centro de ensino superior do ceará faculdade cearense

Propaganda
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE - FAC
CURSO DE BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL
FRANCIANA RODRIGUES DA CUNHA
AS CONTRIBUIÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA FRANCISCA CLOTILDE
PARA O PROCESSO DE RUPTURA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM
FORTALEZA: OLHARES E CONCEPÇÕES DOS/AS PROFISSIONAIS.
FORTALEZA
2014
FRANCIANA RODRIGUES DA CUNHA
AS CONTRIBUIÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA FRANCISCA CLOTILDE
PARA O PROCESSO DE RUPTURA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM
FORTALEZA: OLHARES E CONCEPÇÕES DOS/AS PROFISSIONAIS.
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Serviço Social do Centro de Ensino
Superior do Ceará, como requisito parcial para
a obtenção do grau de Bacharel em Serviço
Social.
Orientadora: Profª.
Fernandes Peixoto
FORTALEZA
2014
Ms
Socorro
Letícia
C972c Cunha, Franciana Rodrigues da
As contribuições do Centro de Referência Francisca Clotilde para o
processo de ruptura da violência doméstica em Fortaleza: olhares e
concepções dos/as profissionais / Franciana Rodrigues da Cunha. Fortaleza –
2014.
87f.
Orientador: Profª. Ms. Socorro Letícia Fernandes Peixoto.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso
de Serviço Social, 2014.
1.
Gênero. 2. Violência contra a mulher. 3. Políticas públicas. I. Peixoto,
Socorro Letícia Fernandes. II. Título
CDU 364
Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274
Dedico este trabalho aos meus pais, Francisco
Pereira (Valdir) e Ana Maria, meus irmãos, e
ao meu esposo, amigo e companheiro, Sílvio
da Silva.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus e a Nossa Senhora, por estarem sempre presentes nos
momentos em que mais preciso, dando-me força e conforto, mesmo que seja por intermédio
de muitos “anjos” que sempre apareceram com palavras de carinho e incentivo.
Aos meus pais, Francisco Pereira (Valdir) e Ana Maria, minhas razões de viver, que sempre
me apoiaram e me incentivaram em meus estudos. Agradeço por essa tão valiosa herança, que
foram os meus estudos e minha formação como pessoa.
Aos meus irmãos, Daniel, Adriana e Rafael, pelo apoio e pelas cobranças. Amo muito cada
um de vocês!
Ao meu esposo, grande amigo, homem da minha vida, Sílvio, que me deu apoio todas as
vezes que precisei e que enxugou minhas lágrimas todas às vezes em que achava que não iria
conseguir. Amo muito você! Obrigada por confiar em mim.
A minha tia, Francisca Heronildes, por ser um exemplo para minha formação, para me fazer
querer sempre buscar conhecimento e, com isso, ser uma pessoa ainda melhor.
As minhas avós, Maria Patrício e Josefina Gonçalves (Macêda – In memorian), pelo grande
exemplo e ensinamentos.
A minha orientadora,
Professora Ms. Socorro Letícia Fernandes
Peixoto, pelo
acompanhamento, companheirismo, dedicação, paciência - principalmente com relação ao
não cumprimento com os prazos para a entrega do material. Obrigada pelas leituras
concedidas e por ter confiado e não ter desistido de mim.
A professora Kelma, que me acolheu e compreendeu minha angústia em um dos momentos
que mais precisei. Obrigada, Professora!
As minhas amigas lindas (As amarelas): Natália Andrade, Mikaella Lopes, Kézia Kelly e
Janielle Souza, pela amizade e companheirismo de vocês, fundamental para minha formação.
Obrigada pelo apoio e por acreditarem em mim. A vocês o meu mais sincero obrigada! Amo
muito cada uma de vocês. A Chirlene, uma amiga que ganhei no decorrer do curso e que o
carinho e incentivo foram muito importantes. Muito obrigada! Vocês são um presente de
Deus em minha vida.
A todos os colegas de turma, pois cada um teve uma importância em minha formação, e por
cada um tenho um carinho enorme. Sucesso a todos.
Maria da Penha
Alcione
Comigo não, violão
Na cara que mamãe beijou
"Zé Ruela" nenhum bota a mão
Se tentar me bater
Vai se arrepender
Eu tenho cabelo na venta
Sou brasileira, guerreira
Não tô de bobeira
Não pague pra ver
Porque vai ficar quente a chapa
Você não vai ter sossego na vida, seu moço
Se me der um tapa
Da dona "Maria da Penha"
Você não escapa
O bicho pegou, não tem mais a banca
De dar cesta básica, amor
Vacilou, tá na tranca
Respeito, afinal, é bom e eu gosto
Saia do meu pé
Ou eu te mando a lei na lata, seu mané
Bater em mulher é onda de otário
Não gosta do artigo, meu bem
Sai logo do armário
Não vem que eu não sou
Mulher de ficar escutando esculacho
Aqui o buraco é mais embaixo
A nossa paixão já foi tarde
Cantou pra subir, Deus a tenha
Se der mais um passo
Eu te passo a "Maria da Penha"
Você quer voltar pro meu mundo
Mas eu já troquei minha senha
Dá linha, malandro
Que eu te mando a "Maria da Penha"
Não quer se dar mal, se contenha
Sou fogo onde você é lenha
Não manda o meu casco
Que eu te tasco a "Maria da Penha"
Se quer um conselho, não venha
Com essa arrogância ferrenha
Vai dar com a cara
Bem na mão da "Maria da Penha"
“A ferida sara, os ossos quebrados se
recuperam, o sangue seca, mas a perda da
autoestima, o sentimento de menos valia a
depressão; essas são feridas que não saram”.
Maria Berenice Dias
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo conhecer as concepções das profissionais do Centro de
Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência Francisca Clotilde sobre as
contribuições deste serviço para o processo de ruptura da violência doméstica das mulheres.
Dentre os objetivos específicos desse estudo, destacamos: compreender os significados
atribuídos pelas profissionais ao fenômeno da violência doméstica contra as mulheres;
conhecer quais as visões das profissionais sobre as atitudes das mulheres usuárias do serviço,
diante das agressões sofridas; apreender as opiniões das profissionais sobre a política de
enfrentamento a violência contra as mulheres em Fortaleza. Dialogamos com as seguintes
categorias: gênero, violência doméstica contra as mulheres e políticas públicas. A
metodologia utilizada na elaboração deste trabalho pautou-se na pesquisa qualitativa. A
técnica principal para a obtenção das informações foi a entrevista semiestruturada. Como
forma complementar, utilizamos a pesquisa bibliográfica e documental e o banco de dados do
Observatório do CRM. Dentre os resultados alcançados, percebemos que as profissionais
acreditam que o Centro de Referência contribui para o rompimento do ciclo de violência das
mulheres atendidas, sobretudo, por conta do atendimento das principais demandas das
mulheres atendidas, como a solicitação por medidas protetivas, a orientação jurídica, o
suporte psicológico e a preocupação com o “sustento” financeiro dos filhos. O atendimento
ocorre mediante acompanhamentos sistemáticos da equipe do CRM, bem como a realização
de encaminhamentos à rede de enfrentamento à violência contra as mulheres.
Palavras–chave: Gênero. Violência doméstica contra as mulheres. Políticas públicas.
ABSTRACT
This study aims to identify the concepts of professional Reference Center and Assistance to
Women in Domestic Violence and Sexual Situation Francisca Clotilde on the contributions of
this service to the process of disruption of domestic violence women. The specific goals of
this study are that: understand the meanings attributed by the professional to the phenomenon
of domestic violence against women; know what the views of professionals on the attitudes of
women users of the service in the face of these abuses; grasp the views of professionals on the
face of political violence against women in Fortaleza. Dialogued with the following
categories: gender, domestic violence against women and public policy. The methodology
used in the preparation of this work was guided in qualitative research. The main technique
for obtaining information was the semi-structured interview. As a complementary way, we
use the bibliographic and documentary research and the CRM Observatory database. Among
the results achieved, we realize that the professionals believe that the Reference Center
contributes to the breaking of the cycle of violence of women seen mainly due to the care of
the main demands of the women seen as a request for protective measures, the legal advice ,
psychological support and concern for the "meat" of the financial children. The service takes
place through systematic follow-ups of the CRM team as well as the realization of referrals to
coping network to violence against women.
Keywords: Gender. Domestic violence against women. Public policies.
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS
§ - Parágrafo
ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas
ADVOCACI - Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos
APAVV - Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência
B.O - Boletim de Ocorrência
CEDAW - Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher
CEJIL - Centro para a Justiça e o Direito Internacional
CF - Constituição Federal
CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos
CNDM - Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
CNJ - Conselho Nacional de Justiça
COMDIM - Conselho Municipal dos Direitos da Mulher
CP - Código Penal
CPM - Centro Popular da Mulher
CRAS - Centro de Referência de Assistência Social
CREAS - Centro de Referência Especializados de Assistência Social
CRM - Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência Francisca
Clotilde
CSSF - Comissão de Seguridade Social e Familiar
DEAMS - Delegacia Especial de Atendimento à Mulher
HDGM - Hospital Distrital Gonzaga Mota
HMF - Hospital da Mulher de Fortaleza
IML - Instituto de Medicina Legal
IMP - Instituto Maria da Penha
JECRIMS - Juizado Especial Criminal
LGBT - Gay, Lésbica, Bissexual e Travesti
LMP - Lei Maria da Penha
MTE - Ministério de Trabalho e Emprego
OEA - Organização dos Estados Americanos
OG‟s - Organizações Governamentais
OIT - Organização Internacional de Trabalho
OMS - Organização Mundial de Saúde
ONG‟s - Organizações Não Governamentais
ONU - Organização das Nações Unidas
OP - Orçamento Participativo
PAIF - Serviço de Atendimento Integral à Família
PNAS - Política Nacional de Assistência Social
PNDH - Programa Nacional de Direitos Humanos
PNPM - Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SMCDH - Secretaria da Mulher, Cidadania e Direitos Humanos
SPM - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
UMC - União das Mulheres Cearenses
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
TCO - Termo Circunstanciado de Ocorrência
LISTA DE ILUSTRAÇÕES, DE TABELAS E DE GRÁFICOS
Figura 1 - Ciclo da Violência ................................................................................................... 23
Figura 2 - Pesquisa que apresenta o quantitativo de mulheres que denunciam agressões
sofridas ..................................................................................................................................... 24
Figura 3 - Eixos Estruturantes da Política Nacional de Enfrentamento á Violência contra as
Mulheres ................................................................................................................................... 35
Figura 4 - Mortalidade de mulheres antes e após a vigência da Lei Maria da Penha............... 43
Figura 5 - Fluxograma de atendimento do CRM...................................................................... 46
Gráfico 1 - Equipamentos existentes no estado do Ceará em defesa da Mulher ...................... 39
Tabela 1 - Dados de atendimentos do CRM ............................................................................. 60
Tabela 2 - Tipos de Violência................................................................................................... 61
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13
2 CAPÍTULO I: RELAÇÕES DE GÊNERO E VIOLÊNCIA ............................................... 16
2.1
Conceituando as relações de gênero .......................................................................... 16
2.2
A violência contra as mulheres: contextos e especificidades .................................... 19
3 CAPÍTULO II: POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
CONTRA AS MULHERES ................................................................................................ 27
3.1
Movimento Feminista: as lutas das mulheres ao longo da História .......................... 27
3.2
Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres ....................... 32
3.3 Violência doméstica e familiar contra as mulheres em Fortaleza e no Ceará: entre
conquistas e desafios ............................................................................................................. 37
3.4 Lei Maria da Penha e os instrumentos normativos que tratam da violência doméstica
contra as mulheres ................................................................................................................ 40
4 CAPITULO III: PESQUISA DE CAMPO: ANÁLISE SOBRE O CENTRO DE
REFERÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA FRANCISCA
CLOTILDE .......................................................................................................................... 44
4.1 Apresentação do Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de
Violência Francisca Clotilde (CRM) .................................................................................... 44
4.2
Percurso metodológico da pesquisa ........................................................................... 46
4.3
Perfil das entrevistadas .............................................................................................. 50
4.4
Resultado das Entrevistas .......................................................................................... 50
4.5 Os dados do Observatório: demandas das mulheres atendidas (retornos e
atendimentos de primeira vez) .............................................................................................. 59
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 62
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 65
APÊNDICES ............................................................................................................................ 70
ANEXOS .................................................................................................................................. 74
13
1
INTRODUÇÃO
A presente monografia consiste no trabalho de conclusão de curso de Serviço
Social e tem por pretensão tratar da violência contra as mulheres no âmbito doméstico, tema
bastante debatido principalmente após a aprovação da Lei Maria da Penha. Sabemos que há
diferentes formas de compreensão do que vem a ser violência contra as mulheres, dentre elas
estão: a violência de gênero que, segundo Saffioti (2004), é aquela que decorre da construção
social do masculino e do feminino. A violência conjugal, que ocorre a partir de
relacionamentos conjugais, ou seja, entre casais e a violência doméstica que se dá no âmbito
da convivência familiar.
O interesse em pesquisar sobre as diferentes condições das mulheres diante de
violências sofridas teve origem nas observações registradas durante o meu estágio curricular
do curso de Técnica de Enfermagem, realizado no Hospital Distrital Gonzaga Mota – Barra
do Ceará (HDGM-BC), nos anos 2000 e 2001. Durante o estágio, foi constatada a elevada
incidência de mulheres que eram agredidas fisicamente por seus companheiros e aquilo
chamou a minha atenção. Outro fator que também instiga a realização de tal pesquisa é o fato
de ter amigas que se submeteram ou se submetem a esse tipo de agressão por seus
companheiros e ainda não conseguiram se desvencilhar destas relações.
A violência doméstica é um tema atual e instigante, sendo esta uma expressão da
questão social que atinge pessoas de ambos os sexos e não obedece à classe social, geração,
raça, etnia, orientação sexual, dentre outras. No presente contexto, falaremos sobre a violência
doméstica contra as mulheres, a qual os agressores, comumente são os maridos e
companheiros. Estes, por sua vez, constroem vínculos familiares e afetivos com essas
mulheres, conhecem seus modos de vida, tem “livre acesso” a elas, e o mais crítico, muitas
vezes, compreendem aspectos de suas subjetividades.
De acordo que a violência contra as mulheres continua sendo percebida
socialmente como um fenômeno naturalizado, de forma que as pessoas pensam que seja
somente uma crise de casal e que “as briguinhas são normais”. Porém, quando a violência se
manifesta de forma muito agressiva, a sociedade tende a culpabilizar as mulheres, a partir de
falas expressas do senso comum que enfatizam que “mulher gosta de apanhar” ou que “é
vagabunda por aceitar estar naquela situação”.
Em Fortaleza, existem equipamentos públicos que compõem a Rede de
Atendimento às mulheres em situação de violência, dentre eles encontram-se: Casa Abrigo,
14
Centros de Referência, Delegacias e Defensorias de Defesa das Mulheres, Juizados Especiais
da Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres, Centros de Referência de Assistência
Social (CRAS), Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), Centro
de Reabilitação e Educação do Agressor e serviços de saúde especializados no atendimento à
violência sexual.
Esta pesquisa foi realizada com as profissionais do Centro de Referência e
Atendimento à Mulher em Situação de Violência Francisca Clotilde (CRM) em Fortaleza.
Nesse sentido, partimos da seguinte indagação: Qual a concepção das profissionais do CRM
sobre as contribuições deste serviço para o processo de ruptura da violência doméstica das
mulheres?
A partir dessa pergunta de partida podemos citar outros questionamentos
pertinentes ao tema: O que as profissionais entendem por violência doméstica contra a
mulher? Na visão das profissionais, quais são as principais demandas que as mulheres
usuárias apresentam para o CRM? Qual a concepção das profissionais sobre as atitudes das
mulheres usuárias do serviço diante das agressões sofridas? Como elas acham que o CRM
tem contribuído para o processo de rompimento das situações de violência vivenciadas pelas
mulheres usuárias do serviço? Qual a opinião das técnicas sobre a política de enfrentamento a
violência contra as mulheres em Fortaleza?
Os questionamentos descritos nesse trabalho buscam a obtenção de novos
conhecimentos sobre o fenômeno da violência doméstica contra as mulheres, com o propósito
de discutir seus resultados tanto no âmbito acadêmico, quanto no exercício profissional.
Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo geral conhecer a concepção
das profissionais do CRM sobre as contribuições deste serviço para o processo de ruptura da
violência doméstica das mulheres. Dentre os objetivos específicos, destacamos: compreender
o entendimento das profissionais sobre o significado do fenômeno da violência doméstica
contra as mulheres; saber qual a concepção das profissionais sobre as atitudes das mulheres
usuárias do serviço diante das agressões sofridas; apreender a opinião das profissionais sobre
a política de enfrentamento a violência contra as mulheres em Fortaleza.
A metodologia utilizada na elaboração deste trabalho pautou-se na pesquisa
qualitativa. A técnica principal para a obtenção das informações foi a entrevista
semiestruturada, em vista de apreender os significados atribuídos pelas profissionais do CRM
ao processo de rompimento do ciclo da violência doméstica pelas usuárias às quais atendem.
Como forma complementar, utilizamos a pesquisa bibliográfica e documental, mediante a
utilização de livros e textos pertinentes ao tema, bem como de artigos de periódicos, jornais e
15
revistas e demais documentos de órgãos governamentais e não governamentais. Recorremos
ainda aos dados quantitativos advindos de pesquisas que tratam do fenômeno estudado.
Ressaltamos que as categorias utilizadas para a realização deste estudo foram:
gênero, violência doméstica contra as mulheres e políticas públicas. Portanto, a monografia
foi dividida em três capítulos: O primeiro capítulo abordou o tema das relações sociais de
gênero e violência contra as mulheres, o qual contextualizou o cenário histórico da violência
contra as mulheres, a partir das categorias de violência e gênero. Para essa discussão
fundamentamo-nos principalmente em Scott (1990), Saffioti (2004), Osterne (2008) e
Giddens (2001).
As Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência contra as mulheres foram
apresentadas no segundo capítulo, a partir da relação histórica com o movimento de mulheres
e feministas. Destacamos também a Lei Maria da Penha, como um dispositivo legal de
proteção as “vítimas” de violência.
Por fim, o terceiro capítulo tratou das informações referentes à pesquisa de
campo, no qual abordamos com mais precisão os procedimentos metodológicos de
investigação, as dificuldades enfrentadas na coleta das informações, a contextualização do
lugar, tipo e natureza da pesquisa, os sujeitos e as falas das profissionais do CRM.
16
2
CAPÍTULO I: RELAÇÕES DE GÊNERO E VIOLÊNCIA
No primeiro capítulo abordaremos o tema Relações de Gênero e Violência,
contextualizando o cenário histórico da violência contra a mulher. Discutiremos, ainda, as
categorias gênero e violência, bem como será apresentado um breve histórico da violência
contra as mulheres.
2.1
Conceituando as relações de gênero
Segundo Giddens (2001), o gênero está associado às noções socialmente
construídas de masculinidade e feminilidade, não sendo, necessariamente, um produto direto
do sexo biológico de um indivíduo. A distinção entre sexo e gênero é fundamental, pois
muitas diferenças entre homens e mulheres não são de origem biológica.
O que é ser-se um homem? O que é ser-se uma mulher? Pode pensar-se que ser-se
um homem ou uma mulher é algo associado em última instância com o sexo do
corpo em que nascemos. Mas, a semelhança das inúmeras questões que suscitam o
interesse dos sociólogos, a natureza da feminilidade e da masculinidade não é assim
tão fácil de classificar. Algumas pessoas acreditam, por exemplo, ter nascido no
corpo errado e procuram «endireitar as coisas» mudando de gênero ao longo da vida.
(GIDDENS, 2001, p. 108)
Para melhor compreensão dos papéis culturais distintos entre homens e mulheres,
torna-se necessário destacar as análises de Giddens (2001), nas quais, culturalmente, ambos
exercem atribuições variadas, além de destacar que a natureza dos corpos masculinos e
femininos pode não estar diretamente vinculada aos papéis que exercem.
