A atuação do pedagogo no projeto pedagógico da educação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PEDAGOGIA
A ATUAÇÃO DO PEDAGOGO NO PROJETO PEDAGÓGICO DA
EDUCAÇÃO CORPORATIVA
CAROLINA BEDENDO
SÃO CARLOS
JUNHO/ 2007
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PEDAGOGIA
A ATUAÇÃO DO PEDAGOGO NO PROJETO PEDAGÓGICO DA
EDUCAÇÃO CORPORATIVA
CAROLINA BEDENDO
Trabalho de conclusão de
curso apresentado ao
Departamento
de
Educação da Universidade
Federal de São Carlos sob
orientação do Profº. Drº.
João Virgilio Tagliavini
da Universidade Federal
de São Carlos como parte
dos
requisitos
para
obtenção da formação
plena em Pedagogia.
SÃO CARLOS
JUNHO/ 2007
3
___________________________
Orientador
Profº. Dr. João Virgilio Tagliavini
4
Dedico este trabalho à memória de minha mãe,
Cristiane Francisco Bedendo.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu guia.
Ao Prof. Dr. João Virgilio Tagliavini, amigo e orientador, pela oportunidade de
desenvolver este trabalho de uma maneira satisfatória e desafiadora.
A coordenação do curso de Pedagogia pela atenção dada às disciplinas de
Trabalho de Conclusão de Curso.
A todos os professores que passaram pela minha formação em Pedagogia, pelos
ensinamentos que pude integralizar no presente trabalho.
A empresa Faber-Castell- São Carlos, pela abertura concedida para a minha
observação prática.
Ao meu ombro confortador, Leonardo, pelo amor e paciência, tanto nos
momentos tranqüilos, como nos mais conturbados.
Ao meus pais, pelo incentivo e orgulho desde o início da minha escolarização.
6
RESUMO
A atuação do pedagogo, com toda sua formação crítico-reflexiva pôde ser pensada
em um ambiente organizacional, dentro dos aspectos que definem uma educação
corporativa, enquanto práticas e processos educacionais, à luz de discussões
sociológicas e da bibliografia recente sobre a temática. As teorias de Émile Durkheim e
Karl Marx possibilitaram tal análise e as conclusões sobre a contradição entre o adaptarse à cultura organizacional e o emancipar-se, através do reconhecimento da própria
condição em que vive o trabalhador. A leitura apurada dos ideários educativos
libertários de Paulo Freire permitiu identificar a importância da criticidade da atuação
do pedagogo, enquanto educador de seres humanos.
7
ABSTRACT
The performance of pedagogue, with all its critical and self formation could be
thought about an organizational environment, inside the aspects that define a
corporative education, while practical and educational processes, with sociological
discussions and the recent bibliography about the thematic. The theories of Émile
Durkheim and Karl Marx make possible such analysis and the conclusions on the
contradiction between the adapting itself to the organizational culture and the
emancipating, through the recognition of the proper condition which the worker lives.
The refined reading of the libertarian educative ideas of Paulo Freire allowed
identifying the importance of the criterion on the performance of the pedagogue,
whiling educator of human beings.
8
SUMÁRIO
1.Introdução............................................................................................................9
2. Educação Corporativa: conceito........................................................................12
3. A experiência da Faber-Castell...........................................................................18
4. O projeto pedagógico de uma educação corporativa e a atuação do
pedagogo.................................................................................................................26
5. Discussão sociológica: Émile Durkheim e Karl Marx.......................................31
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................39
ANEXO
9
1.Introdução
O presente trabalho foi realizado a partir de um levantamento
bibliográfico da literatura recente sobre Educação Corporativa, bem como sobre as
teorias sociológicas de Émile Durkheim e Karl Marx. Para complementar a análise
sobre a temática, realizei uma breve pesquisa em campo na empresa Faber-Castell
situada na cidade de São Carlos, onde pude colher dados empíricos sobre os processos
educacionais realizados em um ambiente corporativo.
A escolha da empresa Faber-Castell se deu pelo motivo de eu ter tido um
contato com uma pedagoga que havia trabalhado no local justamente com a área
denominada Treinamento e Desenvolvimento T&D, o que poderia me proporcionar uma
análise da atuação do pedagogo.
A Faber-Castell é uma empresa de médio-porte, que fabrica artigos
escolares como lápis, caneta, borracha dentre outros. Atualmente é a líder mundial no
setor; possui duas unidades de produção no município de São Carlos, produzindo mais
de mil itens que abastecem o mercado interno e que são exportados para mais de setenta
países; conta, em média atualmente, com dois mil e quinhentos colaboradores.
Tendo em vista, então a disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso,
cujo objetivo visa que o aluno, ao final do curso de Pedagogia, a partir de suas
experiências vivenciadas nos estágios, nos estudos teóricos e práticos, no conjunto de
atividades de ensino, pesquisa e extensão relacionadas a sua formação profissional,
realize um trabalho com foco em processos educativos (escolar e/ou não escolar) de
modo a contribuir para o desenvolvimento de suas capacidades científicas, artísticas e
crítico-reflexivas, propõe que o aluno no decorrer da sua formação tenha em vista um
tema específico no qual queira se aprofundar.
Desenvolve assim, uma postura científica de aluno pesquisador, aspecto
importante na sua futura atuação profissional, que prescinde em sua prática, uma
postura de reflexão constante, reflexão esta que tem suas bases na pesquisa, na busca
incessante do conhecimento, pois ao lidar com seres humanos, seja em qualquer fase da
vida, faz-se necessário a compreensão dos fenômenos que permeiam o desenvolvimento
de pessoas.
Para tomar, então, uma postura de aluna pesquisadora, escolhi uma
temática que trouxesse um estudo sobre a atuação do pedagogo em um contexto que não
10
o escolar, e que pude vivenciar em um dos estágios de Administração escolar e
Orientação Educacional, realizado no 6º período do curso de formação, em uma
empresa de terceirização de Recursos Humanos.
Na sociedade moderna contemporânea tem-se observado mudanças muito
grandes no mercado de trabalho e na organização do trabalho: crescimento do
setor de serviços, emergência de novas profissões e aumento da interface entre
os diferentes campos de atuação, dentre outras. Ao se pensar no pedagogo, não
se pode perder de vista essas tendências que abrem espaço para que ele explore
os novos campos de atuação, envolvendo-se com outros profissionais, na
forma de equipes multidisciplinares. Mesmo tendo-se atribuído historicamente
à escola a função de principal agência educativa, ela não deve ser vista como o
único espaço reservado à atuação do pedagogo. O que muitos estudiosos
chamam de sociedade do conhecimento, assim designando a sociedade atual, é
suficiente para dar destaque a um tipo de profissional cujo trabalho é a
organização e transmissão de conhecimentos”.(Conti e Marques, 2005).
Na trajetória da minha formação em Pedagogia, eu tentei buscar
conhecer as diversas formas de atuação do pedagogo, que como o profissional da
educação, tem, geralmente, como perspectiva pós-formação, a docência nas séries
iniciais do ensino fundamental. Acredito que isso se deve, principalmente, à sua
formação crítico-reflexiva que leva um compromisso político, que se desenvolve a cada
etapa do curso de formação, pois a educação sendo um dos principais fatores de
desenvolvimento de uma sociedade, faz com que aqueles que a conquistam com
qualidade, tenham mais oportunidades de crescimento.
Sendo assim, o pedagogo, com seu compromisso político, procura se
voltar para oferecer uma educação de qualidade aos menos favorecidos socialmente, que
se encontram, geralmente, nas escolas públicas.
No entanto, fui me deparando com diversas situações no decorrer do meu
curso, como estágios, em que pude verificar que uma educação que vise o
desenvolvimento do ser humano seja em qualquer fase de sua vida, pode se dar em
qualquer contexto e com o mesmo compromisso político.
Então, ao ter a oportunidade de escolher um tema para o meu trabalho de
conclusão de curso, optei por explorar uma temática tão pouco requisitada pelos
pedagogos e ao mesmo tempo desafiante, que é poder entender e conhecer quais são as
possibilidades de sua atuação em um contexto corporativo, onde certamente se depara
com uma certa contradição: adaptar-se à cultura organizacional e visar a mudança, visto
que as corporações têm um objetivo específico, baseado no lucro, assim, como uma
11
escola de caráter privado, considerando que uma escola é uma organização como outra,
onde só se mudam os objetivos.
