ARTIGO O Conceito de Papel no Psicodrama

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Uma publicação da SAEP
Sociedade de Análise
Existencial e Psicomaiêutica
EDIÇÃO ESPECIAL
Página atualizada em 08 de outubrobro de 2000
ARTIGO
O Conceito de Papel no Psicodrama
Psicólogo Carlos Rubini
SINOPSE
O presente texto apresenta diferentes conceitos e significados do
termo papel encontrados na obra de Moreno e de outros
psicodramatistas. Destaca a origem dos papéis
psicossomáticos,sociais e psicodramáticos na matriz de
identidade,ressaltando a importância dos mesmos para o
surgimento do eu e constituição do indivíduo no contexto da
teoria e prática psicodramática.
UNITERMOS
Papel.Papel Social.Papel psicossomático.Papel
psicodramático.Papel imaginário.
ABSTRACT
This paper presents different conceptions and meanings of the
term role found in Moreno's work and other Psychodramatists'.It
emphazises the origin of the psychosomatic,social and
psychodramatic roles.It also focuses on the importance of these
roles to the emerge of the I and to the construction of the
individual within the psychodramatic context.
UNITERMS
Role.Social role.Psychosomatic role.Psychodramatic
role.Imaginary role.
______________________
INTRODUÇÃO
A noção de papel não está ligada a um autor em particular,nem a
um determinado ramo das ciências apenas.No âmbito das
Ciências Sociais diversos autores trataram,não só do conceito de
papel,como também de sua função e importância dentro do
sistema social.Destacaram seu caráter psicossocial que influencia
a formação da individualidade e coletividade,pelos padrões de
conduta individual e coletiva representados pelos papéis.
Não há dúvida que este conceito oferece inúmeras possibilidades
de investigação sobre a relação indivíduo e sociedade,junto às
disciplinas que tratam dos fenômenos pessoais e coletivos,tais
como a psicologia,a sociologia,a antropologia e a filosofia.Para
muitos autores as teorias de papel são consideradas o ponto de
ligação entre elas.
Assim,destaca-se aqui,a excelente obra de Rocheblave-Spenlé
(1962) (22) que,ao apresentar um estudo histórico-crítico da
noção de papel, analisa as contribuicões dos precurssores e
primeiros teóricos do papel, com destaque para as contribuições
de G.H.Mead, R.Linton, T.Parsons,T.M.Newcomb e J.L.Moreno,
para citar apenas os mais conhecidos.
Por outro lado,Ray Holland (1977) em seu livro "Eu e o Contexto
Social" analisa as contribuições de autores que buscaram a
interrelação do papel e da personalidade,destacando a "teoria do
construto pessoal e papel"(G.Kelly,D. Bannister e F.Fransella),a
"teoria estrutural do papel"(Park e Burgess,e Merton) e a "teoria
do papel eu/outro"(Coser e Rosenberg).
Considerando-se diversos enfoques das Ciências Sociais e de
autores que trataram do tema em questão,verifica-se que o papel
social pode ser identificado não apenas com as normas,mas
igualmente com o status,em seu aspecto dinâmico,definindo-se
como um padrão determinado de comportamento que reflete e
caracterisa uma posição especial do indivíduo dentro do grupo
social a que pertence. A organização articulada de papéis confere
unidade ao grupo,faculta ao indivíduo atingir seus objetivos como
pessoa e como integrante de uma coletividade.O processo de
assunção ou incorporação de um papel é extremamente
complexo.Caracteriza a socialização do indivíduo através do
esforço de ajustamento da personalidade ao duplo estímulo de
expectativas de ações,induzidas por outrem ou reelaboradas por
ele próprio.
A finalidade do presente texto,no entanto, não é a de abordar
todas as contribuições a respeito,restringindo-se ao conceito de
papel no Psicodrama,destacando a contribuição de Moreno e de
autores ligados ao movimento psicodramático brasileiro.
SENTIDOS DO TERMO PAPEL E A ORIGEM NO TEATRO
Etimològicamente diversos termos dão origem à palavra papel
com diferentes sentidos.O termo vem do latim medieval rotulus
(derivado de rota = roda) que pode significar tanto " uma folha
enrolada contendo um escrito", bem como " aquilo que deve
recitar um ator numa peça de teatro".No sec. XI o termo era
utilizado também no sentido de "função social", "profissão".O
termo francês"rôle",o inglês " role " e o castelhano
"rol"igualmente têm sua origem na mesma etimologia latina
"rotulus".(3)
A palavra papel na lingua portuguêsa,etimològicamente,vem do
grego pápyros,do latim papiro.Papiro designava um arbusto do
Egito de cuja entrecasca se fazia o papel,obtendo-se o material
para a escrita .
O significado de rôle é o de uma folha contendo um escrito e o de
papel o material utilizado na confecção da folha.Da mesma
forma, a palavra portuguêsa papel significa,de modo geral, o
material utilizado para a escrita.Constata-se que os significados
originais de rotulus foram incorporados na lingua portuguêsa pela
palavra papel.Isso porque,além de indicar o material utilizado na
escrita (papiro),papel refere-se também à "personagem
representada por um ator",ou à "parte que cada ator desempenha
no teatro,no cinema,na televisão,etc."e,ainda, à "atribuição de
natureza moral , jurídica , técnica , etc."(4),isto é,desempenho
,função,
como papel de pai,juiz,médico,por exemplo.
Em relação ao teatro,todo papel necessita de um ator e todo ator
tem um papel a desempenhar.Sabe-se que o teatro pode
sobreviver sem um texto escrito, prescindir da cenografia
(representação ao ar livre), e até dispensar a palavra
(mímica).Pode existir (como durante séculos) sem o diretor.Mas
o teatro jamais viverá sem o ator.
Na Grécia Antiga, Téspis (560 a.C.) teria escrito e representado o
primeiro papel na história do teatro.Além do coro e corifeu (já
existentes nas festas religiosas -festas dionisíacas-),Téspis inova
representando vários personagens através de mudanças de
máscaras e roupas.As representações de tragédias incluiam o
coro,corifeu e ator (este, geralmente,o próprio poeta).Com
Ésquilo surge o segundo ator e Sófocles introduz o terceiro.Na
tragédia grega nunca havia mais de três personagens em cena e os
atores eram o protagonista,o antagonista e o tritagonista.Ao
primeiro cabiam os papéis principais e os demais divididos entre
os atores secundários.
Com o tempo, ainda na Grécia e Roma Antiga,as diversas partes
da representação teatral eram escritas em "rolos" e lidas pelos
pontos aos atores que procuravam decorar seus respectivos
"papéis". Nos séculos XVI e XVII,com o teatro moderno,as
partes dos personagens teatrais eram lidas em "rolos" ou
fascículos de papel.Passou-se,assim,a designar cada parte cênica
como papel ou "role".