No entanto, aprimoramos nosso olhar para uma discussão pautada nos papéis
desempenhados por homens e mulheres, em relações heterossexuais, diante de uma sociedade
ocidental de tradição e valores patriarcais ainda sólidos. Nesse contexto, afirmamos que os
homens, em geral, são mais valorizados que as mulheres, bem como as relações de poder
entre ambos admitem hierarquias que os privilegiam. Às mulheres é “dada”, culturalmente, a
responsabilidade de educar os filhos e de se ocupar das atividades domésticas, enquanto aos
homens é “imposta” a responsabilidade de sustentar a família, apesar de alguns cenários de
mudanças. Desse modo, a divisão de trabalho entre sexos os levou a assumirem posições
desiguais em termos de poder, prestígio e riqueza.
Ainda na infância, as crianças são ensinadas sobre o que é “ser homem” e o que é
“ser mulher”, sendo elas educadas conforme modelos sociais bem delineados do masculino e
17
do feminino. Os brinquedos são distintos e direcionados para meninos e para as meninas, e,
além disso, são ditadas regras de comportamento e de postura igualmente diferenciadas.
Também são estabelecidos padrões estéticos de vestimentas, postura e apresentação.
Geralmente, os meninos espelham-se nos modelos dos homens adultos, enquanto as meninas
nos modelos das mulheres adultas. Desse modo, são impostos paradigmas de beleza,
docilidade, comportamento e fragilidade para as mulheres, e virilidade, coragem e poder para
os homens.
Para entendermos a violência contra as mulheres, partiremos do conceito das
relações sociais de gênero concomitante ao conceito de patriarcado. Gênero, conforme o
dicionário Aurélio (2010), é uma categoria que indica, por meio de desinência, uma divisão
dos nomes baseada em critérios, tais como sexo e associações psicológicas, e, ainda segundo
este dicionário, há gêneros masculino, feminino e neutro.
Segundo Scott (1990), gênero diz respeito a uma categoria útil para análise
histórica, sendo que o uso deste conceito vem sendo bastante discutido, destacando-se com
frequência no campo das Ciências Sociais, Sociologia, Psicanálise e Antropologia. Seu
fortalecimento ocorreu com as produções acadêmicas referentes ao sexo feminino, realizadas
por feministas na década de 1970. Dessa forma, ao longo dos séculos,
[...] as pessoas utilizaram de forma figurada os termos gramaticais para evocar traços
de caráter ou traços sexuais [...], as feministas começaram a utilizar a palavra
“gênero” mais seriamente, no sentido mais literal, como uma maneira de referir-se à
organização social da relação entre os sexos [...]. Em vários idiomas indo-europeus
existe uma terceira categoria – o sexo indefinido ou neutro. (SCOTT, 1990, p. 73)
Scott (1990) diz ainda que gênero é um termo proposto pelas pesquisadoras
feministas que trabalhavam com estudos sobre mulheres, e que este conceito adotado por elas
transformaria os paradigmas no seio de cada disciplina.
“Gênero” é sinônimo de “mulheres” [...]. O uso do termo “gênero” visa indicar a
erudição e a seriedade de um trabalho, pois “gênero” tem uma conotação mais
objetiva e neutra do que “mulheres” [...]. O gênero é, segundo essa definição, uma
categoria social imposta sobre um corpo sexuado. (SCOTT, 1990, p. 75)
Assim, a incorporação do gênero por parte das ciências sociais visa fortalecer o
caráter social das relações entre os sexos e desmistificar o determinismo biológico dos termos
sexo e diferenças sexuais.
18
Saffioti (2004) também discorre sobre o conceito de patriarcado, que expressa a
dominação-exploração das mulheres pelos homens, de forma que elas são vistas apenas como
reprodutoras de trabalho, de filhos e de satisfação sexual para os homens.
Os códigos de gênero, por meio do poder simbólico, contribuem para ratificação
de determinadas estruturas sociais, conforme afirma Bourdieu (1998, p. 15), admitindo-se,
assim, o uso de seu conceito de dominação simbólica:
A força da ordem masculina pode ser aferida pelo fato de que ela não precisa de
justificação: a visão androcêntrica se impõe como neutra e não tem necessidade de
se enunciar, visando sua legitimação. A ordem social funciona como uma imensa
máquina simbólica, tendendo a ratificar a dominação masculina na qual se funda: é a
divisão social do trabalho, distribuição muito restrita das atividades atribuídas a cada
um dos dois sexos, de seu lugar, seu momento, seus instrumentos [...].
Ainda segundo Bourdieu (1998, p. 41), a dominação propriamente dita já constitui
uma violência:
A violência simbólica institui-se por meio da adesão que o dominado não pode
deixar de conceder ao dominador (logo, à dominação), uma vez que ele não dispõe
para pensá-lo ou pensar a si próprio, ou melhor, para pensar sua relação com ele,
senão de instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não sendo
senão a forma incorporada da relação de dominação, mostram esta relação como
natural; ou, em outros termos, que os esquemas que ele mobiliza para se perceber e
se avaliar ou para perceber e avaliar o dominador são o produto da incorporação de
classificações, assim naturalizadas, das quais seu ser social é o produto.
Torna-se relevante ainda, trazer à tona o debate sobre o conceito de poder
apresentado por Michel Foucault (1979), o qual expressa que o poder em si não existe, mas
sim relações de poder. De acordo com o referido autor, o poder é como um instrumento de
diálogo entre os indivíduos de uma sociedade, sendo este relacional. A noção de poder
onisciente, onipotente e onipresente não tem sentido nesta versão, pois tal visão somente
serviria para alimentar uma concepção negativa do poder.
[...] o indivíduo é um dos primeiros efeitos do poder, e não o outro do poder. Em
síntese: “o indivíduo é o efeito do poder e, simultaneamente, ou pelo próprio fato de
ser um efeito, é seu centro de transmissão. O poder passa através do indivíduo que
ele constituiu”. (FOUCAULT, 1989, p. 183-184)
Percebemos assim, que embora haja uma relação de hierarquia entre homens e
mulheres, estas podem manifestar sinais de resistência às agressões masculinas. Portanto, o
autor cita que “(...) lá onde há poder, há resistência e, no entanto, ou melhor, por isso mesmo,
19
esta nunca se encontra em posição de exterioridade em relação ao poder.” (FOUCAULT,
1988, p. 91).
No tópico seguinte, faremos um breve histórico da violência contra as mulheres,
bem como falaremos sobre a categoria violência e suas especificidades no que tange às
relações de gênero, por meio de algumas definições sugeridas por autores que discutem tal
tema.
2.2
A violência contra as mulheres: contextos e especificidades
Os termos sexo e gênero foram utilizados durante muito tempo como tendo o
mesmo significado, que seriam de traços que diferenciariam homens e mulheres. A
historiadora norte-americana Joan Scott (1990) cita que esse novo uso da palavra gênero
expressa um elemento de relações sociais fundadas sobre as diferenças naturalmente
percebidas entre os sexos, sendo assim uma construção social e histórica dos sexos.
O movimento de mulheres surge a partir da organização coletiva de algumas
destas que questionavam os lugares atribuídos a elas socialmente. Segundo Peixoto (2007), o
movimento de mulheres pode ser considerado como toda forma de organização de mulheres
que lutam para conquistar seus objetivos: seja um grupo de mulheres que lutam por melhorias
em sua comunidade; seja o movimento de uma determinada categoria profissional; seja o
movimento de mulheres negras.
Além da busca pela igualdade de gênero e igualdade de direitos, as mulheres
reivindicavam a conquista dos seus direitos em igualdade com os homens. Dentre as
conquistas que as mulheres tiveram, destacam-se: a implantação das delegacias especializadas
de defesa das mulheres e o reconhecimento legal da violência doméstica como uma violação
dos direitos humanos, a citar, por exemplo, a Lei Maria da Penha.
As feministas afirmam que essa luta não tem como objetivos a destruição ou a
“desestruturação” das famílias, mas sim mostrar à sociedade e às autoridades que “lugar de
mulher não é em casa e nem no fogão”. Sendo assim, o objetivo, segundo elas, é acabar com a
dominação masculina e a com a estrutura patriarcal.
A violência é um tema característico da vida em sociedade, principalmente devido
às relações sociais entre os sexos. Popularmente, Saffioti (2004, p. 17) denomina que
“violência doméstica trata-se da ruptura de qualquer forma de integridade da vítima:
integridade física, psíquica, sexual, moral.”.
20
Conforme afirma a citada autora, a violência contra as mulheres pode ser
cometida não apenas por parentes, como também por pessoas de confiança ou do convívio do
domicílio, mesmo que não haja nenhum vínculo. Já a violência doméstica é aquela que é
praticada por parentes da “vítima”, ou que vivem na mesma residência e mantêm laços
afetivos, podendo ser parentes, esposos, tios, etc. “Assim, o poder „dado‟ aos homens é como
uma autorização social para fazer o que quiser com as vítimas” (SAFFIOTI, 2004, p. 18).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu, em 1981, violência como “a
imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis” (MINAYO & SOUZA,
1993, p. 71). Dessa forma, a violência é considerada epidemia, tanto pelo número de
“vítimas”, como pela seriedade das sequelas que produz na saúde física e mental das pessoas.
Ainda segundo Minayo e Souza (1993), a violência foi identificada como
criminalidade, quase que objeto exclusivo das Ciências Jurídicas, sendo, recentemente,
inserida mais intensamente em outras áreas do conhecimento.
Teles e Melo (2002, p. 15), definem violência como:
Violência [...] quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar
outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a
liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua
vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada,
lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio; é
uma violação dos direitos essenciais do ser humano.
Osterne (2008) nos diz que a violência doméstica contra as mulheres é o reflexo
da violência de gênero e que teve sua origem no patriarcado, na forma de estruturalização
social do gênero. Para que ocorra o enfrentamento da violência doméstica, é necessário que
haja a intervenção de agentes externos, principalmente de equipes multiprofissionais e de uma
rede de equipamentos de proteção a essas mulheres.
Saffioti (2004) relata que dificilmente uma mulher conseguirá se desligar de um
homem violento sem a intervenção externa, e conclui afirmando que até que ocorra o
desvencilhamento da relação, as mulheres reagem à violência através de variadas estratégias.
“(...) a violência de gênero, inclusive em suas modalidades familiar e doméstica, não ocorre
aleatoriamente, mas deriva de uma organização social de gênero, que privilegia o masculino”
(SAFFIOTI 2004, p. 81).
De acordo com os autores acima citados, violência doméstica contra as mulheres é
entendida a partir das relações de poder pautadas na dominação masculina, sendo que
culturalmente, a violência é naturalizada nas relações sociais.
21
De acordo com a Lei nº 11.340/2006, que trata da criação dos mecanismos para
reprimir a violência contra a mulher, mais conhecida como Lei Maria da Penha, são formas de
violência doméstica e familiar contra as mulheres aquelas que são praticadas no interior do
ambiente familiar, em relações interpessoais, em relações homoafetivas, em locais onde o
agressor tenha ou teve convívio com a mulher no mesmo domicílio, podendo abranger a
violência sexual, psicológica, moral, patrimonial, etc.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher (1994), conhecida como Convenção de Belém do Pará, remete à violência, em seu
artigo 1º como: “violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero,
que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito
público como no privado” (BRASIL, 1994, p. 86).
Para a Organização Mundial da Saúde (apud TELES; MELO, 2003, p. 12):
[...] a violência doméstica contra a mulher no âmbito doméstico tem sido
documentada em todos os países e ambientes socioeconômicos; e as evidências
existentes indicam que seu alcance é muito maior do que se supunha.
Destacamos que a violência cometida contra as mulheres se manifesta de várias
formas, resultando em lesões corporais, em agressões que prejudicam a autoestima e as
relações da pessoa agredida, além de traumas psicológicos e/ou mortes.
Apesar de as mulheres estarem obtendo conquistas tanto no campo profissional,
quanto no político e social, ainda precisam avançar no campo privado das relações pessoais,
no âmbito doméstico e familiar. As mulheres, muitas vezes, ainda são vistas como inferiores e
vítimas dos preconceitos, em consequência do machismo que insiste em imperar nas famílias
e na sociedade.
Conforme divulgação das estatísticas do Mapa da Violência (2012), realizado pelo
Instituto Sangari, no decorrer de 1980 a 2010, foram assassinadas no país mais de 92 mil
mulheres, sendo que 43,7 mil aconteceram somente na última década. Esses dados
representam um aumento de 230%, ou seja, os índices passaram de 1,353 para 4,465.
Segundo o artigo 7º, da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), são formas de
violência doméstica e familiar contra a mulher:
I - a violência física é compreendida como aquela na qual o agressor ofende a integridade ou
saúde corporal;
II - a violência psicológica é compreendida como qualquer conduta que cause diminuição da
autoestima e danos emocionais ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que
22
vise degradação ou controle de suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante,
perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito
de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação;
III - a violência sexual é entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a
manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação
ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua
sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção,
subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer
suas necessidades;
V - a violência moral é entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação
ou injúria.
As agressões se iniciam com ameaças, empurrões, tapas, xingamentos, violência
na presença da vítima (como esmurrar a parede ou uma mesa), e/ou danos a animais ou
objetos. A agressão pode incluir abuso sexual, empurrões e/ou jogar a vítima ao chão,
esfaqueamento, mordidas, pontapés, chegando a representar ameaça à vida, com a utilização
de armas.
O ciclo da violência contra as mulheres divide-se em três fases. A primeira é a
fase da tensão, onde ocorrem insultos menores, que se manifestam por meio de atritos,
ameaças, crises de ciúmes, onde a mulher tenta acalmar o agressor, sendo prestativa, dócil, e
acaba achando que realmente a culpa pode ser sua. Em seguida, vem a segunda fase, que é a
da explosão, do descontrole, sendo marcada por agressões mais graves. Por fim, vem a
terceira e última fase, que é a do arrependimento, da “lua de mel”, da reconciliação, na qual
há pedidos de perdão, demonstrações de remorso, promessas de mudança de comportamento.
O agressor mostra medo de perder a companheira, promete que tudo que aconteceu não vai se
repetir; é a fase na qual ele promete qualquer coisa, implora por perdão e compra presentes. A
imagem a seguir ilustra um pouco de como essas fases acontecem.
23
Figura 1 - Ciclo da Violência
Fonte: WALKER, L.1, 2002.
Para “preservar a integridade do lar” e com medo de “desagradar o agressor” e
iniciar um novo processo de violência, as mulheres assumem um papel de discrição e de
silêncio, sem deixar transparecer a violação da qual são vítimas.
1
BRASIL. Ministério da Saúde. Violência Intrafamiliar: Orientação para a prática em serviço. Caderno de
Atenção Básica. n. .8. Brasília, 2002.
24
A partir de uma pesquisa realizada pelo Senado Federal (2013), foi possível
identificar que muitas mulheres agredidas não denunciam os fatos às autoridades, dificultando
os dados reais da violência sofrida pelas “vítimas”.
Figura 2 - Pesquisa que apresenta o quantitativo de mulheres que denunciam agressões sofridas
Fonte: <www.senado.gov.br/noticias/datasenado>, 2013.
A violência contra as mulheres é praticada nos mais diversos espaços, mas a que
ocorre no âmbito doméstico acaba sendo mais complexa, pois se entrelaça de sentimentos
relacionados ao prazer, amor, medo vergonha e poder. O Mapa da Violência (2012) relata que
após a implementação da Lei Maria da Penha, a proteção às mulheres melhorou, porém, a
partir de 2008, os índices de violência retornaram aos números anteriores.
Nesse sentido, mesmo com a implantação dessa legislação, há ainda questões
reais de ordem cultural que reforçam a subordinação das mulheres com os homens, como nos
fala o conhecido ditado popular: “Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Isto
acaba dificultando as denúncias por vizinhos, parentes e amigos, afinal, a casa é considerada
como um espaço sagrado e “ninguém pode se intrometer na intimidade do casal”. Percebemos
25
que a violência permeia o dia a dia das pessoas, e diante de uma agressão, ainda há falas que
se omitem, chegando a dizer: “essa é mais uma briguinha de casal”.
Em 2008, o Brasil assistiu ao vivo o assassinato de uma adolescente de 15 anos, a
jovem Eloá Cristina Pimentel, por um ex-namorado inconformado com o fim do
relacionamento, este terminado por ele mesmo por ciúmes, e que a vítima não quis reatar.
Eloá e uma amiga permaneceram em cárcere privado durante 100 horas. Nesse período, ele
bateu, acusou, coagiu e, por fim, martirizou o seu corpo com um tiro na cabeça e na virilha,
sendo a amiga também ferida com um tiro no rosto. O femicídio é um crime de ódio,
realizado sempre com muita crueldade.
Outros casos semelhantes foram os de Mizael2 e do goleiro Bruno3. Nos dois
episódios há exemplos covardes de violência contra a mulher, que ganharam grande espaço na
mídia, chamando a atenção da população e das autoridades para um problema que não é novo,
pois desde o período colonial a mulher é “coisificada”, sendo considerada propriedade do
homem e este sempre se sentiu no direito de realizar tal ação, inferiorizando o sexo feminino.
Foram crimes hediondos, nos quais nenhuma das duas mulheres tiveram como se defender
das situações.
A violência contra as mulheres não escolhe idade, beleza, cor ou classe social, e é
caracterizada por ser uma forma de violação dos direitos humanos das mulheres, impedindoas de desfrutar de direitos e das liberdades fundamentais, conforme explicita a Constituição
Federal de 1988, ferindo, assim, sua dignidade e autoestima.
Segundo o artigo 5º, parágrafo IX, da Constituição Federal:
2
O policial reformado e advogado Mizael Bispo de Souza foi condenado nesta quinta-feira (14) a 20 anos de
prisão pelo assassinato da ex-namorada, a advogada Mércia Nakashima, ocorrido em 23 de maio de 2010. O
corpo e o carro da advogada foram encontrados em uma represa na cidade de Nazaré Paulista, na Grande São
Paulo. Mércia foi morta aos 28 anos.
Na leitura da sentença, o juiz Leandro Bittencourt Cano descreveu os três agravantes aceitos pelo Conselho de
Sentença ao analisar se o réu era inocente ou culpado.
Sobre o agravante de crime torpe, por exemplo - segundo a acusação, Mizael se sentia humilhado pelo fim do
relacionamento -, o magistrado definiu: "muitos crimes são cometidos em nome do amor, mas que tipo de amor é
esse?", indagou, para completar: "Quando é amor o que se sente, não há o mínimo desejo de se livrar da pessoa
amada. O sentimento amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, esse faz sofrer", disse.
Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/03/14/apos-tres-anos-mizael-bispo-econdenado-pela-morte-da-ex-namorada-mercia-nakashima.htm>.
3
O goleiro Bruno foi condenado por júri popular em Contagem (MG) a 22 anos e 3 meses em regime fechado (em
prisão de segurança média ou máxima) pelo assassinato e ocultação de cadáver de Eliza e também pelo sequestro e
cárcere privado do filho Bruninho. Ele está preso desde julho de 2010 na Penitenciária Nelson Hungria.
Disponível em: <http://g1.globo.com/minas-gerais/julgamento-do-caso-eliza-samudio/noticia/2013/06/supremo-negaliberdade-goleiro-bruno.html>.
26
Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm o direito, sem discriminação alguma,
a igual proteção da lei. A este respeito, a lei deve proibir qualquer forma de
discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer
tipo de discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política
ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou
qualquer outra situação. (BRASIL, 1988)
Entretanto, algumas mudanças ocorreram do ponto de vista legal, como por
exemplo, no novo Código Civil (2002), no qual as mulheres passaram a ser vistas como
cidadãs, com direitos e deveres. Agora, as mulheres ao casar não apenas assumem “a
condição de companheira, consorte e colaboradora do marido nos encargos de família”
(Código Civil, 2002, Art. 1.565), mas passa a exercer direitos e deveres baseados na
comunhão plena de vida e na igualdade entre os cônjuges.
É necessário que os poderes públicos se sensibilizem, em especial o judiciário, e
que a população tenha conhecimento desse tipo de violência. É preciso um processo contínuo
de conscientização, por meio das escolas, de políticas públicas e da realização de campanhas
educativas, além da mídia e das redes sociais, que são instrumentos em potencial para a
realização de trabalhos educativos. Enfim, a sociedade precisa tomar ciência dos instrumentos
nacionais e internacionais de proteção aos direitos humanos, em especial, os relacionados aos
direitos das mulheres.