Porém, em se tratando de educação, sempre há um lugar para a atuação
do pedagogo, pois com toda sua bagagem teórico-prática que o desenvolve como um
especialista no assunto, ele não pode ceder seu espaço, e assim conseqüentemente,
reduzir o compromisso político às escolas, que “sozinhas” na batalha para uma maior
justiça social, se encontram sem forças.
Acredito, então que o pedagogo necessita ampliar seus horizontes de
atuação para desenvolver uma educação de qualidade em outros contextos.
Sendo assim, acredito que o desenvolvimento da presente temática seja
importante de se conhecer, pois ao se tratar de educação, o contexto pode vir a ser um
espaço no qual haja a necessidade de pedagogos presentes, atuando com sua postura
reflexiva ao entrar em contato com os seres humanos, que são a base de toda e qualquer
organização, e que estão sempre prontos a aprender, seja em qualquer contexto:
Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos
tornamos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em quem
aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico
que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir
reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem a abertura ao risco e
à aventura do espírito.
Creio poder afirmar, na altura dessas considerações, que toda prática
educativa demanda existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro
que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico; a existência de
objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de
métodos, de técnicas, de materiais; implica, em função de seu caráter
diretivo, objetivo, sonhos, utopias, ideais. (FREIRE, 1996 ,pg.69)
Sendo assim, no presente trabalho, desenvolvo as possibilidades de
atuação do pedagogo, enquanto crítico-reflexivo, no ambiente empresarial, tendo como
base o projeto pedagógico no qual ele, ao elaborar, executar, acompanhar e avaliar, irá
buscar maneiras de realização de uma prática educativa de qualidade e reflexiva aos
trabalhadores, que muitas vezes, não sabem o “porquê” de estarem inseridos em uma
sala de aula no seu ambiente de trabalho, que por razões da ordem capitalista, significa
buscar aumentar a competitividade através do aumento dos conhecimentos, ou
informações de seus colaboradores, o que não deixa de ser um caminho para o
desenvolvimento do país e uma possível melhoria da qualidade de vida de todos.
12
2.Educação Corporativa: conceito
Há algum tempo, o mundo das organizações vêm captando a idéia de que
para sobreviver em meio ao mundo do intenso movimento da globalização, onde as
mudanças são cada vez mais freqüentes e velozes, é preciso mudar os paradigmas
antigos de movimentação estável, e partir para o desenvolvimento de novas formas de
se manter na “ativa”, buscando princípios tão pregados pela atual sociedade como
resolução de problemas, criatividade, empreendedorismo, entre outros aspectos que são
exigidos principalmente dos que fazem as organizações funcionarem: os seres humanos.
Nesse contexto, as capacidades de aprender a aprender e de fazer gestão
sobre os conhecimentos presentes na organização passaram a ser vistos como condição
de sobrevivência para as empresas, características de uma sociedade totalmente
capitalista.
O mundo do trabalho passou a requisitar novos modelos de
aprendizagem, nos quais a troca de experiências e de conhecimentos entre as pessoas
pudessem fluir permanentemente, tornando o processo de aprendizagem cada vez mais
rico e significativo para os que dele participam. Isso, portanto, não deixou de ser uma
das características das estratégias das organizações.
Paulo Freire (1996), já dizia que a experiência é fator preponderante no
processo de ensino e aprendizagem, “Por que não estabelecer uma ‘intimidade’ entre os
saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como
indivíduos?” (p.30).
Em função dessa necessidade de aprendizagem, inicialmente, surgiu, nas
empresas, o treinamento, como um processo que visava tornar os trabalhadores aptos a
realizarem novas tarefas e a absorverem procedimentos, assim como a manipularem
novas ferramentas de trabalho. A natureza do treinamento distinguia-se da educação,
pelo seu caráter prático e imediato; buscava-se simplesmente “adestrar” os
trabalhadores tecnicamente para atuação em determinada área, sem contextualização
alguma do conhecimento adquirido.
O treinamento, na sua concepção inicial, porém, já não é capaz de prover
as necessidades de conhecimento e atualização profissional. Isso pressiona as empresas
a buscarem um novo patamar no processo de formação e desenvolvimento de suas
equipes.
13
Surgem, então, as empresas voltadas para a aprendizagem (Learning
Organization), que buscam não apenas treinar os seus empregados, mas, antes de tudo,
criar um ambiente de aprendizagem contínua, no qual as pessoas possam criar, adquirir
e transferir conhecimentos, de forma a refletí-los na vida pessoal e profissional. Com
isso, as empresas buscam maneiras inovadoras de enfrentar os problemas e de propor
soluções adequadas à realidade e ao contexto que vivenciam.
Isso nos leva a concluir que o que ocorre nas empresas hoje, em termos
de aprendizagem, é muito mais complexo do que aquilo que se buscava alcançar com a
utilização do treinamento.
As empresas estão ampliando, cada vez mais, a sua atuação enquanto
provedoras de oportunidades de conhecimento, informação e crescimento profissional,
alterando o seu foco de treinamento para educação empresarial, surgindo assim o
movimento de Educação Corporativa, como verdadeiro fruto da sociedade do
conhecimento.
É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento
técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício
educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano,
o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do
educando. Educar é substantivamente formar. (Freire, 1996, p.33).
A transição do antigo T & D (Treinamento de Desenvolvimento) na área
de Recursos Humanos para o novo conceito intitulado Educação Corporativa, adveio
das críticas ao sistema educativo de não formar os indivíduos para o mercado de
trabalho, ou seja, as pessoas saem da escola e não estão preparadas com a “bagagem”
que o mercado hoje requer, segundo a lógica capitalista, de que nada adianta formar os
estudantes em conteúdo que não os habilitam a se inserirem na esfera produtiva.
Discuto aqui um breve histórico das mudanças.
Na década de 1970 do século XX, houve a quebra do modelo tayloristafordista, devido a uma série de mutações no processo de acumulação do capital; este
fato gerou, por sua vez, instabilidades do mercado. O mundo passa a atuar com novas
formas de produção, baseadas na tecnologia; com isso, surge também um novo perfil de
14
trabalhador, que deva ser flexível às constantes mudanças para o ajustamento ao modelo
organizacional.1
Na década de 1990, passa-se então a discutir a formação necessária do
trabalhador, que além de flexível, deve ser um bom conhecedor da tecnologia. O
trinômio CHA: competência, habilidade e atitude passa a ser valorizado na escolha dos
candidatos ao posto de trabalho.
Um aspecto que aqui deve ser considerado é uma grande contradição
destacada perante as mudanças impostas aos trabalhadores pelo novo paradigma
produtivo. Por um lado, o desenvolvimento tecnológico pode trazer a qualidade de vida
para uma pequena parte da população, enquanto a grande maioria tem o seu posto de
trabalho tomado pelo ‘computador’, o que gera o desemprego e afeta a sobrevivência
dessa mesma massa.
Esta nova configuração do mundo organizacional vai apresentar, então
novas demandas; o aumento da escolaridade e das habilidades básicas dos trabalhadores
parece se tornar a condição imprescindível para a inclusão de inovações tecnológicas e
organizacionais necessárias para a recuperação das economias nacionais em
desenvolvimento. Neste sentido, algumas reformas educacionais apontam para a
valorização da educação a fim de garantir o desenvolvimento econômico.
Ressalto aqui que essas reformas educacionais, surgem então como
mecanismos de exaltar a mercantilização da educação, que está sendo utilizada para o
sistema produtivo capitalista se expandir, e que não agem em prol do desenvolvimento
social para uma melhor educação que garanta a construção da cidadania e da
participação política desses mesmos trabalhadores e dos seus filhos.
Um exemplo é o relatório Jacques Dellors (1996), onde há o
reconhecimento que o conceito de educação ao longo da vida aparece como uma das
chaves de acesso ao século XXI, ou seja, acesso ao sucesso dos indivíduos na nova
ordem econômica mundial. Esta vai ser a grande justificativa dos estrategistas
empresariais para a difusão da educação ou universidade corporativa, como um modelo
de projetos de educação continuada, levando em consideração competências
estratégicas, táticas e operacionais.