O CONCEITO DE PAPEL PARA MORENO
A fonte inspiradora da teoria dos papéis de Moreno foi o teatro.
Por sua origem, segundo ele,papel não é um conceito sociológico
ou psiqui-átrico.Veio da linguagem do teatro e através dele entrou
para o vocabulário científico. E como o teatro representou, no
início, a matriz e o locus do projeto moreniano,nada mais lógico,
portanto, que o conceito de papel tenha se constituido numas das
pedras angulares da teoria moreniana e da prática sóciopsicodramática.
É esquecido a miúde, que a moderna teoria dos papéis teve sua
origem no teatro,do qual tomou suas perspectivas.Tem uma longa
história e tradição no teatro europeu,a partir do qual desenvolvi,
gradualmente,a direção terapêutica e social de nosso tempo.
Introduzía nos Estados Unidos em meados da década de 20. Dos
papéis e contra-papéis, situações de papéis e conservas de papel,
desenvolveram-se naturalmente suas extensões modernas: o
executante de papel, o desempenho de papéis, a expectativa de
papel, a passagem ao ato (acting out) e, finalmente, o psicodrama
e o sociodrama. (18,p.28)
A tarefa do Teatro Veienense da Espontaneidade, entre 1921 e
1923, foi a de produzir uma revolução no teatro, procurando
modificar por completo os eventos teatrais. Das Stegreiftheater
representou a fusão ator-autor e expectador no ato da criação e
representação do drama. Rompe a oposição entre ator e autor,
entre pessoa e drama, criando a vida sem necessidade de textos.
Elimina a hierarquia entre os atores (o protagonista não é fixo
como na tragédia grega ). Desaparece a separação entre platéia e
atores, pois cada membro da platéia pode tornar-se ator e viceversa. Platéia e atores são, assim, os únicos criadores. Tudo é
improvisado: a peça, a ação, o motivo, as palavras, o encontro e a
resolução dos conflitos. O palco também desaparece, surgindo em
seu lugar o palco-espaço, o espaço aberto, o espaço da vida, a
vida mesma.
Surge,assim, um novo tipo de teatro. Não um teatro repetitivo, de
peça escrita pelo dramaturgo, decorada, ensaiada e encenada
sucessivamente. O Teatro da Espontaneidade é sempre uma peça
única, que flui e se consuma no aqui-agora do ato vivencial dos
atores-criadores. Um teatro vivo, teatro vida. "Minha visão do
teatro foi moldada segundo a idéia do self espontaneamente
criativo", diz Moreno. (l5,p.17)
Através da nova forma de seu teatro, Moreno buscava tanto o
desenvolvimento pessoal quanto social do indivíduo. Para
alcançar esses objetivos, acreditava que o homem podia se
transformar através da ação, experimentação e vivências,
refletindo e modificando sua conduta.
A teoria psicodramática dos papéis leva o conceito de papel a
todas as dimensões da existência humana, desde o nascimento e
ao longo de toda a vida do indivíduo, enquanto experiência
pessoal e modalidade de participação social. Situa-se no conjunto
da teoria moreniana que sempre se refere ao homem em situação,
imerso no social, buscando transformá-lo através da ação. O
conceito de papel, que pressupõe interrelação e ação, é central
nesse conjunto articulado de teorias, imprescindível, sobretudo,
para a compreensão da teoria e prática do psicodrama.
O homem é um ser que, a partir do impulso da espontaneidade,
poderá desenvolver a "centelha divina criadora" que traz em si
mesmo. "O homem é um gênio em potencial, que lutando contra
as conservas culturais, através da espontaneidade criadora,
chegará a assemelhar-se a Deus e encontrar sua liberdade". E se o
homem não desenvolver essa espontaneidade, ele adoece,
segundo Moreno.
Tal concepção entende que o existir humano é um viver em
coletividade. O indivíduo se realiza pelo desempenho de papéis
na sociedade. "Este enfoque se funda no princípio de que o
homem tem um papel a desempenhar, cada indivíduo se
caracteriza por uma variedade de papéis que regem seu
comportamento e que cada cultura se caracteriza por uma série de
papéis que,com maior ou menor êxito, impõe a todos os membros
da sociedade." (l6,p.81)
Encontra-se, assim, na concepção moreniana de homem como
gênio que se desenvolve a partir da espontaneidade, a dimensão
do indivíduo, e na concepção de homem como membro de um
grupo inserido numa coletividade, a sua dimensão social. O ponto
de união entre ambas, para Moreno, encontra-se no conceito de
papel: "Todo papel é uma fusão de elementos particulares e
coletivos, é composto de duas partes: seus denominadores
coletivos e seus diferenciais individuais." (l6,p.68)
Dessa maneira, como síntese unificadora, o papel -conceito
social- conecta com a espontaneidade, de conteúdo individual.
Papel e espontaneidade caminharam juntos desde os primeiros
trabalhos de Moreno com seu teatro de improviso: "O
desempenho de papéis foi a técnica fundamental do teatro
espontâneo vienense. Dada a predominância da espontaneidade e
da criatividade no desempenho de papéis,este foi chamado
"desempenho espontâneo-criativo"". (17,p.157)
Essas duas dimensões, a individual e a coletiva são encontradas
nos diferentes sentidos e concepções de papel apresentadas por
Moreno ao longo de sua obra:
-O papel pode ser definido como a unidade de experiência sintética em que se fundiram elementos privados, sociais e
culturais.(18,p.238) -O papel é a forma de funcionamento que o
indivíduo assume no momento específico em que reage à uma
situação específica, na qual outras pessoas ou objetos estão
envolvidos.(18,p27) -O papel é uma cristalização final de todas as
situações em uma zona especial de operações pelas quais o
indivíduo passou (p.ex. o comedor,o pai , o piloto de avião).
(18,p.206) -O papel pode ser definido como uma pessoa
imaginária criado por um autor dramático,p.ex.um Hamlet,um
Otelo ou um Fausto; esse papel imaginário pode nunca ter
existido,como,p.ex. um Pi-nóquio ou um Bambi.(18,p.206)
-O papel é a unidade da cultura:ego e papel estão em contínua
interação.(18,p.29) -O papel pode ser um modelo para a
existência,como Fausto,ou uma imitação dela como Otelo...O
papel também pode ser defi-nido como uma parte ou um caráter
assumido por um ator... O papel ainda pode ser definido como
uma personagem ou função assumida na realidade
social,p.ex.policial,médico,juiz...Finalmen-te o papel pode ser
definido como as formas reais e tangíveis que o eu
adota.(18,p.206)
Nessas diferentes definições e concepções pode-se notar que os
papéis possuem algo comum:são fenômenos
observáveis,aparecem nas ações,são atuados,representam
aspectos tangíveis do eu.