No capítulo seguinte buscamos tecer considerações sobre o movimento feminista
e as políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres.
27
3
CAPÍTULO II: POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
CONTRA AS MULHERES
Neste capítulo discorreremos sobre as lutas e conquistas históricas das mulheres,
sobretudo do movimento feminista. Abordaremos ainda, o tema das políticas públicas de
enfrentamento à violência contra as mulheres, onde citaremos também, alguns dispositivos
normativos, tais como: Lei Maria da Penha (2006), Política Nacional de Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres (2001) e Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (20132015).
3.1
Movimento Feminista: as lutas das mulheres ao longo da História
A palavra “feminismo” provém do francês femme e do latim femina. O feminismo
é um movimento político e social que luta pela igualdade de direitos, de condições e de
oportunidades entre mulheres e homens. O movimento feminista, portanto, é contrário à
ideologia patriarcal e busca entender as causas da discriminação das mulheres.
Lobo (1991) nos fala que o início das conquistas das mulheres ocorreu pela
emancipação destas como cidadãs. Com este propósito, lutaram para conquistar seus direitos
mais amplos, como o voto, a igualdade na educação e a igualdade civil.
O movimento feminista, segundo Goldenberg (1992, p. 17) é conceituado como
sendo uma “ação organizada de caráter coletivo que visa mudar a situação da mulher na
sociedade, eliminando as discriminações a que ela está sujeita”. Esse movimento surgiu nos
Estados Unidos e na Inglaterra, em meados dos séculos XVIII e XIX, e sofreu influência das
revoluções Francesa e Industrial.
De acordo com Simone de Beauvoir (1970, p. 85):
O que elas reivindicam hoje é serem reconhecidas como existentes ao mesmo título
que os homens e não de sujeitar a existência à vida, o homem à sua animalidade.
Uma perspectiva existencial permitiu-nos, pois, compreender como a situação
biológica e econômica das hordas primitivas devia acarretar a supremacia dos
machos.
Nesse contexto, Scott (2002) ressalta que as feministas passaram a questionar as
contradições no discurso político e filosófico que, por meio da “diferença sexual”,
delimitavam a universalidade dos direitos individuais. Elas acusaram a Revolução Francesa e
as três primeiras repúblicas da França de trair os princípios universais de igualdade, liberdade
e fraternidade, ao recusarem o direito à cidadania para as mulheres.
28
As feministas francesas, de acordo com Frota & Santos (2012), formularam
discursos para reivindicar direitos iguais para mulheres e homens, dentre os quais podemos
citar: Olympe de Gouges, que ao exigir direitos iguais aos dos homens elaborou a Declaração
dos Direitos da Mulher e da Cidadã em 1791; Jeanne Deroin, que concorreu para cargo
legislativo em 1849, desafiando a Constituição da Segunda República; Hubertine Auclert, que
foi a primeira a reclamar pelo direito do voto feminino; e Madeleine Pelletier, que elaborou
um documento emancipatório para a mulher, considerando dentre outras questões, o direito ao
voto, além do direito à descriminalização do aborto, sendo este considerado como um direito
sobre o próprio corpo.
Nesse sentido, Olympe de Gouges, em 1791, ao publicar a Declaração dos
Direitos das Mulheres e das Cidadãs, fez uma denúncia à exclusão das mulheres, ao
questionar o conceito de igualdade contido na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, na França, em 26 de agosto de 1789. Para ela, a diferença sexual não deve justificar
o poder e a cidadania política.
No tocante ao movimento feminista, podemos apontar didaticamente três fases: a
primeira ocorreu durante o período do Iluminismo à Revolução Francesa; a segunda é
característica do feminismo dos séculos XIX e XX; e a terceira etapa ocorreu nos séculos XX
e XXI.
É possível dividir o feminismo em três ondas ou momentos, sendo que o primeiro
momento ocorre no período que compreende a Revolução Francesa até o final da
Primeira Grande Guerra, o segundo momento marca o período do seu ressurgimento
em 1960 e o terceiro emerge na década de 1990. (LUCENA (s/d), p. 02)
O primeiro momento do feminismo foi entre o período de 1850 a 1940, em que as
mulheres da elite lutaram por direitos mais amplos, como direito à educação, ao emprego e ao
voto. Nessa época, a alfabetização para as mulheres era vista como prejudicial, pois interferia
no desenvolvimento dos papéis de esposa e mãe. Com relação ao voto, as mulheres só
adquiriram efetivamente o direito em 1932, graças à ação política do Partido Republicano
Feminino, criado em 1910, no qual o voto era restrito às mulheres casadas que tivessem
autorização dos maridos e a algumas solteiras ou viúvas com renda própria. No entanto, em
1946, foi instituída a obrigatoriedade plena do voto feminino (BRASIL, 2002).
Apesar de sempre ter sido possível encontrarmos vozes do feminismo, este só
passou a se formar como movimento organizado após a Revolução Francesa, ganhando força
durante o século XIX, com o movimento sufragista. O primeiro grupo de mulheres foi
29
inspirado após a Revolução Francesa, e é apontado por Guimarães (2005, p.78) como sendo
uma
[...] ação organizada de caráter coletivo, que tem como objetivo combater a
particular situação de subordinação das mulheres, tendo surgido no meio das
mudanças que marcaram a história da Europa ocidental a partir do século XVIII.
Vinculou-se ao desenvolvimento da democracia e a uma quantidade de fatos
históricos da época da ilustração, da Revolução Americana e da Revolução
Francesa. Tendo raízes anteriores a esse período.
Essa primeira fase do feminismo foi chamada de “feminismo igualitário”, que
tinha vertente liberal ou marxista. A preocupação era identificar as causas da discriminação
das mulheres e a reivindicação por igualdade entre os sexos.
Ao longo da história sempre houve mulheres que reivindicaram sua condição, que
lutaram por liberdade e que, inúmeras vezes, pagaram com a própria vida. A
primeira fase do feminismo ocorreu a partir das ultimas décadas do século XIX, que
foi quando as mulheres organizaram-se e lutaram por seus direitos, onde o primeiro
a ser popularizado foi o direito ao voto. No Brasil, também se manifestou
publicamente através da luta pelo voto. (PINTO, 2009, p. 16)
Conforme descrito acima, o direito ao voto feminino ocorreu em 1932 e nesse
momento foi promulgado o Novo Código Eleitoral brasileiro, assinado pelo então presidente
Getúlio Vargas. As mulheres conquistaram também o direito de serem votadas para cargos do
Executivo e Legislativo. Em 1933, durante as eleições para a Assembleia Constituinte, foram
eleitos 214 deputados e uma única mulher, a paulista Carlota Pereira de Queiroz.
Entre 1930 e 1960, houve o surgimento de um livro que marcou profundamente a
condição das mulheres e que foi fundamental para a nova “onda” feminista, O segundo sexo
(1949), da escritora e filósofa francesa Simone de Beauvoir. Para Lucena (s/d), Beauvoir
denominou-se como uma voz solitária no contexto das atividades do movimento de
mulheres4. Pinto (2009) afirma que a autora estabelece uma das máximas do feminismo: “não
se nasce mulher, se torna mulher” e denuncia as raízes da desigualdade sexual.
No livro O Segundo Sexo (1949) de Simone de Beauvoir, a autora nos fala sobre a
mulher na sociedade, o livro foi publicado numa época em que mulher estava
começando a se libertar da dominação masculina, mas que ainda encontrava
4
Movimento de Mulheres é considerado como toda forma de organização de mulheres que lutam para conquistar
seus objetivos, seja um grupo de mulheres que luta por melhoria na sua comunidade, seja o movimento de uma
determinada categoria profissional, seja o movimento de mulheres negras. Já o Movimento Feminista também
faz parte do movimento de mulheres, é um movimento político que tem como objetivo a luta pela igualdade
entre homens e mulheres. O feminismo investe na cidadania das mulheres e tem como projeto a autoorganização das mulheres. No feminismo, as mulheres são o sujeito dessa luta (PEIXOTO, 2007).
30
diversos obstáculos. Beauvoir faz uma análise, histórica, social, psicológica e
biológica sobre a mulher na sociedade, contrapondo-se completamente a ideias e
estudos que tratem de uma condição feminina. O livro é rico em informações e
análises profundas, é muito bem fundamentado, numa tentativa de salientar que o
"ser mulher" é algo construído histórica e socialmente, tanto quanto a submissão
dela em relação ao outro sexo. A autora nega a ideia de que foi a "natureza inferior"
da mulher que instituiu o quesito de segundo sexo, mas sim
sua invisibilidade histórica. Já que não importa se a mulher é mãe, esposa, moça ou
prostituta, ela sempre se determinou por sua função em relação ao homem,
simbolizando aquilo que ela chamou de "Outro". Diz ainda que somente através da
formação de um conhecimento autônomo e da emancipação econômica que a mulher
poderia ser livre e ter plena autonomia sobre seu corpo e seu destino 5.
O segundo momento do feminismo teve origem no final dos anos de 1960,
período esse que coincide com o aumento das atividades feministas nos Estados Unidos e em
diversos países europeus. Nessa fase, as mulheres buscavam inspiração nos movimentos pelos
direitos civis, organizavam passeatas, demonstração pública, pressionavam políticos e
formavam organizações de mulheres. Elas defendiam direitos iguais aos dos homens na
educação e no trabalho, bem como tornaram público o fenômeno da violência contra as
mulheres, sendo, assim, um problema que deveria sair do âmbito privado. No tocante à saúde,
levantou-se a bandeira em prol do direito à saúde reprodutiva e sexual.
Essa segunda fase do movimento feminista coincidiu com o período da ditadura
militar instaurada no Brasil entre 1964 e 1985. As mulheres protagonistas dessa “onda” eram
de classe média, tinham grau de escolaridade elevado e algumas estavam inseridas
profissionalmente em universidades e nos cursos de pós-graduação. Muitas delas eram ou
foram militantes de organizações políticas de esquerda e haviam sido perseguidas pelo regime
político ditatorial e, por essa razão, haviam ido para o exílio. É válido ressaltar que o
movimento feminista participou intensamente do processo de reconstrução democrática do
país.
Nesse período também surgiu à pílula anticoncepcional, primeiro nos Estados
Unidos e em seguida na Alemanha. Na música, era vivida a revolução dos Beatles e dos
Rolling Stones. No ano de 1963, Betty Friedan lança um livro que seria uma espécie de
“bíblia” do novo feminismo: A mística feminina.
O Ano Internacional da Mulher foi comemorado em 1975, ano em que também
foi realizada a I Conferência Mundial da Mulher, devido às demandas do movimento
feminista que favoreceram a discussão sobre as condições das mulheres, em cenário
5
Resenha escrita por REIS, Lane.
Disponível em: <http://oficinasociologica.blogspot.com.br/2012_08_01_archive.html#.U_JW7fldVqU>.
31
internacional. A Conferência foi promovida, pela Organização das Nações Unidas (ONU) e,
a partir daí, instituiu-se a Década da Mulher.
Em 1979, realizou-se a primeira Conferência Mundial sobre a Mulher, dessa vez
no México, aprovada pelas Nações Unidas, e que foi denominada Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). Esta constituiu
um documento que daria alicerce para o surgimento de outros instrumentos internacionais
direcionados à eliminação da discriminação contra a mulher.
De acordo com Pinto (2009), no ano de 1980, durante a redemocratização, o
feminismo lutou com grande efervescência pelos direitos das mulheres. Surgiram diversos
grupos, alguns organizados em comunidades e bairros mais pobres, onde se tratavam de temas
como: violência, sexualidade, direito ao trabalho, igualdade no casamento, direito a terra,
direito à saúde materno-infantil, luta contra o racismo e o sexismo, melhorias na habitação e
saúde. Esses movimentos foram influenciados fortemente pelas Comunidades Eclesiais de
Base da Igreja Católica.
A criação do Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM) foi uma das
grandes vitórias do feminismo brasileiro em 1984, afirma Pinto (2009), pois o surgimento
deste órgão foi importante para a inclusão dos direitos das mulheres na Carta Constitucional
de 1988. É válido salientar que a Carta Magna é uma das que mais assegura os direitos para a
mulher no mundo. Apesar disso, durante os governos de Fernando Collor de Mello e
Fernando Henrique Cardoso, o CNDM perdeu totalmente a importância. Porém, no primeiro
mandato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi criada a Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres, sendo o Conselho recriado.
Em 1985, foi criada a primeira Delegacia Policial de Defesa da Mulher (DPDM)
em São Paulo, e também surgiu o Centro de Orientação Jurídica e Encaminhamento
Psicológico (COJE). Rapidamente, várias outras delegacias foram implantadas em outros
Estados brasileiros, como, por exemplo, aconteceu no estado Ceará em 1986.
Em Fortaleza, conforme afirma Magalhães (2009), no ano de 1980 foi eleita a
primeira prefeita do Brasil, Maria Luiza Fontenele. Nesse período, Maria Luiza apoiou e
participou do movimento de mulheres e com outras mulheres, como Rosa da Fonseca e Zélia
Zanetti, que lideraram as lutas de enfrentamento à violência sexista, principalmente durante os
anos de 1980 e 1990.
Nessa época, algumas organizações de mulheres no Ceará foram sendo criadas
como o Centro Popular da Mulher (CPM) e a União das Mulheres Cearenses (UMC), voltadas
ao enfrentamento da violência contra as mulheres (MAGALHÃES, 2009).
32
O terceiro momento do movimento feminista indaga com mais intensidade as
questões em torno da igualdade e da diferença, procurando apontar as falhas nas discussões
das feministas da segunda “onda”, tendo surgido no final dos 1980 e se consolidado a partir
da década de 1990.
Scavone (2008) relata as relações científicas e políticas dos estudos sobre as
mulheres e de gênero com o feminismo. A autora faz um resgate histórico desse diálogo e
pontua o surgimento de novos conceitos, sobretudo, nas Ciências Sociais.
Nos anos de 1990, conforme nos afirma Peixoto (2007), houve uma ampliação
significante do movimento social de mulheres e o surgimento de várias organizações não
governamentais (ONGs) feministas no Brasil. Durante esse período, existiu uma atenção
especial por parte dos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), voltadas
para o impacto das políticas sobre a vida das mulheres.
Ainda segundo Peixoto (2007), a I Conferência Nacional de Políticas para as
Mulheres em Brasília ocorreu em 2004, coordenada pela Secretaria Especial de Políticas para
as Mulheres, com o apoio das ONGs e dos movimentos de mulheres e feministas. No ano de
2006 foi aprovada a Lei Maria da Penha, fruto da organização e reivindicação das mulheres.
No tópico seguinte, falaremos sobre as políticas públicas de enfrentamento à
violência contra as mulheres, contextualizando-as mediante as definições sugeridas por alguns
autores.
3.2
Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres
Segundo Alves (2008), entende-se que as políticas públicas são respostas do
Estado, através de programas e ações diante das demandas que a sociedade expõe através de
suas necessidades. As políticas públicas são frutos da relação entre Estado e sociedade civil e
correspondem aos direitos conquistados pelos sujeitos políticos.
Conforme descrito anteriormente, no ano de 1979 foi realizada a Convenção para
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, pela Assembleia Geral
das Nações Unidas. Em 1981, surgiu no Rio de Janeiro o SOS Mulher, com o objetivo de
atender às mulheres vítimas de violência, além de ser um lugar de reflexões e mudanças na
vida destas. O SOS Mulher não é limitado somente ao Rio de Janeiro, mas também foi
adotado por São Paulo e Porto Alegre.
33
A luta das mulheres resultou, em 1983, na formação do Conselho Estadual da
Condição Feminina. No ano de 1985, foi implantado o Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher (CNDM), ligado ao Ministério da Justiça por meio da Lei nº 7.353/85, e ainda
inaugurada a primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DEAM). No ano seguinte, criou-se a
primeira Casa-abrigo para mulheres em situação de risco de morte do país (SILVEIRA,
2006), pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Essas três conquistas foram
resultado das lutas empreendidas pelas mulheres, tornando-se marcos da atuação do Estado no
enfrentamento da violência contra as mulheres.
Depois da criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, foram
estabelecidos os Conselhos Estaduais, entre eles o Conselho Cearense dos Direitos da Mulher
(CCDM), vinculado à Secretaria da Justiça do Estado do Ceará (SEJUS), através da Lei nº
11.170, de 02 de abril de 1986.
De acordo com a Política Nacional de Enfrentamento à Violência (2011), durante
o período de 1985 a 2002, a criação das DEAM‟s e de Casas-abrigo foram o eixo principal da
política de enfrentamento à violência praticada contra as mulheres. Em 1998 tivemos mais um
marco no avanço das políticas públicas para as mulheres, com a criação da Norma Técnica
para Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual, pelo Ministério
da Saúde. Essa legislação determinava a garantia do atendimento nos serviços de saúde às
mulheres que fossem vítimas de violência sexual, como uma das medidas a serem adotadas
para a redução dos agravos desinentes deste tipo de violência. Com a oferta desses serviços,
as adolescentes e mulheres tiveram o acesso imediato aos cuidados de doenças sexualmente
transmissíveis e a gravidez indesejada. Cinco anos depois foi promulgada a Lei nº 10.778/03,
que trata da Notificação Compulsória para os casos de violência praticados contra as mulheres
(BRASIL, 2011, p.16).
Conforme o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2013-2015), uma
pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), no período de 2006 a 2010,
apontou que o Brasil esteve entre os dez países com maior incidência de homicídios
femininos, sendo que a maior parte deles é cometida por homens com quem à vítima possuía
relações afetivas, utilizando objetos cortantes ou arma de fogo.
Ainda de acordo com o atual Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2013),
que vigorará no período de 2013 a 2015, o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência
contra as Mulheres passou por modificações, as quais muitas das ações da PNPM já estão
sendo executadas. Em 2012, por exemplo, a Secretaria de Políticas para as Mulheres
conveniou-se com o Ministério da Previdência Social, com a finalidade de que as mulheres
34
tenham o direito de entrar com ações em casos de aposentadorias ou pensões causadas por
violência doméstica. Com isso, a responsabilidade com o custeio da violência passa a ser do
agressor e não mais do Estado (BRASIL, 2013, p. 42).
Atualmente, tivemos um aumento na quantidade de delegacias: em 2006 eram 394
em todo o País; hoje contamos com 475 Delegacias ou Postos Especializados de Atendimento
à Mulher6. O número de delegacias ainda é considerado insuficiente para atender a todas as
mulheres que são vitimadas, porém, é importante reconhecer seu fortalecimento e ampliação.
A criação da Secretaria de Políticas para Mulheres, no início do governo Lula, em
2003, possibilitou um maior investimento para ações de enfrentamento à violência, bem como
surgiram novos serviços especializados, como os Centros de Referência de Atendimento às
Mulheres, as Defensorias da Mulher, os Serviços de Responsabilização e Educação do
Agressor, e as Promotorias Especializadas, culminando, assim, na construção de Redes de
Atendimento às mulheres em situação de violência. Em agosto de 2007, foi oficialmente
lançado o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, sendo
consolidada a importância do desenvolvimento de políticas públicas de enfrentamento à
violência contra as mulheres (BRASIL, 2011).
De acordo com a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres (2011),
[...] enfrentamento é definido como uma execução de políticas amplas e flexíveis,
que proporcionam a execução da complexidade da violência contra as mulheres em
todos os seus aspectos. O enfrentamento exige a ação conjunta por parte dos setores
abrangidos com a questão (assistência social, educação, justiça, saúde, segurança
pública, entre outros), propondo ações que desconstruam e contestem as
discriminações de gênero e violência contra as mulheres; interferindo nos
paradigmas sexistas / machistas ainda existentes na sociedade brasileira;
promovendo o empoderamento das mulheres; e garantindo atendimento qualificado
e humanizado às que se encontram em situação de violência. (BRASIL, 2011, p. 25)
Portanto, a noção de enfrentamento não se reduz à questão do combate, pois este
abrange também os aspectos da prevenção, assistência e garantia de direitos das mulheres, os
quais são compostos pelos Eixos Estruturantes da Política Nacional de Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres.
6
Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres (DEAM‟s),
2010.
35
Figura 3 - Eixos Estruturantes da Política Nacional de Enfrentamento á Violência contra as Mulheres
Fonte: Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, 2011.
