federais tem se mostrado contrária à validade dos regulamentos autônomos no Brasil. (2002, p. 500). Da mesma forma, constata-se que, na pesquisa delimitada neste estudo, o número de decisões que consideram a possibilidade do regulamento autônomo é inferior àquelas que se opõem, sendo conveniente, então, citar alguns exemplos a seguir. Na oportunidade da ADI 3.443-0, o relator Senhor Ministro Carlos Velloso, manifestou-se nos seguintes termos: [...] o Supremo Tribunal Federal admite a submissão ao controle concentrado de constitucionalidade de ato regulamentar com caráter autônomo, vale dizer, desvinculado de lei e revestido de caráter normativo. [...] No caso, as normas regulamentares acoimadas de inconstitucionalidade estão desvinculadas de ato normativo primário. Conheço, portanto, da ação. (BRASIL, 2010-R, p. 205) Também na jurisprudência do STJ podem ser encontrados vários posicionamentos rejeitando a possibilidade de regulamentos autônomos, como no caso do acórdão do REsp. nº 279168-SC, no qual verifica-se na ementa: “O regulamento não agasalha interpretação que se ponha acima da mensagem da lei”. (BRASIL, 2010-M, p. 1). No mesmo sentido, no REsp. nº 761423-SC, houve a seguinte posição na ementa do acórdão: Deveras, a imposição do registro não pode ser inaugurada por Resolução, pelo que, muito embora seja ato administrativo de caráter normativo, subordina-se ao ordenamento jurídico hierarquicamente superior, in casu, à lei e à Constituição Federal, não sendo admissível que o poder regulamentar extrapole seus limites, ensejando a edição dos chamados "regulamentos autônomos", vedados em nosso ordenamento jurídico. (BRASIL, 2010-P, p. 1). Ademais, na ementa do REsp. nº 156858-PR, asseverou-se: Como no ordenamento jurídico brasileiro não existe o "Decreto autônomo", mas tão-somente o Decreto para a "fiel execução da Lei", padece de ilegalidade o Decreto nº 1.035/93, que atuou "ultra vires" em relação à Lei regulamentada (Lei nº 8.030/93). [...] Afronta ao princípio da legalidade [...]. (BRASIL, 2010-L, p. 1). 84 Também no REsp nº 729014-PR, consta como parte da ementa, a seguinte redação: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. [...] FUNÇÃO REGULAMENTAR DE DECRETO. EXORBITÂNCIA. 1. Os regulamentos autônomos, como ordens normativas secundárias, são interditados pelo direito público brasileiro informado pelo Princípio da Legalidade. (BRASIL, 2010-N, p.1). Na mesma esteira, tem-se a decisão do REsp nº 751398-MG: No regime constitucional vigente, o Poder Executivo não pode editar regulamentos autônomos ou independentes – atos destinados a prover situações não-predefinidas na lei –, mas, tão-somente, os regulamentos de execução, destinados a explicitar o modo de execução da lei regulamentada (CF/88, art. 84, IV).(BRASIL, 2010-O). Cabe ainda mencionar na REOMS nº 2002.72.08.000002-5 existente no TRF da 4ª Região: [...] REGULAMENTO AUTÔNOMO. ATO INFRALEGAL CRIADOR DE EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. 1. O regulamento é o instrumento de aplicação da norma legal, dentro dos contornos por ela definidos, tendo índole executiva, e não podendo, portanto, desbordar dos ditames estabelecidos pela Lei que pretende regular, criando, extinguindo ou modificando direitos e deveres, impondo novas exigências ou abolindo as já existentes. (BRASIL, 2010-Z) Há também o seguinte acórdão referente ao ADI nº 2008.053626-2, no TJSC: [...] Decreto autônomo, que não se editou simplesmente para regulamentar lei. Possibilidade de se discutir a constitucionalidade frente a constituição estadual. Preliminar afastada. A existência de Lei complementar que autoriza o prefeito municipal a criar o conselho municipal de contribuintes por meio de Decreto não impede a discussão da respectiva constitucionalidade, visto se mostra autônomo e não mero regulamento da lei. "o supremo tribunal federal, excepcionalmente, tem admitido ação direta de inconstitucionalidade cujo objeto seja Decreto, quando este, no todo ou em parte, manifestamente não regulamenta Lei, apresentado-se, assim, como Decreto autônomo. (BRASIL, 2010-X) . No entanto, cabe citar o posicionamento do Senhor Ministro José Augusto Delgado , no ROMS nº 6234-DF: O ordenamento jurídico brasileiro prestigia o regulamento autônomo, cuja função é a de "suprir as omissões do legislativo que estiverem na alçada do executivo, preenchendo, assim, o vazio da Lei e a imprevisibilidade de certos fatos e circunstâncias que surgem, a reclamar providências imediatas da administração", conforme Hely Lopes, in direito administrativo brasileiro [...] (BRASIL, 2010-Q, p. 1). 