Neste sentido, cabe aqui a seguinte definição para educação corporativa:
1
Grifos meus.
15
Os proponentes dessa instituição e do tipo de formação que ela proporciona
definem-na como um espaço educacional dentro da empresa e por ela
gerenciado que visa institucionalizar uma cultura de aprendizagem contínua,
proporcionando a aquisição de novas competências vinculadas às estratégias
empresariais com o propósito de assegurar vantagens competitivas
permanentes. (Quartiero e Cerny, 2005, p.24, in: Quartiero e Bianchetti,
2005)
O norte da Educação Corporativa não escapa dos objetivos da empresa,
ou seja, da lógica do mercado, que é a acumulação do capital, subordinando assim, a
educação a essa lógica.
Neste sentido, Cattani, (Quatiero e Biancheti, p. 319, 2005), no seu artigo
intitulado O ideal educativo e os desígnios do mercado, destaca três dimensões da
educação corporativa.
A primeira diz respeito ao “novo nome” do T&D que passa a ser
Educação ou Universidade Corporativa, que pode dizer respeito às mesmas práticas
(treinamentos, reciclagens, etc).
A segunda dimensão corresponde ao comércio ou indústria da educação,
ou seja, o trato que se dá à educação como mecanismo de geração de lucro, em
detrimento da produção do conhecimento, da importância da pesquisa e mesmo do valor
da educação.
A terceira dimensão não é explícita como as duas anteriores; “é
complexa e representa o contraponto mais contundente ao ideal educativo”, ou seja,
trata-se do “processo de exacerbação da lógica capitalista a todas as esferas da vida
humana”, em uma dinâmica de imposição que requer moldar a educação de forma a
atender às necessidades do mercado.
Sendo assim, a educação corporativa se define como uma estratégia de
obter e gerar conhecimento, surgindo então a idéia da educação como um dos principais
instrumentos de apoio ao alcance dos objetivos organizacionais, mediante a elaboração
e gestão de processos de aprendizagem na organização.
Nesse cenário, há que se acrescentar o movimento vertiginoso de
crescimento da tecnologia, principalmente, das tecnologias de comunicação, cujo poder
de distribuição do conhecimento, vem provocando grandes mudanças no processo da
educação corporativa.
As empresas, talvez por já contarem com ambientes tecnológicos
próprios e com a vantagem de já dominarem sua utilização, “saíram na frente” e
16
antecederam as escolas na construção e utilização de soluções de aprendizagem
baseadas em tecnologia.
A Educação a Distancia (EAD), é uma das principais e mais aplicadas
vertentes da Educação Corporativa e alia-se ao princípio de que o vínculo educação e
tecnologia é capaz de “vencer distâncias” a fim de garantir um movimento de inclusão
digital com uma significativa abrangência de pessoas. A Educação a Distância se
desenvolveu muito, beneficiada pelas novas tecnologias da informação e comunicação,
como a internet, a intranet, a videoconferência, a web aula e todo um conjunto de
recursos incluindo o DVD, o CD-ROM, o vídeo cassete e tantos outros. As vantagens se
traduzem na facilidade do acesso à educação, à redução de custos, à autonomia e o autoaprendizado que são proporcionados aos alunos, o estímulo à educação continuada; no
entanto, há de se focalizar suas desvantagens como a necessidade de maior esforço,
motivação, disciplina e organização do aluno; as limitações quanto à socialização do
aluno; as dificuldades para o preparo, atualização e acompanhamento dos cursos; os
custos de equipamentos e infra-estrutura, incluindo a velocidade de transmissão de
dados e imagens e as dificuldades de interação entre alunos e professores.
Muitas pesquisas e trabalhos sobre Educação Corporativa trazem em si
as experiências da Educação a Distância. Algumas empresas têm sua educação
corporativa pautada somente na educação a distância.
Os defensores desta vertente argumentam que no caso de um país como o
Brasil, por exemplo, onde há um grande índice de exclusão social e digital e que, não
raro não existem condições de inclusão a não ser pelo trabalho, o que faz com que mais
pessoas participem ativamente na sociedade da informação que aí está posta. O que é
novo traz consigo a curiosidade e o desejo de desvendar, como traz Freire (1996) em
suas palavras:
Não tenho dúvida nenhuma do enorme potencial de estímulos e desafios à
curiosidade que a tecnologia põe a serviço das crianças e dos adolescentes
das classes sociais chamadas favorecidas...o exercício da curiosidade
convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar,
de comparar, na busca da perfilização do objeto ou do achado de sua razão
de ser. (p.87).
17
No entanto, as distâncias vencidas pela tecnologia não foram superadas
quanto à verdadeira aproximação e sintonia entre as pessoas, o que requer, segundo
alguns especialistas da área, uma pedagogia que vai além das técnicas.
Há também corporações que mantém sistemas de educação formal, ou
seja, educação básica, seja por meio de sala de aula e docente ou através de telecursos.
O objetivo é proporcionar a formação básica (Ensino Fundamental e Ensino Médio) aos
colaboradores que não a possuem.
A educação informal também não deixa de atingir os objetivos da
educação corporativa, pois visa melhorar e estimular a qualidade de vida do trabalhador
por meio de atividades culturais, sociais e de lazer, trazidos por exemplo, em cursos
alternativos como culinária, artesanato, plantas medicinais dentre outros.
A Educação Corporativa responsabilizada pela educação e buscando
caminhos e alternativas para que ela seja plena e constante no seu entorno, possui assim
uma associação, a ABEC (Associação Brasileira de Educação Corporativa), criada,
segundo Murilo Brandão (2005), durante a I Oficina de Educação Corporativa,
organizada pelo Governo Federal, sendo uma iniciativa conjunta da Secretaria de
Tecnologia Industrial (STI), do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio
Exterior (MDIC) e da Petrobrás, por intermédio de sua universidade corporativa; surgiu
com a necessidade de um órgão que representasse os interesses da educação corporativa
para o estabelecimento de prioridades de ação.
Dentre os objetivos da ABEC, destacam-se:
I.Fortalecer
o
papel
estratégico
da
educação
corporativa
nas
organizações.
II.Representar os interesses das organizações associadas no tocante à
educação corporativa perante os órgãos de governo e demais entidades.
III.Estimular a profissionalização em educação corporativa.
IV.Criar sinergia entre as organizações com proficiência em educação
corporativa.
V.Criar
oportunidade
de
desenvolvimento
profissional
para
o
trabalhador.
VI.Possibilitar aos entes governamentais inserir a educação corporativa
nas políticas e estatísticas oficiais e servir de canal privilegiado de
interlocução.
18
VII.Certificar as atividades de educação corporativa das diversas
instituições
associadas
de
acordo
com
critérios,
programas
e
metodologias de aprendizagem de eficácia garantida.
VIII.Ganhar economia e eficiência no desenvolvimento de produtos
educacionais.
IX.Assegurar a visibilidade das ações de educação corporativa.
X.Pesquisar, desenvolver e disponibilizar os produtos educacionais,
melhores práticas e métricas em educação corporativa nacional e
internacional.
3. A experiência da Faber-Castell
Como pesquisa de campo, escolhi uma empresa multinacional de médio
porte na cidade de São Carlos para conhecer e subsidiar meu conhecimento em
construção sobre a temática educação corporativa, apesar de ter a informação de que os
processos educacionais desenvolvidos na empresa ainda não eram pautados dentro da
definição exata de Educação Corporativa.
A empresa possui disponível em seu site (www.faber-castell.com.br),
alguns princípios de sua prática com os seus colaboradores, dentro dos vários conceitos
de Responsabilidade Social adotados pela empresa.
Destaco aqui a Carta Social de Conduta e os Dez Princípios Guias que
se dirigem especificamente aos trabalhadores e à cultura de organização que a empresa
prega.
A Faber-Castell formalizou em documento as diretrizes que já
orientavam os responsáveis pela gestão de seus negócios, com o objetivo de manter
equilibradas e harmoniosas as relações com os públicos interessados na atuação da
empresa.