Esta Política tem como finalidade instituir princípios, conceitos, diretrizes e ações
de prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres. Dessa maneira, assegurar
direitos de acordo com as normas e instrumentos internacionais, da legislação nacional e
direitos humanos. Esse dispositivo jurídico está organizado a partir do Plano Nacional de
Políticas para Mulheres (PNPM), que foi produzido tendo como base a I Conferência
Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em 2004 pelo Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher (CNDM) e pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM).
A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2011) tem
como diretrizes:
A garantia do cumprimento dos princípios, acordos e convenções internacionais, firmados
e sancionados pelo Estado Brasileiro, inerentes ao enfrentamento da violência contra as
mulheres.
O reconhecimento da violência de gênero, raça e etnia como sendo uma violência
estrutural e histórica, expressada pela opressão das mulheres e que precisa de tratamento
como questão da assistência social, educação, justiça, saúde pública e segurança.
Agir no combate as diversas formas de apoderamento e exploração de mulheres, como a
exploração sexual e o tráfico de pessoas.
Atuar na execução de medidas preventivas nas políticas públicas, em conjunto com as
áreas de assistência, comunicação, cultura, direitos humanos, educação, justiça, saúde e
turismo. Incentivar a capacitação e formação de profissionais de saúde para o enfrentamento à
violência contra as mulheres.
36
Organizar as Redes de Atendimento à mulher em situação de violência nos Estados,
Municípios e Distrito Federal.
Outra ação implementada no âmbito das políticas públicas, foi o Pacto Nacional
pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2011), que se deu por meio de uma ação
do Governo Federal, com a finalidade de prevenir e enfrentar todas as formas de violência
contra a mulher, tendo como base a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres.
O Pacto compreende dimensões de assistência, garantia dos direitos, prevenção e
proteção daquelas que se encontram em situação de violência, como também o combate à
impunidade dos agressores.
As ações propostas no Pacto (2011) apoiam-se em três premissas:
a) a transversalidade de gênero;
b) a intersetorialidade;
c) a capilaridade.
É válido ressaltar que a Rede de Enfrentamento à violência contra as mulheres é
composta por uma ação articulada entre as instituições / serviços governamentais, não
governamentais e a comunidade, que almejam o desenvolvimento de técnicas de prevenção, a
garantia da construção da autonomia das mulheres e a responsabilização dos agressores, além
de assistência capacitada às mulheres em situação de violência. (BRASIL, 2011).
Já a Rede de Atendimento é o conjunto de ações e serviços de diversos setores
(assistência social, justiça, segurança pública e saúde), que juntos fazem a qualidade do
atendimento, a identificação, o acompanhamento das mulheres em situação de violência e a
humanização do atendimento. Dessa maneira, podemos afirmar que a Rede de Atendimento
às mulheres em situação de violência faz parte da Rede de Enfrentamento à violência contra
as mulheres (BRASIL, 2011).
De acordo com o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2013-2015),
aumentaram a quantidade de ligações para a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180)7.
Dentre suas ações, uma merece maior destaque, que é a ampliação de seu funcionamento para
uma competência internacional, a fim de abranger brasileiras que residam no exterior e que
7
A Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) é um serviço de atendimento telefônico da Secretaria de
Políticas para as Mulheres da Presidência da República, criado com o objetivo de disponibilizar um espaço para
que a população brasileira, e principalmente as mulheres, possa se manifestar acerca da violência de gênero, em
suas diversas formas. O serviço presta seu atendimento com foco no acolhimento, orientação e encaminhamento
para os diversos serviços da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres em todo o Brasil. Disponível
em: <http://www.spm.gov.br/ouvidoria/central-de-atendimento-a-mulher>.
37
sofrem diversas formas de violência, entre as quais o tráfico de pessoas. O Supremo Tribunal
Federal decidiu pelo aumento do Ligue 180, transformando-o em uma central de denúncias.
No tópico seguinte serão abordadas as políticas públicas de enfrentamento à
violência contra as mulheres em Fortaleza.
3.3
Violência doméstica e familiar contra as mulheres em Fortaleza e no Ceará: entre
conquistas e desafios
Segundo a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e o
Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Fortaleza possui uma Rede
de Atendimento às mulheres em situação de violência, composta de serviços da área jurídica e
de gestão das áreas municipal e estadual. A Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) e o
Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher compõem a esfera jurídica. Desde
1986, a DDM já estava atuante, sendo o órgão competente responsável pela investigação,
apuração e tipificação de crimes.
A DDM é responsável também pelos registros dos boletins de ocorrência (B.O),
solicitação das Medidas Protetivas de Urgência, representação criminal e
encaminhamento da guia do exame de corpo de delito ao Instituto Médico Legal.
Outro órgão que faz parte da rede no setor judiciário é o Juizado de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, que foi criado a partir da Lei Maria da Penha,
e possui competência cível e criminal, sendo responsável por processar, julgar e
executar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a
mulher. Ainda, desde 2004, tem-se o Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a
Mulher da Defensoria Pública do Estado do Ceará (NUDEM), instituição que presta
assistência jurídica e gratuita e atua nas áreas cíveis, criminais e de família. [...] foi
inaugurado em Fortaleza, em 2011, o Núcleo de Gênero Pró-Mulher, do Ministério
Público do Estado do Ceará. Este núcleo tem o objetivo de atuar na garantia da
transversalidade de gênero nas ações do Ministério Público, na formulação e
implementação de políticas públicas, na adequada aplicação das leis, em
capacitações e campanhas educativas referentes à violência contra as mulheres. [...]
na esfera estadual, tem-se o Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher
(CERAM), que funciona desde 2004. Este centro presta atendimento
interdisciplinar, com uma equipe de médicos ginecologistas, psicólogas, assistentes
sociais e enfermeiras. Sua estrutura física fica no mesmo local em que funciona o
NUDEM. Há ainda um abrigo estadual, denominado de Casa do Caminho, que
acolhe as mulheres em situação de risco eminente, tanto da cidade de Fortaleza,
como das demais cidades do Estado do Ceará. A Casa do Caminho é um abrigo para
mulheres em situação de violência doméstica, com endereço em sigilo.
(CAVALCANTE, 2012, p. 117)
Em Fortaleza, de acordo com Alves (2008), durante a gestão da Prefeita Luizianne
Lins, foi criada a Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, em
desempenho de atividades desde o início de seu governo em 2005; porém, somente em 2007
teve sua oficialização. Dessa forma, foi reconhecida a importância da implantação de políticas
38
públicas específicas para a garantia de direitos das mulheres na capital cearense, e da
necessidade da criação de uma estrutura para administrar tais políticas.
Dentre os eixos de ação da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para as
Mulheres, de acordo com ALVES (2008, p. 54), destacam-se:
EIXO 1 – Prevenção e assistência à mulher em situação de violência.
EIXO 2 – Saúde e equidade de gênero.
EIXO 3 – Inclusão e autonomia econômica.
EIXO 4 – Participação e controle social.
EIXO 5 – Educação e cultura não discriminatória.
O primeiro eixo está relacionado à prevenção e assistência à mulher em situação
de violência, onde houve a implantação do Programa Municipal de Prevenção, Assistência e
Atendimento à Mulher em Situação de Violência Doméstica e Sexual, com ações articuladas
com várias secretarias e equipamentos, além da promoção de campanhas de prevenção
(ALVES, 2008).
Conforme SILVA (2014, p.50), o primeiro eixo é componente das ações da
coordenadoria, à época, a prevenção e assistência à mulher em situação de violência,
responsável por coordenar campanhas de enfrentamento à violência. Neste eixo, estão
vinculados os dois equipamentos públicos municipais de atendimentos às usuárias em
situação de violência: o Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de
Violência Francisca Clotilde e a Casa-Abrigo Margarida Alves.
O Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência
Francisca Clotilde (CRM Francisca Clotilde) é um equipamento público municipal
que desenvolve trabalho multidisciplinar de atendimento às mulheres em situação de
violência doméstica e/ou sexual no município de Fortaleza, Estado do Ceará. Seu
principal objetivo é, portanto, contribuir para a consolidação do programa de
combate à violência sexista, por meio de estratégias de atendimento, que objetivam
o fortalecimento da mulher e a compreensão e prevenção dessa violência, bem como
da articulação da rede de serviços públicos para atendimento às mulheres.
(ZARANZA; GASPAR; MACIEL, 2008, p.76)
Sobre os eixos de atuação da Coordenadoria, Cavalcante (2012, p. 118) nos
afirma que:
Cada eixo possui ações, serviços, projetos e programas que concretizam as
intervenções da Coordenadoria na vida das mulheres. Ressalta-se que o eixo de
prevenção e assistência à mulher em situação de violência tem como ações de maior
porte o Centro de Referência Francisca Clotilde e a Casa-Abrigo. (CAVALCANTE
2012, p. 118)
39
Os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) e os
Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) também fazem parte dos equipamentos
da rede de enfrentamento à violência sexista municipal.
Atualmente, no Estado do Ceará, a mulher pode contar com o apoio de 14 Centros
de Referência nos municípios de Fortaleza, Tauá, Boa Viagem, Mauriti, Quixadá, Juazeiro do
Norte, Itapipoca, Limoeiro do Norte, Iguatu, Maranguape, Redenção, Tianguá e Viçosa do
Ceará8. Além dos Centros, existem outros equipamentos disponíveis, como: Juizados;
Promotorias; Rede de Apoio à Mulher (APAVV); Defensoria Pública; Delegacias de Defesa
da Mulher; Conselho Cearense da Mulher; União Brasileira de Mulheres; Observatório de
Violência Contra a Mulher e as Coordenadorias9.
Gráfico 1 - Equipamentos existentes no estado do Ceará em defesa da Mulher
Fonte: Elaborado pela autora (2014).
De acordo com o jornal Tribuna do Ceará (2013), a luta das mulheres cearenses
conquistou um forte aliado em novembro de 2013, pois o Estado agora está inserido no
8
Centro de Referência da Mulher (CRM) Maria Neide Gomes Jataí - Tauá; Centro de Referência da Mulher
(CRM) Francisca Ivani Cipó Ramalho - Boa Viagem; Centro de Referência e Atenção à Mulher (CRAM) –
Mauriti; Centro de Referência da Mulher e Cidadania – Quixadá; Centro de Referência Regional da Mulher
(CRRM) - Juazeiro do Norte; Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência
Francisca Clotilde; Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher (CERAM) – Fortaleza; Centro de
Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) – Itapipoca; Centro de Referência de Atendimento à Mulher
(CRAM) Márcia Lúcia de Moura Oliveira - Limoeiro do Norte; Centro de Referência de Atendimento à Mulher
(CRAM) Valquíria Correia Martins – Iguatu; Centro de Referência da Mulher (CRM) – Maranguape; Centro de
Referência da Mulher (CRM) Helena da Silva Matos – Redenção, Centro de Referência da Mulher (CRM) –
Tianguá; e Centro de Referência Especializado no Atendimento à Mulher em Situação de Violência (CREAM) Viçosa do Ceará.
Disponível em:
<https://sistema3.planalto.gov.br/spmu/atendimento/busca_subservico.php?uf=CE&cod_subs=4>.
9
Disponível em: <http://www2.tjce.jus.br:8080/jmulher/?page_id=7>.
40
programa federal Mulher, viver sem violência10, e, com isso, o Ceará ganha mais um
instrumento no combate à violência contra as mulheres. Ainda de acordo com essa matéria, o
equipamento intitulado de A Casa da Mulher Brasileira representa mais uma conquista da
luta das mulheres por garantia de direitos, pois esse espaço terá serviços de delegacia
especializada, juntamente com o apoio de juizados, varas, defensoria, psicossocial, além de
orientações sobre emprego e renda.
De acordo com a SPM, outro diferencial do programa Mulher, viver sem violência
é a humanização na saúde pública. O Programa contará também com especialização nos
espaços dos Institutos Médicos Legais (IML‟s) e nas redes hospitalares de referência.
De acordo com Alves (2008) a melhoria das condições de vida das mulheres e a
construção da igualdade dependem da articulação por parte do Estado, de um conjunto de
políticas que rompam com a lógica da discriminação e, finalmente, promovam as mulheres
como sujeitos políticos e de direitos.
3.4
Lei Maria da Penha e os instrumentos normativos que tratam da violência
doméstica contra as mulheres
Em conformidade com o Observatório Lei Maria da Penha, a Lei nº 11.340/06,
também conhecida como Lei Maria da Penha, transforma o ordenamento jurídico brasileiro e
expressa o necessário respeito aos direitos humanos das mulheres, além de tipificar as
condutas delitivas11. Essa legislação modifica, significativamente, a processualística civil e
penal em termos de investigação, procedimentos, apuração e solução para os casos de
violência doméstica e familiar contra a mulher. Anteriormente, não havia nenhuma lei
específica para atos de violência doméstica contra as mulheres. Em alguns casos, o agressor
era processado e julgado nos Juizados Especiais Criminais (JECRIM), como consta na Lei nº
9.099/95, que criou e regulamentou os Juizados citados. Os agressores tinham como punição
pagamento de multas ou cestas básicas, ou seja, a aplicação era apenas pecuniária.
10
O Programa Mulher, viver sem violência é coordenado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da
Presidência da República (SPM/PR). Ele prevê a criação de centros integrados de serviços especializados,
humanização do atendimento em saúde, cooperação técnica com o sistema de justiça e campanhas educativas de
prevenção e enfrentamento à violência de gênero, por meio de parceria realizada com o Governo Federal.
Disponível em: <http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/ceara-ganha-mais-um-instrumento-no-combate-aviolencia-contra-as-mulheres/>.
11
Disponível em: <http://www.observe.ufba.br/lei_aspectos>.
41
Sabemos que todo o conjunto do movimento de mulheres e feministas tem sido o
protagonista dessas lutas, porém, discorreremos brevemente sobre a história da mulher
responsável por denominar a Lei Maria da Penha, haja vista a figura emblemática que a
mesma representa na luta da violência contra as mulheres.
Maria da Penha Maia Fernandes é biofarmacêutica e nasceu em Fortaleza no ano
de 1945, sendo casada com Sr. Heredia Viveiros, de quem sofria constantes agressões e
ameaças, que perduraram durante todo o casamento. Maria da Penha tinha medo de pedir a
separação e a situação se agravar ainda mais (COUTINHO, 2001).
Em maio de 1983, houve a primeira tentativa de assassinato: seu marido atirou em
suas costas enquanto dormia, alegando ser um assalto, deixando-a paraplégica. Instantes
depois do disparo, seu marido foi encontrado na cozinha, gritando por socorro, alegando que
os ladrões haviam fugido pela janela. Maria da Penha foi hospitalizada e ficou internada por
quatro meses.
Após a alta hospitalar, retornou para casa paraplégica e foi mantida em isolamento
completo. Depois de duas semanas, houve a segunda tentativa: por eletrocussão durante o
banho. Dessa vez, ela conseguiu provar o crime. Transcorreram-se 19 anos e 06 meses entre
as tentativas de homicídio e a prisão do agressor, sendo ele preso na Universidade do Rio
Grande do Norte, enquanto ministrava aula. Tal demora permitiu que o caso fosse apresentado
à Organização dos Estados Americanos (OEA). Com 60 anos e três filhas, hoje ela é uma das
líderes de movimentos de defesa dos direitos das mulheres.
Em 20 de agosto de 1988, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos teve
conhecimento do ocorrido, onde a própria Maria da Penha se encarregou de apresentar a
denúncia a Comissão. Com o apoio das organizações de direitos humanos, Penha, juntamente
com o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano
de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), denunciaram o “descuido” do Estado
brasileiro junto à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos
(OEA).
Em decorrência dos fatos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
divulgou em 16 de abril de 2004, o relatório nº 54/2001, documento de grande importância
para o entendimento da violência contra a mulher no Brasil. Nesse relatório são citadas falhas
cometidas pelo Brasil no caso de Maria da Penha. Por fim, a Comissão deduziu que o Estado
brasileiro não manteve o compromisso que havia sido acordado, deixando de cumprir o que
estava previsto no art. 7º da Convenção de Belém do Pará e nos artigos 1º, 8º e 25º do Pacto
42
de São José da Costa Rica, pois se passaram quase 20 anos sem que o causador dos crimes
contra Maria da Penha fosse julgado.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) responsabilizou o Estado
brasileiro em 2001, por omissão e negligência em relação à violência doméstica e
recomendou a tomada de medidas, com base no caso Maria da Penha.
A Lei Maria da Penha abrange recursos para prevenção, assistência às vítimas,
políticas públicas e punições mais intransigentes para os agressores.
Sobre a Lei Maria da Penha, Dias (2007, p. 29) discorre:
A lei Maria da Penha só chegou agora, cumprindo o Brasil compromissos assumidos
internacionalmente. Mas, apesar da demora na sua elaboração, como saúda Sílvia
Pimentel, “o Brasil está de parabéns, pois se trata de instrumento legal bastante
cuidadoso, detalhado e abrangente” [...].
Dentre outras possibilidades, as mulheres agredidas ou as que estão em risco de
vida, têm como medida de proteção à saída do agressor de dentro de casa, o amparo aos
filhos, à garantia do direito de recuperação de bens e o cancelamento de alguma procuração
que tenha sido feita em favor do agressor. Outro direito que as mulheres têm assegurado pela
Lei, desde que esteja comprovada a real necessidade de sua dignidade, é o de se afastar do
ambiente de trabalho por um período de até seis meses, sem que venha a perder o emprego.
Até o advento da Lei Maria da Penha, a violência doméstica não mereceu a devida
atenção, nem da sociedade, nem do legislador e muito menos do Judiciário. Como
eram situações que ocorriam no interior do “lar, doce lar”, ninguém interferia.
Afinal, “em briga de marido e mulher ninguém põe a colher!”. (DIAS, 2007, p. 21)
Segundo dados do IPEA (2013), com o surgimento da Lei Maria da Penha,
infelizmente não houve redução de mortes de mulheres por agressões, anualmente, se
comparássemos os períodos antes e depois da Lei.
43
Figura 4 - Mortalidade de mulheres antes e após a vigência da Lei Maria da Penha
Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2013.
É válido ressaltar que o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, versa sobre a
proteção das mulheres que são violentadas no interior de seus lares, sendo que este deveria ser
o local onde lhes fosse oferecido segurança, e, no entanto, essa ação acaba ficando na
impunidade.
Ainda segundo a Carta Magna (1988), o art. 226, e os §§ 5º e 8º, preconizam:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente
pelo homem e pela mulher.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
(BRASIL, 1988).
Um avanço do ponto de vista da legislação foi o atual Código Civil (2002), onde
as mulheres são vistas como cidadãs, com direitos e deveres. Agora, a mulher ao casar não
apenas “assume a condição de companheira, consorte e colaboradora do marido nos encargos
de família” (Código Civil, 2002, art. 1.565), mas passa a exercer direitos e deveres baseados
na comunhão plena de vida e na igualdade entre os cônjuges.
Nas palavras de Dias (2007, p. 02), “somente a partir da conscientização de que o
novo modelo de família deve se basear na mútua colaboração e no afeto, é que se poderá
chegar à tão almejada igualdade e ao fim da violência”.
No capítulo seguinte, farei a descrição da construção metodológica desse trabalho,
citando os desafios encontrados, apresentando o local no qual foi desenvolvida a pesquisa de
campo, além da apresentação das análises das entrevistas.
44
4
CAPITULO III: PESQUISA DE CAMPO: ANÁLISE SOBRE O CENTRO DE
REFERÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA FRANCISCA
CLOTILDE
O presente capítulo apresentará o Centro de Referência e Atendimento à Mulher
em Situação de Violência Francisca Clotilde (CRM). Em seguida, faremos uma descrição
sobre o percurso metodológico desenvolvido na elaboração do trabalho, as dificuldades
encontradas, e, por fim, analisaremos os dados obtidos a partir das entrevistas junto as
profissionais do CRM. Assim, temos o intuito de propor reflexões acerca dos aspectos sociais
da violência contra a mulher e a elaboração de políticas públicas para o enfrentamento desse
fenômeno.