85 E, no mesmo sentido, pode-se extrair da ementa do HC 99390-SP, julgado recentemente pelo STF: Com efeito, a expedição de decretos para a fiel execução das leis é atribuição privativa do Presidente da República, nos termos do artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal, instrumento pelo qual exerce o poder regulamentar da administração pública, conforme leciona Hely Lopes Meirelles: O poder regulamentar é a faculdade de que dispõem os Chefes de Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua correta execução, ou de expedir decretos autônomos sobre a matéria de sua competência ainda não disciplinada por lei. É um poder inerente e privativo do Chefe do Executivo (CF, art. 84, IV), e, por isso mesmo, indelegável a qualquer subordinado. (in Direito administrativo brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 129) [...] (BRASIL, 2010T). Cabe lembrar que a referida ideia do exercício de um poder regulamentar autônomo é bastante criticada na doutrina em geral, que a considera não aplicável ao Direito brasileiro, dadas algumas características do ordenamento jurídico nacional, que não admite, por exemplo, a existência de regulamentos que inovem primariamente na ordem jurídica. 4.4.2 O reconhecimento da competência normativa derivada/discricionária Ressalta-se que os argumentos dessa corrente, que define a competência normativa das agências como própria da discricionariedade permitida ao Executivo, adotam vários vieses ao apresentarem os motivos legitimadores da competência normativa abstrata das agências, porém, de maneira geral, todos também são favoráveis ao desempenho do poder regulamentar pelas mesmas. Assim, vale mencionar o entendimento de Carvalho Filho (in ARAGÃO, 2006, p. 52), que de modo geral, harmoniza-se aos pensamentos dos demais doutrinadores desta corrente: De fato, as expressões "regulamentar" e "regular" não guardam sinonímia: aquela significa complementar, especificar, e pressupõe sempre que haja norma de hierarquia superior suscetível de complementação; esta, de sentido mais amplo, indica disciplinar, normatizar, e não exige que seu objetivo seja o de complementar outra norma. Em conseqüência, pode haver função regulatória sem que seja regulamentadora. Assim, se é verdade que toda função regulamentadora se caracteriza como reguladora, não menos verdadeiro é que nem sempre a função reguladora tenha objetivo regulamentar. A nosso ver, portanto, as agências reguladoras 86 exercem mesmo função regulamentadora, ou seja, estabelecem disciplina, de caráter complementar, com observância dos parâmetros existentes na lei que lhes transferiu aquela função. Importante alertar que, conforme desenvolvem seus argumentos, os autores acabam adotando posturas mais tradicionais ou radicais em relação às regras do ordenamento jurídico nacional. Com efeito, segundo Justen Filho (2002, p. 492), há os defensores de uma abordagem funcionalista, que afirmam que “a titularidade da competência regulamentar é um meio indispensável à realização dos fins impostos à Administração”. Em outras palavras, dado o dever inerente à Administração de prover o interesse público, a ela se impõe a titularidade para o exercício do poder regulamentar. Além disso, há opiniões que defendem a existência de uma competência normativa inerente ao modelo regulatório. Nesse sentido, Cuéllar (2008, p. 59), bem como Moreira (in ARAGÃO, 2006, p. 114) e Marques Neto (2005, p. 43), reconhecem poder regulamentar às agências, pelo fato de que é impossível realizar a regulação sem a produção de normas regulatórias, asseverando, contudo, que deve tratar-se de um poder normativo adaptado aos limites da ordem jurídica brasileira. Aponta Moreira que: Como se sabe, as agências reguladoras brasileiras efetivamente emanam normas gerais e abstratas. Isso se dá todos os dias, num ritmo nunca dantes experimentado: a profusão de tais atos normativos é patente. Contudo, e infelizmente, nem sempre eles respeitam a Constituição da República e a legislação ordinária. Há alguns desvios e excessos que merecem ser postos em foco pela doutrina, quando menos visando aos seguintes objetivos: o estímulo ao debate, a consolidação do respectivo controle jurisdicional e a inibição dos eventuais abusos futuros [...]. (p. 114). A propósito, tal argumento de que “quem dá os fins dá também os meios”, é criticado por Justen Filho, por considerá-lo um argumento de configuração meramente retórica. (2002, p. 493). Para Aragão (2001, p. 76), que adota uma postura mais radical em relação ao princípio da legalidade, a relação entre as leis e as normas da autoridade independente se dão numa forma atípica perante os demais casos, vez que são criadas apenas com base em “parâmetros bem gerais da regulamentação a ser feita 87 pelo ente regulador independente”, conferindo assim, “um grande poder de integração do conteúdo da vontade do legislador”. Tal sistema de leis vagas, também chamadas leis-quadro ou estandardizadas, “confere às agências independentes poder regulamentar sobre determinada matéria, não nos sendo dado ficar presos apenas à letra da lei”. (ARAGÃO, 2001, p. 76). Conclui ele que: a questão das agências reguladoras independentes deve ser tratada sem preconceitos ou mitificações de antigas concepções jurídicas, que no mundo atual, são insuficientes ou mesmo ingênuas. Com efeito, limitar as formas de