estudo - Deco Proteste

Propaganda
72%
dos inquiridos proíbem
a sobremesa às crianças, se estas não
terminarem o prato
61%
dos inquiridos pressionam
os mais novos para que comam mais
depressa as refeições
37%
indicam que os filhos têm
ou tiveram peso a mais, mas só 3%
consideraram necessária a ajuda
de um profissional de saúde
34%
controlam o consumo
de comida menos saudável
19%
dos pais
afirmam recompensar o bom
comportamento das crianças
com comida. Mais de um
quinto usa-a para os ajudar
a combater a tristeza ou a
ansiedade dos filhos
8%
dos pais
consideram que os filhos
comem pouco e apenas
metade destes aponta
excessos alimentares
10 testesaúde 119
Leite
materno
CONTROLO
DO PESO
As crianças
que não foram
amamentadas
tendem a ganhar
mais peso.
com comida não se brinca
contrapeso
Um terço dos pais controla em demasia a alimentação das crianças, metade reconhece
que as força a comer tudo o que está no prato e um quinto confessa que usa a comida
como prémio. Atitudes como estas podem incutir comportamentos alimentares
desadequados e dificultar o controlo do peso
U
ma em cada três crianças
portuguesas tem excesso de
peso, sendo que 14% já sofrem
de obesidade. Os números seguem a
tendência do mundo ocidental, que, nos
últimos 30 anos, viu duplicar o problema
entre as crianças e quadruplicar nos
adolescentes. A probabilidade de estes
jovens com peso a mais se tornarem
adultos obesos é elevada. A situação é de
tal modo preocupante que a Organização
Mundial de Saúde aponta a obesidade
como a pandemia do século.
Com o aumento generalizado do peso,
sobe o risco de doenças cardiovasculares,
diabetes tipo 2, asma, apneia do sono
e de alguns cancros. As crianças e os
adolescentes com excesso de peso são,
muitas vezes, discriminados e alvo
de violência psicológica e física.
Nestas circunstâncias, baixa a autoestima,
cresce o isolamento e a vergonha,
com consequências negativas ao nível
Seis
em cada
10 pais
revelam
que os
filhos
adoram
comer
do rendimento escolar e do
desenvolvimento de competências físicas
e sociais, que deixam marcas para a vida.
A genética e o funcionamento
do organismo têm o seu papel no
desenvolvimento do peso corporal,
mas os hábitos de vida, que começam
a cimentar-se em tenra idade, são
determinantes. O nosso inquérito
a 667 pais de crianças com menos de 10
anos revela muitos passos em falso
na transmissão destes hábitos.
Onde andamos a falhar
Pensa que o seu filho come pouco e
insiste para que limpe o prato, como
metade dos nossos inquiridos? Já pensou
que este comportamento pode levar
a criança a criar o hábito de não deixar
comida, seja qual for a quantidade, e,
assim, ter problemas de peso no futuro?
Muitos dos comportamentos que
adotamos no dia a dia de forma não
>
119 testesaúde 11
Entrevista
Tal pai, tal filho
André Ferreira, psicólogo clínico da equipa de tratamento cirúrgico
da obesidade, no Hospital do Espírito Santo, de Évora, defende que a
prática alimentar dos pais é um dos maiores modeladores dos hábitos
das crianças, que, muitas vezes, se mantêm na vida adulta.
O que pensa da utilização
da comida como prémio
de bom comportamento?
A alimentação e o ato de comer
deverão ser encarados como um
momento de prazer. No entanto,
a associação da comida a castigos
ou a recompensas é desaconselhada.
Se olharmos de forma mais abrangente
para a utilização de alimentos como
recompensa, poderemos inferir que,
ao longo do desenvolvimento da
criança, esta irá aprender que a comida
representa uma gratificação, podendo,
no futuro, dispor do ato de comer
como mecanismo compensatório.