4.1
Apresentação do Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de
Violência Francisca Clotilde (CRM)
O CRM traz o nome em referência à Francisca Clotilde Barbosa Lima, poetisa,
contista, dramaturga, romancista, professora e abolicionista. Ela nasceu na fazenda São
Lourenço, no Sertão dos Inhamuns, no município de Tauá, em 19 de outubro de 1862, sendo
filha de João Correia Lima e de Ana Maria Castello Branco. Aos 14 anos teve seu primeiro
conto publicado pela imprensa (“Horas de Delírio”, O Cearense, 1877); aos vinte e dois anos,
tornou-se a primeira professora do sexo feminino a lecionar na Escola Normal através de
concurso público. Participou ativamente do Movimento Abolicionista, inclusive tomando
parte da Sociedade das Senhoras Libertadoras, ao lado de Maria Tomásia Figueira Lima,
Elvira Pinho, Joana Antônia Bezerra, Serafina Pontes, entre outras senhoras. Não aceitava a
sujeição das mulheres “ao fogão e aos afazeres domésticos”, nem a adoração que as mesmas
tinham pela vida entre “quatro paredes a comentar prendas domésticas”. Em 1902, publica o
romance A divorciada, sendo a pioneira no tema divórcio na Literatura Brasileira. O livro
tratava
sobre
relacionamentos
permeados
por
constantes
atritos,
chegando
aos
desentendimentos, até a necessidade da separação12.
O Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência
Francisca Clotilde foi inaugurado em 08 de março de 2006 e é um equipamento municipal que
12
MOTA, Anamelia (2007). Francisca Clotilde. Disponível em:
<http://www.jornaldepoesia.jor.br/fclotilde.html>.
PONCIANO, Rosangela (2012). Solar das Clotildes (Associação Cultural). Disponível em:
<http://solardasclotildes.art.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=51:franciscaclotilde&catid=38:personagens>.
45
tem por atribuição prestar assistência às mulheres cujos direitos foram violados, oferecendo
atendimento humanizado e integral à mulher vítima de violência, sendo ela física, moral,
psicológica, patrimonial ou sexual. O Centro conta com uma equipe multiprofissional
composta por psicológicos, assistentes sociais, advogados, entre outros profissionais, e está
vinculado à Coordenadoria de Políticas para as Mulheres da Secretaria Municipal de
Cidadania e Direitos Humanos (SCDH). O CRM encontra-se atualmente no endereço: Rua
Júlio César, nº 192; Bairro: Benfica; CEP: 60.020-080; Telefone: 3105-3516.
Segundo Zaranza, Gaspar & Maciel (2008, p.76).
O Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência
Doméstica e Sexual Francisca Clotilde (CRM Francisca Clotilde), como vimos, é
um equipamento público municipal que desenvolve trabalho multidisciplinar de
atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e/ou sexual no
município de Fortaleza, Estado do Ceará. Seu principal objetivo é, portanto,
contribuir para a consolidação do programa de combate à violência sexista por meio
de estratégias de atendimento que objetiva o fortalecimento da mulher e a
compreensão e prevenção dessa violência, bem como da articulação da rede de
serviços públicos para atendimento às mulheres.
De acordo com Barroso (2011, p.1), o “CRM trabalha de forma a desnaturalizar a
violência que estas mulheres sofrem por esposos, filhos, companheiros ou namorados. Em
resposta a esta realidade, adota-se como suporte teórico a noção de empoderamento, no
sentido do fortalecimento da mulher para o rompimento do ciclo de violência”. Este
equipamento tem como missão o atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica e
sexual, domiciliadas em Fortaleza, com idades entre 18 e 60 anos.
O sistema de enfrentamento à violência sexista municipal é composto: pela Casa
Abrigo de Fortaleza; o Centro de Referência e Atendimento à Mulher em situação de
Violência Francisca Clotilde; pelos Centros de Referência Especializados de Assistência
Social (CREAS); e pelos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS).
A seguir é apresentado o fluxo de atendimento do CRM, conforme padronização
nacional.
46
Figura 5 - Fluxograma de atendimento do CRM
Fonte: Norma Técnica de Padronização dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de
Violência, Brasília, 2006.
4.2
Percurso metodológico da pesquisa
O interesse em pesquisar sobre as diferentes condições que as mulheres ocupam
diante de violências sofridas teve origem nas observações registradas durante o meu estágio
curricular, do Curso de Técnica em Enfermagem, realizado no Hospital Distrital Gonzaga
Mota, na Barra do Ceará (HDGM-BC), nos anos 2000 e 2001. Durante o estágio, foi
constatada a elevada incidência de mulheres vítimas de agressões físicas por parte de seus
companheiros, fato este que chamou minha atenção.
Outro fator que também me instigou a realizar tal pesquisa relaciona-se ao fato de
possuir amigas que foram ou são submetidas a esse tipo de agressão por parte de seus
companheiros, e que ainda não conseguiram se desvencilhar dessas relações. Além disso, os
debates em sala de aula sobre o tema em questão, durante minha formação acadêmica, foram
significativos para aguçar meu interesse pelo estudo desse fenômeno. A partir disso, surgiu a
curiosidade de conhecer a trajetória do movimento feminista e suas conquistas em torno dos
direitos das mulheres.
O presente trabalho de pesquisa contou com vários percalços durante sua trajetória
de construção, que impossibilitaram o término em tempo hábil. Inicialmente, a pesquisa seria
realizada no Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher (CERAM); no entanto, não foi
47
possível a realização da pesquisa nesta instituição. Optamos então, por realizar a pesquisa no
CRM, equipamento vinculado à Prefeitura Municipal de Fortaleza. Ressaltamos a boa
acolhida da coordenação e das profissionais para com a realização deste estudo.
Entendemos por pesquisa a descoberta de novos conhecimentos, por meio de
procedimentos e técnicas específicas, tendo como meta realizar aproximações sucessivas em
torno da realidade. Esses novos entendimentos não são considerados inacabados, ao contrário,
estão sempre em uma constante transformação face ao movimento do real.
De acordo com Gil (2007), pesquisa é um procedimento racional e sistemático
que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos. A pesquisa
desenvolve-se por um processo constituído de várias fases, desde a formulação do problema
até a apresentação e discussão dos resultados.
Segundo Minayo (1994), pesquisa é a junção entre teorias, pensamentos e ações,
na qual a teoria é a explicação parcial da realidade e desempenha várias funções em relação
ao estado do objeto de investigação, dando sentido a ele. Já para Carvalho (2009), pesquisar é
aventurar-se em um caminho desconhecido, é desnaturalizar.
Para a obtenção das informações desta pesquisa, fez-se necessário a construção de
todo um processo metodológico. Conforme Minayo (2007, p. 44), metodologia é,
[...] a) como a discussão epistemológica sobre o “caminho do pensamento” que o
tema ou o objeto de investigação requer; b) como a apresentação adequada e
justificada dos métodos, técnicas e dos instrumentos operativos que devem ser
utilizados para as buscas relativas às indagações da investigação; c) como a
“criatividade do pesquisador”, ou seja, a sua marca pessoal e específica na forma de
articular teoria, métodos, achados experimentais, observacionais ou de qualquer
outro tipo específico de resposta às indagações específicas.
A metodologia empregada na execução deste trabalho consiste na pesquisa
qualitativa, tendo como técnica principal a entrevista com as profissionais que fazem
atendimentos às mulheres usuárias do serviço, para obtenção da compreensão dessas
profissionais acerca das contribuições do CRM para o processo de rompimento do ciclo da
violência doméstica em Fortaleza. Para um melhor embasamento do tema, foram utilizadas as
pesquisas bibliográficas e documentais.
A pesquisa qualitativa é feita desde o momento em que se torna necessário um
estudo da realidade, visando-se obter uma ampliação dos conhecimentos acerca do objeto
pesquisado. Para a presente monografia será realizado um estudo sobre violência doméstica
contra a mulher, através de uma abordagem que busque a proximidade com a compreensão da
complexidade do tema escolhido (MINAYO, 2006).
48
Sobre metodologia qualitativa, Minayo (2006) discorre que esta é abordada
procurando enfocar principalmente o social, como um mundo de significados, passível de
investigação, e a linguagem comum, ou a fala, como a matéria-prima desta abordagem, a ser
contrastada com a prática dos sujeitos sociais.
Ressaltamos que as categorias utilizadas para a realização deste estudo serão:
gênero, violência doméstica contra as mulheres e políticas públicas. O público entrevistado
para a coleta de informações foram as profissionais que compõem a equipe multiprofissional
do CRM, mediante os critérios relacionados pelo objeto deste estudo. Estas não foram
identificadas durante a elaboração da monografia, sendo utilizados codinomes para fazer
referências as suas falas. Foi também aplicado o termo de livre consentimento, respeitando os
dispositivos éticos para a realização desta pesquisa.
O presente trabalho tem como objetivo geral conhecer as concepções das
profissionais do CRM sobre as contribuições deste serviço para o processo de ruptura da
violência doméstica das mulheres. Dentre os objetivos específicos, destacamos: compreender
os significados atribuídos pelas profissionais ao fenômeno da violência doméstica contra as
mulheres; conhecer quais as visões das profissionais sobre as atitudes das mulheres usuárias
do serviço, diante das agressões sofridas; e apreender as opiniões das profissionais sobre a
política de enfrentamento à violência contra as mulheres em Fortaleza.
Também fizemos uso da pesquisa bibliográfica, juntamente com a pesquisa
documental, para obtenção de informações durante o desenvolvimento do estudo. De acordo
com Lakatos & Marconi (2009), a pesquisa bibliográfica compreende oito fases distintas:
escolha do tema; elaboração do plano de trabalho; identificação; localização; compilação;
fichamento; análise e interpretação; e a redação.
Ainda segundo Lakatos & Marconi (1987, p. 66),
[...] a pesquisa bibliográfica trata-se do levantamento, seleção e documentação de
toda bibliografia já publicada sobre o assunto que está sendo pesquisado, em livros,
enciclopédias, revistas, jornais, folhetos, boletins, monografias, teses, dissertações e
material cartográfico; a pesquisa exploratória, permite uma maior familiaridade
entre o pesquisador e o tema pesquisado, visto que este ainda é pouco conhecido e
documental, por se tratar de uma pesquisa a materiais que não recebem ainda um
tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos
da pesquisa.
Com relação à obtenção de um conhecimento prévio sobre o tema estudado e
sobre o local em que será referenciado como campo de pesquisa, Nasser (2010, p. 134) fala
49
que “é preciso ler o que os outros escreveram antes de nós, de certa forma, subir sobre seus
ombros para conseguir ver mais além”.
Concomitante à pesquisa bibliográfica, fizemos uso da pesquisa documental. De
acordo com Gil (2002, p.62-63), a pesquisa documental se apresenta como “fonte rica e
estável de dados”, ou seja, não implica custos altos, possibilita leituras aprofundadas e não
tem exigência com os sujeitos da pesquisa.
Segundo Pádua (1997, p. 62):
Pesquisa documental é aquela realizada a partir de documentos contemporâneos ou
retrospectivos, considerados cientificamente autênticos (não fraudados); tem sido
largamente utilizada nas ciências sociais, na investigação histórica, a fim de
descrever/comparar fatos sociais, estabelecendo suas características ou tendências
[...].
Durante a pesquisa de campo, observou-se que os atendimentos não estão sendo
da maneira como deveriam ser, devido à falta de estrutura que o ambiente provisório oferece,
assim como falta de segurança. Além disso, o CRM funciona no mesmo espaço que outros
órgãos. Porém, apesar da falta de estrutura, o ambiente é agradável e acolhedor. Na ocasião da
pesquisa de campo, fizemos uso de gravador de voz, aliado a utilização de roteiro orientador
preestabelecido.
Conforme Gonçalves (2001, p. 67),
[...] a pesquisa de campo é o tipo de pesquisa que pretende buscar a informação
diretamente com a população pesquisada. Ela exige do pesquisador um encontro
mais direto. Nesse caso, o pesquisador precisa ir ao espaço onde o fenômeno ocorre,
ou ocorreu, e reunir um conjunto de informações a serem documentadas [...].
Para obter a autorização para a realização da pesquisa, foi estabelecido
inicialmente um contato prévio para que fossem expostos os objetivos da pesquisa e o
agendamento do primeiro contato com a coordenação da Instituição.
De acordo com Minayo (2002, p. 103):
A estratégia de entrada em campo tem que prever os detalhes do primeiro impacto
da pesquisa, ou seja, como apresentá-la, como apresentar-se, a quem se apresentar,
através de quem, com quem estabelecer os primeiros contatos. O processo de
investigação prevê idas ao campo antes do trabalho mais intensivo, o que permite o
fluir da rede de relações e possíveis correções já iniciais dos instrumentos de coleta
de dados. Por fim, terminada essa fase bastante prática, mas crucial para o
desenvolvimento da investigação, serão estabelecidos os primeiros contatos e o
calendário de viabilidade e realização da etapa empírica.
50
A partir da realização das entrevistas, partimos para a análise dos relatos obtidos
pelos sujeitos da pesquisa articulando-os ao conteúdo estudado.
4.3
Perfil das entrevistadas
Conforme citado anteriormente, a presente pesquisa foi realizada com quatro
profissionais que compõem o CRM, sendo de categorias diferentes (assistente social,
psicóloga e advogada) e que realizam atendimentos diários às mulheres em situação de
violência. As entrevistas ocorreram no período de maio a agosto de 2014. Ressaltamos que
tivemos algumas dificuldades quanto ao retorno em aceitar a realização das entrevistas por
parte de três profissionais. Na ocasião, foi permitido pelas entrevistadas o uso de gravador.
No tocante ao perfil das entrevistadas, estas se encontram na faixa etária
compreendida entre 26 e 33 anos de idade. Foram entrevistadas, portanto, uma assistente
social, uma advogada e duas psicólogas. O CRM, conforme já descrito anteriormente, é
composto por uma equipe multidisciplinar, sendo esta característica necessária em virtude do
olhar diferenciado das categorias profissionais para atender às necessidades das mulheres.
Com relação ao estado civil das profissionais, o número de mulheres solteiras é
proporcional ao número de mulheres casadas, sendo duas solteiras e duas casadas.
Ao perguntarmos sobre o tempo de CRM e se era a primeira experiência de
trabalho com mulheres em situação de violência, foi verificado que a maioria delas tem pouco
tempo na Instituição, e que esta é a primeira experiência de trabalho com mulheres em
situação de violência.
Sim, essa é minha primeira experiência e estou há um ano e dois meses na
instituição. (ENTREVISTADA 01)
Tenho quatro meses de CRM e é a primeira vez que trabalho com violência contra a
mulher. (ENTREVISTADA 02)
Primeira vez trabalhando com violência contra a mulher e estou há sete meses.
(ENTREVISTADA 03)
4.4
Resultado das Entrevistas
Referenciamo-nos no conceito de violência descrito na Política Nacional de
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, como sendo “uma das principais formas de
violação dos seus direitos humanos, atingindo-as em seus direitos à vida, à saúde e à
51
integridade física” (BRASILIA, 2011, p. 11). Assim, conforme já citado anteriormente, bem
como de acordo com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência Contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, em seu artigo 1º,
“violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte,
dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no
privado” (BRASIL, 1994, p. 86).
A partir dessa conceituação, buscamos saber qual a compreensão as profissionais
que atendem as mulheres usuárias diariamente têm sobre o conceito de violência doméstica e
familiar contra a mulher. Assim foi exposto:
Qualquer ato que agrida fisicamente, psicologicamente, moralmente,
patrimonialmente ou sexualmente uma mulher. Tem como base o patriarcado e o
machismo. Compreendo a violência como algo amplo, que poderíamos incluir a
violência simbólica (a exemplo: aquela proferida nas propagandas e comerciais que
reforçam o papel tradicional das mulheres) e a violência institucional. Então, a
definição da Lei é muito clara, acho que ela dá conta disso, mas para além da Lei,
também podemos falar sobre violência institucional, que também é uma forma de
violência. (ENTREVISTADA 01)
Para a Entrevistada 01, a Lei Maria da Penha “é muito clara, dá conta do recado”,
ou seja, em seu Art. 5º, a Lei configura violência doméstica e familiar contra a mulher,
qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,
sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial. Nessa fala, a profissional entrevistada
acredita que a Lei remete o real sentido da violência, porém, ainda é muito falha e pouco
divulgada, por isso se faz importante a realização de campanhas educativas e divulgação
através da mídia, pois o profissional baseia-se na Lei para garantir os direitos necessários
àquela mulher e a seus filhos.
Pra mim, a violência pode abarcar várias especificações, desde a violência física,
sexual, patriarcal e psicológica, e a maioria que chega é a psicológica, pois agride o
desenvolvimento da pessoa através de ameaças e agressões, e o agressor faz com
que a mulher tenha medo de exercer seus direitos. De exercer seu direito de ir e vir
e, de certa forma, chega a prestar atenção a tudo que acontece na vida dela, né?!
Além dessas violências, tem também a violência financeira, pois muitas pessoas são
dependentes financeiramente e fazem com que a outra pessoa dependa dele pra tudo.
(ENTREVISTADA 02).
As palavras da Entrevistada 02 ressaltam o controle do agressor sobre a vida da
mulher. Com isso, o agressor passa a fiscalizar para onde, com quem sai e a que horas a
vítima chega, e a mulher acaba ficando com medo, passando a não ter mais vida social. Às
vezes, a mulher não tem o apoio de familiares e amigos, visto que desses, alguns já se
52
afastaram, ou por não aguentar mais vê-la na situação em que se encontra ou por achar que ela
está ali “porque gosta”.
Há também a carência de uma rede de apoio eficiente no sentido de proporcionar
os mínimos necessários à sobrevivência dessas mulheres. Com relação à dependência
financeira, muitas vezes as mulheres se obrigam a permanecer nessa situação por falta do
apoio de familiares e amigos, como mencionamos anteriormente, e com isso, acaba por
limitar suas possibilidades de tomar uma atitude. Desse modo, torna-se importante a
materialização das políticas públicas de enfrentamento à violência, no sentido de possibilitar o
empoderamento dessas mulheres, com a criação de alternativas que concedam educação para
elas e para seus filhos. Também deve fornecer trabalho, apoio psicológico, social e jurídico,
ou seja, fatores que ocasionem a obtenção de um conjunto de direitos, possibilitando o retorno
da integridade física, psicológica, moral e social dessas mulheres.
Conforme explicita Saffioti (1999), uma mulher que para fugir de maus-tratos,
muda-se da casa de seu marido, pode ser perseguida por ele até a consumação do femicídio feminilizando-se a palavra homicídio (RADFORD; RUSSELL, 1992). Portanto, a violência
doméstica tem lugar, predominantemente, no interior do domicílio. Nada impede o homem,
contudo, de esperar sua companheira à porta de seu trabalho e surrá-la “exemplarmente”
diante de todos os seus colegas, por se sentir ultrajado com sua atividade fora de casa, no
mundo público.
Às vezes, a gente acha que violência contra a mulher é só agressão física, muita
gente mesmo pensa assim, até mesmo algumas usuárias, e acabam achando que
violência é só quando bate, mas não é. Violência contra a mulher é uma série de
coisas, vai desde o modo como a mulher é tratada, não somente pelo homem, mas
também por outras mulheres, e não percebem que estão sofrendo violência, que ser
mulher é algo superior, violência é bem mais que a violência física.
(ENTREVISTADA 03)
Violência é todo ato ou ação contra a pessoa, no qual fira sua dignidade humana,
seja uma ação ou ato físico que machuque ou que atinja o psicológico, a moral, no
caso da violência contra a mulher também é isso, mas a gente acrescenta o quesito
de gênero por ela sofrer esse ato de violência pelo fato de ser mulher.
(ENTREVISTADA 04)
As entrevistadas, nesse momento, destacaram as diversas formas de violência
contra as mulheres, as quais extrapolam a violência física, e esse fenômeno envolve aspectos
sutis de violência simbólica. As profissionais do CRM destacaram ainda, que as mulheres
apresentam uma esperança na mudança do companheiro, que os mesmos façam tratamento
psicológico. No entanto, é sabido que não é bem assim que acontece. Por isso, as profissionais
53
tentam trabalhar com as usuárias questões relacionadas a busca da autoconfiança, o resgate da
integridade e a autoestima dessas mulheres, para que elas tomem de conta também de si,
porque elas acabam esquecendo delas próprias e vivendo apenas em função do companheiro e
dessa relação “doentia” de codependência.
Inúmeras são as causas que podem contribuir para a mulher permanecer nessa
situação de violência. Um dos fatores, conforme já citado, é a esperança na mudança do
companheiro, assim como sentimentos de inferioridade, insegurança, dependência emocional
e financeira, medo por não saber como prover o próprio sustento e o dos filhos, entre outros
fatores.