Moreno ora define o papel como função prescrita e assumida pelo
indivíduo,ora como a "forma real e tangível que o eu
assume"passando do plano dramático ao social.Para ele,o papel
ora se refere à uma pessoa imaginária,ora a um modelo para a
existência ou a um personagem da realidade social,uma imitação
da vida ou uma forma tangível do eu.E,como observa
Rocheblave-Spenlé,destaca-se o sentido de representação teatral e
ação,funções sociais desempenhadas pelos indivíduos na
sociedade,representação da individualidade das pessoas,modelo
de experiência,"parte"de uma pessoa real representada por um
ator,caráter ou função assumidos numa realidade social e
cristalização final do modo de realizar ações especiais,como
pai,mãe,etc.
A mesma autora observa, por outro lado, que enquanto a maioria
dos autores que trataram do tema (tais como G.H.Mead,
R.Linton, Parsons...) enfocam os papéis como facilitadores das
relações sociais pela sua previsibilidade e por representarem
padrões de conduta aceitos, Moreno ilumina um aspecto novo e
original do papel: a possibilidade criativa do homem que o
assemelha a Deus cujas ações são criadoras e espontâneas.
Englobando sintèticamente os diferentes sentidos do termo papel
propostos por Moreno, Gonçalves,C., Wolf,J.R, e Almeida,W.C.,
definem papel como "a unidade de condutas interrelacionais
observáveis,resultante de elementos constitutivos da
singularidade do agente e de sua inserção na vida
social."(11,p.68)
ORIGEM DOS PAPÉIS E O SURGIMENTO DO EU
"O desempenho de papéis é anterior ao surgimento do eu.Os
papéis não emergem do eu; é o eu quem , todavia, emerge dos
papéis."(18,p.25)
No processo de desenvolvimento do indivíduo,os papéis surgem
no interior da matriz de identidade que,para Moreno,constitui "a
base psicológica para todos os desempenhos de papéis" e lança os
alicerces do primeiro processo de aprendizagem emocional da
criança.A matriz de identidade é o universo indiferenciado onde o
bebê vive antes e imediatamente após o nascimento."Essa matriz
é existencial e pode ser considerada o locus donde surgem,em
fases graduais,o eu e suas ramificações,os papéis.Os papéis são os
embriões,os precurssores do eu,e esforçam-se por se agrupar e
unificar."(18,p.25)
Moreno distingue três tipos de papéis: os fisiológicos ou
psicossomáticos,os psicológicos ou psicodramáticos e os sociais.
Considera-os como "eus" parciais. Postula que entre o papel
sexual,o do indivíduo que dorme,o do que sonha e do que
come,desenvolvem-se "vínculos operacionais"que os conjugam e
integram numa unidade,considerada uma espécie de eu
fisiológico,um "eu parcial",um conglomerado de papéis
fisiológicos.
Do mesmo modo,no decurso do desenvolvimento e história do
indivíduo,os papéis psicodramáticos vão se agrupando, formando
uma espécie de "eu psicodramático".O mesmo ocorre,
finalmente,com os papéis sociais, constituindo um "eu social". O
fisiológico,o psicodramático e o social são apenas "eus parciais".
Moreno afirma que o eu inteiro,realmente integrado,de anos
posteriores,ainda está longe de ter nascido.É necessário que se
desenvolvam,gradualmente,vínculos operacionais e de contato
entre os conglomerados de papéis sociais, psicológicos e
fisiológicos para se identificar e experimentar,após sua
unificação,aquilo que é chamado de "eu".
No processo de desenvolvimento infantil os papéis
psicossomáticos auxiliam a criança a experimentar seu corpo
(dimensão fisiológica/ cor-poral). Por outro lado,os
psicodramáticos vão proporcionar as condições da criança
experimentar e desenvolver sua psiquê(dimensão psicológica do
eu) e os sociais,por sua vez,contribuem para produzir o que se
denomina sociedade (dimensão da realidade social).Corpo,psiquê
e sociedade são as partes intermediárias e integrantes do eu total.
Para Moreno,no momento do nascimento do bebê,a matriz de
identidade é o seu universo inteiro,onde não existe diferenciação
entre interno e externo,entre objetos e pessoas,psiquê e meio.A
existência é una e total.São,portanto,os papéis e através deles que
a criança vai percebendo e descobrindo a si própria e o mundo
que a rodeia.
O surgimento e desenvolvimento dos papéis é um processo que
ocorre nas fases pré-verbais da existência do ser humano e não se
inicia com a linguagem,pois é anterior à ela.(Nesse ponto Moreno
diverge de G.H.Mead que enfatiza a linguagem como condição
da comunicação entre os homens e do desenvolvimento da
personalidade.) Tal processo indicativo da gênese dos papéis
ocorre em momentos e fases diversas da matriz de identidade.Ao
nascer,a criança entra em seu primeiro universo que se divide em
dois períodos: o primeiro é o da identidade total, onde a criança
não diferencia pessoas de objetos,nem fantasia de
realidade.Pessoas e objetos, incluindo a própria criança,são
experimentados como um todo só,indivisível.Nessa fase a criança
necessita de um ego-auxiliar que faça para ela o que não
consegue fazer por si própria.O segundo período é o da
identidade total diferenciada ou da realidade total diferenciada,
onde objetos,animais,pessoas e a própria criança passam a
diferenciar-se.Surgem,porém,dois movimentos que se mesclam:
ora a criança concentra a atenção no outro,esquecendo-se ou
estranhando a si,ora o inverso,ignora o outro,concentrando-se e
ficando atenta em si mesma.É a fase do espelho,onde não existe
ainda uma diferença efetiva entre real e imaginado,entre animado
e inanimado,entre aparência das coisas (imagens de espelho) e as
coisas como realmente são.