atuação e organização estatal àquelas do século XVIII, ao invés de, como afirmado pelos autores mais tradicionais, proteger a sociedade, retira-lhe a possibilidade de regulamentação e atuação efetiva dos seus interesses. (ARAGÃO, 2001, p. 56). Já Justen Filho, bem como Mello, adotando postura tradicional, reconhecem o poder regulamentar com mais cautela, procurando elaborar suas teses com estrita observação aos preceitos da ordem jurídica brasileira, principalmente à legalidade, não admitindo a simples aplicação de soluções consagradas em outros países para resolver os entraves existentes no âmbito nacional. Assim, segundo Justen Filho (2002, p. 508): Não se admite a edição pela autoridade administrativa de regras desvinculadas da existência de uma lei. É descabido o exercício de competência normativa autônoma, que desencadeie a disciplina regulatória para um campo específico sem autorização e disciplina legislativa prévia. Mais ainda, não se admite que o regulamento ultrapasse os limites, o espírito ou o conteúdo da lei. Nunca se configura a transferência pelo Legislativo de uma parcela da competência que lhe foi atribuída constitucionalmente. Ou seja, sem que se promova uma grande alteração na Constituição Federal vigente não é possível admitir que as agências produzam normas legais sobre as matérias de sua competência, como pretende o instituto da deslegalização, apresentando anteriormente. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 512). Porém, para o autor, solução que se vislumbra adequada é a da existência de uma delegação normativa de cunho secundário, ou, em outras 88 palavras, de uma delegação imprópria38, na medida em que a lei não opte pela “disciplina completa e exaustiva, em que todos os pressupostos de incidência e todos os ângulos de comando estão previamente determinados, de modo abstrato através da lei”, deixando certa margem de autonomia para seu aplicador, por livre escolha do legislador. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 513). Essa competência normativa seria caracterizada por uma natureza derivada, negando a possibilidade de um poder normativo abstrato autônomo, mas admitindo tal poder de forma complementar às agências reguladoras brasileiras, já que alheias ao Poder Legislativo. A discricionariedade administrativa é atribuída por via legislativa, caso a caso. Isso equivale a reconhecer, dentre os poderes atribuídos constitucionalmente ao Legislativo, aquele de transferir ao Executivo a competência para ditar normas complementares àquelas derivadas da fonte legislativa. A competência normativa do Executivo surge a partir da opção do Legislativo em editar lei que reclama, explícita ou implicitamente, complementação normativa. Neste momento, cumpre ressaltar o entendimento peculiar de Carvalho Filho (2006) que apesar de definir a competência normativa das agências como de natureza discricionária, utilizando-se de argumentos muito parecidos aos de Justen Filho, defende o instituto da deslegalização. Segundo ele, o fato é que a deslegalização às agências, sendo do tipo restrita, já que as leis de criação das mesmas enunciaram o rol de matérias que deverão regular, não afronta o princípio da legalidade porquanto só regulamentariam lei já existente através de regulamentos de execução. Diferente, contudo, seria na deslegalização genérica, na qual seria delegado o poder legiferante às agências, modificando as regras do processo legislativo, refletindo, aí sim, na “vulneração ao princípio da reserva legal consagrado na vigente Constituição”, através dos regulamentos autônomos. Constata-se diante de sua colocações, ideia muito semelhante a de Justen Filho: Na verdade, a deslegalização tem por núcleo central a edição de normas técnicas por órgãos administrativos dotados de especialização em certos setores de prestação de serviços e produção de bens. Como se torna impossível ao legislador descer ao detalhamento que a disciplina demanda, delega essa função complementar à Administração Pública. Não há 38 Distingue-se esta da delegação propriamente dita, na qual a autoridade delegada dispõe de poderes legiferantes, como no caso das leis delegadas. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 513). 89 substituição da norma legal, mas sua mera complementação e regulamentação pelo ato da Administração. Por conseguinte, é importante sublinhar, desde já, que não se trata de ação ilimitada por parte do administrador público, mas, ao contrário, de atividade situada dentro dos padrões que a lei fixou. (CARVALHO FILHO, 2006, p.56). Assim, não poderia deixar-se alheia a opinião deste renomado autor da área jurídica, porém, lembra-se mais uma vez, que a deslegalização é criticada por vários estudiosos, dentre os quais se destacam Justen Filho (2002) e Mello (2006). Fora a disputa semântica evidenciada na questão, parece que o fundamento crucial das críticas quanto à admissibilidade da deslegalização está no fato de que o legislador sequer dispõe da