A partir das informações disponibilizadas pelo Observatório da Violência contra a
Mulher13 - correspondente ao período de 2006 a maio de 2014, sobre os tipos de violência
atendidos no CRM, questionamos as profissionais a respeito das principais demandas
apresentadas ao Centro Francisca Clotilde, solicitando que elas descrevessem pelo menos três.
Gráfico 2 - Tipos de Violência atendidos no CRM
Fonte: Observatório da Violência contra a Mulher - CRM, 2014.
Em resposta, obtivemos a seguinte afirmativa:
As principais demandas que se apresentam no Centro de Referência da Mulher são
as questões da demanda de solicitação por medida protetiva, porque assim [...], a
maioria não denuncia, sempre está naquela questão de se achar culpada, de se
responsabilizar por aquele ato. Elas estão dentro do ciclo da violência, então assim,
tem que chegar a um mínimo de violência. Infelizmente, a maioria dos casos chega à
violência física pra elas nos procurar, então, quando elas chegam aqui, quais são as
solicitações? Proteger desse ex-companheiro, através de solicitação de medidas
protetivas, e o mínimo suporte psicológico, porque elas chegam muito fragilizadas.
13
O Observatório da Violência contra a Mulher é um banco de dados do CRM.
54
Então, as três demandas são: a solicitação das medidas protetivas, de orientação
jurídica, nesse sentido, o suporte psicológico, no sentido da profissional trabalhar
com ela: “A partir de agora, como é que eu vou fazer, né?!”. No sentido de estar se
reestruturando, de estar resignificando o ciclo da violência. O terceiro ponto é a
questão: “E agora? O que é que eu vou fazer? Fui casada, vivi maritalmente com
aquela criatura, tenho filhos!”. A questão dos alimentos e como é que vai ser
sustentar ela e o filho, depois da separação. (ENTREVISTADA 04)
A partir do relato da Entrevistada 04, no qual ela nos descreve sobre as principais
demandas atendidas no Centro de Referência, a mesma nos fala sobre “as solicitações das
medidas protetivas”, que são medidas que garantem a proteção, a integridade da mulher e de
seus dependentes, sendo também um grande avanço no enfrentamento da violência doméstica,
pois determina desde o afastamento do agressor até suspensão de visitas aos filhos. Essas
medidas podem ser solicitadas pela vítima e, em caso do descumprimento por parte do
agressor, deve-se entrar em contato imediatamente com a polícia; em seguida, procurar a
Defensoria Pública.
Outra demanda informada pela entrevistada é a questão da orientação jurídica e
do suporte psicológico, pois a partir do momento em que a mulher resolve romper com esse
ciclo, ela percebe que precisa de ajuda para superar a separação, a perda, pois a maioria delas
ainda mantém sentimentos “amorosos” com relação ao parceiro, como a esperança da
mudança de atitude dele, haja vista que muitas ainda gostam de seus companheiros.
Por fim, existe ainda a questão da condição econômica, do suporte financeiro.
Muitas mulheres quando se separam pensam logo nessa questão, mas através do
acompanhamento psicológico, com o apoio de familiares e amigos, pouco a pouco, as
mulheres vão resgatando sua autoconfiança e vão adquirindo forças para retomar sua vida, a
exemplo da realização de algum trabalho gerador de renda. Algumas recomeçam os estudos,
outras se profissionalizam, e dessa maneira passam a serem donas do próprio destino e da
própria vida.
Tomando por base os dados obtidos com relação aos atendimentos realizados no
equipamento, questionamos as profissionais sobre suas percepções com relação aos
sentimentos que essas mulheres apresentam e quais suas atitudes diante das agressões
sofridas. Obtivemos as seguintes respostas:
Elas sentem uma sensação de alívio, que elas podem estar contando coisas que elas
normalmente não contam pra ninguém, porque elas se fecham nesse mundo e é
muito difícil estar relatando isso, porque alguns não acreditam, outros acham que é
normal. Por vergonha, por se sentirem culpadas, já não é nem fácil falar e, de
repente, falar pra pessoas que você nunca viu na vida; e, de repente, chegam aqui e
55
relatar, já dá uma sensação de alívio pelo fato de ter alguém que possa escutar e de
serem ajudadas. (ENTREVISTADA 02)
As mulheres normalmente não têm com quem compartilhar suas dores, pois a
violência doméstica, conforme já dito anteriormente, muitas vezes acontece no interior de
seus domicílios, de forma recorrente. Os familiares e amigos passam a não acreditar mais que
a mulher possa se desvencilhar dessa relação, por isso, abandonam-na ou sabem o que
acontece, mas escondem, por achar que isso é “normal”, que é “coisa de marido e mulher”,
preponderando ainda ditados jocosos como “em briga de marido e mulher ninguém mete a
colher” ou “pancada de amor não dói”.
Muitas delas se sentem rebaixadas, se preocupam com o vizinho, muitas dizem que
demoraram a vir porque não queria “dar o gostinho a minha vizinha de saber que na
minha casa acontece isso”. Muitas têm vergonha de conversar com a gente. Assim,
ao longo do atendimento a gente vai procurando a fala delas, mas muitas falam que
têm vergonha. (ENTREVISTADA 03)
Com relação ao que nos relatou a Entrevistada 03, quando cita que “não quero
dar o gostinho a minha vizinha”, a exposição da violência na vizinhança acaba sendo um dos
fatores que dificultam o enfrentamento do problema e que acaba por prolongar a permanência
dela e dos filhos em uma situação de violência.
Conforme nos afirma Einstein (s/d), “o mundo é um lugar perigoso de se viver,
não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam
o mal acontecer”. Qualquer pessoa pode fazer a denúncia através da Central de Atendimento à
Mulher – Ligue 180. Às vezes, a mulher é mantida refém, vive em cárcere privado, dentro de
casa e a única chance dessa situação começar a mudar é quando a sociedade começar a
denunciar.
De acordo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, as ligações telefônicas
feitas à Central de Atendimento à Mulher são gratuitas e podem ser realizadas através de
qualquer telefone, seja ele móvel ou fixo, particular ou público (celular, telefone de casa, do
trabalho, orelhão). O serviço funciona vinte quatro horas por dia, durante sete dias por
semana, inclusive durante os finais de semana e feriados.
De acordo com o relato das entrevistadas, o sentimento predominante apresentado
pelas mulheres é a questão da fragilidade emocional e o acometimento de doenças advindas
com a permanência nessa situação. Foi citado também o alívio demonstrado ao saber que,
finalmente, podem contar com alguém, que existe uma rede de serviços que pode apoiá-las.
56
A maioria delas se sente um lixo, que não são nada, feridas extremamente na sua
dignidade humana mesmo, que não são capazes de erguer a cabeça e seguir com a
autonomia da própria vida, tanto é que muitas se sujeitam a voltar para os agressores
por conta desse receio, dessa ruptura. Elas se sentem muito dependentes
afetivamente ainda em relação a eles, mais do que materialmente ou
financeiramente. (ENTREVISTADA 04)
Sabemos que os casos de violência física e até mesmo o femicídio tem início com
xingamentos, chantagens emocionais, ciúmes excessivos, tipos de agressão que, no início, não
demonstram ser tão graves; mas isso já é o começo do ciclo da violência.
Para muitas mulheres existe ainda o desejo da “família em harmonia”, mesmo que
para isso ocorram as agressões, e é nesse cenário que prevalece a dependência emocional,
econômica e afetiva, o que faz com que as mulheres acabem “perdoando” seus companheiros,
dando uma “segunda chance” e favorecendo para que estes retornem ao lar.
Com base nos relatos das entrevistadas, indagamos qual a concepção delas com
relação à visão que as mulheres usuárias possuem sobre o CRM como equipamento de
proteção para elas. E obtivemos as seguintes respostas para esse questionamento.
“Que bom que existe isso pra nós!”, elas relatam muito, que tem esse espaço, que
recebem elas super bem. Muitas relatam que outros ambientes não recebem elas tão
bem assim, como a Delegacia da Mulher, que é um espaço que é para receber,
abraçar a mulher. [...] Aqui elas se sentem seguras, trabalhamos com sigilo.
(ENTREVISTADA 02)
Muitas delas veem, assim, como uma salvação, como um apoio, porque aqui é uma
equipe multidisciplinar, que presta assessoria jurídica, psicológica e social. Então,
assim, muitas delas chegam aqui sem nada, sem ter nem pra onde ir, sem ter familiar
na cidade. Aí a gente dá encaminhamento a tudo isso, elas veem mesmo como um
apoio para superar a situação. (ENTREVISTADA 03)
Percebemos a partir das informações recebidas, que as usuárias confiam no
atendimento das profissionais do equipamento, mediante a realização das escutas, as
orientações, as possibilidades de abrigamentos, enfim ao apoio da rede. O CRM é um espaço
delas (usuárias), no qual os atendimentos são sigilosos, oferecendo segurança, esperança e
conforto a essas mulheres. Como foi mencionado pela Entrevistada 03, o Centro é visto como
um “lugar de salvação”, pois elas necessitam desse espaço, desse acolhimento. As mulheres
sempre voltam ao Centro, pois conforme mencionado anteriormente, o CRM trabalha também
com os retornos das mulheres, pois precisam manter o acompanhamento dos casos até o
rompimento final do ciclo, ao mesmo tempo, são mantidos os atendimentos de primeira vez.
57
Conforme as informações acima prestadas pelas profissionais, questionamos
quanto à concepção que elas têm de como o CRM contribui e tem contribuído para o processo
de rompimento das situações de violência vivenciadas pelas mulheres usuárias deste serviço.
É mais nessa questão da mulher se descobrir como mulher, ou como mãe, como
pessoa, pra que elas possam vir de forma livre, de espontânea vontade, porque
muitas delas são tão fechadas no mundo, que o agressor quer que elas vivam [...].
Elas não conhecem o outro lado da vida, mostramos pra elas que nós estamos aqui
pra dar essa segurança pra elas, mostrar que elas têm os recursos também, têm a lei,
apesar de ter muita coisa a ser trabalhada para que ela sirva com mais vigor.
(ENTREVISTADA 02)
Tem contribuído de forma positiva, porque assim, a mulher que chega aqui é
atendida, é feito o primeiro atendimento, a gente avalia a situação da mulher, se é
caso de abrigamento ou não; e se não for, o atendimento não termina ali, ele é dado
continuidade, são feitos vários atendimentos, até que a mulher supere a situação de
violência sofrida ou pelo menos consiga se perceber vítima e não mais permanecer
na situação. (ENTREVISTADA 03)
É devido a esse acompanhamento sistemático, que o número de retornos é bem
maior que os atendimentos de primeira vez, conforme apresentado na tabela 1 disponibilizada
pelo Observatório de Violência contra a Mulher.
Segundo nos afirma Cavalcante (2012), em certos momentos as intervenções
passam a acontecer no sentido de fortalecer as ações de acompanhamentos, pois precisam
garantir que as mulheres darão continuidade as intervenções propostas no CRM, uma vez que
somente o primeiro atendimento não é estratégico para que as mulheres rompam com as
situações de violência.
Para finalizar as entrevistas, perguntamos as profissionais sobre suas opiniões
com relação à Política de Enfrentamento a Violência contra as Mulheres em Fortaleza, desde
2005 até os dias atuais.
Melhorou bastante, porque assim [...], é uma boa rede de atendimento, além do
CRM tem o CERAM, que é o Centro do Estado que atende as mulheres que não
moram em Fortaleza, e, às vezes, até atendem algumas que residem em Fortaleza.
Tem o NUDEM, que é a Defensoria Pública Especializada da Mulher, tem a
Promotoria também, tem a DDM e tem outros órgãos que acabam atuando,
auxiliando a mulher, até mesmo o Movimento Feminista. (ENTREVISTADA 03)
[...] A gente não pode dizer que porque mudou de gestão [...] acabou com tudo.
Acabou que a Prefeita Luizianne Lins tinha instaurado a questão de trazer, de firmar
os equipamentos para as mulheres em situação de violência aqui em Fortaleza,
implantando uma Coordenadoria de Políticas Públicas para as Mulheres. A gente
não pode dizer que porque mudou a gestão mudou o olhar ideológico, que se acabou
com a Política. Não! O que foi que aconteceu? Pessoas sensíveis à causa, que
inclusive têm o histórico de trabalharem com a própria Luizianne na gestão anterior,
permaneceram e foi dado continuidade à Política. E aí, o que temos hoje? Temos os
equipamentos consolidados. Obviamente que passamos por algumas dificuldades
58
[...]. A Política para as Mulheres não é uma política automantenedora, ou seja, ela
não tem recurso próprio, não tem fonte própria, vai depender muito; tem incentivo,
tem a Secretaria Nacional, mas vai depender muito da visão, do olhar do gestor
público. No caso, foi colocada dentro da Secretaria de Cidadania e Direitos
Humanos, só que a SCDH é recente, de 2009, ela também não tem fonte própria.
Então assim, essa fonte veio a partir da Fundação da Criança e da Família Cidadã
que já existe há muitos anos em Fortaleza, mas o que acontece: há a boa vontade, ela
tá se consolidando, tá crescendo, então a gente tem ganhos. Nesses anos de 2005 pra
cá, a gente não pode dizer que voltou atrás, que retroagiu, os dois equipamentos
foram institucionalizados, antes não eram. Então, houve esse avanço, nós estamos
em processo de consolidação ainda, desde 2005, das Políticas Afirmativas para as
Mulheres aqui em Fortaleza. Por que tanta demora? [...] Porque a Política para as
Mulheres é uma política afirmativa e não tem fonte própria, depende muito do olhar
do gestor, e o que facilitaria muito a nossa vida é se tivesse uma fonte específica,
como a saúde tem e como os fundos Federal, Estadual e Municipal têm da Saúde e a
Assistência Social também. No caso de políticas para mulheres, que é uma política
intersetorial que perpassa por todas as áreas, não existe uma fonte própria, por isso
que é um processo lento. Mas tivemos avanços, como a institucionalização dos dois
equipamentos Casa Abrigo Margarida Alves e o Centro de Referência Francisca
Clotilde. (ENTREVISTADA 04)
A entrevistada 04 relata os avanços que foram alcançados no tocante às Políticas
Públicas para as Mulheres. Refere-se às Políticas Afirmativas ou Ações Afirmativas que são
políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos
discriminados e vitimados pela exclusão socioeconômica no passado ou no presente. Trata-se
de medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas, de
gênero ou de casta, aumentando a participação dessas populações no processo político, no
acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no
reconhecimento cultural. Cita a regulamentação do Centro Francisca Clotilde e da Casa
Abrigo Margarida Alves. De acordo com Zaranza, Gaspar & Maciel (2008, p. 83),
[...] a casa abrigo é um equipamento que oferece moradia segura e protegida e
atendimento integral e multiprofissional a mulheres em situação de violência
doméstica e familiar, que se acham sob risco de morte iminente e que não têm um
lugar para onde ir. É um serviço sigiloso e temporário, onde as mulheres poderão
permanecer por um período determinado, junto com seus(suas) filhos(as) menores
de idade, a fim de reunir condições necessárias para retornar o curso de suas vidas,
rompendo com o ciclo da violência.
No entanto, apesar de todos os avanços conquistados, a supracitada entrevistada
relata os desafios, como a questão do financiamento próprio e contínuo via fundo de políticas
públicas específico, além da fragilização quanto às denúncias por parte da população.
O Brasil, do ponto de vista legal, teve um avanço considerável em Políticas
Públicas de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, com o surgimento da Lei Maria da
Penha. Entretanto, ainda existem incontáveis desafios para confrontarmos, a fim de
desmistificar a simbologia do patriarcado que ainda se encontra muito presente em nossa
59
sociedade. É preciso compromisso e interesse por parte dos gestores para o cumprimento das
legislações que garantem à mulher vítima de violência, a preservação de sua integridade e a
oficialização da garantia dos seus direitos.
Veremos a seguir os dados consolidados, obtidos no Observatório Francisca
Clotilde, contendo as demandas dos casos de atendimentos de primeira vez, assim como os
retornos, que acabam se tornando o foco do trabalho das profissionais que compõem o CRM.
4.5
Os dados do Observatório: demandas das mulheres atendidas (retornos e
atendimentos de primeira vez)
Na ocasião das visitas realizadas ao Centro de Referência Francisca Clotilde,
tivemos acesso aos dados fornecidos pelo Observatório de Políticas para as Mulheres – CRM,
no qual fica evidente a quantidade de mulheres que procuram o atendimento, entre as mais
diversas denúncias de violação de direitos. Foi observado também, que a quantidade de
retornos é bem maior que a quantidade de atendimentos de primeira vez e, ao questionar sobre
essa divergência, soubemos que esse fato se deve ao acompanhamento que o Centro de
Referência tem que manter junto à mulher até o rompimento total do ciclo.
O Observatório da Violência contra a Mulher desempenha suas atividades dentro
do Centro de Referência Francisca Clotilde desde o início de seu funcionamento, pois é
através desse dispositivo que é realizada a sistematização dos registros das informações
fornecidas pelas mulheres. As outras informações são coletadas a partir dos prontuários,
depois que passam pelas profissionais, pois a partir deste é possível a visualização do restante
das informações necessárias, e assim obter o essencial sobre o quantitativo da violência
perpetrada pelas mulheres atendidas pelo Centro, para a alimentação deste banco de dados.
De acordo com os dados fornecidos pelo Observatório de Políticas para as
Mulheres – CRM, no período de 2006 a maio de 2014 foram registrados um total de 11.504
atendimentos, dos quais 3.299 foram os de primeira vez e 8.205 foram retornos.
As demandas pelo Disk 0800, no período de 2007 a 2013, totalizaram 335
denúncias, sendo assim distribuídas: 2007 – 130 denúncias; 2008 – 81 denúncias; 2009 – 62
denúncias; 2010 – 31 denúncias; 2011 – 12 denúncias, 2012 – 13 denúncias e 2013 – 06
denúncias.
60
DADOS GERAIS
Total de mulheres
Ano
atendidas pela 1ª Vez
2006 (1)
805
2007(2)
653
2008(3)
428
2009(4)
492
2010(5)
281
2011(6)
167
2012(7)
190
2013(8)
214
2014(9)
*Atualizado até
Maio)
69
Total de
Atendimentos
3299
Retorno
810
863
941
1835
1246
883
718
715
Total de
Atendimentos
1615
1516
1369
2327
1527
1050
908
929
194
263
8
19
8205
11504
98
35
Não é Perfil CRM-FC
30
15
12
3
3
7
4
16
Demanda Reprimida
16
Tabela 1 - Dados de atendimentos do CRM
Fonte: Observatório da Violência contra a Mulher – CRM, 2014.
É notável, através dos dados obtidos, a quantidade do número de atendimentos no
CRM, visto que já no ano de sua criação tiveram 805 mulheres que procuraram o Centro para
atendimento de primeira vez, evidenciando com isso, que as mulheres já necessitavam a muito
tempo desse suporte, superando as expectativas iniciais. Já no que se diz respeito aos
atendimentos dos anos seguintes, houve uma diminuição na quantidade destes se
compararmos ao ano de sua implantação até o período de 2008, durante a gestão da exprefeita Luizianne Lins.
Segundo informações da Secretaria de Políticas para as Mulheres, com o
surgimento da Lei Maria da Penha não houve diminuição nos casos de violência contra as
mulheres. No entanto, houve um crescente número de denúncias através do Disk 0800
(Disque Denúncia), no qual qualquer pessoa pode fazer essa ligação, não precisando se
identificar.
Com relação à tabela dos tipos de violência, podemos identificar que a violência
psicológica continua a ser a mais recorrente, seguida da violência física e moral. No entanto,
em 2006, os casos de violência física são maiores que àqueles de violência psicológica.
Notemos que em 2006, que foi o ano de implantação da Lei Maria da Penha, o índice de
violência física ainda era maior que os dados referentes à violência psicológica. Após o
surgimento da Lei, esses dados se invertem, aumentando os registros de violência psicológica,
tendo, com isso, uma ampliação da visão da população usuária acerca do fenômeno da
violência contra as mulheres, a qual extrapola a violência física.