Na primeira fase da matriz de identidade ( a da identidade total
indiferenciada) os papéis que primeiro aparecem,ligados às
necessidades e funções vitais,são os psicossomáticos,tais como o
de ingeridor, defecador ,dormidor ,etc. O conceito de papel
psicossomático, para Moreno, encontra-se vinculado ao de zona,
foco, iniciador, aquecimento, conjunto de determinantes e/ou
condições que ocorrem,por exemplo,no ato de mamar,na relação
mãe-filho."Toda zona é o ponto focal de um dispositivo físico de
arranque no processo de aquecimento preparatório de um estado
espontâneo de realidade,sendo tal estado ou estados componentes
na configuração de um papel."(18,p.108)
Os papéis psicossomáticos são os primeiros desempenhados pelo
ser humano.Definem as marcas gravadas pela ordem vital e
constituem os primeiros papéis a exigir do homem uma colocação
frente à sua propria existência.Representam padrões de conduta
ou funcionamento na satisfação das necessidades
fisiológicas,incluindo aí o modus operandi,o clima afetivoemocional com que os egos-auxiliares interatuam com a criança
no atendimento dessas suas necessidades.De certa forma, já existe
relação nas respostas que as necessidades ou funções fisiológicas
recebem dos egos-auxiliares.A partir,portanto,da forma como
foram experienciados os papéis psicossomáticos,a criança
continua o processo de assimilação de novos aglomerados ou
"cachos"de papéis,pois a partir da formação dos primeiros ocorre
como se cada novo papel surgido tendesse a se aglutinar com os
outros por influência ou "transferência do fator E".Moreno
entende o papel como a primeira unidade ordenadora e
estruturante do eu.
Já na segunda fase da matriz ( a da identidade total diferenciada),
embora não tenha surgido ainda a diferenciação entre objetos de
realidade e imaginários,a criança começa a "imitar"parte daquilo
que observa.Moreno denomina tal processo como "adoção
infantil de papéis"que consiste em duas funções: dar papéis
(dador) e receber papéis(recebedor).Exemplifica com a situação
de alimentar: a concessão de papéis é realizada pelo ego-auxiliar
(mãe) e o recebimento de papéis é feito pelo filho ao receber o
alimento.A mãe ao dar o alimento aquece-se em relação ao filho
para execução de atos de certa coerência interna.E o bebê,ao
receber o alimento,aquece-se também para a execução de uma
cadeia de atos que igualmente desenvolvem certo grau de
coerência interna.Como resultado de tal interação vai se
estabelecendo, gradualmente, uma certa e recíproca expectativa
de papéis nos parceiros do processo.Expectativa esta que cria as
bases para todo o intercâmbio futuro de papéis entre a criança e
os egos-auxiliares.
O primeiro universo termina quando a experiência infantil de um
mundo em que tudo é real começa se decompondo entre fantasia
e realidade.Desenvolve-se a construção de imagens e começa a
tomar forma a diferenciação entre coisas reais e coisas
imaginadas.É o início do segundo universo infantil,marcado pelo
surgimento do que Moreno denominou "brecha entre fantasia e
realidade",(constituindo a terceira fase da matriz de identidade).
Surgem, então, dois processos de aquecimento: um de atos de
realidade e outro de atos de fantasia.Dessa divisão do universo
em fenômenos reais e fictícios, surgem, gra-dualmente,um mundo
social e um mundo de fantasia, separados do mundo
psicossomático na matriz de identidade. Emergem,agora,formas
de representar papéis que põem a criança em relação com
pessoas,coisas e metas,no ambiente real,exteriores à ela (papéis
sociais) e com pessoas,coisas e metas que ela imagina lhe serem
exteriores (papéis psicodramáticos).
A partir da ruptura entre realidade e fantasia surge a diferenciação
dos papéis sociais e psicodramáticos,até então misturados.Os
papéis de mãe, filho, professor,etc. são denominados sociais,
separados dos psicodra-máticos que são personificações de coisas
imaginadas,tanto reais como irreais.Num diagrama de
papéis(l8,p.129) Moreno representa a divisão entre ambos como
tênue,mas atribui maior espaço e predominância aos
psicodramáticos. O PSICODRAMÁTICO É O QUE OCUPA
MAIOR ESPAÇO NA MINHA EXISTÊNCIA,
PRINCIPALMENTE DEVIDO A ESSA LINHA TÊNUE
ENTRE OS PAPÉIS SOCIAIS E PSICODRAMÁTICOS.
Com o desenvolvimento desses novos conjuntos de papéis (os
sociais relacionados com o mundo real,os psicodramáticos com o
mundo da fantasia),completa-se a terceira fase da matriz de
identidade, denominada a da inversão de papéis onde,primeiro
existe a tomada de papel do outro para,em seguida,ocorrer a
inversão concomitante de papéis,o que acarreta uma
transformação total na sociodinâmica do universo infantil.
Os papéis psicodramáticos e sociais completam as condições para
o surgimento do eu.Os três papéis definidos por Moreno,
desdobrando-se em aglomerados ou "cachos"correspondem aos
papéis precursores do ego,constituindo os "eus parciais"
psicossomático, psicodramático e social.
Nos sociais opera,fundamentalmente,a função da realidade
mediante interpolações de resistências,não produzidas pela
criança,mas que lhe são impostas pelos outros,suas
relações,coisas,atos e distâncias no espaço, no tempo.Dessa
maneira,através dos papéis sociais,o indivíduo vai incorporando
ou é inserido no mundo da realidade da cultura,dos padrões de
conduta,valores,deveres,etc..É o mundo instituído da conserva
cultural. IMAGINO ESSA QUESTÃO NO JOGO DE PAPÉIS,
OU SEJA, NA MINHA VINCULAÇÃO COM O OUTRO.
PESQUISAR MELHOR O CONCEITO DE INTERPOLAÇÃO
DE RESISTÊNCIA. EXEMPLO DE UMA MÃE COM SEU
FILHO PEQUENO NA IGREJA, FILHO AGITADO, MÃE
TEM QUE IMPOR UMA CONDUTA.
A dimensão psicodramática constitui a contrapartida da
realidade,já que nos papéis psicodramáticos
opera,fundamentalmente,a função da fantasia.Moreno entendia
como papéis psicodramáticos tanto os desempenhados no cenário
durante uma dramatização,quanto os oriundos da fantasia,da
imaginação como produções imaginárias do indivíduo. "Os
papéis psicodramáticos são personificações de coisas
imaginadas,tanto reais quanto irreais".Correspondem,portanto,à
dimensão mais individual da vida psíquica,à "dimensão
psicológica do eu",livre das resistências extrapessoais, a não ser
as criadas por ele mesmo. A IMPORTÂNCIA QUE O PAPEL
PSICODRAMÁTICO TEM NA CRIAÇÃO DE ALGO,
IMAGEM E AÇÃO PARA FAZER ALGO DENTRO DO MEU
PAPEL SOCIAL (PROFISSIONAL POR EXEMPLO). A
AUSÊNCIA DE RESISTÊNCIAS EXTERNAS, FACILITA A
CRIAÇÃO E POSTERIORMENTE O ATO CRIADOR.
QUANDO UM CLIENTE TRAZ NA CLÍNICA SEUS PAPÉIS
SOCIAIS ATRAVÉS DA FALA OU DA PRÓPRIA CENA,
TAIS PAPÉIS JÁ SÃO PSICODRAMÁTICOS PARA O
MESMO, POIS SÃO OS PAPÉIS COMO ELE PERCEBE,
IMAGINA, INTERNALIZA.