Essas diretrizes estão presentes nos dez princípios guias da companhia
e na carta social de conduta quanto aos direitos dos trabalhadores, que oficializa a
atenção que a empresa dispensa aos seus colaboradores.
Os dez princípios guias
Tradição e Herança
19
A Faber-Castell é mais antiga produtora de instrumentos de escrita no
mundo.
A Faber-Castell foi fundada em 1761 e está nas mãos da oitava geração
de sucessoras de seu fundador. Assim, a Faber-Castell, é a mais antiga produtora de
instrumentos da escrita no mundo. A companhia está também preparada para ser
administrada como uma empresa familiar independente no futuro.
Colaboradores
Nossos colaboradores e nossa marca são os ativos mais importantes.
A empresa encoraja e solicita uma mentalidade e ações inovadoras e
empreendedoras, assim como competência internacional. Entendemo-nos uns com os
outros de forma aberta e resolvemos conflitos de maneira prática e adequada, numa
relação de confiança. Sentimo-nos profundamente comprometidos com nossa tradição e
nossa responsabilidade social. A Faber-Castell criou o segundo mais antigo fundo de
seguro-saúde na Alemanha e a primeira creche na Bavária em 1851.
Marca
O foco do trabalho é o rigoroso gerenciamento da nossa marca.
O enfoque mais importante está no gerenciamento rigoroso de sua marca,
desde o design do produto até a comunicação adequada. Um design inconfundível e
sempre atual é parte integrante de nossa filosofia de marca. Nós estamos completamente
comprometidos em fortalecer a nossa marca, pois isso contribui, substancialmente, para
assegurar a sustentabilidade da Faber-Castell em longo prazo”.
Produtos
Temos obrigação de fornecer produtos que sejam os melhores de suas
categorias.
Em 1839 a Faber-Castell criou o primeiro lápis grafite com marca no
mundo e o fez com qualidade impecável. A escrita a lápis também continua sendo uma
área central de competência da empresa. Em áreas de especialidades claramente
definidas, a Faber-Castell desenvolve, produz e comercializa produtos de excelente
qualidade para escrever, desenhar, pintar e para artes criativas, assim como produtos
cosméticos. Nós colocamos como referencial de nossa marca o fornecimento de um
produto que seja "o melhor de sua categoria" entre todos os produtos oferecidos.
20
Nossos produtos devem ser companheiros para toda a vida das pessoas, e sob este
aspecto, nós temos uma obrigação especial para com as crianças como um grupo alvo.
Inovação
A inovação é um meio de assegurar nosso próprio futuro.
A inovação na Faber-Castell não é mera questão de modismo, mas um
meio de assegurar nosso próprio futuro e fornecer um valor agregado aos nossos
consumidores. Nós estimulamos a criatividade através de uma atmosfera aberta de
trabalho e obtemos sinergias através de grupos criativos interdisciplinares e
internacionais.
Globalização
Vemos o mundo como um mercado global e consideramos as diferentes
necessidades de cada região.
A Faber-Castell abriu sua primeira filial em Nova York em 1849 e assim
estabeleceu as bases para negócios mundiais. Hoje produzimos em 14 fábricas e
comercializamos nossos produtos através de 19 empresas comerciais em mais de 100
países. Nós vemos o mundo como nosso mercado global, enquanto consideramos as
diferentes necessidades de cada região. Nosso objetivo é utilizar as oportunidades de
globalização para fortalecer a Faber-Castell como uma marca global.
Benefícios aos Consumidores
Oferecer aos nossos consumidores valor agregado perceptível.
Os produtos da Faber-Castell devem atender perfeitamente às
necessidades de nossos consumidores. A opinião dos usuários de nossos produtos é foco
do nosso compromisso. Nosso objetivo principal é aumentar os benefícios para nossos
consumidores através de uma melhoria constante dos produtos existentes e o
desenvolvimento de produtos novos, ao mesmo tempo em que nos destacamos da
concorrência através de um "ponto de diferenciação", de forma a oferecer aos nossos
consumidores um valor agregado perceptível quanto ao desempenho do produto.
Meio Ambiente
Respeitar o meio ambiente é uma obrigação.
21
A Faber-Castell sente uma particular obrigação e compromisso em
relação ao meio ambiente. Nossos produtos são desenvolvidos a partir de matériasprimas ecologicamente corretas, algumas cultivadas por nós mesmos, e utilizando
processos amigáveis ao meio ambiente.
Organização
A Faber-Castell é uma empresa para empreendedores.
Para assegurar o foco estritamente no consumidor, a Faber-Castell é uma
empresa que tem se descentralizado de acordo com a responsabilidade regional, com
uma estrutura não hierárquica, não burocrática e processos rápidos de tomada de
decisões, confiando no conhecimento dos responsáveis de cada região e das gerências
locais. A Faber-Castell é uma empresa para empreendedores, na qual estilos de
gerenciamento cooperativo e de trabalho em equipe são promovidos e solicitados,
visando o desempenho global.
Futuro
O comprometimento com os princípios garante o sucesso no futuro.
Como uma empresa de porte médio ativa internacionalmente, queremos
fortalecer nossa lucratividade e manter nossa independência através dos seguintes
fatores de sucesso, com os quais estamos comprometidos:
· ação global, porém, com gerenciamento empreendedor descentralizado;
· colaboradores que atuam com eficiência e responsabilidade;
· rigoroso gerenciamento da marca;
· produtos inovadores de qualidade que atendem às necessidades do
mercado;
· busca da liderança nos custos, dentro dos parâmetros de qualidade
definidos;
· condução com firme propósito, orientada consistentemente pelo
mercado e focada no consumidor;
· crescimento internacional através de presença em todos os mercados
significativos.
22
A carta social de conduta quanto ao direito dos trabalhadores
A carta social de conduta quanto aos direitos dos trabalhadores é a
formalização de um compromisso assumido pela Faber-Castell desde a sua fundação e
oficialização em março de 2000. O documento, um dos primeiros acordos voluntários
desse tipo em caráter internacional, inclui todos os termos da norma internacional de
responsabilidade social SA 8000. Este código, redigido em linguagem simples e clara,
está colocado em locais acessíveis a todos os colaboradores em todas as unidades FaberCastell no mundo. Uma comissão interna realiza regularmente auditorias para monitorar
se as suas diretrizes estão sendo cumpridas. E a cada dois anos, um comitê formado por
federações sindicais internacionais de trabalhadores verifica se o código está sendo
colocado em prática.
A carta social na sua íntegra:
O emprego deve ser de livre escolha. O trabalho forçado não pode ser
praticado. (Convenção OIT, nºs 29 e 105). Aos trabalhadores não será exigido deixar
"depósitos" ou seus documentos de identidade, junto aos seus empregadores.
Não deve haver discriminação no emprego. Deve ser zelada pelas
oportunidades iguais e por tratamento igual, independentemente de raça, cor, sexo,
religião, tendências políticas, nacionalidade, origem de ordem social ou qualquer outra
característica especial (Convenção da OIT, nºs 100 e 111).
Trabalho infantil é proibido. Somente trabalhadores com 15 anos2 ou
mais, ou acima de idade escolar compulsória, podem ser empregados (Convenção OIT,
nº 138).
Respeito da livre escolha de associação e da livre negociação do
dissídio coletivo. Deve ser reconhecido, para todos os trabalhadores, o seu direito de
fundar e filiar-se aos sindicatos (Convenção OIT, nºs 87 e 98). Os representantes dos
trabalhadores não podem sofrer discriminação e devem ter livre acesso a todos os locais
de trabalho necessários com a finalidade de exercer suas obrigações como
2
No caso do Brasil parece haver uma contradição, pois nossa legislação só permite trabalho antes dos
dezesseis anos na condição de aprendiz. “Art. 403. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis
anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir de catorze anos”.LEI Nº 10.097 de 19/12/2000.
23
representantes dos sindicatos (Convenção OIT nº 135 e Recomendação 143). Os
empregadores devem adotar uma visão positiva a respeito das atividades dos sindicatos
e demonstrar uma atitude aberta às suas atividades organizacionais.