escolha em delegar ou não tais funções por via ordinária. Em outras palavras, simplesmente não pode fazê-la, senão em situações já determinadas na Constituição, como no caso das leis delegadas. (MELLO, 2006). Para Justen Filho (2002, p. 495): a concepção da deslegalização ou delegificação não se afigura como aplicável ao Direito brasileiro. Ao menos não há cabimento de produzir a transferência de competência normativa reservada constitucionalmente ao Legislativo para o Executivo. E tal deriva de algumas características da ordem jurídica brasileira. Porém, em que pese a controvérsia existente, por ora cabe ressaltar que todos concordam quanto à natureza derivada da referida competência, produzindo regulamentos para complementar lei prévia, com obrigações de caráter subsidiário e não, primário, sendo tais aspectos basilares à presente corrente. Assim, apresenta-se oportunamente as lições de Mello (2006, p. 336), que ao discorrer sobre as hipóteses em que a lei pressupõe a instauração de regulamentos para sua execução, comportando “uma certa discricionariedade administrativa”, aponta que uma delas diz respeito ao seguinte: Ocorre quando a dicção legal, em sua generalidade e abstração, comporta, por ocasião da passagem deste plano para o plano concreto e específico dos múltiplos atos individuais a serem praticados para aplicar a lei, intelecções mais ou menos latas, mais ou menos compreensivas. Alerte-se que estamos nos referindo tão só e especificamente aos casos em que o enunciado legal pressupõe uma averiguação ou operacionalização técnica [...] a serem resolutas em nível administrativo, até porque, muitas vezes, seria impossível, impraticável ou desarrazoado efetuá-las no plano da lei. Assim, apesar de admitir, naqueles casos acima referidos, a existência do exercício do poder regulamentar das agências, nota-se uma postura bastante 90 cautelosa, mais próxima às ideias de Justen Filho e, em contrapartida, muito distante das de Aragão. Sobre a Jurisprudência pertinente ao assunto, pode-se citar alguns exemplos da admissão do poder regulamentar das agências, relatando, primeiramente, as decisões em sessão plenária do STF, em sede de medida cautelar na ADI 1668-5, ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Partido Socialista Brasileiro (PSB), contra dispositivos da Lei de criação da ANATEL, com a seguinte ementa e resultado da votação: COMUNICAÇÕES - LEI GERAL Nº 9.472/97 - CONTROLE CONCENTRADO. Admissibilidade parcial da ação direta de inconstitucionalidade e deferimento em parte da liminar ante fundamentos retratados nos votos que compõem o acórdão. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, apreciando normas inscritas na Lei nº 9.472, de 16/07/1997, resolveu: [...] deferir, em parte, o pedido de medida cautelar, para: a) quanto aos incisos IV e X, do art. 19, sem redução de texto, dar-lhes interpretação conforme à Constituição Federal, com o objetivo de fixar exegese segundo a qual a competência da Agência Nacional de Telecomunicações para expedir normas subordina-se aos preceitos legais e regulamentares que regem outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público e no regime privado, vencido o Min. Moreira Alves, que o indeferia; b) quanto ao inciso II do art. 22, sem redução de texto, dar-lhe interpretação conforme à Constituição, com o objetivo de fixar a exegese segundo a qual a competência do Conselho Diretor fica submetida às normas gerais e específicas de licitação e contratação previstas nas respectivas leis de regênciam, vencido o Min. Moreria Alves, que o indeferia; c) quanto ao art. 59, sem redução de texto, dar-lhe interpretação conforme à Constituição, com o objetivo de fixar a exegese segundo a qual a contratação há de reger-se pela Lei nº 8.666, de 21/06/1993, ou seja, considerando-se, como regra a ser observada, o processo licitatório, vencidos os Mins. Carlos Velloso, Octávio Gallotti, Sydney Sanches e Moreira Alves, que o indeferiam; [...] (BRASIL, 2010-V, p. 246-247). No decorrer da decisão, alguns pontos merecem ser destacados, porquanto são coerentes ao entendimento proposto pela corrente ora abordada. Assim, conforme o Senhor Ministro Sepúlveda Pertence: Estou de acordo com S. Exa., em que nada impede que a Agência tenha funções normativas, desde, porém, que absolutamente subordinadas à legislação, e, eventualmente, às normas de segundo grau, de caráter regulamentar, que o Presidente da República entenda baixar. (p. 159-160). Ao tratar do inciso II, do art. 22 da lei, sobre a aprovação de normas próprias de licitação e contratação, considerando que as devam atender a hierarquia 91 das normas presente em nosso sistema jurídico, novamente cita-se o posicionamento do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence: O dispositivo fala numa experiência nova de Agência reguladora independente ou pára-independente, ou, pelo menos, de regime especial; fala em normas próprias que podem tanto ser de especificação do sistema legal