O recurso à comida pelos pais
e, muitas vezes, pelos avós, como
“prémio” poderá, a médio e longo
prazo, potenciar hábitos alimentares
menos saudáveis, bem como o
aparecimento de perturbações do
comportamento alimentar. No que
concerne ao excesso de peso
e à obesidade, este facto é relevante,
uma vez que os alimentos mais
associados a recompensas são ricos
em gordura e açúcar.
Muitas vezes, o excesso
de peso é indicador de maus
hábitos em casa. Fazem-se
“tratamentos” para famílias?
As crianças tendem a imitar o
comportamento alimentar dos adultos.
Por exemplo, se a prática familiar
for a de ingerir fast-food várias vezes
por semana ou basear as refeições
principais em fritos, as crianças irão
crescer com esse referencial. No futuro,
a probabilidade de apresentarem um
comportamento semelhante é elevada.
A tendência para os filhos de pais
12 testesaúde 119
André Ferreira
Psicólogo clínico
obesos serem crianças obesas ou se
tornarem adultos obesos não advirá
apenas da carga genética, mas também
da aprendizagem de comportamentos
alimentares desequilibrados.
Por norma, não é eficaz intervir
em problemas do comportamento
alimentar infantil sem intervir ao
nível familiar. O ajuste nos hábitos
alimentares de um adulto também
poderá ter um impacto importante
na alteração do comportamento
alimentar familiar, sobretudo quando
a intervenção é dirigida a mulheres.
Em muitos casos, ainda são estas quem
prepara os alimentos para a família.
Como encara a publicidade
a alimentos dirigida a crianças?
Nos últimos anos, tem-se assistido
a uma crescente preocupação da
sociedade com o excesso de peso
e a obesidade. Para tentar perceber
melhor um fenómeno com contornos
pandémicos, começou a olhar-se para o papel que a indústria
alimentar poderá ter na prevalência
destes problemas. Sabemos que muitos
alimentos dirigidos a crianças são
ricos em gordura e açúcar, ainda que a
própria indústria pareça acompanhar
a preocupação dos pais, procurando
reduzir a quantidade destes nutrientes.
Isso também se nota em algumas
campanhas publicitárias: a par da
mensagem para as crianças (por exemplo,
salientando os brindes), é veiculada
outra para os pais, focando a redução
da gordura e do açúcar.
Independentemente da qualidade
nutricional desses alimentos e da
publicidade mais ou menos agressiva,
cabe aos pais ajudar os filhos a perceber
as mensagens da publicidade e a balizar
o seu comportamento. Muitas vezes, o
problema reside no facto de os adultos
serem seduzidos por aqueles produtos
com facilidade, paralelamente à baixa
literacia nutricional que ainda se verifica.
Não gostaria de passar a ideia de que
a culpa da obesidade é da indústria
alimentar ou que os pais devem banir
completamente alguns alimentos. Todos
os alimentos têm o seu lugar, embora com
frequência e em quantidade variáveis.
Como é que os pais podem
ensinar os filhos a manter uma
relação saudável com a comida?
Manter uma relação saudável
com a comida nem sempre é fácil,
especialmente nas sociedades ocidentais,
onde os problemas psicológicos
relacionados com a ansiedade e a
depressão se manifestam cada vez mais.
Neste contexto, a comida tende a assumir
um efeito compensatório perante a
dificuldade em lidar com a frustração.
Assim, na base de uma relação saudável
com a comida, estará a manutenção da
saúde psicológica. Crianças equilibradas
e felizes tenderão a ter comportamentos
alimentares mais adequados. O exemplo
parental é também fundamental.
Além disso, é importante não associar
a comida a castigos ou recompensas
e ajudar as crianças a lidar de forma
adequada com os estímulos alimentares
(publicitários ou não) a que estamos
sujeitos todos os dias.
Comer
devagar
MEIA HORA
POR REFEIÇÃO
Se mastigar bem os
alimentos, facilita a
digestão e acaba
por comer menor
quantidade.