Deve ser pago um salário justo. Salários e benefícios referentes a uma
semana padrão de trabalho devem ser condizentes, no mínimo, com as medidas legais e
padrões mínimos da indústria. A não ser que sejam permitidas deduções do salário pela
legislação local, a mesma não deve ser efetuada sem a concordância expressa do
respectivo trabalhador. A todos os trabalhadores deve ser fornecida uma informação por
escrito e de fácil entendimento no seu próprio idioma, antes que ele assuma o seu
emprego, junto com os detalhes dos seus salários.
Horas de trabalho sem excesso. A jornada de trabalho deve seguir a
apropriada legislação ou as negociações em caráter nacional, de cada ramo.
Medidas de segurança no trabalho e condições de trabalho
adequadas. Deve ser proporcionado um ambiente de trabalho seguro e higiênico e ao
mesmo tempo deve ser promovida a prática de saúde no local de trabalho e sua
segurança, tendo em mente os conhecimentos do próprio ramo de atividades e seus
riscos específicos. Abuso físico, a ameaça de abuso físico, penalidade ou castigos não
usuais3, assédio sexual ou outras formas de molestamento ou ameaças por parte do
empregador são estritamente proibidas.
As condições de emprego devem ser estabelecidas. Devem ser
respeitadas as obrigações do empregador no que se refere às Leis Trabalhistas
nacionais, outros regulamentos e a proteção social, quando se trata de um emprego fixo.
(www.faber-castell.com.br) Em:24.11.2006.
A escolha deste local se deu pelo motivo de eu ter o conhecimento de
que uma pedagoga com a mesma formação superior que a minha, havia trabalhado na
área, até então denominada de Treinamento e Desenvolvimento (T & D), e pelo fato do
3
Desconheço o emprego deste termo, uma vez que não tomei conhecimento de situações de castigos que
sejam usuais.
24
meu trabalho se basear na formação crítico-reflexiva deste profissional, e na sua tarefa
com o projeto pedagógico dos processos educacionais desenvolvidos na instituição.
Para a obtenção de informações que me possibilitassem conhecer dentro
de uma empresa os processos educacionais, ou seja, os processos de uma educação
corporativa, elaborei um questionário semi-estruturado, conforme pode ser visto em
anexo.
A entrevista foi realizada com uma analista de recursos humanos, com
formação em Letras.
Em relação à formação dos responsáveis pelos processos educacionais da
empresa, pude constatar que esta área abrange vários profissionais, dentre eles, o
profissional de Letras, o administrador de empresas, o psicólogo, bibliotecário. Sendo
assim, não há exatamente um profissional da educação vinculado diretamente aos
processos educacionais da instituição.
A profissional da educação, ou seja, a pedagoga, havia atuado nesta área
como estagiária, com a função de supervisionar os cursos em andamento na
organização; atuava também no levantamento, na análise e na solução dos problemas
que eram levantados pelos próprios colaboradores, com os quais a estagiária no caso,
tinha uma maior aproximação.
Segundo a analista de Recursos Humanos da empresa, a atuação dos
pedagogos se concentra mais em áreas como o marketing, no papel de divulgação dos
produtos em contextos, como por exemplo, escolares, na intenção de ensinar os
professores a lidar com os diversos produtos produzidos ali destinados às crianças.
Outro tipo de atuação deste profissional se encerra também na monitoração de visitas de
escolas na empresa, para conhecer o processo de fabricação do lápis, por exemplo, onde
há também, atividades explicativas e educativas nestas ocasiões.
Em relação aos cursos oferecidos pela empresa e como são feitas as
ofertas dos mesmos, a analista levantou dois tipos:
O primeiro tipo diz respeito aos cursos técnicos, superiores, de pósgraduação, de aperfeiçoamento dentre outros que são pagos em parceria entre
colaborador e empresa, que podem chegar até 70% de ajuda-benefício. No entanto, estes
cursos advêm de vários levantamentos de necessidades feitos pelos próprios gerentes de
determinadas áreas, onde são manifestadas certas “carências” em relação à própria
função que o colaborador exerce. Um colaborador que exerce uma função relacionada à
engenharia, por exemplo, e queira fazer um curso de Nutrição, não receberá a ajuda
25
financeira da empresa, pois nada tem a ver com seu aperfeiçoamento em prol da
empresa.
O Programa Pérolas – Fazendo Arte é composto por cursos não
relacionados ao trabalho direcionados ao desenvolvimento de outras habilidades e,
também, são oferecidos como forma de integração entre os colaboradores e familiares.
São também oferecidos cursos de inglês, espanhol e computação com
parceria com escolas especializadas nos ramos, cujos projetos pedagógicos são
formulados de acordo com cada turma.
Há também o telecurso que é oferecido aos colaboradores em parceria
com a Delegacia de Ensino e com os professores de uma escola estadual da cidade de
São Carlos.
O curso pré-vestibular conta com estagiários de cada área do saber; além
de ser oferecido aos colaboradores, é também ofertado aos seus dependentes.
O programa Educação
para
o
trabalho
visa
difundir
entre
os
colaboradores conceitos de cidadania, mediante debates de temas relacionados ao dia-adia do colaborador, aliado ao lado profissional.
A empresa conta também com uma Programação Aberta, que oferta
vários cursos que além de visar o desenvolvimento do colaborador, visa também o lazer,
como cursos de culinária, pintura, etc. Os cursos são oferecidos após de realizadas
pesquisas de opinião entre os trabalhadores e possíveis com o apoio de outras empresas.
A divulgação dos cursos é realizada em informativos diários, em
calendários, por e-mail ou por display.
Segundo a analista e o termo que ela mesma emprega com freqüência em
sua fala, os “treinamentos” como sendo a prática que mais caracteriza os processos
educacionais4 da empresa, são organizados pela própria área de Recursos Humanos, a
qual segue solicitações de cada área da empresa, ou seja, um treinamento é organizado
segundo previsões e necessidades específicas.
Os treinamentos podem ser ofertados pelos próprios profissionais da área
de Recursos Humanos, porém, como são solicitações bem específicas e não raro,
técnicas, a empresa recorre às empresas de consultoria.
No entanto, segundo a analista, nem sempre há a elaboração prévia de
um projeto pedagógico, o que acaba dependendo do tema e se são os profissionais
4
Grifos meus.
26
internos que aplicarão o treinamento. Geralmente, as empresas de consultoria aplicam
treinamentos prontos e já elaborados para serem aplicados em qualquer contexto.
4.O projeto pedagógico de uma Educação Corporativa e a atuação
do pedagogo
Segundo Bayma (2005), a dimensão pedagógica é o aspecto mais
essencial de qualquer modelo de educação corporativa, na qual pode-se enxergar “a
alma de cada uma delas”.
É na concepção pedagógica que se distingue os variados modelos
empregados pelas organizações, a partir da definição das suas variáveis qualitativas.
O desenho do modelo pedagógico, ou na melhor definição, do projeto
pedagógico é que vai nortear as ações da educação corporativa. Para tanto, deve estar
em consonância com todos os agentes envolvidos, o que significa que a sua operação,
desde a elaboração, implantação, execução e avaliação requer uma profunda mudança
na cultura da organização.
Geralmente, inicia-se o trabalho a partir do levantamento das principais
necessidades das equipes, através dos gerentes.
Este trabalho deve ser abrigado pelos responsáveis dos processos
educacionais; no caso, defendo aqui a atuação do pedagogo, pois como um profissional
da educação tem ao seu alcance o melhor conhecimento acerca dos modelos
pedagógicos de ensino e aprendizagem, tomando como princípio o público alvo da ação
educativa, o que não caracteriza o trabalho educativo de “treinamentos” aplicados por
empresas de consultoria, que mantém um mesmo plano para variadas empresas, como
pôde ser visto no levantamento de dados na empresa na qual realizei minha pesquisa de
campo para a elaboração deste trabalho.
Para a construção de um projeto pedagógico, o profissional da educação
deve considerar:
• a identificação da demanda e da oferta dos cursos – estando inserido
dentro da organização, “tendo” que agir conforme surgem as necessidades de cada
equipe de trabalho;
• a caracterização do público-alvo, ou seja, o pedagogo comprometido
com seu papel de formador, deve buscar conhecer a cultura de quem aprende e trabalhar
levando-a em consideração no processo de ensino e aprendizagem, buscando de maneira
27
dialogada a construção do conhecimento que se vise contextualizado e não meramente
imposto;
• a escolha das metodologias de ensino, incluindo o material didático que
há de se utilizar, de maneira a buscar a interatividade, a comunicação, a troca de saberes
e experiências entre os educandos de modo a estabelecer uma aprendizagem crítica para
o trabalhador.