em relação ao seu objeto próprio – telecomunicações e todo esse mundo de serviços postos sob a disciplina dessa Agência -, mas, também, normas que excepcionem no sistema legal. Julgo procedente dizer que é no primeiro sentido que se podem expedir essas normas sub-regulamentares. (p. 167). Ademais, sobre a discussão acerca dos artigos relativos à contratação de obras e serviços a serem disciplinados pela ANATEL, relata-se o voto do Senhor Ministro Octavio Gallotti: Assim concluo por entender que a competência outorgada à Agência governamental em causa não é para editar normas de hierarquia legal, mas, sim, padrões de procedimento que devam observar as concessionárias de serviço público. (p.184). Sobre a ilegalidade argumentada quanto ao art. 69 da mencionada lei, o Senhor Ministro Nelson Jobim, deixando claro que a delegação legislativa propriamente dita não deve ser admitida, se manifestou nos seguintes termos: [...] não empresto ao art.69 o âmbito de que estaríamos, aqui, em sede de delegação legislativa, e, sim, em sede de definição de questões exclusivamente técnicas para dizer se o serviço, com relação a essa circunstância, poderá ou não ter acesso. (p. 198). No mesmo sentido, tem-se o posicionamento do TRF da 4ª Região, no Agravo de Instrumento nº 2005.04.01.047869-1 - SC: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO. ILEGALIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE DA PORTARIA 202/99. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INTERESSE COLETIVO. O interesse público deve ser assegurado com prevalência, justificando-se, por tal motivo, a outorga de poder à Administração, quando houver interesse coletivo a ser tutelado. Diante disso, tem-se que as Portarias emitidas pela ANP derivam do poder regulamentar que é inerente à discricionariedade da atividade administrativa dessas Agências, visando realizar o objetivo legal de regular as atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo (Lei nº 9.478/97, art. 8º, inciso XV). (BRASIL, 2010-W) Em outra decisão do mesmo Tribunal, na Ação Ordinária nº 2006.71.00.002814-4 – RS, constata-se: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIÇO DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERNACIONAL DE PASSAGEIROS. 92 EXPLORAÇÃO. FISCALIZAÇÃO. O artigo 21, XII, e, da Constituição Federal de 1988, estabelece que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de transporte rodoviário interestadual ou internacional de passageiros. A Lei nº 10.233/2001 atribuiu a competência Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, autarquia federal em regime especial, dotada de autonomia e detentora de poder de polícia. As multas decorrentes do poder fiscalizatório da ANTT, embasadas no Decreto nº 2.521/98 e na Resolução n. 233/2003, têm seu fundamento último na Lei nº 10.233/2001 e na Lei nº 8.987/95, encontrando-se dentro dos limites da atuação e das atribuições da autarquia federal. (BRASIL, 2010-Y) Relatados esses posicionamentos cumpre, finalmente, apresentar a ideia esboçada numa terceira corrente sobre os limites da competência normativa das agências. 4.4.3 O reconhecimento da competência normativa de natureza meramente administrativa Neste âmbito, encontram-se as lições de Di Pietro, Mazza, Menezello, Figueiredo, entre outros, que adotam posturas diferentes das mencionadas até o momento, por não reconhecerem a possibilidade do exercício de regulamentação da lei pelas agências reguladoras. Tal corrente baseia-se na exclusividade do exercício do poder regulamentar pelo Chefe do Poder Executivo. Assim, Di Pietro (2005, p. 208), ao discorrer sobre a função normativa da Administração, assevera: Da mesma forma que os Ministérios, outros órgãos administrativos de nível inferior também têm reconhecidamente o poder de praticar atos normativos, como portarias, resoluções, circulares, instruções, porém nenhum deles podendo ter caráter regulamentar, à vista da competência indelegável do chefe do Executivo para editá-los. Por isso mesmo, esses atos normativos somente são válidos se dispuserem sobre aspectos exclusivamente técnicos [...] Eles não podem estabelecer normas inovadoras na ordem jurídica, criando direitos, obrigações [...] Referidos órgãos administrativos também não podem regulamentar leis, porque isso é competência privativa do chefe do Poder Executivo. Seguindo tal fundamento é que alguns doutrinadores fazem a distinção entre poder regulador e poder regulamentar, sendo aquele “o poder e um dever atribuídos institucionalmente pelo Poder Legislativo a uma autarquia, denominada agência reguladora, quando da aprovação de sua lei de criação”, e, este, “o poder 93 exclusivo atribuído por dispositivo constitucional ao Chefe do Poder Executivo para disciplinar leis, por meio de atos normativos [...]