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Valor Econômico – 13 de outubro de 2014
Política de tesouraria do BNDES
Por Selmo Aronovich
Em artigo no Valor de 1/10/2014, o economista Mansueto Almeida faz menções
equivocadas ao BNDES, em particular em relação à sua gestão de tesouraria, isto é, à
operação com títulos públicos federais e disponibilidades de caixa.
Sua conclusão é de que haveria uma geração extraordinária de lucros com o propósito
de elevar artificialmente a distribuição de dividendos ao acionista controlador do
BNDES, a União. O aumento da carteira de títulos públicos responderia por um terço
dos lucros e dos dividendos que o banco tem registrado.
A análise carece de maior fundamento ao não considerar o papel e o funcionamento
da gestão de liquidez de uma instituição financeira de grande porte e toda evolução
bancária e institucional ocorrida nos últimos anos, com destaque para a maior
preocupação com o risco de liquidez em Basileia 3 e a preparação e o efetivo ingresso
do BNDES como operador de reservas bancárias no Sistema de Pagamentos
Brasileiros - SPB.
A partir de 2008, observou-se um crescimento expressivo na escala das operações do
banco. Hoje, tem ativos de mais de R$ 800 bilhões e desembolsos anuais de cerca de
R$ 190 bilhões (dados de 2013), além de arcar com despesas mandatórias anuais
(despesas administrativas e operacionais, serviço de dívida, distribuição de resultado,
pagamento de tributos etc) que representam saídas de caixa da ordem de R$ 50
bilhões. A constituição e a manutenção de uma reserva maior de ativos líquidos se
tornou necessária para garantir a estabilidade dos desembolsos e do atendimento das
despesas.
A ideia de que os empréstimos do Tesouro ao BNDES teriam sido prescindíveis em
2013 e 2014 supõe que uma instituição financeira desse porte possa operar com níveis
de liquidez próximos a zero, o que viola regras básicas de prudência bancária.
As liberações de recursos pelo BNDES ocorrem de acordo com a evolução dos
projetos apoiados. Por um lado, o banco precisa comprovar que foram realizados os
investimentos físicos e os gastos financiados pelos recursos já liberados. Por outro, é
preciso ter disponibilidade de caixa para fazer novos desembolsos, de forma a não
prejudicar o andamento dos projetos que gerarão as receitas para o pagamento dos
empréstimos concedidos pelo BNDES.
Portanto, a necessidade de liquidez tem relação direta com o tamanho do banco.
Conforme a política de tesouraria, cujos contornos estão disponíveis em artigo do nº
37 da revista do BNDES e seguem os preceitos do Acordo de Basileia, a carteira de
ativos líquidos do BNDES deve ser no mínimo equivalente aos valores previstos de
saída de caixa nos 3 meses seguintes.
É verdade que a tesouraria também gera receitas. Foram elas que permitiram ao banco
reduzir a remuneração mínima de sua carteira de crédito. A meta de spread que
balizava as políticas operacionais do BNDES era até 2005 de 2% ao ano, tendo sido
reduzida para 1,4% em 2006 e 1,1% desde 2008. Para isso, foram transferidas receitas
de operações de renda variável e de tesouraria para reduzir a margem bancária
cobrada dos clientes.
Ao contrário do que sugere a referida análise, o beneficiário principal dos ganhos de
tesouraria são os clientes do BNDES, não o seu acionista. Afinal, a função precípua
do banco é normalizar as condições de crédito em reais para a economia brasileira,
oferecendo prazos e taxas compatíveis com os retornos esperados dos projetos e com
o padrão de financiamento global.
Ainda assim, é preciso notar que a participação das receitas de tesouraria no total de
receitas do BNDES tem apresentado um comportamento relativamente estável nos
últimos dez anos, como mostra o gráfico.
A carteira de tesouraria, composta por disponibilidades e títulos públicos flutuou na
última década entre 7% e 10% dos ativos totais do BNDES. Tais oscilações são
naturais porque há uma defasagem entre a captação e o repasse de recursos.
Em relação a outras instituições financeiras, a carteira de tesouraria do BNDES não é
excessiva, sendo bem menor do que a dos bancos comerciais nacionais - cuja
participação média no total dos ativos é da ordem de 30% - e alinhada com as de
outros bancos de desenvolvimento, como o Banco Mundial, o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) e o Banco de Desenvolvimento Chinês.
A conclusão é que não há nada essencialmente diferente na gestão e no tamanho da
tesouraria do BNDES. Ela exerce as mesmas funções que em qualquer outro banco,
sendo proporcional ao tamanho de suas obrigações. É natural que o debate em torno
do banco confronte opções políticas distintas, que são refletidas nas prioridades
adotadas ao longo de sua história, porém nada justifica questionar a atuação e o rigor
técnico da gestão do BNDES.
(*) Está disponível no Portal do BNDES uma versão deste artigo com mais dados e
informações que reforçam os argumentos aqui descritos.
Selmo Aronovich é superintendente da área financeira do BNDES.
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