Após a elaboração de um projeto pedagógico, o pedagogo parte para a
implantação na prática com os educandos ou define a equipe a pôr em prática o projeto
elaborado.
Em educação corporativa, como se viu, muitas práticas, talvez a maioria,
são realizadas a distância. Sendo assim, o processo de ensino e aprendizagem deve fazer
com que o educando interaja com seu próprio processo de construção do conhecimento,
de tal modo a garantir a criatividade, a autonomia e a sua organização, uma vez que há
limitações quanto à socialização, dificuldades de interação entre professores e alunos,
bem como na atualização e acompanhamento dos cursos.
Aí encontra-se a importância que tem o projeto pedagógico, no que se
refere ao que é de fato realizado nas práticas educativas, mesmo tendo como “professor”
o computador ou a televisão.
Entretanto, sob certa ótica, as distâncias vencidas pela tecnologia não foram
superadas quanto à verdadeira aproximação e sintonia entre as pessoas. Isso
requer uma pedagogia muito especial, que vai além das técnicas – para
muitos burocráticas – do e-learning que vem sendo predominantemente
praticado. Requer algo como uma sintonia fina sobre a qual ainda
precisamos descobrir, aprender mais e desenvolver. É preciso superar o
deslumbramento aparelhista, o deslumbramento por novos equipamentos, e
mergulharmos mais na sua melhor utilização. (Lauro Morhy, p.13, in
Bayma, 2005).
O pedagogo, portando sua formação crítico-reflexiva como aqui venho
defendendo, encontra-se nesta fase da implantação do projeto pedagógico em face da
contradição entre o adaptar-se à cultura da organização em um movimento de
conformidade e entre o desejo de resistência, no sentido de fazer da sua prática um meio
de emancipação do trabalhador, aqui tratado como educando, visto que vai buscar um
processo de ensino e aprendizagem que valorize a experiência e a cultura trazidas por
28
homens e mulheres que estão submetidos ao processo de educação e que muitas vezes
desconhecem sua razão.
Educar não deve ser como preencher uma folha em branco ou encher
uma vasilha vazia; é acender uma “luz” na mente das pessoas, ensinar a pensar sobre o
que se sabe.
Segundo Leonardo Boff (2005), in: Bayma, 2005, toda comunicação,
mesmo que a distância, deve incorporar três dimensões: o pensamento crítico, criativo e
cuidante.
A atitude crítica corresponde situar cada texto ou evento em seu contexto
biográfico, social e histórico, além de resgatar a liberdade como capacidade de
moldarmos nossa vida e o sentido da sociedade.
Todo conhecimento envolve também interesses que criam ideologias que
são formas de justificação e também de encobrimento. Ser crítico é tirar a
máscara dos interesses escusos e trazer à tona as conexões ocultas. Que
interesses estão por detrás dos muitos saberes acadêmicos, especialmente os
técnico-científicos? Que tecnologias são propiciadas e a quem servem? (In:
Bayma, 2005, p.9)
O pensamento criativo possibilita a maneira livre de se expressar
conforme o próprio pensamento, o que exalta as capacidades do ser humano, pois toda a
informação, à distância ou presencial “deve propiciar a realização das potencialidades
humanas, agora possíveis de serem democratizadas e acessíveis a um número
incalculável de cidadãos”. (id. ibid. p.10).
A atitude cuidante se propaga quando o bem comum paira acima do bem
particular e o pensamento torna-se coletivo, comunitário e democrático.
O que se coloca aqui é que, acima de tudo, a educação no âmbito
organizacional ou em qualquer outro posto na sociedade, deve ser um instrumento de
participação ativa, cooperativa e crítica do cidadão que vai construir uma sociedade
mais justa e igualitária.
É neste sentido que aqui me posiciono para uma prática educativa
libertadora, no mesmo sentido que Paulo Freire (1996) defende, enquanto dimensão
social da formação humana, advertindo-nos para a necessidade de se assumir uma
postura vigilante contra todas as práticas de desumanização.
29
Neste sentido, cabe aqui denunciar todos os tipos de “treinamentos”,
existentes ainda em grande parte nas práticas das empresas, que visam a “rapidez” do
processo, como se se tratasse de um adestramento, desses que se dão em animais, nos
quais a cada ordem dada pelo dono, o animal obedece na “hora”. Segundo Freire
(1996), esta saída cabe aos que obedecem cegamente à ideologia “fatalista e
imobilizante” que diz que o mundo é assim mesmo, e não tem jeito, para a qual só há
uma saída para a prática educativa: adaptar o educando a esta realidade que não pode
ser mudada, bastando o treino técnico, indispensável à adaptação do educando, à sua
sobrevivência.
A prática que se diz crítico-reflexiva possibilita ao educando que,
enquanto ser humano, assuma-se como ser social e histórico, participativo de uma
História na qual ele é sujeito.
Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente. No mundo
da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar mas para
mudar.(id. ibid. p. 77)
Em um contexto organizacional, a mudança é muito difícil, pois o
educador se encontra perante um ambiente onde existe uma cultura que visa lucro e que
obedece ao sistema capitalista; no entanto, não se trata de fazer da sua prática um
momento de “rebeldia” mas fazer com que a construção do conhecimento em cada
educando seja uma maneira de constatação da “profunda injustiça” que caracteriza sua
situação concreta.
É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil mas é possível, que
vamos programar nossa ação político-pedagógica, não importa se o projeto
com o qual nos comprometemos é de alfabetização de adultos ou de
crianças, se de ação sanitária, se de evangelização, se de formação de mão
de obra técnica. (op. cit. p. 79)
Neste sentido, cabe enfatizar que a prática pedagógica não pode estar
dentro do que aceita como fundamental o empresário quando julga ser o suficiente para
seu operário, o treino técnico; a prática pedagógica, pelo contrário, deve propiciar que
enquanto está no processo de formação, o trabalhador possa inventar sua cidadania na
30
busca de uma sociedade mais humana através do trabalho, o que não se constrói
somente com sua eficácia técnica, mas incentivando a cooperação, a criatividade
humana.
Eu acredito que o pedagogo ao estar inserido neste contexto, deve
“olhar” do ponto de vista de quem vai passar pelo processo educativo, e assim, assumir
o seu lugar, ou seja, saber de que lado está, a favor de quem ou do que está, e procurar
favorecer processos de humanização enquanto processos de formação, visto que sua
prática não é neutra uma vez que é política.
Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder
ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de
posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo.
Não posso ser professor a favor de quem quer que seja e a favor de não
importa o que. Não posso ser professor a favor simplesmente do Homem ou
da Humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a
concretude da prática educativa. Sou professor a favor da decência contra o
despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a
licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda.
Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de
discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes
sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta
aberração: a miséria na fartura. (Freire, 1996, p.102)
A última fase da atuação do pedagogo no trabalho com o projeto
pedagógico é a sua avaliação.
Depois de elaborar, executar e implantar o projeto pedagógico, o que
inclui certamente uma mudança na postura dos envolvidos nos processos educativos, o
pedagogo, tendo em vista o leque de subsídios e de conceitos que julgou necessários
para uma prática coerente com sua postura crítico-reflexiva, busca neste momento
verificar o que pôde ser aprendido e apreendido pelos educandos e o que a empresa
havia solicitado através do levantamento das suas necessidades, o que é verificável
durante as práticas cotidianas da organização.
Defendo aqui a implantação do projeto com “inovação emancipatória ou
edificante”, de acordo com o que propõe Veiga (2003),
Os processos inovadores lutam contra as formas instituídas e os mecanismos
de poder. É um processo de dentro para fora. Essa visão reforça as
definições emergentes e alternativas da realidade. Assim, ela deslegitima as
31
formas institucionais, a fim de propiciar a argumentação, a comunicação e a
solidariedade...pressupõe uma ruptura que, acima de tudo, predisponha as
pessoas e as instituições para a indagação e para a emancipação.