Com a brecha entre a fantasia e a realidade o indivíduo adquire a
capacidade de iniciar processos de aquecimento
diferenciados,tanto para o desempenho de um ou de outro tipo de
papel.E o fator que vai garantir essa passagem do mundo da
fantasia para o da realidade e vice-versa é a espontaneidade como
princípio da adequação da ação do indivíduo a seus próprios
papéis.
A fase da inversão de papéis que ocorre no segundo universo
infantil(precedida pela do duplo e a do espelho) representa a
culminância do processo de desenvolvimento do eu e constitui a
base psicológica para todos os processos de desempenho de
papéis e para fenômenos como imitação,identificação,projeção e
transferência.Inverter e desempenhar o papel do outro,não surge
de súbito nem ocorre nos primeiros meses de vida.Somente com a
integração dos papéis precursores,em torno do terceiro ano,a
criança dispõe de uma identidade que lhe permitirá relacionar-se
com outras pessoas.Poderá,assim,inverter o quadro, assumindo o
papel de quem,um dia,a alimentou,carregou no colo ou com ela
passeou.Dessa maneira,a experiência da realidade irá permitir
que,a partir da adoção de papéis,iniciada com os
psicossomáticos,surjam várias possibilidades de interação dos
sociais e psicodramáticos. A PARTIR DAÍ VÃO SE
FORMANDO OS CACHOS DE PAPÉIS.
Pela análise da gênese e desenvolvimento na história do
indivíduo fica claro que "o papel é uma experiência
interpessoal",na qual vários atores encontram-se
implicados,constituindo-se,ao mesmo tempo,numa interação de
estímulos e respostas.Interação que tanto sinalisa fatores
previsíveis da resposta em função dos papéis sociais e da
percepção dos mesmos,quanto elementos imprevisíveis
resultantes da espontaneidade dos atores/participantes da
interação.Necessário se faz,portanto, analisar um outro aspecto ,o
conceito de complementariedade,o contra-papel.
O papel,originàriamente,nasceu da interação mãe-filho e baseado
na complementariedade dos dois.Somente existe em função de
seu complementar: o contra-papel.A interrelação de
ambos,polarizada em papel e contra-papel,constitui os vínculos.A
forma do indivíduo atuar e interagir é através dos papéis.Estes
correspondem ao conjunto de respostas que ele dá a situações
onde outros indivíduos interagem desempenhando papéis
complementares.OS PAPÉIS SÃO UM CONJUNTO DE
RESPOSTAS QUE SÃO DADAS NA MINHA INTERAÇÃO
COM O OUTRO NA REPRESENTAÇÃO DE SEUS PAPÉIS.
Esse aprendizado implica em conseguir viver os vários pólos de
uma cadeia interativa,podendo jogar tanto o seu papel quanto o
complementar.Papel e contra-papel são cons-titutivos um do
outro.Não há pai sem filho...O modo de ser de uma pes-soa
decorre dos papéis que ela vai complementando ao longo de sua
existência,com as respostas obtidas na interação social, por outros
papéis que complementam os seus.
Morfològicamente, a noção de papel aparece veiculando uma
comple-mentariedade: o contra-papel, existindo entre ambos uma
relação estru-tural e de inter-determinação recíproca.
O PAPEL NA PRÁTICA PSICODRAMÁTICA
Os interesses de Moreno - terapeuta e pedagogo - estão voltados
mais para os indivíduos e suas relações do que para a cultura,os
valores e normas sociais.Visam,preferencialmente,a
espontaneidade e criatividade para que estes possam agir e
intervir no meio social.Cria e desenvolve técnicas e
procedimentos operativos como recursos para que o indivíduo
possa atingir tais objetivos.As primeiras técnicas históricas são
representadas pelo teatro de improviso e o jornal
dramatizado(jornal vivo),as técnicas relacionadas às fases do
desenvolvimento: duplo, espelho e inversão de
papéis,consideradas básicas por servirem de base e fundamento
para as demais.*
Como para Moreno o eu "é revelado pelo desempenho de
papéis",ele vai previligiar,sobremaneira a técnica do role-playing
com todo seu desdobramento pedagógico(aprendizagem e
treinamento de papéis) e terapêutico.A finalidade do role-playing
como jogo psicodramático de papéis "é proporcionar ao ator uma
visão do ponto de vista de outras pessoas,ao atuar no papel dos
outros,seja em cena ,seja na vida real".
O desenvolvimento de um novo papel passa por três fases
distintas: a) a tomada do papel (role-taking) ou adoção do papel
já pronto e inteiramente estabelecido,podendo o indivíduo apenas
imitá-lo a partir dos modelos disponíveis.Não permite variação e
nenhum grau de liberdade.Cabe apenas aceitá-lo,desempenhandoo da maneira já con-vencionada. Para Moreno, constitui-se
produto acabado,conserva de pa__________________
* Ver livro de Monteiro, R et alii "Técnicas Fundamentais do
Psicodrama".São Paulo.Editora Brasiliense,1993.
péis; b) o jogo de papéis (role-playing) representação ou
desempenho que
permite certo grau de liberdade.Consiste em jogar o papel
explorando simbòlicamente suas possibilidades de
representação.Para Moreno, o jogo de papéis é ato,brincadeira
espontânea; e c) a criação de papéis (role creating) permite alto
grau de liberdade,deixando margem à iniciativa pessoal,como no
caso do ator espontâneo.Criar o papel é o desempenho de forma
espontânea e criativa.E como todo papel necessita de ator,em
cada fase do processo de seu desenvolvimento encontram-se os
atores correspondentes:o "receptor",o "intérprete" e o "criador de
papéis".
Não há como pensar o Psicodrama,seus instrumentos, a estrutura
de uma sessão, desvinculado de papéis e atores que os
vivenciam.Toda dramatização,jogo ou qualquer técnica
psicodramática somente pode acontecer quando papéis são
colocados em ação e,através destes, personagens interatuam se
vinculando como interlocutores.
No Psicodrama,encontrando-se com seu eu em papéis
imaginários ou correspondentes a funções assumidas dentro da
realidade social,o indivíduo recupera a capacidade de realizar
transformações autênticas em sua vida,nas suas relações e no
meio onde vive.
