(Re-)integrando tempo-cérebro-ser-contexto O cérebro ao longo do tempo Nosso cérebro é um prodígio da natureza, sempre se tentou copiá-lo na evolução tecnológica, no entanto, ainda tem seus mistérios. Com o avanço de exames funcionais por neuroimagem, tem sido possível mapear regiões atuantes e com isso, descobrir onde se localizam as diferentes emoções. Até mesmo, onde se alojam os traumas psicológicos. Neocortex Sistema Límbico Complexo Reptiniano Na evolução das espécies fomos agraciados como humanos: O miolo do nosso cérebro é igual ao de qualquer sauro, é o cérebro reptiniano. É ele que regula o sensório motor, nossos movimentos e sensações básicas, autopreservação e agressividade. Com o desenvolvimento se formou uma nova camada, o sistema límbico, responsável por nossas emoções, reconhecimento do que nos contorna e por nossa resposta emocional, frente às situações e fatos em que estamos imersos e interagindo a cada instante. E ainda outra camada nos distingue como seres racionais, é o Neocortex, a camada responsável por nossa faceta cognitiva e funções superiores intelectuais. O cérebro atua em conjunto, cada uma dessas camadas têm influências mútuas. Além do que, o cérebro tem dois hemisférios, direito e esquerdo, com funções diferentes, no entanto, integradas. Existem evidências científicas de um menor volume do hipocampo, zona do cérebro que armazena e recupera memórias, em adultos que sofreram situações traumáticas na infância e que desenvolveram Transtorno de Estresse Pós-Traumático1. Além disso, estudos com ressonância magnética (RM), realizados com jovens enquanto faziam um teste simples de memória verbal, mostraram diferença significante nos resultados comparativos entre o grupo com ou sem TEPT.2 Quando vivemos situações traumáticas, nosso funcionamento cerebral é afetado distorcendo nossas emoções, percepções, sensações, memória e atitudes. Exames funcionais de PET scan ou SPECT scan mostram pontos de hiper-ativação, ou cistos no cérebro. Na prática, embora tenhamos muita vontade de agir diferente, não temos esse controle, mesmo ficando frustrados, tristes, raivosos, sem conseguir de fato mudar em atitude. Cérebro & papéis O desenvolvimento de papéis assemelha-se à evolução cerebral da espécie humana. O cérebro reptiniano é básico, pouco evoluído. Assim também são os primeiros papéis que desempenhamos na vida. Como bichos-homem, filhotes de gente, nascemos tão desprovidos, tampouco sobreviveríamos sem um cuidador. No relacionamento mãe-bebê, aparentemente ele só defeca, urina, mama e dorme. Quem cuida pode mostrar-se mais receptivo, ou mais hostil, mais carinhoso... Essa relação afetiva repercute nos papéis psicossomáticos. Já viu alguém que sente dor de estômago quando está chateado? Então, esse alguém pode estar substituindo a atitude de ir resolver o que o chateou (papel social de “resolvedor de problema”) por um papel psicossomático de “sofredor de dor de estômago”. Frente a uma situação estressora é possível enfrentar e resolver a situação, ou “escapar” por uma atitude inadequada, ou ainda, ficar sem ação – conforme o grau de espontaneidade. Sem espontaneidade para resolver a situação, o papel social pode ser substituído por um papel mais primitivo. Os mais regredidos são os psicossomáticos, associados ao corpo, reptinianos. Também há os papéis psicodramáticos, que são o que desempenhamos nas brincadeiras espontâneas - propositais – porém aqui são os pseudo-papéis - inadequados, geralmente “sem querer”, sem controle. Tal qual a parte mais antiga de nosso cérebro é a reptiniana, do “miolo”, também a parte mais primitiva de nossos papéis desempenhados na vida (o miolo na figura simbólica moreniana) é a dos papéis psicossomáticos, associados ao funcionamento do corpo. Quando não conseguimos desempenhar papéis mais evoluídos, maduros e adequados, tendemos a substituí-los por papéis mais primitivos, que podem ser, ou os papéis psicossomáticos ou os papéis psicodramáticos (papéis sociais deturpados). Papéis sociais P.Psicodra máticos Papéis