61
SEGMENTO: TIPOS DE VIOLÊNCIA
Tipos de
Violência
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
TOTAL
Física
506
315
147
192
127
123
114
203
58
1785
Psicológica
479
420
220
288
200
152
203
356
69
2387
Moral
202
245
182
273
174
134
130
281
53
1674
Sexual
51
34
58
47
29
29
43
91
21
403
Patrimonial
3
49
35
154
90
68
70
158
25
652
Urbana
Sexual
-
-
-
-
3
3
3
2
1
12
Exploração
Sexual
-
-
-
-
-
-
-
1
1
2
-
-
-
-
-
-
-
1
1
2
43
55
12
3
7
3
4
2
0
129
Tráfico de
Mulheres
Não
caracteriza
violência
doméstica
Tabela 2 - Tipos de Violência
Fonte: Observatório da Violência contra a Mulher – CRM, 2014.
Podemos perceber através das tabelas 1 e 2, que é crescente e constante a
quantidade de mulheres que ainda sofrem violência por parte de seus companheiros, dentro do
local que deveria ser, para ela, o mais seguro, pois configura a imagem do “lar”. Entretanto, é
no interior deste que ocorrem tais violações de direitos. As mulheres atendidas no CRM têm a
necessidade de fortalecer sua autonomia, sendo ela afetiva ou financeira, para que dessa forma
possam conseguir romper o ciclo da violência.
Com essa pesquisa e por meio dos dados cedidos pelo Observatório, aliados aos
resultados obtidos com as entrevistas realizadas com as profissionais, percebe-se o aumento
do nível de conscientização das mulheres acerca dos maus tratos sofridos, bem como a
potencialização de suas lutas pela efetivação de seus direitos, de sua cidadania, sobretudo
quando resolvem denunciar, e do enfrentar o ciclo da violência. Isso possibilita a retomada de
suas vidas e a autodeterminação de suas atitudes.
62
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Violência Doméstica contra a mulher é fruto das relações desiguais entre os
sexos e estão interligadas com as formas de educação das crianças. Ainda percebemos a
diferenciação na forma de socialização das crianças, na qual os meninos aprendem aspectos
culturalmente vinculados à “superioridade”, aos ideais de masculinidade e virilidade. Já as
meninas aprendem comportamentos referentes ao cuidado e à delicadeza.
Essa expressão da questão social, historicamente foi considerada um problema da
vida privada e vista de forma naturalizada. Assim, a sociedade se omitia diante dos fatos e o
Estado não intervia por achar que esse tipo de questão não era de sua competência.
No entanto, nas últimas décadas, esse tema tem ganhado visibilidade na
sociedade, no meio acadêmico e no âmbito profissional. Um dos fatores que impulsionaram
esta abertura foi a luta dos movimentos sociais, sobretudo dos movimentos de mulheres e
feministas, que construíram uma agenda de reivindicações em torno do tema e pressionaram o
Estado a implementar políticas públicas, bem como a criar legislações para proteger as
mulheres diante desse tipo de violação de direitos.
Ressaltamos que quando iniciamos a supracitada pesquisa sobre violência
doméstica tínhamos uma visão reducionista sobre o tema, e achávamos que o único
dispositivo legal que existia era a Lei Maria da Penha. A partir deste trabalho, percebemos
que existem as políticas públicas destinadas a essas mulheres, bem como a luta histórica do
movimento de mulheres.
Neste estudo buscamos, por meio dos depoimentos das profissionais do Centro de
Referência Francisca Clotilde em Fortaleza, compreender melhor o fenômeno da violência
doméstica contra as mulheres, tendo como foco a contribuição desse serviço no rompimento
dos ciclos de violência.
Dentre os resultados parcialmente atingidos, em vista que essa pesquisa não tem o
alcance de esgotar os processos de análise acerca do tema, destacamos que, para as
profissionais do CRM, o conceito de violência está pautado no que está descrito na Lei Maria
da Penha, ou seja, qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial.
Dentre as principais demandas atendidas pelo Centro de Referência podemos
destacar a busca das medidas protetivas, a orientação jurídica, o suporte psicológico e a
preocupação com o “sustento” financeiro dos filhos.
63
Ainda de acordo com as profissionais, já foram alcançados muitos avanços em
relação à Política de Enfrentamento a Violência contra as Mulheres em Fortaleza. No entanto,
apesar de todos os avanços, ainda existem muitos desafios, como é o caso de um melhor
funcionamento da rede de atendimento e a falta de denúncia por parte da população.
Através do contato com as entrevistadas, tive a oportunidade de ampliar
conhecimentos sobre violência doméstica contra as mulheres, políticas públicas para as
mulheres, e as principais necessidades das mulheres que sofrem com essa questão.
Compreendemos melhor os sentimentos e as determinações socio-históricas que acabam
“acorrentando” essas mulheres a relacionamentos desgastantes, assim como dificuldades
existentes para a realização deste trabalho, no tocante as condições de trabalho das
profissionais, e os limites de atuação da rede de atendimento.
Verificamos, também, o comprometimento das profissionais que compõem o
Centro de Referência Francisca Clotilde, que lutam por melhores condições de atendimento,
visando o enfrentamento e o fim da violência doméstica contra as mulheres, assim como
almejam que as mulheres adquiram sua autonomia afetiva e financeira e não mais
“dependam” de seus agressores.
É preciso compromisso e interesse por parte dos gestores, com o propósito de
garantir o cumprimento das legislações que asseguram os direitos de atendimento e
acompanhamento às mulheres em situação de violência, bem como de seus filhos. Para isso,
faz-se necessário a destinação de recursos financeiros específicos para tal fim.
É necessário ainda, que a sociedade civil se sensibilize cada vez mais com essa
temática, para que haja uma quebra de paradigmas culturais, sobretudo daqueles que
subordinam as mulheres às relações de poder que as oprimem.
Em meio as nossas leituras bibliográficas, documentais, das próprias legislações, e
mediante a riqueza encontrada no nosso trabalho de campo, conforme os relatos das
entrevistadas, acreditamos que os desafios ainda são muitos no que diz respeito à garantia dos
direitos das mulheres. Como relatou a Entrevistada 04: “se tivéssemos uma fonte própria seria
mais fácil e mais digno acolher e trabalhar com as mulheres, pois custa caro para o Estado o
abrigamento e as intervenções que por ventura essa usuária necessite”.
Creio que através de iniciativas públicas de melhoria dos equipamentos, de
valorização das profissionais, da conscientização permanente da sociedade e do
funcionamento eficaz da rede de atendimento, possamos realmente enfrentar a violência
doméstica contra as mulheres e seus agravos.
64
Diante do exposto, este tem sido um tema atual e relevante no âmbito da atuação
profissional do Assistente Social, uma vez que demandas relacionadas a esse fenômeno
aparecem nos mais variados espaços socio-ocupacionais. A complexidade dessa expressão da
questão social exige estarmos antenados com o tempo presente, no sentido de darmos
respostas efetivas e comprometidas com os direitos humanos, em específico, das mulheres.
Isso reforçará o nosso comprometimento com o projeto ético-político em curso no âmbito da
nossa categoria profissional.
65
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Suely Souza. Femicídio: algemas (in) visíveis do público-privado. Rio de
Janeiro: Revinter Ltda, 1998.
ALVES, Maria Elaene Rodrigues; VIANA, Raquel (orgs.). Políticas para as mulheres em
Fortaleza: desafios para a igualdade. Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para as
Mulheres. Secretaria Municipal de Assitência Social. Prefeitura de Fortaleza. São Paulo:
Friedrich Ebert, 2008.
BARRETO, Ana Cristina Teixeira. A Defensoria Pública como instrumento constitucional de
defesa dos direitos da mulher em situação de violência doméstica familiar e intrafamiliar.
2007. 243 f. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) - Centro de Ciências Jurídicas.
Universidade de Fortaleza, 2007.
BARSTED, Leila Linhares. O avanço legislativo no enfrentamento da violência contra as
mulheres. In: LEOCÁDIO, Ecylene; LIBARDONI, Marlene. O desafio de construir redes de
atenção às mulheres em situação de violência. Brasília: Agende, 2006.
BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
BONGIOVANI, Iara; SAFFIOTI, Heleith. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 2004.
BOTELHO, Anelise. I Fórum de Debates Sobre a Lei Maria da Penha. 2006. Disponível em:
<http://www.conselhos.sp.gov.br/condicaofeminina/noticias>. Acesso em: 11 out. 2014.
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Tradução de Maria Helena Kuhner. 11. ed.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Pacto Nacional pelo Enfrentamento à
violência contra as Mulheres. Brasília, 2011.
________. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Rede de Enfrentamento à Violência
contra as Mulheres. Brasília, 2011.
BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Política Nacional de Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres. Brasília, 2011
BRASIL. Convenção Internacional para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher - Convenção do Pará. Belém, 1994.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,
2009.
BRASIL. Ministério Público Federal/Procuradoria dos Direitos do Cidadão. Cartilha: Lei
Maria da Penha & Direitos da Mulher. Brasília, 2011.
66
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Controle Social: Orçamento Participativo.
Disponível em:
<http://www.portaldatransparencia.gov.br/controleSocial/OrcamentoParticipativo.asp>.
Acesso em: 15 mar. 2014.
BRASIL. Decreto nº 13. 102, de 05 de abril de 2013. Cria o Centro de Referência e
Atendimento à Mulher em Situação de Violência Francisca Clotilde. Disponível em:
<https://www.leismunicipais.com.br/a/ce/f/fortaleza/decreto/2013/1310/13102/decreto-n13102-2013-cria-o-centro-de-referencia-e-atendimento-a-mulher-em-situacao-de-violenciafrancisca-clotilde-2013-04-05.html>. Acesso em: 05 ago. 2014.
BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Norma Técnica de
Uniformização: Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência.
Brasília, 2006.
BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Norma Técnica de Padronização das
Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres – DEAM’s. Brasília, 2010.
BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Relatório Descritivo: Pesquisa do Perfil
Organizacional das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (2003 a 2005).
Brasília, 2007.
BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Disponível em:
<http://www.spm.gov.br>. Acesso em: 26 dez. 2013.
BRASIL. Senado Federal. Secretaria da Transparência. Violência Familiar e Doméstica
contra a Mulher. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/noticias/datasenado/pdf/datasenado/DataSenadoPesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em 13 dez. 2013.
BRYM, Robert [et al]. Sociologia: sua bússola para um novo mundo. São Paulo: Thomson
Learning, 2006.
BUENO, Francisco Silveira. Dicionário escolar Silveira Bueno. Rio de Janeiro: Ediouro,
2000.
CAMPOS, Antonia Alessandra Sousa. A Lei Maria da Penha e sua efetividade. 2008. 59 f.
Monografia (Especialização em Administração Judiciária) - Escola Superior de Magistratura
do Estado do Ceará. Universidade Vale do Acaraú, 2008.
CAVALCANTE, Silvana Maria Pereira. Violência contra a mulher e autonomia financeira:
uma avaliação do atendimento do centro de referência Francisca Clotilde de Fortaleza/Ceará.
2012. 192 f. Dissertação (Mestrado em Avaliação de políticas Públicas) – Universidade
Federal do Ceará, 2012.
COUTINHO, Rúbian Corrêa (org.); DINIZ, Anailton Mendes de Sá (col.). O Enfrentamento à
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher: uma construção coletiva. Brasília: CNPG,
2011.
67
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da
Penha (Lei 11.340/2006) comentada artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007.
DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1996.
DHNET. Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/mulheres.htm>. Acesso em: 19 set. 2014.
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de
combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007.
FERNANDES, Francisco. Dicionário Brasileiro Globo. 21. ed. São Paulo: Globo, 1991.
FORTE, Séphora Banhos de Menezes. A violência contra a mulher no Estado do Ceará e a
aplicação da Lei Maria da Penha. 2008. 45 f. Monografia (Especialização em Administração
Judiciária) – Escola Superior de Magistratura do Estado do Ceará. Universidade Vale do
Acaraú, 2008.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
___________. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal 1988.
___________. Vigiar e punir. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
FROTA, M. H. de P.; SANTOS, V. M. Femicídio no Ceará: machismo e impunidade? In:
Fazendo Gênero 8: Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, 2008.
G1. Mizael é condenado pela morte da ex-namorada Mércia Nakashima. Disponível em:
<http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/03/mizael-e-condenado-pela-morte-da-exnamorada-mercia-nakashima.html>. Acesso em: 15 set. 2014.
G1. Supremo nega liberdade a goleiro Bruno. Disponível em: <http://g1.globo.com/minasgerais/julgamento-do-caso-eliza-samudio/noticia/2013/06/supremo-nega-liberdade-goleirobruno.html>. Acesso em: 22 jan. 2014.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1996.
GIL, Antônio Carlos. Técnicas de pesquisa em economia e elaboração de monografias. 4. ed.
São Paulo: Atlas, 2002.
GOLDENBERG, Mirian; TOSCANO, Moema. A revolução das mulheres. Rio de Janeiro:
Revan, 1992.
GONÇALVES, Elisa Pereira. Iniciação à pesquisa cientifica. 2. ed. Campinas: Alinea, 2001.
68
GUIMARÃES, M. de F. Trajetória dos feminismos: introdução a abordagem de gênero. In:
CASTILLO-MARTÍN, M. de; OLIVEIRA, S. de. (orgs.) Marcadas a ferro. Brasília:
Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2005. p.77-92.
HOLANDA, Simone; SILVA, Edite; VIANA, Raquel. Mulheres, participação e controle
social: experiências e desafios para a gestão municipal. In: ALVES, Maria Elaene Rodrigues;
VIANA, Raquel (orgs.). Políticas para as mulheres em Fortaleza: desafios para a igualdade.
São Paulo: Fundação Friedrich Ebert, 2008.
IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
LE BRETON, David. A sociologia do corpo. 5. ed. Petrópoles: Vozes, 2011.
LOBO, E. S. A Classe Operária tem dois sexos. São Paulo: Brasiliense, 1991.
LUCENA, Mariana Barreto Nóbrega de. Os debates do Movimento Feminista: do Movimento
Sufragista ao Feminismo Multicultural. In: 17º Encontro Nacional da Rede Feminista e Norte
e Nordeste de estudos e Pesquisa sobre a Mulher e Relações de Gênero. Paraíba: UFPB, 2012.
MAGALHÃES, Roberto Eudes Fontenele. A Lei Maria da Penha como contribuição ao
enfrentamento da violência doméstica e familiar em Fortaleza. 2009. 44 f. Monografia
(Especialização em Administração Judiciária) - Escola Superior de Magistratura do Estado do
Ceará. Universidade Vale do Acaraú, 2009.
MANZINI COVRE, Maria de Lourdes. O que é cidadania? – Coleção Primeiros Passos. São
Paulo: Brasiliense, 2002.
MELO, Mônica de; TELES, Maria Amélia de Almeida. O que é violência contra a mulher.
São Paulo: Brasiliense, 2002.
MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento. 10. ed. São Paulo: HUCITEC, 2007.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Políticas de Saúde. Violência intrafamiliar:
orientações para prática em serviço. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. 96 p.
MOTA, Anamelia. Francisca Clotilde. In: Jornal da Poesia. Disponível em:
<http://www.jornaldepoesia.jor.br/fclotilde.html>. Acesso em: 14 set. 2014.
NASSER, Ana Cristina. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos.
2. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. (Coleção Sociologia).
OBSERVE. Observatório Lei Maria da Penha. Disponível em:
<http://www.observe.ufba.br/lei_aspectos>. Acesso em: 16 mar. 2014.
OSTERNE, Maria do Socorro Ferreira. Violência nas relações de gênero e cidadania
feminina. Fortaleza: EdUece, 2007.
PÁDUA, E. M. M. de. O processo de pesquisa. In: _______. Metodologia da pesquisa:
abordagem teórico-prática. Campinas: Papirus, 1997. p. 29 – 89. (Coleção Práxis).
69
PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, História e Poder. In: Revista Sociologia e Política.
v. 18. n. 36. Curitiba, 2009.
PONCIANO, Rosangela. Solar das Clotildes - Associação Cultural. Disponível em:
<http://solardasclotildes.art.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=51:fran
cisca-clotilde&catid=38:personagens>. Acesso em: 20 set. 2014.
QUEIROZ, Fernanda Marques de. Não se rima amor e dor: cenas cotidianas de violência
contra a mulher. 1. ed. Mossoró: UERN, 2008.
ROTANIA, Ana Alejandra, et. al. Violência contra a mulher: o perigo mora da porta para
dentro. Escola Anna Nery. Revista de Enfermagem. v. 7. n. I. Rio de Janeiro, 2003.
SAFFIOTI, Heleith. Já se mete a colher em briga de marido e mulher. São Paulo: 1999.
SCAVONE, Lucila. Estudos de gênero: uma sociologia feminista? Universidade Estadual
Paulista – Araraquara. Estudos Feministas, 2008.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Tradução: Christine Rufino
Dabat e Maria Betânia Ávila. New York. Columbia University Press, 1990.
SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES. Mulheres em situação
de violência doméstica e sexual: orientações gerais. Coordenação de Desenvolvimento de
Programas e Políticas de Saúde - CODEPPS. São Paulo: SMS, 2007.
SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES. Protegendo as
Mulheres da Violência Doméstica. Fórum Nacional de Educação em Direitos Humanos.
Brasília, 2006.
SILVA, Isalenny Gonçalves da. Centro de Referência Francisca Clotlde: uma análise da
implantação do serviço de atenção às mulheres em situação de violência em Fortaleza. 2014.
78 f. Monografia (Graduação em Serviço Social) – Curso de Serviço Social. Faculdade
Cearense, 2014.
VELHO, Gilberto. Violência, reciprocidade e desigualdade: uma perspectiva antropológica.
In: VELHO, Gilberto; ALVITO, Marcos. (orgs.) Cidadania e violência. Rio de Janeiro:
UFRJ/FGV. 2004.
ZARANZA, Janaina Sampaio; GASPAR, Larissa Maria Fernandes; MACIEL, Maria do
Socorro Camelo. Políticas Públicas de Enfrentamento da Violência contra as Mulheres: a
experiência de Fortaleza. In: ALVES, Maria Elaene Rodrigues; VIANA, Raquel (orgs.).
Políticas para as mulheres em Fortaleza: desafios para a igualdade. São Paulo: Fundação
Friedrich Ebert, 2008.
70
APÊNDICES
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Pesquisadora
Eu, FRANCIANA RODRIGUES DA CUNHA, estou realizando a pesquisa intitulada:
“AS CONTRIBUIÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA FRANCISCA CLOTILDE
PARA O PROCESSO DE RUPTURA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM
FORTALEZA: OLHARES E CONCEPÇÕES DOS/AS PROFISSIONAIS”, que tem
como objetivo analisar as concepções dos/as profissionais do CRM para o processo de ruptura
da violência domestica contra as mulheres.
Para a realização desta pesquisa, conto com a sua participação, pois preciso que responda as
perguntas a serem realizadas sob a forma de questionário estruturado.
O (A) Sr (a). não terá custo algum ou quaisquer compensações financeiras, assim como
não haverá nenhum risco relacionada à sua participação, assim como não sofrerá qualquer
prejuízo se não aceitar ou se desistir após ter iniciado a pesquisa. Sua identidade não será
revelada, serão guardados com total confidencialidade e os dados coletados serão utilizados
somente para os fins da pesquisa.
Se o (a) Sr. (a). concordar participar da pesquisa, deverá preencher e assinar o Termo de
Consentimento Pós-esclarecido que segue, e receberá uma cópia deste termo onde consta o email do pesquisador responsável, podendo tirar as suas dúvidas sobre o projeto e sua
participação, agora ou a qualquer momento.
Desde já agradecemos!
Pesquisadora: Franciana Rodrigues da Cunha, graduanda em Serviço Social pela
FACULDADE CEARENSE – FaC
E-mail: [email protected]
Orientadora: Socorro Letícia Fernandes Peixoto
E-mail: [email protected]
71
APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Pesquisado
Eu, _____________________________________________________________, declaro que
após ter realizado uma leitura minuciosa do TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO,
sobre
minha
participação
na
pesquisa
intitulada:
“AS
CONTRIBUIÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA FRANCISCA CLOTILDE
PARA O PROCESSO DE RUPTURA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM
FORTALEZA: OLHARES E CONCEPÇÕES DOS/AS” na qual tive oportunidade de ser
esclarecida sobre a finalidade e os objetivos desta pesquisa, bem como sobre a utilização das
informações exclusivamente para fins científicos e de que meu nome não será divulgado,
podendo, ainda, retirar meu consentimento a qualquer momento, não restando quaisquer
dúvidas a respeito do lido e explicado, firma seu CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO em participar voluntariamente da pesquisa.