A realização da verdadeira ação espontânea equivale à criação e
desempenho de papéis que correspondem a modelos próprios de
existência.A dimensão do homem criativo/espontâneo se
contrapõe contìnuamente com a conserva da estrutura social,com
os papéis que o aprisionam a modelos e
padrões,normas,status,rótulos pré-determinados. O Psicodrama
possibilita ao indivíduo utilizar seu potencial imaginativo/criativo para transformar a realidade,retomar papéis
sociais instituídos,cristalizados e conservados, para recriá-los
modificando-os e invertê-los, reinventando-os na vivência das
relações em que se encontra envolvido e implicado.Uma vez que
a proposta psicodramática é resgatar o homem espontâneo-
criativo preso nas amarras da conserva cultural,pode-se dizer que
a criatividade é aquilo que o indivíduo faz para recriar o seu eu
com espontaneidade através do conjunto de papéis que
desempenha no jogo da vida.
O CONCEITO DE PAPEL E OS PSICODRAMATISTAS
Inúmeros são os psicodramatistas que têm atendido e estão
respondendo ao apelo de Moreno de não tomar sua obra como
pronta e acabada. Publicações têm se sucedido numa
demonstração viva do esforço estudioso de profissionais da
área,principalmente no cenário psicodramático brasileiro.O
conceito de papel tem recebido diversas contribuições de bom
número desses autores.
J.G.ROJAS BERMUDEZ (l966), em seu livro"Que es el
Sicodrama?",desenvolve uma teoria neurofisiológica de
desenvol-vimento, personalidade e psicopatologia - "a teoria do
Núcleo do Eu". Denomina Núcleo do Eu à estrutura resultante da
confluência dos papéis psicossomáticos de ingeridor,urinador e
defecador com as áreas mente, corpo e ambiente.
Bermudez considera o ser humano uma condensação dos fatores
ambiente,corpo e mente com destaque para os papéis
psicossomáticos de ingeridor,defecador e urinador oriundos das
funções fisiológicas correspondentes. A importância fundamental
da estruturação dos papéis psicossomáticos é a progressiva
delimitação de áreas que eles vão produzindo.Assim,o papel de
ingeridor delimita as áreas corpo-ambiente,o de defecador as de
ambiente-mente e o de urinador mentecorpo.Evolutivamente,para Bermudez,o papel de ingeridor
estrutura-se nos primeiros dias de vida,o de defecador entre o
terceiro e oitavo mês e o de urinador entre o oitavo e vigésimo
quarto.O "Núcleo do Eu"é a estrutura resultante da integração das
três áreas com os três papéis psicossomáticos a partir da
"estrutura genética programada interna" e da "externa".
Como um dos pioneiros na história do movimento psicodramático
brasileiro, Bermudez tem feito escola e sua teoria do Núleo do Eu
possui inúmeros seguidores.
DALMIRO BUSTOS (l979), figura de destaque no cenário
psicodramático,entre suas inumeráveis contribuições ao
Psicodrama, apresenta os conceitos de suplementariedade,de
papel complementar interno patológico,de dinâmica dos papéis
(vínculos) e papel gerador de identidade.
Para Bustos, os papéis estruturam o ego em suas trocas com o
meio ambiente.A zona de interação entre o ego e o mundo
exterior está estruturada em forma de papéis.Cada papel se
relaciona com comple-mentares de outras pessoas através de
vínculos.Pela falta de diferenciação entre o eu e os outros,entre
mundo interno e externo, o universo das relações fica povoado de
confusões,sem limite entre o eu e não eu.Não há consciência dos
vínculos.O eu e o outro significativo ficariam unidos em
suplementariedade,onde um é parte do outro,sem possibilidade de
vínculo.A fantasia da inexistência do vínculo caracteriza a
suplementariedade onde cada um dos termos de uma relação se
comporta como se fosse parte de um todo,sem solução de
continuidade.Passa-se de um estar com o outro à fantasia de ser
parte do outro.É o funcionamento unitário,base das relações
simbióticas.
O mesmo autor explica,ainda,que todo conflito é incorporado
através de um papel,geralmente o de filho com seu
complementar: mãe ou pai.A situação de conflito faz com que
este papel fique fixado em seu modus operandi ao papel
complementar primário,denominado complementar interno
patológico.Quanto mais forte o conflito,mais incapacitante o
resultado e maior número de papéis são afetados.Isso porque,todo
estímulo externo que desencadeie esta dinâmica originará
condutas que correspondem à relação com este complementar
interno patológico.Como, por exemplo, um filho hipersensível
diante de um pai supercrítico poderá apresentar condutas afins em
suas relações com outras figuras de autoridade.Isso
ocorre,porque,para se despreender dos complementares
primários,a criança necessita de apoio indispensavel para superar
a angústia da separação e retomar a espontaneidade.Na falta desse
apoio, ela tenderá reter o que é garantido ou conhecido,aferrandose ao complementar primário, parcial ou totalmente,
configurando-se, assim, o papel complementar interno
patológico.Este irá bloquear ou afetar em diferentes graus as
relações com os outros,revelando-se parte constituitva
permanente dos vínculos,provocando respostas ou atitudes de
acordo com as experiências primitivas do indivíduo,e não com os
estímulos externos e atuais.Diminui a capacidade de reações
espontâneas,aumentando a ansiedade.Constitui a base das
relações transferenciais.(5,p.18-23) (6,p.24).
Segundo Bustos, os papéis se agrupam conforme sua dinâmica,configurando clusters ou agrupamentos.(7,p.76).O primeiro
depende do complementar materno,responsável por funções de
dependência e incorporação . O segundo do complementar
paterno,gerando a matriz dos papéis ativos.Ambos possuem um
primeiro complementar único:mãe e pai ou os adultos que
desempenham esses papéis.Estes dois papéis primários são
assimétricos por natureza.A simetria aparece mais tarde,quando a
paridade se apresenta na forma de irmãos ou companheiros de
brincadeira.Esta interação diferenciada das outras duas determina
o surgimento de um terceiro cluster,que representa as relações de
paridade. Configura-se,assim,o esquema básico de
papéis:passivo,ativo e interativo.O primeiro esquema,de funções
passivas,incorporativas,dependentes,está vinculado ao papel
gerador de mãe e a aspectos femininos.O segundo,gerador de
capacidade ativa,penetrante,autônoma, liga-se ao papel de pai e a
aspectos masculinos .E o terceiro vínculo gerador é o papel de
irmão,substituível pelo de amigos,responsável pelas experiências
de intercâmbio no mesmo nível,de
competição,rivalidade,etc..Essas três dinâmicas constituem
possibilidades alternativas de todos os papéis.
Outro conceito desenvolvido por Bustos é o de papel gerador de
identidade,(5,p,22)(7,p.77-78),caracterizado como aquele
que,dentro de um repertório de papéis de um adulto,predomina
como um ponteiro positivo indicador do indivíduo.Afirma que
todas as pessoas têm um papel central e predominante que
impregna os demais, auxilia a cimentar a identidade,construindo
auto-confiança,especialmente se tal papel fôr passível de
mudanças em diferentes momentos de suas vidas.Constitui-se em
eixo predominante que funciona como defensivo nas situações de
conflito,bem como possui função ordenadora (ordenamento
interno).