Psicossomá ticos Naquele exemplo da pessoa que não conseguiu enfrentar seu problema e teve dor de estômago (psicossomático), ao invés dessa dor, poderia ter pseudo-resolvido a situação, ou “resolvido” inadequadamente. Por exemplo, poderia ter tido uma explosão de raiva, ou “ter dado um fora” na pessoa ao invés de sentar e conversar. Essas seriam “saídas emocionais” de escape, erroneamente adotadas ao invés de um enfrentamento adequado da situação. Equivale ao desempenho de um papel psicodramático ao invés do papel social. Não há nada estranho em se demonstrar emoção, no entanto quando uma situação requer uma ação, a ação é a resposta mais adequada – e não uma paralisação ou uma explosão de emoções. Para a maior parte das culturas, “sentar e conversar” são as atitudes esperadas para resolver a situação-exemplo, corpo no espaço-ação e emoções em equilíbrio correspondente ao desempenho adequado do papel social de adulto. Assim como no cérebro, o funcionamento saudável é integrado, no desempenho de papéis ao longo da vida, equilibrando corpo, mente, emoções, espiritualidade e tudo que compõe o ser complexo que somos. A resposta adequada é a prova da função integrada, a espontaneidade é o fator integrador que empresta ao papel atual a experiência, emoção, todo o ser vivendo o presente no presente - diferencial entre trauma e resiliência que transparece no desempenho de papéis: um papel social sendo vivido no contexto social e um papel psicodramático, no contexto psicodramático. Os nossos egos estão ali: a criança medrosa que fomos um dia, o adolescente onipotente, todos. Um sistema humano “saudável” integra razoavelmente seus “eus”, de forma que a cada situação possa “emprestar” a emoção, a atitude, o espírito adequado ao adulto atual, para uma vivência plena: aqui e agora. Na vivência adulta, o adulto é quem comanda. Quando nos foge o comando – dê palco ao ato Nossas facetas, a criança frágil, a criança briguenta e/ou alegre, o adulto drogado, o sóbrio, o frustrado, são aspectos que convivem dentro de nós, vida afora. Despontam em momentos da vida atual conforme a situação. Se forem tão imperativos, tão separados entre si, um sobrepõe ao outro, parece “tomar conta da gente” e só ele atua naquela condição. Naquele momento eu ajo como a criança assustada que fui um dia e resolvo a situação como aquela criança conseguiu resolver na situação antiga. Nem por isso irá solucionar a situação atual. Eu digo depois, “agi como uma criança”. Se o que essa “criança que fomos” viveu, tiver sido uma situação traumática, ao invés de tal passagem integrar a gama de experiências que fortalecem a pessoa, torna-se um núcleo de perturbação, ou um foco de atividade disfuncional no cérebro: memória congelada. Esse foco, ou cisto interfere no funcionamento normal, associa-se a circuitos repetitivos de sentimentos e ações automáticas que até percebemos, mas não dominamos. Quanto mais dissociada a pessoa, maior a chance de seus personagens internos ganharem vida própria - em atos aparentemente destoantes do momento em que emergem: acting out. Material congelado Siste ma Límbi co Comple xo Reptini ano Neocor tex M C A D O termo original teria sido agieren. O termo original e ambíguo AGIEREN de Freud, por falta de uma expressão inglesa equivalente, foi traduzido erroneamente ou de maneira incompleta para acting out, adotado pelos franceses. Tentou-se passage à l’acte (passagem ao ato) adotado na clínica psiquiátrica para atos impulsivos violentos, agressivos, delitosos (assassínio, suicídio, atentado sexual, etc.) assinalando que o sujeito passa de uma representação, de uma tendência, ao ato propriamente dito. Acting out “Termo usado em psicanálise para designar as ações que apresentam, quase sempre, um caráter impulsivo, em ruptura com os sistemas de motivação habituais do sujeito relativamente isolável no decurso de suas atividades, e que toma muitas vezes uma forma auto ou hetero-agressiva. Para o psicanalista, o aparecimento do acting out é a marca da emergência do recalcado. Quando