. (MENEZELLO, 2002). Ademais, a referida autora observa que: “no exercício desse dever/poder, a agência reguladora obriga-se a abordar temas concretos, deixando os demais temas, os abstratos, para a esfera do Poder Legislativo”. (p. 101) Assim também, é que Di Pietro defende que as agências podem regular apenas matérias de sua competência técnica, não podendo regulamentar leis, já que, sendo privativa do chefe do Executivo, “se pudesse ser delegada, essa delegação teria que ser feita pela autoridade que detém o poder regulamentar e não pelo legislador”. (DI PIETRO, 2005, p. 211). Di Pietro (2005, p. 209), assim como Mazza (2006, p. 33), entende que algumas entidades reguladoras podem baixar atos normativos, baseadas no art. 2539 do Ato de Disposições Transitórias, contudo, não é o caso das agências reguladoras estudadas neste trabalho. Para Mazza (2006, p. 28-29) o tema da competência normativa das agências vem despertando certa preocupação já que, segundo ele, tem-se tolerado o “‘ímpeto legiferante’ das agências, que avançam sobre o campo de competência reservado à lei, e usurpam atribuições regulamentares da chefia do Executivo, em detrimento dos valores republicanos e da segurança jurídica”. Ao discorrer sobre a matéria, o autor apresenta os subsídios para a determinação dos limites da competência normativa desempenhada pelas agências, afirmando que “é vedado às agências reguladoras – sob pena de flagrante de inconstitucionalidade – editar normas administrativas gerais e abstratas, já que a função regulamentar, entre nós, foi conferida somente aos chefes do Executivo. (MAZZA, 2006, p. 33). Ademais, Di Pietro esclarece que: não há óbice de ordem jurídica para os atos normativos expedidos pelas agências para decidir os casos concretos, [...] interpretar e explicitar conceitos indeterminados contidos nas leis e regulamentos, [...] definir as cláusulas regulamentares dos contratos de concessão, com a possibilidade de alterá-las unilateralmente, por motivo de interesse público, [...]. O que não podem fazer, porque falta o indispensável fundamento constitucional, é 39 Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I - ação normativa; 94 baixar regras de conduta, unilateralmente, inovando na ordem jurídica, afetando direitos individuais, substituindo-se ao legislador. (2005, p. 213). Acerca da Jurisprudência pertinente às opiniões acima relatadas, pode-se citar o exemplo do voto do Senhor Ministro Néri da Silveira, em sede de medida cautelar da ADI 1668, ajuizada contra dispositivos da lei de criação da ANATEL, lembrando, contudo, que fora vencido: Diz o art. 55, que ‘a consulta e o pregão serão disciplinados pela Agência...’. também compreendo que a lei, em delegando a essa Agência a disciplina, isso equivaleria uma competência de regulamentar essas modalidades novas. A lei não pode delegar a uma Autarquia, criando, assim, uma autoridade desse tipo, dessa hierarquia. (BRASIL, 2010-U, p. 186). Além disso, na doutrina verificada, igualmente não foram encontrados outros exemplos nesse sentido, evidenciando que somente uma pequena parcela dos doutrinadores não reconhecem a possibilidade do exercício regulamentar como próprio das atividades das agências reguladoras. 4.5 Análise das questões divergentes acerca da competência normativa atribuída às agências reguladoras No desenvolvimento de suas teses, os doutrinadores e juristas, de modo geral, pautam-se nos princípios constitucionais e numa disputa acerca de três aspectos fundamentais do poder regulamentar, quais sejam: as espécies de regulamentos admitidos pelo ordenamento jurídico nacional; a possibilidade de produzirem inovações na ordem jurídica; e, quanto à exclusividade do seu exercício pelo Chefe do Poder Executivo. Assim, para dar noção da complexidade da discussão que gira em torno do tema, há, por exemplo, entendimentos que não admitem o regulamento autônomo, mas admitem a aplicação de soluções estrangeiras na ordem jurídica nacional, inovando na ordem jurídica por outros meios que não o Legislativo. Outros, entretanto, admitem tal regulamento autônomo, mas rejeitam sua utilização para inovarem na ordem jurídica, evidenciando que as divergências acerca do assunto, muitas vezes, são decorrentes da natureza semântica da disputa. 95 De qualquer modo, podem ser vislumbradas três correntes que diferem entre si em alguns pontos principais. Tem-se, num extremo, uma corrente que considera que a competência normativa das agências para emitir normas abstratas, pode ser exercida com autonomia total através de regulamentos autônomos, decorrente de uma delegação propriamente dita do poder Legislativo, tal como ocorre na lei delegada. Já no outro extremo, há o entendimento de que o exercício do poder regulamentar para criar normas abstratas, não pode ser reconhecido como legítimo às agências, já que a Constituição Federal de 1988 estabelece ser o mesmo de competência privativa do Chefe do Executivo. Por sua vez, em meio à disputa referida, tem-se a corrente que entende haver certa margem de autonomia para o exercício do poder regulamentar pelas agências, derivado justamente da opção do legislador em deixar espaços na lei que devem ser