Conseqüentemente, a inovação não vai ser um mero enunciado de princípios
ou de boas intenções... A inovação emancipatória ou edificante é de natureza
ético-social e cognitivo-instrumental, visando à eficácia dos processos
formativos sob a exigência da ética. A inovação é produto da reflexão da
realidade interna da instituição referenciada a um contexto social mais
amplo. Este ponto é de vital importância para se avançar na construção de
um projeto político-pedagógico que supere a reprodução acrítica, a rotina, a
racionalidade técnica, que considera a prática um campo de aplicação
empirista, centrada nos meios. (p.4)
Por ser coletivo e integrador, o projeto, quando elaborado, executado e
avaliado, requer o desenvolvimento de um clima de confiança que favoreça o diálogo, a
cooperação, a negociação e o direito das pessoas de intervirem na tomada de decisões
que afetam os processos educativos da instituição e de comprometerem-se com a ação.
O projeto não é apenas perpassado por sentimentos, emoções e valores. Um processo de
construção coletiva fundada no princípio da emancipação reúne diferentes vozes, dando
margem para a construção da hegemonia da vontade comum, e o pedagogo críticoreflexivo é capaz de assegurar estes princípios.
5. Discussão sociológica: Émile Durkheim e Karl Marx
As empresas, ao voltarem-se a empregar a educação em suas estratégias
de negócio, atendem a uma demanda da atual sociedade. Os princípios que esta nova
sociedade prega é o conhecimento como ferramenta de ascensão no universo da
competitividade; o conhecimento humano é capaz de gerar e gerir avanços que
proporcionam à humanidade maior “conforto”, mais rapidez, aceso ao mundo através da
tecnologia, dentre outros.
Dentro desta perspectiva, a educação encontra-se atendendo a uma
demanda social, ou seja, a atual sociedade visa construir um tipo de homem que atenda
ao mundo globalizado.
De acordo com o pensamento de Émile Durkheim (1972), a educação
satisfaz, antes de tudo, a necessidades sociais:
32
O homem que a educação deve realizar, em cada um de nós, não é o homem
que a natureza fez, mas o homem que a sociedade quer que ele seja, e ela
quer conforme o reclame a sua economia interna, o seu equilíbrio. (p.81)
Dessa maneira, cabe ao homem se “sujeitar” para atender o que reclama
a sociedade já que, uma vez inserido nela, tem que contribuir para o seu progresso em
harmonia.
Na verdade, porém, cada sociedade considerada em momento determinado
de seu desenvolvimento, possui um sistema de educação que se impõe aos
indivíduos de modo geralmente irresistível. É uma ilusão acreditar que
podemos educar nossos filhos como queremos. Há costumes com relação
aos quais somos obrigados a nos conformar; se os desrespeitarmos, muito
gravemente, eles se vingarão em nossos filhos. Estes, uma vez adultos, não
estarão em estado de viver no meio de seus contemporâneos, com os quais
não encontrarão harmonia. (Durkheim, 1972, p.37).
Apesar de muito se pregar a respeito do desenvolvimento dos
trabalhadores em uma corporação com competências como a criatividade, o pensamento
crítico dentre outros, a educação não está deixando de atender ao objetivo maior:
aumento da produtividade com conseqüente aumento da competitividade e do lucro.
É aí que se encontra uma das contradições em que o pedagogo se depara
no seu trabalho com a educação corporativa dentro de instituições que visam lucro.
O profissional da educação ao ser o responsável pela elaboração,
implantação, acompanhamento e avaliação do projeto pedagógico, que é o “norte” dos
processos educativos não deixa de atender ao que a empresa está necessitando
desenvolver. O pedagogo se encontra assim dentro da cultura da organização, não
podendo “escapar” do que lhe é solicitado.
Ainda segundo o pensamento de Durkheim (1972), existem dois seres: o
ser individual que não passa da vida pessoal, e o ser social, este caracterizado como um
sistema de idéias, sentimentos e hábitos que exprimem em nós não a nossa própria
personalidade, mas o grupo, ou os grupos diversos dos quais fazemos parte. O objetivo
da educação, por sua vez, é agir sobre esse ser social.
A importância dada ao ser social de acordo com Durkheim (1972) se
atribui à humanização do homem que se dá através de sua vida em sociedade, pois, na
verdade, “o homem não é humano senão porque vive em sociedade” (p.45).
33
A sociedade se encontra, a cada nova geração, como que em face de uma
tabula rasa, sobre a qual é preciso construir quase tudo de novo. É preciso
que pelos meios mais rápidos, ela agregue ao ser egoísta e associal, que
acaba de nascer, uma natureza capaz de vida moral e social. Eis aí a obra da
educação. (Durkheim, 1972, p.83).
O homem, então, necessitando vender sua força de trabalho para garantir
a sua sobrevivência, submete-se ao sistema. Contudo, atualmente se encontra também
em face de um fato que pede que para “ser aceito socialmente” esteja disposto a se
“alfabetizar” com as novas tecnologias.
Como visto anteriormente, a educação corporativa visa além de vários
aspectos, a inclusão social através da inclusão digital e, projetos pedagógicos são
elaborados para determinado fim. A ação do pedagogo crítico-reflexivo pode abordar o
estímulo à curiosidade do educando, de modo que ele possa agir sobre o objeto do
conhecimento para uma análise crítica que possibilite o seu crescimento, não de maneira
imposta, mas de maneira dialogada, de modo a construir o conhecimento.
Para o pensador Durkheim (1972), neste caso, o trabalhador teria que
somente receber o conhecimento como se fosse preencher em si próprio uma folha em
branco, de acordo com o ensino bancário, no qual o conhecimento é somente depositado
na mente dos educandos.
Assim, é a sociedade que dita o modelo de humanidade que ela requer, e
ao homem basta aceitar:
Ontem, era a coragem que estava em primeiro lugar, com todas as
qualidades que a virtude militar implica; hoje, é o pensamento e a reflexão;
amanhã, será talvez a delicadeza e o gosto, a sensibilidade educada para as
coisas da arte. Assim, no presente, como no passado, nosso ideal
pedagógico, até nas minúcias é obra social. É ela que nos traça o modelo de
homem que devemos ser, e, nesse modelo, vem se refletir todas as
particularidades de sua organização. (Durkheim, 1972, p.82).
Na visão crítica do pedagogo, a educação em todos os âmbitos deve
humanizar os indivíduos. No caso das organizações como as empresas, em que na visão
da produção, a pessoa é como um instrumento, então ela passa por um processo de
34
desumanização; o pedagogo deve garantir processos educativos de qualidade,
conhecendo os processos de aprendizagem, e não encará-los como treinamentos
comportamentais.
Na contradição entre o adaptar-se onde tem que considerar a cultura da
organização (reciclagens, treinamentos, gestão de pessoas), e entre o transformar, ou
seja, criar condições para que o trabalhador reconheça suas condições em processos de
desenvolvimento, o profissional da educação deve ter em consciência o seguinte
questionamento: a favor de quem ou contra quem vai estar? De que lado está? Tendo
que levar em conta essa sociedade capitalista de consumo, na qual as desigualdades se
tornam cada vez mais acirradas.
Sendo assim, o pedagogo com uma formação crítico-reflexiva não pode
descuidar de uma verdade: uma organização obtém lucro a partir do uso do trabalho
alheio. Portanto, é preciso reconhecer o lugar de atuação e possibilitar que sua prática
pedagógica esteja no âmbito da intervenção de maneira dialogada, de tal modo a
proporcionar a humanização, mesmo que em um âmbito produtivo.
Os trabalhadores encontram-se submetidos à lógica do mercado através
de seu trabalho, que é a única alternativa que lhe garante a sobrevivência neste mundo
onde a existência é material segundo a teoria marxista.
No Manifesto comunista, de Marx e Engels, reconhece-se que o trabalho
é estritamente necessário para a conservação e reprodução de sua vida, apesar de que o
salário que se paga pelo trabalho assalariado é o mínimo do salário para que ele viva,
apenas, como operário. No comunismo pretende-se a supressão do caráter miserável
dessa relação que faz com que o operário só viva para aumentar o capital e na medida
em que o exigem os interesses da classe dominante. Na sociedade burguesa, o capital é
independente e pessoal, ao passo que o indivíduo que trabalha não tem nem
independência nem personalidade.