aparece no decorrer de uma análise (durante a sessão ou fora dela), o acting out tem de ser compreendido na sua conexão com a transferência, e I freqüentemente como uma tentativa para ignorá-la radicalmente”. (LAPLANCHE E PONTALIS, Vocabulário De Psicanálise). Moreno diz que o que amedrontou Freud foi acolhido plenamente no psicodrama. O que Freud evitou, criando a técnica da associação livre, ele próprio acolheu, protegendo o terapeuta de transferências, pela inclusão dos egos auxiliares. Desejos, fantasias, conflitos e sonhos ganham espaço para vazão pela ação dramática, prevenindo o acting out irracional. Tratando, o sujeito e seus sujeitos internos – ainda quando dissociados. Até para (re) integrá-los. Psicoterapia multiveicular Moreno definiu o psicodrama como uma psicoterapia multiveicular3, integrando corpo-açãomente no ambiente. Esse é o diferencial que permite acesso e estimulação aos hemisférios e níveis cerebrais. Do acolhimento à expressão reptiniana, da possibilidade do cheiro, do visceral, do sentimento, do ato, e até da fala. Moreno se preocupou com a eficácia do tratamento e expressou sua intenção de que o seu método fosse objeto de pesquisa científica. A importância de uma estruturação do formato terapêutico “... que a eficácia do tratamento repouse na ciência e não na arte do terapeuta”, e, “... com vistas à pesquisa: a aplicação universal, repetitidade ou experimentação.” “... um formato padronizado de tratamento está o mais perto possível de uma situação experimental, conferindo a todos os que trabalham clinicamente um padrão idêntico de procedimentos, na qualidade de referencial. Trabalhar sem um formato, ou deixá-lo inestruturado, exige mais da arte do terapeuta que de sua ciência.” Enfatizando que o formato terapêutico tem um componente veicular e instrucional, propôs o “uso mais consciente e enfático de um ”veículo" em nossos dias (que) é o teatro terapêutico” (Moreno, 1983, p. 108). Situa a linguagem como uma das dimensões da ação. Na vivência, os canais da ação, mais complexa, estimulam o reptiniano, o neocórtex, o sistema límbico, o cerebelo, abrindo oportunidade de um retrilhar mais adequado a ser registrado. A maioria dos métodos psicoterápicos se dispõe a ajudar o paciente a desenvolver uma narrativa da experiência traumática, associada à certa área do cérebro. Ou seja, dispõem de um recurso univeicular: a fala. Se o estresse do evento estiver afetando áreas do cérebro responsáveis por processar informação e incorporá-la em uma história, este tratamento pode não ser eficaz1. Em tempos de prevenção e de tratamentos mais eficazes, do advento de novas abordagens, tal como o EMDR, com quem faz uma excelente soma, continua o psicodrama como um método arrojado. Como disse o criador, no início era o grupo. O grupo externo e interno. Eu e meus “eus” no contexto. Conexões cérebro – corpo – estímulos internos e externos: tele. Para o sujeito ele desenhou o psicodrama, que hoje pode ser mais profundamente compreendido. Pode ainda ser somado com a ação em que se pisa, anda, estimula o cérebro em seus hemisférios. Acolhe-se o acting e instigam-se os diferentes níveis do cérebro ao reprocessamento, a uma nova organização. Neocortex - sistema límbico e reptiniano, todos em ação, descongelando o material estatizado em seu locus nascendi pela oportunidade incitada pela espontaneidade. Tempo. Tempo do ato. 1 Carrión VG, Weems CF, Watson C, Eliez S, Menon V, Reissa AL. Converging evidence for abnormalities of the prefrontal cortex and evaluation of midsagittal structures in pediatric PTSD: an MRI study. Psychiatry Res. 2009 June 30; 172(3): 226–234. 2 Weems CF, Carrión VG. Brief Report: Diurnal Salivary Cortisol in Youth—Clarifying the Nature of Posttraumatic Stress Dysregulation. Journal of Pediatric Psychology 2009 34(4):389-395; doi:10.1093/jpepsy/jsn087. 3 MORENO, J. L. Terceira Palestra: O Significado do Formato Terapêutico e o Lugar do “Acting Out” na Psicoterapia. In: Fundamentos do Psicodrama. São Paulo: Summus Editorial, 1983. pp. 107-149.