complementados através de regulamentos dado à especificidade das matérias tratadas. Dito em outras palavras, seria uma espécie de delegação legislativa imprópria, com a produção de normas hierarquicamente inferiores, não podendo contrariar a lei, assim como o regulamento presidencial, já que como integrantes do Poder Executivo, se submetem ao Chefe deste. Ressalta-se que no Brasil não há um consenso em relação à figura do regulamento, havendo grande relatividade com relação à nomenclatura utilizada pelos autores para distinguir as espécies do mesmo, levando, via de regra, a optarse por não mencionar tal critério como elemento principal na apresentação dos entendimentos doutrinários e posicionamentos jurisprudenciais. Ademais, percebe-se um ponto primordial, suscitador das divergências quanto à competência normativa abordada neste estudo, uma vez que os limites materiais e formais da mesma não foram dados de maneira clara pelo legislador, abrindo margem para a disputa na busca por uma solução que possa ser considerada legítima perante o ordenamento jurídico nacional. Enfim, pode-se afirmar que tal instabilidade também é sustentada pela inexistência, até o momento, de posicionamento específico do Supremo Tribunal Federal em relação ao assunto, que apenas aborda de maneira ampla os vários aspectos nele envolvidos. Em contrapartida, o que existe são decisões fora deste contexto particular, nas quais o Supremo Tribunal Federal se manifesta acerca do poder regulamentar e da lei de um modo geral. 96 É fato que as agências reguladoras, criadas a partir da década de 90, foram sendo solidificadas na Administração Pública nacional, desempenhando um campo bastante amplo de atividades, inclusive de natureza normativa. Portanto, conforme frisado por Justen Filho, cabe aos estudiosos do assunto, antes de aplicar soluções estrangeiras ao assunto ou, por outro lado, ignorar sua possibilidade, buscar os meios legitimadores para o desenvolvimento dessa função atribuída a tais entidades, de acordo com os limites do ordenamento jurídico brasileiro. Diante desta constatação, ao analisar as correntes apresentadas acerca do assunto, entende-se que há maior coerência naquela que consegue justificar a atuação normativa abstrata das agências, como opção realizada pelo próprio legislador, sendo que sua natureza derivada a coloca hierarquicamente numa ordem inferior, na qual entende-se que não poderá contrariar as leis ou atos regulamentares do Presidente da República, respeitando assim, os limites do ordenamento jurídico sem desconsiderar a realidade da produção das referidas normas pelas agências, desenvolvimento do país. que são de fundamental importância para o 97 5 CONCLUSÃO Nos anos 90, com o intuito de promover o desenvolvimento do país, a fim de que pudesse se adequar às exigências do mundo contemporâneo, o governo brasileiro iniciou um processo de reorganização do Estado, incluindo também, reformas importantes na Administração Pública ao adotar novos conceitos de serviço público e de cidadania a partir de processos de descentralização. Além da intervenção típica nas áreas dos serviços considerados essenciais, como, por exemplo, saúde e educação, os anos de crise da década de 80 fizeram com que o governo assumisse um novo papel de apoio à economia através da intervenção indireta, permitindo a abertura de determinados setores à iniciativa privada, ao passo em que permanecia responsável pela regulação dos mesmos, com vistas a mediar adequadamente os interesses envolvidos na relação entre o Estado, mercado e cidadãos. Desse modo, entre 1996 e 1997, surgiram as primeiras agências reguladoras nas áreas de serviços públicos de infra-estrutura, os quais necessitavam da captação de recursos estrangeiros para sua expansão. Contudo, muito embora tenha ocorrido o repasse das atividades ao setor privado, o serviço não perdeu sua característica de público, o que tornava a função das agências reguladoras de suma importância para a garantia da qualidade dos serviços prestados e preços justos à população. Desde então, o campo de atuação das agências foi ampliado para outras áreas da atividade econômica, tendo-se atualmente dez agências incumbidas da regulação nos seguintes setores: energia elétrica, telefonia, política energética (petróleo, gás natural e biocombustíveis), vigilância sanitária, saúde (suplementar), recursos hídricos, transporte terrestre e aquaviário, cinema e aviação civil. Para propiciar um ambiente adequado ao desempenho de suas funções, ou seja, livre das possíveis interferências diante dos interesses envolvidos, inclusive políticos, foram-lhe atribuídas um conjunto de características institucionais, o qual permite distingui-las das demais entidades reguladoras existentes no Brasil. Em suma, as agências reguladoras são autarquias integrantes da estrutura da Administração Pública indireta, criadas sob regime especial, dotadas de competência regulatória conferida pela respectiva lei de criação e respectivo