Em A Ideologia Alemã (1984), Marx e Engels buscaram investigar os
fundamentos históricos dessa relação imanente ao trabalho com a existência humana e,
portanto, com a história. Assim sendo, o primeiro ato histórico é o da produção dos
meios que permitem a produção da vida material, pois o “fazer” história pressupõe a
existência de condições de vida. A satisfação de tais condições estava condicionada ao
trabalho, o que lhe confere o caráter de relação originária no processo de
desenvolvimento histórico.
35
O pressuposto fundamental aqui é o de que a história está fundada na
conexão materialista existente entre os homens, e que pressupõe sua existência. Por
isso, a consciência, que segundo Marx e Engels é tão antiga quanto a linguagem e se
inclui nessas relações originárias, não existe como consciência “pura”, mas sobre ela
pesa a “maldição de estar ‘contaminada’ pela matéria”. E ambas nascem da “carência,
da necessidade de intercâmbio com outros homens”, portanto como produto social das
relações entre estes mesmos homens. (p.43).
Sendo assim, a produção material caracteriza a nossa vida, e segundo a
teoria marxista, a educação corporativa na empresa trata-se de uma “tapeação idealista”
que visa construir nos trabalhadores uma maneira de tornar natural que eles passem por
processos ‘educativos’ para a adequação ao mercado competitivo, para que a empresa
obtenha, por sua vez, maiores lucros. Um exemplo disso, são os treinamentos que são
aplicados, conforme resultados obtidos na minha pesquisa na empresa Faber-Castell,
conforme as necessidades do mercado, muitas vezes, sem contextualização à realidade
dos educandos, no caso os trabalhadores.
Tal concepção mostra que a história não termina dissolvendo-se na
“autoconsciência”, como “espírito do espírito”, mas que em cada uma de
suas fases encontra-se um resultado material, uma soma de forças de
produção, uma relação historicamente criada com a natureza e entre os
indivíduos, que cada geração transmite à geração seguinte; uma massa de
forças produtivas, de capitais e de condições que, embora sendo em parte
modificada pela nova geração, prescreve a esta suas próprias condições de
vida e lhe imprime um determinado desenvolvimento, um caráter especial.
Mostra que, portanto, as circunstâncias fazem os homens assim como os
homens fazem as circunstâncias. (id. ibid. p. 56)
Quando aqui defendo a prática do pedagogo que, mesmo estando
inserido no ambiente de produção e lógica capitalistas que almejam o lucro a qualquer
preço, pode ser uma prática humanizadora e concernente com sua posição enquanto
crítico-reflexiva, me refiro à tomada de consciência da classe trabalhadora e detentora
da força (física) de trabalho, porém, jamais dos produtos que a sua força de trabalho
possibilitou que fossem criadas, através dos próprios processos educacionais dentro da
empresa, uma vez que haja a possibilidade de uma atuação com um projeto pedagógico
conforme exposto anteriormente.
36
Quando, portanto, milhões de proletários não se sentem de forma alguma
satisfeitos com suas condições de vida, quando seu “ser” em nada
corresponde à sua “essência”, isto então seria, uma desgraça inevitável que
se deveria suportar tranqüilamente. Contudo, milhões de proletários ou de
comunistas pensam de modo inteiramente diferente e provarão isto no
devido tempo, quando puserem seu “ser” em harmonia com sua “essência”
de uma maneira prática, através de uma revolução. (id. ibid. p. 63)
No projeto pedagógico, o pedagogo ao se colocar no lugar de quem vai
passar pelo processo de ensino e aprendizagem, deve procurar tornar o processo
educativo uma forma de emancipação do trabalhador, de maneira com que ele possa
refletir sobre o que se está aprendendo; isto, na realidade é um tanto difícil, visto que o
ambiente empresarial, ao propor projetos educacionais, está com o intuito de aumentar o
seu lucro, buscando a competitividade. Conforme foi visto na pesquisa realizada na
Faber-Castell, o trabalho com os colaboradores está em grande parte pautado nos termos
do T & D, Treinamento e Desenvolvimento, e não há a elaboração de um projeto
pedagógico condizente com uma prática crítico-reflexiva; aqui se constata que há a
conformidade e a adaptação aos ditames do mundo capitalista.
A educação corporativa deveria ser um espaço de educação reflexiva
sobre as reais condições dos seres humanos, que enquanto trabalhadores são sujeitos de
uma História na qual, segundo Marx, é material; portanto, são estes mesmos
trabalhadores que constroem a sociedade.
Em Marx e Engels, a própria divisão do trabalho faz com que a classe
dominante se aproprie dos conhecimentos produzidos pela sociedade, e a classe
trabalhadora assiste passivamente, como se não fosse construtora e sujeito da História
igualmente.
A divisão do trabalho, de que já tratamos acima como uma das forças
principais da história até aqui, expressa-se também no seio da classe
dominante como divisão do trabalho espiritual e material, de tal modo que,
no interior desta classe, uma parte aparece como os pensadores desta classe
(seus ideólogos ativos, conceptivos, que fazem da formação de ilusões desta
classe a respeito de si mesma seu modo principal de subsistência), enquanto
que os outros relacionam-se com estas idéias e ilusões de maneira mais
passiva e receptiva, pois são na realidade, os membros ativos desta classe e
tem pouco tempo para produzir idéias e ilusões acerca de si próprios. (Marx
e Engels, 1984, p. 73)
37
Tendo em vista essa discussão, se torna claro que toda prática
empresarial se encontra nos ditames da ordem capitalista. Sendo assim, é importante
que, para o pedagogo que, se tiver a possibilidade de atuar profissionalmente neste
ambiente, e que certamente vai estar diante da contradição entre o adaptar-se à cultura
da organização como em Durkheim, e atuar para a transformação como em Marx, não
busque práticas que acomodem todos passivamente aos ditames do mercado, onde tudo
é válido para alcançar o lucro. É preciso buscar maneiras de exercer uma prática
educativa de emancipação, antes de rever as estratégias buscadas pelos empresários.
Considerações finais
Após o conhecimento obtido com a elaboração do presente trabalho,
acredito que para a prática pedagógica defendida até aqui, que se busque ser críticoreflexiva, não basta atender aos reclamos da sociedade capitalista que vem ditando as
regras da educação, voltando-a inteiramente para cumprir o que se espera na esfera
produtiva. Trata-se da contradição existente entre o adaptar-se à cultura da organização
e entre transformar a prática educativa em formas de emancipação do trabalhador, que é
ser humano, e não uma máquina que produz.
A Educação Corporativa, seja ela em forma de sala de aula, de telecurso,
de educação a distância, dentre outras formas, não deixa de “clamar” pelo aumento da
lucratividade e da competitividade.
É necessário que se recuse a educação considerada apenas nos limites
impostos pela sociedade, muito especialmente por uma sociedade marcada pelos
maiores índices de desigualdade do planeta. A educação, instrumento de
aperfeiçoamento humano e social, não pode se limitar às demandas de uma esfera
produtiva que remunera seus trabalhadores com salários “desprezíveis” e cujo alvo é o
dinheiro e a manutenção da ordem capitalista e da lógica neoliberal que prega que “cada
um tem o que merece”; por empresas arbitrárias que recusam a instalação de comissões
de fábrica, que impedem ou corrompem a atuação sindical livre; por empresas que
ostentam a responsabilidade social, mas que mantém regimes fabris marcados pelo
autoritarismo e pela precariedade das relações de trabalho.
A educação, no seu sentido mais amplo e verdadeiro deveria elevar a
formação do gênero humano levando à partilha do saber.
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No entanto, o que ainda se assiste é a educação fazendo parte das
estratégias dominantes de acomodar os conflitos no espaço de trabalho e assim
consolidar a assimetria do poder.
Em face aos desígnios mesquinhos e medíocres do mercado para a
educação, me atento para concluir minhas reflexões lembrando uma frase do ideal
educativo pregado por Paulo Freire, o qual me deu todas as bases para uma postura
enquanto pedagoga crítico-reflexiva: “A verdadeira educação é a prática da liberdade”.
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