Declaro que recebi cópia do presente Termo de Consentimento e por estar de acordo, assina o
presente termo.
Fortaleza-Ce, _______ de ___________________ de _______
______________________________________
Assinatura do entrevistado
______________________________________
Assinatura do pesquisador
72
APÊNDICE C - Questionário
AS CONTRIBUIÇÕES DO CENTRO DE REFERÊNCIA FRANCISCA CLOTILDE PARA
O PROCESSO DE RUPTURA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM FORTALEZA:
OLHARES E CONCEPÇÕES DOS/AS PROFISSIONAIS
DADOS PESSOAIS:
1. Nome:
2. Idade:
3. Estado Civil:
4. Formação:
5. Tempo de trabalho no CRM?
6. Esta é sua primeira experiência de trabalho com mulheres em situação de violência?
( ) Sim.
( ) Não. Se não, onde você já trabalhou anteriormente? Quanto tempo?
OBJETO DE ESTUDO:
7. Defina violência contra a mulher.
8. Quais são as principais demandas das mulheres que se apresentam para o CRM? Cite três.
9. Como você acha que as mulheres usuárias deste serviço se sentem e quais suas principais
atitudes diante das agressões sofridas?
10. Na sua concepção, qual a visão que as mulheres usuárias possuem sobre o Centro como
equipamento de proteção para elas?
73
11. Como o CRM tem contribuído para o processo de rompimento das situações de violência
vivenciadas pelas mulheres usuárias deste serviço?
12. Em sua opinião, como você vê a política de enfrentamento a violência contra as mulheres
em Fortaleza de 2005 até os dias atuais?
74
ANEXOS
ANEXO A – Dados do Centro de Referência Francisca Clotilde
Coordenadoria de Políticas Para as Mulheres
Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência Francisca
Clotilde
DADOS GERAIS
Ano
Total de
mulher
atendidas pela
1ª Vez
Retorno
Total de
Atendimentos
2006 (1)
805
810
1615
30
-
2007(2)
653
863
1516
15
-
2008(3)
428
941
1369
12
-
2009(4)
492
1835
2327
3
-
2010(5)
281
1246
1527
3
-
2011(6)
167
883
1050
7
-
2012(7)
190
718
908
4
-
2013(8)
214
715
929
16
16
2014(9)
*Atualizado até
Maio)
69
194
263
8
19
Total de
Atendimentos
3299
8205
11504
98
35
Não é Perfil
CRM-FC
Demanda
Reprimida
75
MULHERES LÉSBICAS EM SITUAÇÃO DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ATENDIDAS
PELO CRM 2006 À 2013
Ano
MÊS
TOTAL
2011
Fevereiro e
Março
2
Novembro
1
2012
TOTAL
GERAL
3
76
ANEXO B – Dados do Centro de Referência Francisca Clotilde
DADOS GERAIS
Ano
Total de
mulher
Não é
atendidas
Total de Perfil
pela 1ª
Atendime CRMVez
Retorno
ntos
FC
Demand
a
Reprimi
da
2006 (1)
805
810
1615
30
-
2007(2)
653
863
1516
15
-
2008(3)
428
941
1369
12
-
2009(4)
492
1835
2327
3
-
2010(5)
281
1246
1527
3
-
2011(6)
167
883
1050
7
-
2012(7)
190
718
908
4
-
2013(8)
214
715
929
16
16
2014(9)
*Atualizad
o até Maio)
69
194
263
8
19
Total de
Atendimen
tos
3299
8205
11504
98
35
SEGMENTO: ATENDIMENTO 0800
Ano
2007
2008
2009
2010
2011
2012
130
81
62
31
12
13
T
O
201 TA
3
L
Denúncias
6
33
5
77
SEGMENTO: MULHERES ATENDIDAS POR REGIONAL
RE
GI
ÃO O
ME UT
TR R
OP OS
OL ES
IT TA
AN D
SER II SER III SER IV SER V
SER VI
A OS
NÃ
O
IDE
NTI
FIC
AD
O
SITUA
ÇÃO
DE
RUA
TOTAL
Ano
SER I
2006 (1)
112
66
103
91
209
164
21
0
8
1
805
2007(2)
105
50
95
88
178
101
17
0
4
0
653
2008(3)
61
39
62
60
106
71
7
1
9
-
428
2009(4)
61
50
89
60
128
72
13
-
16
-
492
2010(5)
31
33
38
31
83
43
6
1
12
-
281
2011(6)
30
19
24
18
35
31
8
-
2
-
167
2012(7)
29
27
25
24
29
39
12
1
3
1
190
2013(8)
30
19
29
27
56
45
5
1
-
2
214
2014(9)
*Atualizad
o até Maio)
10
12
8
11
15
11
1
1
0
0
69
89
4
54
4
3299
Total de
Atendimen
tos
459
303
MULHERES LÉSBICAS EM
SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA ATENDIDAS
PELO CRM 2006 À 2013
Ano
2011
2012
TOTAL
GERAL
MÊS
Fevereiro
e Março
Novembr
o
TOTAL
2
1
3
465
399
824
566
78
SEGMENTO: TIPOS DE VIOLÊNCIA
Tipos de
Violência
2006
2007
2008
2009
2010
2011
201
2
506
315
147
192
127
123
114
479
420
220
288
200
152
203
202
245
182
273
174
134
130
51
34
58
47
29
29
43
3
49
35
154
90
68
-
-
-
-
3
Exploração
Sexual
-
-
-
-
Tráfico de
Mulheres
-
-
-
Não
caracteriza
violência
doméstica
43
55
12
Física
Psicológica
Moral
Sexual
Patrimonia
l
Urbana
Sexual
20
13 2014 TOTAL
20
3
58
1785
35
6
69
2387
28
1
53
1674
21
403
70
91
15
8
25
652
3
3
2
1
12
-
-
-
1
1
2
-
-
-
-
1
1
2
3
7
3
4
2
0
129
79
ANEXO C – Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER E DA CIDADÃ - 1791
Este documento foi proposto à Assembleia Nacional da França, durante a Revolução Francesa (1789-1799).
Marie Gouze (1748-1793), a autora, era filha de um açougueiro do Sul da França, e adotou o nome de Olympe
de Gouges para assinar seus panfletos e petições em uma grande variedade de frentes de luta, incluindo a
escravidão, em que lutou para sua extirpação. Batalhadora, em 1791 ela propõe uma Declaração de Direitos da
Mulher e da Cidadã para igualar-se à outra do homem, aprovada pela Assembléia Nacional. Girondina, ela se
opõe abertamente a Robespierre e acaba por ser guilhotinada em 1793, condenada como contra revolucionária
e denunciada como uma mulher "desnaturada".
PREÂMBULO
Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da nação reivindicam constituir-se em uma
assembleia nacional. Considerando que a ignorância, o menosprezo e a ofensa aos direitos da
mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção no governo, resolvem
expor em uma declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher.
Assim, que esta declaração possa lembrar sempre, a todos os membros do corpo social seus
direitos e seus deveres; que, para gozar de confiança, ao ser comparado com o fim de toda e
qualquer instituição política, os atos de poder de homens e de mulheres devem ser
inteiramente respeitados; e, que, para serem fundamentadas, doravante, em princípios simples
e incontestáveis, as reivindicações das cidadãs devem sempre respeitar a constituição, os bons
costumes e o bem estar geral.
Em consequência, o sexo que é superior em beleza, como em coragem, em meio aos
sofrimentos maternais, reconhece e declara, em presença, e sob os auspícios do Ser Supremo,
os seguintes direitos da mulher e da cidadã:
Artigo 1º
A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem ser
baseadas no interesse comum.
Artigo 2º
O objeto de toda associação política é a conservação dos direitos imprescritíveis da mulher e
do homem Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a
resistência à opressão.
Artigo 3º
O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação, que é a união da mulher e do
homem nenhum organismo, nenhum indivíduo, pode exercer autoridade que não provenha
expressamente deles.
80
Artigo 4º
A liberdade e a justiça consistem em restituir tudo aquilo que pertence a outros, assim, o
único limite ao exercício dos direitos naturais da mulher, isto é, a perpétua tirania do homem,
deve ser reformado pelas leis da natureza e da razão.
Artigo 5º
As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações nocivas à sociedade. Tudo aquilo que
não é proibido pelas leis sábias e divinas não pode ser impedido e ninguém pode ser
constrangido a fazer aquilo que elas não ordenam.
Artigo 6º
A lei deve ser a expressão da vontade geral. Todas as cidadãs e cidadãos devem concorrer
pessoalmente ou com seus representantes para sua formação; ela deve ser igual para todos.
Todas as cidadãs e cidadãos, sendo iguais aos olhos da lei devem ser igualmente admitidos a
todas as dignidades, postos e empregos públicos, segundo as suas capacidades e sem outra
distinção a não ser suas virtudes e seus talentos.
Artigo 7º
Dela não se exclui nenhuma mulher. Esta é acusada presa e detida nos casos estabelecidos
pela lei. As mulheres obedecem, como os homens, a esta lei rigorosa.
Artigo 8º
A lei só deve estabelecer penas estritamente e evidentemente necessárias e ninguém pode ser
punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e
legalmente aplicada às mulheres.
Artigo 9º
Sobre qualquer mulher declarada culpada a lei exerce todo o seu rigor.
Artigo 10
Ninguém deve ser molestado por suas opiniões, mesmo de princípio. A mulher tem o direito
de subir ao patíbulo, deve ter também o de subir ao pódio desde que as suas manifestações
não perturbem a ordem pública estabelecida pela lei.
Artigo 11
A livre comunicação de pensamentos e de opiniões é um dos direitos mais preciosos da
mulher, já que essa liberdade assegura a legitimidade dos pais em relação aos filhos. Toda
cidadã pode então dizer livremente: "Sou a mãe de um filho seu", sem que um preconceito
bárbaro a force a esconder a verdade; sob pena de responder pelo abuso dessa liberdade nos
casos estabelecidos pela lei.
Artigo 12
81
É necessário garantir principalmente os direitos da mulher e da cidadã; essa garantia deve ser
instituída em favor de todos e não só daqueles às quais é assegurada.
Artigo 13
Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração, as contribuições da
mulher e do homem serão iguais; ela participa de todos os trabalhos ingratos, de todas as
fadigas, deve então participar também da distribuição dos postos, dos empregos, dos cargos,
das dignidades e da indústria.
Artigo 14
As cidadãs e os cidadãos têm o direito de constatar por si próprios ou por seus representantes
a necessidade da contribuição pública. As cidadãs só podem aderir a ela com a aceitação de
uma divisão igual, não só nos bens, mas também na administração pública, e determinar a
quantia, o tributável, a cobrança e a duração do imposto.
Artigo 15
O conjunto de mulheres igualadas aos homens para a taxação tem o mesmo direito de pedir
contas da sua administração a todo agente público.
Artigo 16
Toda sociedade em que a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes
determinada, não tem Constituição. A Constituição é nula se a maioria dos indivíduos que
compõem a nação não cooperou na sua redação.
Artigo 17
As propriedades são de todos os sexos juntos ou separados; para cada um deles elas têm
direito inviolável e sagrado. Ninguém pode ser privado delas como verdadeiro patrimônio da
natureza, a não ser quando a necessidade pública, legalmente constatada o exija de modo
evidente e com a condição de uma justa e preliminar indenização.
CONCLUSÃO
Mulher, desperta. A força da razão se faz escutar em todo o Universo. Reconhece teus
direitos. O poderoso império da natureza não está mais envolto de preconceitos, de
fanatismos, de superstições e de mentiras. A bandeira da verdade dissipou todas as nuvens da
ignorância e da usurpação. O homem escravo multiplicou suas forças e teve necessidade de
recorrer às tuas, para romper os seus ferros. Tornando-se livre, tornou-se injusto em relação à
sua companheira.
82
ANEXO D – Decreto nº13.102
DECRETO Nº 13.102 DE 05 DE ABRIL DE 2013.
CRIA O CENTRO DE REFERÊNCIA E ATENDIMENTO À MULHER EM SITUAÇÃO
DE VIOLÊNCIA FRANCISCA CLOTILDE.
ROBERTO CLÁUDIO RODRIGUES BEZERRA, Prefeito do Município de Fortaleza,
usando as atribuições que lhe são conferidas por lei, DECRETA:
Art. 1º Fica criado o Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência
Francisca Clotilde, vinculado à Coordenadoria de Políticas para as mulheres, unidade
administrativa da Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos, com o objetivo de
prestar atendimento multiprofissional às mulheres em situação de violência.
CAPÍTULO I
DAS ATRIBUIÇÕES
Art. 2º São atribuições do Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de
Violência Francisca Clotilde:
I - fornecer assistência direta e multiprofissional às mulheres em situação de violência nas
áreas social, psicológica, jurídica e educativa;
II - acolher, atender e acompanhar as mulheres em situação de violência doméstica, familiar,
sexual e vítimas do tráfico de pessoas;
III - orientar e encaminhar as mulheres referidas no inciso II deste artigo aos serviços da rede
de atendimento às mulheres em situação de violência e às demais políticas setoriais existentes,
conforme a demanda apresentada;
IV - encaminhar as mulheres em situação de iminente risco de morte em razão da violência
domestica e familiar aos abrigos sigilosos, quando necessário e mediante prévia avaliação de
risco;
V - realizar ações educativas de prevenção e enfretamento à violência contra a mulher;
VI - elaborar diagnóstico da violência contra as mulheres atendidas no equipamento;
VII - articular, por intermédio da Coordenadoria de Políticas para as mulheres, formação
continuada em violência contra a mulher para profissionais do serviço.
Art. 3º O Centro de Referência e Atendimento à Mulher em situação de violência Francisca
Clotilde disporá de serviços de Disque-Denúncia para atender e orientar as mulheres, sendolhes assegurada gratuidade, celeridade e sigilo no atendimento.
83
CAPÍTULO II
DA COMPOSIÇÃO
Art. 4º O Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência Francisca
Clotilde disporá de equipe multiprofissional para atendimento às mulheres em situação de
violência, disposta da seguinte forma:
I - Coordenação, composta pela Coordenadora e Coordenadora Adjunta;
II - Equipe Técnica, composta por assistentes sociais, psicólogas, advogadas e educadoras
sociais;
III - Administrativo, composta por profissionais da área administrativa, serviços gerais,
cozinheira e motorista;
IV - Segurança, composta por profissionais da Guarda Municipal de Fortaleza e segurança
armada, pública ou privada.
CAPÍTULO III
DO FUNCIONAMENTO
Art. 5º O Centro de Referência e Atendimento à Mulher em situação de Violência Francisca
Clotilde funcionará nos dias úteis de 08:00h às 20:00h e aos finais de semana e feriados de
08:00h às 18:00h.
CAPÍTULO IV
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 6º As despesas com a execução deste Decreto correrão por conta das Dotações
Orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.
Parágrafo Único - Enquanto a unidade ora criada não dispuser, na forma da lei, de
infraestrutura própria, caberá à Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos, em
parceria com as demais secretarias, órgãos e autarquias da Prefeitura Municipal de Fortaleza,
implementar, na medida de suas possibilidades, os recursos materiais e humanos
indispensáveis ao desenvolvimento dos objetivos definidos neste Decreto.
Art. 7º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.
PAÇO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, aos 05 dias do mês de abril de
2013.
Roberto Cláudio Rodrigues Bezerra
PREFEITO MUNICIPAL DE FORTALEZA
84
ANEXO E – Lei nº13.925
LEI Nº 13.925, DE 26.07.07 (D.O. DE 31.07.07) Cria os Juizados de Violência Doméstica
e Familiar contra a Mulher nas Comarcas de Fortaleza e de Juazeiro do Norte e dá
outras providências.
O GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ
Faço saber que a Assembleia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Ficam criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
com competência cível e criminal, de jurisdição especial, nas Comarcas de Fortaleza e de
Juazeiro do Norte, para o fim específico de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar
contra a mulher.
Parágrafo único. Aos juízes titulares das Unidades Judiciárias criadas por este artigo,
compete processar, julgar e executar os feitos cíveis e criminais decorrentes da prática de
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei Federal nº. 11.340, de 7 de
agosto de 2006.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento
físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade
expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual.
Art. 3º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de
violação dos direitos humanos.
Art. 4º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou
saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e
85
decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,
vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e
limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde
psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação,
ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo,
a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,
documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os
destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou injúria.
Art. 5º O art. 106 da Lei Estadual nº. 12.342, de 28 de julho de 1994, que instituiu o
Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado do Ceará, passa a ter a seguinte
redação:
“Art. 106. Na Comarca de Fortaleza haverá 127 (cento e vinte e sete) Juízes de
Direito com jurisdição na área territorial do dito município, atribuições e competências
definidas neste Código, titulares das seguintes Varas ordinalmente dispostas:
XVII - 1 (um) Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.”
Art. 6º Ficam acrescentadas a letra “e” ao inciso I e a letra “d” ao inciso II do art. 100
da Lei nº. 12.342, de 28 de julho de 1994, com as seguintes redações:
“Art. 100. [...]
I - [...]
e - para o efeito de substituição, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher será considerado como a última vara, entre as existentes na comarca, sendo a
penúltima onde existir Juizado Especial Cível e Criminal.”
II - [...]
d - o titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher será
substituído de acordo com o disposto na letra “c” do inciso I deste artigo, sendo considerada
como última vara, dentre as especializadas, conforme o feito seja de natureza cível ou
criminal.
Art. 7º Em virtude da criação do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher nas Comarcas de Fortaleza e de Juazeiro do Norte, ficam criados os seguintes cargos
86
na estrutura do Poder Judiciário do Estado do Ceará, com lotação, exclusivamente, nessas
Unidades, de acordo com as respectivas entrâncias:
I - 1 (um) cargo de Juiz de Direito de Entrância Especial;
II - 1 (um) cargo de Juiz de Direito de 3ª. Entrância;
III - 1 (um) cargo, de provimento não efetivo, de Diretor de Secretaria de Entrância
Especial, símbolo DNS-3;
IV - 1 (um) cargo, de provimento não efetivo, de Diretor de Secretaria de 3ª Entrância,
símbolo DAS-1;
V - 1 (um) cargo de provimento efetivo de Analista Judiciário de Entrância Especial,
referência AJ-32;
VI - 1 (um) cargo de provimento efetivo de Analista Judiciário de 3ª Entrância,
referência AJ-32;
VII - 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Oficial de Justiça Avaliador de
Entrância Especial, referência AJ-23;
VIII - 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Oficial de Justiça Avaliador de 3ª
Entrância, referência AJ-23;
IX - 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Analista Judiciário Adjunto de Entrância
Especial, referência AJ-23;
X - 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Analista Judiciário Adjunto de 3ª
Entrância, referência AJ-23;
XI - 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Técnico Judiciário de Entrância
Especial, referência AJ-18;
XII - 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Técnico Judiciário de 3ª Entrância,
referência AJ-18;
Art. 8º Em face da necessidade de criação de uma equipe de atendimento
multidisciplinar junto a cada Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
conforme previsto na Lei Federal nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006, ficam igualmente
criados os seguintes cargos no Quadro III – Poder Judiciário do Estado do Ceará:
I – 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Assistente Social, referência AJ-32;
II – 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Psicólogo, referência AJ- 32.
§ 1º Os cargos criados por este artigo integrarão a lotação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, sendo um de Assistente Social e um de Psicólogo para
a Comarca de Fortaleza e os outros para a, de Juazeiro do Norte.
87
§ 2º O Tribunal de Justiça, mediante Provimento, regulamentará as atribuições e
funcionamento da equipe de atendimento multidisciplinar composta pelos ocupantes
dos cargos criados no caput deste artigo.
Art. 9º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 10. Revogam-se as disposições em contrário.
PALÁCIO IRACEMA, DO GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, em
Fortaleza, 26 de julho de 2007.
Cid Ferreira Gomes
GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ
Iniciativa: Tribunal de Justiça
Download