>
consciente podem contribuir para que
os nossos filhos interiorizem ideias que
poderão dificultar o controlo do peso,
tanto no presente como no futuro.
Usar a comida sistematicamente
como prémio ou castigo (“se não fizeres
birra, dou-te um chocolate” ou “se não
comeres tudo, não tens sobremesa”)
e proibir com rigidez os alimentos que
mais agradam às crianças são atitudes a
evitar. Estas contribuem para uma relação
pouco saudável com a comida e para o
excesso de peso. Segundo André Ferreira,
psicólogo clínico (ver página ao lado), as
crianças frequentemente recompensadas
com comida “aprendem” a vê-la como
gratificação, podendo mais tarde utilizá-la como “mecanismo compensatório”.
O mesmo se aplica aos casos em que
os alimentos são utilizados para regular
as emoções, como tristeza e ansiedade.
O nosso estudo mostra que os pais
demasiado restritivos, que controlam
ao pormenor a alimentação das crianças,
impedindo a ingestão de alimentos
menos saudáveis, como batatas
fritas e guloseimas, têm filhos mais
gordinhos. Segundo André Ferreira,
“o comportamento restritivo por parte
dos pais poderá tornar as crianças mais
suscetíveis à ingestão dos alimentos
hipercalóricos alvo da restrição”.
O psicólogo explica ainda que, “quanto
Os progenitores
mais restritivos
ao nível alimentar
tendem a ter filhos
com mais peso
Criar bons hábitos
Cozinhe com as crianças e incentive-as a provar todos os alimentos.
O paladar educa-se. A exposição desde
tenra idade a sabores variados facilita a
aceitação de novos alimentos, permite
enriquecer a dieta e cimenta hábitos
para a vida. Se necessário, emprate
de forma divertida para estimular a prova.
Mantenha horários regulares para
as três refeições principais. Sempre
que possível, faça-as em família, com
a televisão desligada. Aproveite para
conversar. Assim, torna o momento mais
agradável e todos comem mais devagar.
Reserve, no mínimo, meia hora para cada
refeição e não force os mais pequenos
a comer mais do que lhes apetece.
Evite ter bolachas, batatas fritas,
bolos e outros doces na despensa
ou guarde-os fora da vista e em locais
inacessíveis às crianças. Assim, evita
tentações e consegue controlar melhor
o consumo.
Incentive a prática desportiva
e as brincadeiras ao ar livre.
As organizações de saúde recomendam,
no mínimo, uma hora de exercício,
pelo menos, cinco dias por semana.
Podem ser atividades estruturadas,
como futebol ou dança, ou simplesmente
brincar à apanhada no parque.
maior for restrição e maior a apetência
das crianças pelos alimentos restringidos,
mais dificuldade estas terão em regular
o seu comportamento alimentar”
na ausência dos pais. O segredo está
no equilíbrio, que nem sempre é fácil.
Comer piza ou hambúrguer uma vez
por mês ou soborear um chupa-chupa
por semana fará mais bem do que mal.
Os mais pequenos aprendem sobretudo
com o exemplo dos mais velhos.
De nada vale explicar que não se podem
comer bolachas antes do jantar, se vai
petiscando enquanto prepara a refeição
ou devora um chocolate quando está
mais ansioso.
Em busca do equilíbrio
O controlo do peso das crianças começa
na gravidez, através da alimentação
variada e equilibrada da mãe. Depois,
o leite materno, além de outras virtudes,
também ajuda neste aspeto. Seis em cada
10 inquiridos afirmam que os filhos foram
amamentados durante, pelo menos, seis
meses, como recomenda a Organização
Mundial de Saúde. Os inquiridos que
referem que os seus bebés não beberam
leite da mãe (13%), tendencialmente, têm
filhos mais pesados.
Após os 2 anos, a maioria faz quatro
ou cinco refeições por dia (em geral,
recomendam-se cinco). No entanto, cerca
de 17% dos inquiridos afirmam que a sua
descendência não faz as três refeições
principais todos os dias.