ALFREDO NAFFAH NETO (1979),em seu livro "Psicodrama descolonizando o imaginário",ao rever a teoria de papéis de
Moreno,distingue papel dramático, psicodramático, imaginário e
histórico.Para ele,o papel dramático é o vivido pelo ator do
teatro.É pré-determinado pelo script,conservado,estratificado e
perpetuador de um drama deslocado do ator,exterior a ele.Por
outro lado,distingue papel psicodramático de papel
imaginário.Para Moreno os papéis psicodramáticos ora definem a
emergência do potencial criativo,ora designam o mundo da
fantasia e da imaginação em oposição aos papéis sociais,que
definem o mundo real e das relações sociais.
Naffah,entretanto,caracterisa o papel psicodramático como o
que,de imaginário concretiza-se espontaneamente em ação real,
criado e desempenhado pelo ator/autor no cenário
psicodramático,contendo em si elementos do papel dramático e
do papel pessoal.(Termo utilizado por Rocheblave-Spenlé pelo
qual o indivíduo determina ele mesmo sua posição pela relação
com os outros e age conforme um modelo de conduta que
constitui como norma das relações inter-subjetivas.)(22,p.172).Afirma que o papel psicodramático "retoma e
focaliza num mesmo eixo o ator e o drama como duas partes
implicadas entre si,possibilitando a emergência da
espontaneidade e criatividade e a retomada pelo ator de seu
verdadeiro sentido: o de agente".(19,p.180)
O papel psicodramático designa a emergência de uma nova
síntese entre imaginação e ação,entre espírito e corpo.Dissolve-se
a clivagem entre papel social e a pessoa privada surgindo o
sujeito como existência una.Na cisão entre pessoa privada e papel
social,a imaginação permanece deslocada da ação real e fechada
em si mesma.Nessa clivagem a pessoa fantasia-se e imagina-se
em determinados tipos de relação (deva-neio,sonho)que não são
transformados em ação efetiva.Com a emergência do segundo
universo infantil(quando o imaginário diferencia-se do real) o
desempenho dos papéis sociais procura se sobrepor ao mundo
imaginário,tendendo restringir e isolar a atividade
imaginativa.Para Naffah,o papel psicodramático representa o
momento em que a imaginação rompe seu espaço solipsista para
encarnar-se e fazer-se verdade.,representando uma nova síntese
entre imaginação e ação.É o esforço de superação desta clivagem
que define a espontaneidade criativa e a emergência dos papéis
psicodramáticos.
Já os papéis imaginários são os resultantes da fantasia e
imaginação do indivíduo(sonho,fantasia) mas não transformados
em ação efetiva, não atuados e desempenhados.E para Naffah,o
papel psicodramático ao ser vivido e desempenhado no palco
resgata os papéis imaginários não-atuados,concretizando-os na
ação espontânea do ator-autor-criador.
Por outro lado,ao discutir o conceito de papel social chega ao
caráter histórico do mesmo ou,conforme o denomina,a um tipo de
papel:o histórico que,enquanto modelo,circunscreve e delimita os
papéis sociais.Moreno não o descreve,segundo Naffah,por não
considerar a função estruturante da história.Entretanto,concorda
com Moreno quando este afirma que os "os papéis são os fatos
mais significativos dentro de qualquer cultura específica", mas
desde que não se esqueça que estas formas relacionais estão
circunscritas a um processo histórico e à uma estrutura
social,política e econômica,de que são manifestações
necessárias,consolidação do instiuído.Conclui que os papéis
sociais,sua estrutura e dinâmica próprias,nada mais fazem que
repetir e concretizar num âmbito micro-sociológico,a estrutura de
contradição e oposição básicas que se realiza entre papéis
históricos,constituida pela relação dominador-dominado,uma vez
que o conceito de papel social pressupõe o de classe social e viceversa.
Em "Psicodrama da Loucura" JOSÉ FONSECA FILHO (1980)
apresenta um esquema de desenvolvimento humano,expõe uma
visão da loucura e saúde,esboçando uma teoria da personalidade
baseada nas fases da matriz de identidade.Fiel ao postulado
moreniano de que o eu se forma a partir do desenvolvimento de
papéis,enfoca sua análise na capacidade do indivíduo tomar,jogar
e invertê-los. "Papel é uma experiência interpessoal e necessita de
dois ou mais indivíduos para ser posta em ação.Todo papel é uma
resposta a outro (de outra pessoa).Não existe papel sem contrapapel". (8,p.20)
Fonseca propõe,pela técnica de inversão de papéis,uma espécie
de medida da capacidade de "inverter ou experienciar o
outro",avaliando-se,assim,o grau de saúde ou doença que atinge
as pessoas.Um desempenho e inversão de papéis perfeitos
significa ausência total de "elementos psicóticos".Afirma que a
técnica de inversão de papéis "pode realmente,guardadas as
devidas ressalvas,constituir-se um dispositivo para "medir"o grau
de "saúde-doença"de uma pessoa".(8,p.102).
A partir de sua formação psiquiátrica e toda sua experiência
clínica,Fonseca apresenta um enfoque de papel bastante
operativo,oferecendo uma instrumentalização prática para o
trabalho do psicoterapeuta.
Com o propósito de inovação,procurando novos modelos de
atuação terapêutica,Fonseca tem desenvolvido um método de
psicoterapia individual, a "Psicoterapia da Relação"(10),técnica
psicoterápica derivada do psicodrama,fundamentada
principalmente no jogo de papéis (além de outros recursos
técnicos) entre terapeuta e paciente,onde o primeiro toma e joga
papéis dos personagens do mundo interno e relacional do
paciente,interagindo e sendo interlocutor deste.O terapeuta da
relação assume o papel internalizado do paciente,prèviamente
desempenhado por ele ou diretamente,de acordo com a interação.
Fonseca considera que o jogo e inversão de papéis facilitam a
comunicação co-inconsciente e é revigorante para os
participantes. Jogar o papel de outra pessoa,abrindo mão,
parcialmente, da identidade para receber a do outro,retornando
em seguida à sua própria,produz sutís alterações de estados de
consciência e liberação de energia,provocando bem-estar e
euforia.
É importante assinalar ainda,dentro das técnicas da Psicoterapia
da Relação,outra criação da prática clínica de Fonseca,o "
Psicodrama Interno" caracterizado como um "jogo interno"de
papéis.(9).