decreto 98 regulamentar, detentoras de reduzido grau de subordinação em face da Administração direta, com garantia de que não haverá a revisão dos seus atos por autoridade integrante do Poder Executivo e fontes de receita própria. Porém, ao longo de sua existência, tais atribuições conferidas às agências vêm suscitando críticas e certa desconfiança, sendo que as questões versam em sua maioria sobre os aspectos da autonomia conferida às agências, em especial, no que diz respeito a sua autonomia funcional. No âmbito doutrinário, os debates estão relacionados, em grande parte, ao mesmo aspecto mencionado anteriormente, com foco, porém, na competência normativa atribuída às agências. A discussão está atrelada aos limites da referida competência diante do ordenamento jurídico pátrio, verificando a legitimidade para a emissão de atos normativos abstratos no desempenho da sua função regulatória. Neste sentido, constata-se que algumas abordagens se fazem essenciais no desenvolvimento da questão, como por exemplo: a análise dos princípios constitucionais da separação dos poderes e da legalidade; da estrutura da norma jurídica, de sua abrangência, espécies e a hierarquia existente entre as mesmas; e, enfim, do instituto do poder regulamentar. Apesar da complexidade que envolve o tema, em meio aos mais variados argumentos sobre a matéria pôde-se caracterizar três correntes distintas entre si, especialmente pelo grau de autonomia que atribuem à competência normativa das agências. Com efeito, vislumbra-se numa delas a admissibilidade para expedir atos normativos abstratos pelas agências, com total autonomia através dos chamados regulamentos autônomos. Tais atos teriam, assim, capacidade para inovar primariamente na ordem jurídica, tendo-os como legítimos ao considerar que esta atribuição seria feita próprio Legislativo, através de delegação legislativa, tal como ocorre na hipótese de leis delegadas. Dito em outras palavras, ao criar as leis instituidoras de cada agência, o Legislativo, também estaria delegando a criação de normas sobre determinadas matérias às agências, dado à especificidade técnica das mesmas. Numa segunda corrente, a atividade normativa abstrata das agências também é reconhecida, porém, nota-se maior preocupação em relação aos limites do ordenamento jurídico nacional. Assim, tais atos seriam legítimos porquanto de natureza discricionária, derivada da opção realizada pelo Poder Legislativo em não produzir leis exaustivas sobre determinados conteúdos técnicos. Tratar-se-ia, 99 portanto, de uma competência normativa secundária, admitindo o exercício regulamentar pelas agências, exigindo-se estrita observância aos preceitos legais e regulamentares do Presidente da República. Enfim, sob outra perspectiva, há uma terceira corrente, que não considera ser possível a expedição de normas abstratas pelas agências, uma vez que não reconhece como legítimo o exercício regulamentar a essas entidades. Dessa forma, a competência normativa das agências reguladoras estaria adstrita aos atos administrativos comuns a quaisquer órgãos da administração pública, além da capacidade para emitir normas para a solução de casos concretos. Em que pese tal disputa, muitas vezes semântica, percebe-se que grande parcela dos doutrinadores, bem como da jurisprudência, elaboram seus argumentos sem olvidar dos preceitos da ordem jurídica brasileira, legitimando tal competência ao passo em que respeite a hierarquia existente entre as normas, não contrariando as leis ou os atos regulamentares do Chefe do Executivo. Assim, conclui-se que há maior coerência nos argumentos da corrente que entende que a competência normativa abstrata das agências reguladoras é derivada de uma opção do próprio Poder Legislativo em não produzir leis exaustivas sobre determinadas matérias dada sua especificidade técnica. As obrigações derivadas da competência normativa abstrata das agências seriam, portanto, subsidiárias, apenas para dar a adequação necessária à lei prévia. Em outras palavras, tal exercício seria legitimado por um tipo de delegação de cunho secundário, de forma que tais atos ocupam lugar inferior ao das leis, não devendo ir de encontro às mesmas nem aos regulamentos presidenciais, já que as agências não são alheias ao Executivo, mas, sim, também parte deste Poder. 100 REFERÊNCIAS: ABRUCIO, Fernando Luiz. Os avanços e os dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da administração pública à luz da experiência internacional recente. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; SPINK, Peter Kevin (Orgs.). Reforma do Estado e administração pública gerencial. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 173199. ABRUCIO, Fernando Luiz. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, Ed. Especial, p.67-86, ago. 2007. ARAGÃO, Alexandre Santos de. (Coord.). O poder normativo das agências reguladoras. São Paulo: Forense, 2006. 672 p. ______. 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