As falhas mais frequentemente referidas
são os almoços (14 por cento). A sopa,
parte essencial para equilibrar as
refeições, faz parte do menu, pelo menos,
cinco dias por semana, dizem 79%
dos pais que nos responderam. Uma boa
prática, a manter para a vida.
Mais de metade dos pais afirma que
os filhos comem uma grande variedade
de alimentos, mas 23% confessam ter
>
119 testesaúde 13
Sopa diária
DIETA EM
EQUILÍBRIO
Oito em cada 10
inquiridos indica
que as crianças
comem sopa quase
todos os dias.
>
dificuldade em fazê-los provar algo que
nunca tenham comido; sensivelmente
a mesma percentagem afirma que os
pequenos decidem que não gostam
sem provar. A bem da educação
alimentar, é importante expor as
crianças a variados sabores e texturas
desde cedo. Por vezes, os pais têm de
ser “mais diretivos”, diz André Ferreira,
mas “a forma como os alimentos são
apresentados às crianças também pode
influenciar a sua vontade de comer,
pelo que mais do que forçá--las a ingerir
os alimentos, pode ser necessário
repensar a apresentação
dos mesmos”, acrescenta.
O que dizem os pais
O sedentarismo e a alimentação desadequada são
os principais responsáveis pelo excesso de peso.
Eis alguns indicadores do nosso estudo.
Relação da criança com a comida
Come demasiado rápido 47%
Come mais quando está aborrecido
29%
Se não for controlado, come demais
24%
Recusa provar alimentos novos
23%
Fica “cheio” antes de acabar a refeição
17%
Duas horas ou mais por dia
a ver televisão ou jogar consola
De segunda a quinta-feira
Sexta-feira
43%
55%
Fim de semana e férias 89%
O nosso estudo
Em junho e julho de 2015, enviámos um questionário
por correio a uma amostra da população portuguesa com
filhos até aos 10 anos, para conhecer os hábitos alimentares
e de atividade física das crianças e as preocupações dos pais
nesta área. Procurámos também perceber o estilo de educação
adotado pelos progenitores e de que forma este influencia o peso
dos mais novos.
A amostra foi selecionada de forma aleatória, e estratificada
de acordo com a distribuição da população portuguesa em
termos de sexo, idade e nível educacional. Os dados recolhidos
foram ponderados com base nestas variáveis.
No total, recebemos 667 questionários devidamente preenchidos.
Os inquiridos responderam de forma anónima, por convite único
e sem carta de insistência.
14 testesaúde 119
Metade
dos pais
insiste
para
que as
crianças
comam
mais do
que lhes
apetece
Comer pouco inquieta
A grande maioria dos inquiridos afirma
não haver problemas alimentares entre
a sua prole. Quem revela dificuldades
neste domínio (15%) indica sobretudo
que as crianças comem pouco.
Contudo, quando se lhes pergunta se os
filhos têm peso a mais, 37% respondem
afirmativamente.
Comer a menos na ausência dos pais
preocupa mais inquiridos do que
comer de mais, embora um terço dos
inquiridos tenha receio de que os filhos
se tornem obesos quando crescerem. Os
distúrbios alimentares, como anorexia
e bulimia, e as doenças relacionadas
com a alimentação, como diabetes e
problemas cardiovasculares, também
inquietam mais de 30% dos pais.
Com maior ou menor preocupação
dos progenitores, as crianças passam
uma média de duas horas em frente
ao ecrã da televisão ou dos videojogos.
Além de eventuais problemas para
os olhos, esta (in)atividade é uma
conhecida causa dos quilos em excesso.
Mais: um terço dos pais indica que
os filhos não praticam exercício físico
fora da escola. Talvez os inquiridos
não se tenham lembrado de que correr
ou jogar à bola no parque também é
atividade física, mas o número merece
reflexão. A bem do combate à epidemia
do século.
Download