ANIBAL MEZHER(1980) (14) questiona a validade do conceito
de papel psicossomático a partir do próprio sistema teórico de
Moreno.Assinalando e sintetizando elementos das conceituações
de diferentes autores,define papel como "um específico conjunto
de atos,segundo o modelo prescrito por uma determinada
sociedade,na interação entre seres humanos".Destaca três
elementos básicos:interação entre humanos,conjunto de atos e
subordinação a modelo prescrito pela sociedade.
Baseia sua análise na noção de vínculo humano,do ser-emrelação e da complementariedade vista como interação entre
pessoas através de papéis e contra-papéis
correspondentes.Figurino este no qual não cabem,segundo
Mezher,os "papéis psicossomáticos"pela inexistência de contrapapéis.
Questiona a propriedade da noção de papel psicossomático de
Moreno a partir dos conceitos de zona corporal e papéis
familiares.Propõe a substituição parcial do conceito de papel
psicossomático pelo de "zona corporal em ação".E, para não
entrar em choque com o postulado moreniano de que os papéis
são os aspectos tangíveis do eu,que se desenvolve a partir
deles,completa: "as zonas corpóreas como áreas corporais
funcionando em relação ao mundo,num crescente processo
vivencial de um corpo em relação ao mundo e de suas partes
entre si,processo concomitante e integrado com sua experiência
social,são fatores na consolidação da identidade
corporal,substrato suficiente para as fundações do
"ego"".(14,p.223)
Ressalta, assim, que os papéis psicossomáticos podem ser vistos
como zonas corporais em ação,incluidas na relação mãe-filho e
em outros papéis familiares,sem prejuízo da identidade corporal
da criança.
MOYSÉS AGUIAR (l990)(1), a partir do conceito de papel,
apresenta um estudo da sociometria dos vínculos.Como os
vínculos acontecem através de papéis,toda a complexidade destes
aplica-se também aos vínculos.Em sua análise diferencia três
tipos de vinculos: a) vínculos atuais são os que se verificam nas
relações concretas e onde os parceiros das mesmas caracterizamse pela sua concretude(em contraposição à fantasia).Nesse
sentido,os papéis são definidos como "sistemas pluri-uni-vocos
de expectativas...em função de um objetivo comum."(1,p.51).b)
Vínculos residuais são aqueles que no passado foram vínculos
atuais e que se encontram desativados.São decorrentes de
mortes,ruptura de relações ou afastamento entre parceiros.Esses
vínculos têm uma história de realidade,mas sua existência atual
está no plano da fantasia,como memória.c) Vinculos virtuais são
os do âmbito da fantasia e não são encontrados nas relações
concretas,tais como os estabelecidos com objetos/personagens
imaginários ou míticos,ou muito distantes da realidade concreta
do indivíduo,embora reais.
A configuração sociométrica dos vínculos virtuais é mais estável
que a dos residuais(e estes,muito mais que os atuais) já que não
estão sujeitos à confrontação com a realidade,quer presente ou
passada.
Moysés Aguiar acredita que a diferenciação desses três tipos de
vín-culos poderá fertilizar a prática e teoria psicodramática,se
utilizada como instrumento para análise dos papéis.
Por outro lado,examinando a dinâmica dos papéis e a questão do
contra-papel,não a entende como uma estrutura bi-polar
simples.Para ele, a complexidade das relações indica ocorrência
frequente de complementariedades múltiplas,como triangulação e
circularização de papéis.Nesse sentido,destaca duas vertentes que
tornam o desempenho de papéis mais e mais complexo: a
primeira é a composição do papel,cujas inúmeras funções podem
ser consideradas,de per si,como "sub-papéis". Exemplifica com o
papel de mãe que inclui missões tão díspares como amamentar,
limpar o bum-bum do bebê,aconselhar filha adoles-
cente,etc..Tarefas estas que envolvem projetos distintos e
operações peculiares,especialmente quanto à
complementariedade que implicam.Surgem os sub-papéis de
amamentador-amamentado,limpador-limpado,conselheiroaconselhado,etc.,compondo o conjunto maior que é o papel mãefilho.A segunda vertente é a que se refere a papéis paralelos.Estes
surgem quando,numa determinada relação,a consecução do
projeto comum permite ou mesmo exige o uso de modelos
relacionais próprios de outras relações.Apresenta, como exemplo,
a complementariedade professor-aluno incluindo práticas
"paternais"que caracterizam outro papel do mesmo cacho,a
relação pai-filho.Ou, ainda, o papel homem-mulher revelando
conteúdo "paternal",próprio do papel pai-filho.Esclarece que os
comportamentos que ocorrem entre os parceiros,cuja natureza
tem a ver mais com o segundo papel do que com o
primeiro,constituem o papel paralelo.Funciona como
"condimentos"do papel principal.
SÉRGIO PERAZZO (1994), em "Ainda e Sempre
Psicodrama",dis-cute a conceituação de papel imaginário.Levanta
a questão da existência de "papel imaginário transferencial"e
"papel imaginário não-transferencial",diferenciando papéis
imaginários (Naffah) e papéis de fantasia. Para ele,o caráter de
não-atuação do papel imaginário abre uma brecha para explicar a
facilidade com que muitos papéis,nunca jogados
anteriormente,podem ser desempenhados através de jogos
dramáticos no cenário do psicodrama.Denomina-os de papéis de
fantasia,que são facilmente atuados a partir de um pequeno
esforço espontâneo e criativo.Isso porque,segundo Perazzo,o
papel psicodramático tendo seu locus exclusivo no cenário
psicodramático,possui uma delimitação clara de
contexto,deixando um espaço vago de definição em que transita a
imaginação criativa.Nesse espaço é que a imaginação pode ser
atuada com mais facilidade,sem intermediação de papéis
psicodramáticos. Os papéis de fantasia,portanto,poderiam ser
jogados fora do cenário do psicodrama,onde cumpririam uma
"função psicodramática"espontânea e não intermediada pela
técnica.
PALAVRAS FINAIS
O presente texto não pretendeu esgotar o tema papel, nem
apresentar uma visão crítica de diferentes autores. Procurou,
apenas, aglutinar e condensar, nesse espaço priviligiado da
Revista Brasileira de Psicodrama, as conceituações de Moreno e
contribuições de outros autores sobre esse inesgotável filão de
possibilidades para a teoria e prática do psicodrama:o conceito de
papel.
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Sociale.(1962) . Paris.PUF,1969.
Este artigo foi originalmente publicado na revista Brasileira de
Psicodrama Volume 3, fascículo I, ano 1995.
Psicólogo Carlos Rubini
Psicodramatista Mestre em Psicologia
Editor Responsável do Caderno de Psicodrama do Jornal
Existencial On Line
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