O direito de morrer Fernando de Almeida Santos e Tayla Cristina Arantes Solano Lopes Siqueira É cediço que a vida humana precede ao direito, de maneira que desde os primórdios da humanidade, o direito a vida tem sido preservado de forma prioritária, pois constituiu e ainda constitui, o direito tutelado mais importante existente, e dessa forma é tratado no ordenamento jurídico pátrio. Podemos considerá-lo como o principal direito a ser assegurado, visto que toda a legislação existente se volta com o escopo de regular as relações da vida humana, eis que a vida é um pré-requisito à existência de todos os demais direitos. O direito a vida é o mais elementar dos direitos fundamentais, sem vida nenhum outro direito pode ser fruído, ou sequer cogitado. 1 Tal direito está previsto de forma genérica no artigo 5º, caput, da Carta Magna, visto que garante o direito de não ser morto, ou seja, não ser privado de sua vida arbitrariamente por um terceiro. Ademais, trata-se cláusula pétrea, a qual nem mesmo as Emendas à Constituição tem o condão de alterá-las. Nesse diapasão é o entendimento de Maria Helena Diniz: “O direito à vida, por ser essencial ao direito do ser humano, condiciona os demais direitos da personalidade. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integralidade existencial, consequentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a concepção, momento específico, comprovado especificamente, da formação da pessoa. Se assim é, a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo. O respeito a ela e aos demais bens ou direitos correlatos decorrem de um dever absoluto erga omnes, por sua própria natureza, ao qual a ninguém é lícito desobedecer; (...) Garantido está o direito à vida pela norma constitucional em cláusula pétrea (art. 5º), que é intangível, pois contra ela nem mesmo há o poder de emendar. 2 A corroborar com tal afirmação acima exposta, o doutrinador José Afonso da Silva, sustenta que “de nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos 1 PAULO, Vicente, Alexandrino, Marcelo, Direito Constitucional Descomplicado, 4ª edição, Revista e Atualizada, Ed. Método, São Paulo – SP, 2009. 2 DINIZ, Maria Helena, O Estado Atual do Biodireito, 6ªedição, ver. Aum e atual, São Paulo: Saraiva, 2009, p.21 e 22. fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade o bem-estar se não erigisse a vida humana num desses direitos”. 3 Assim, o direito a vida não se resume apenas no mero direito à sobrevivência física, pois no nosso ordenamento jurídico pátrio, temos como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana. É certo que o advento de novas técnicas médicas contribuiu para a manutenção da vida humana em condições anteriormente inimagináveis, que em alguns casos levam à cura, entretanto, em outros, prolongam a vida humana de forma indefinida e infrutífera, visto que apenas adiam o processo natural da morte, gerando com isso sofrimento físico e psíquico para o paciente, igualmente para sua família e indiretamente para sociedade. Ainda que a vida seja considerada como bem maior, sabemos que tal direito comporta exceções, como por exemplo, nos casos de guerra declarada, aborto terapêutico ou humanitário, estado de necessidade e legítima defesa, as quais são situações excepcionais. Agora cumpre questionar: se existem exceções ao direito à vida, porque o próprio titular desse direito não pode renunciá-lo ou abdicá-lo em nome da preservação de sua dignidade? Ademais o direito a vida possui várias perspectivas que o integram, como o direito de nascer, o direito à vida com dignidade, a proteção à integridade física e moral e à proteção a intimidade e a vida privada. Assim sendo, caso o viver não possua nenhuma destas perspectivas, é onde inicia um questionamento sobre a quem pode ser dado o poder de decisão sobre a vida ou a morte de alguém. A dignidade humana é um atributo da pessoa, não podendo seus fatores serem analisados de maneira isolada, pois nela intervém a combinação de vários aspectos, tais como morais, sociais, econômicos, políticos entre outros. Como já dito, trata-se de um princípio fundamental do Estado Democrático Brasileiro e cerne de todo ordenamento jurídico, a dignidade da pessoa humana, juntamente com o direito a vida e a liberdade, são direitos individuais assegurados pela Constituição Federal de 1988, e servem como princípios informadores para nortear as manipulações sobre a vida humana. A proteção a integridade física implica no direito de se manter íntegro, de maneira que se houver a ocorrência de sua violação, incorrerá o infrator em uma 3 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18 edição. São Paulo: Malheiros, 2000. p.201. pena e ainda ensejará ao mesmo a obrigação de imediata reparação dos danos causados. Amparando-se nestes preceitos, a ciência vem discutindo alternativas para solucionar o sobreviver sem dignidade, sendo que a bioética tem conferido uma especial atenção ao trato da matéria, pois, como já afirmamos, trata-se direito garantido constitucionalmente. Entende-se por Bioética, a ética das biociências e biotecnologias, pois tem como foco preservar a dignidade, os princípios e valores morais das condutas humanas, constituindo-se meio de proteção e de defesa da vida humana, de várias formas, objetivando a proteção da vida humana e a do planeta, ou seja, trata-se do estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências da vida e da saúde, enquanto examinada a luz dos valores e dos princípios morais4. Na mesma direção caminha o Biodireito, o qual se relaciona com a Bioética, estudando as relações jurídicas entre os avanços tecnológicos relativos à medicina e à Biotecnologia e o direito, bem como estuda as peculiaridades relativas ao corpo e a dignidade da pessoa humana. Entende que a função do jurista não deve ser tão somente de racionalizar o presente, mas também a de programar o futuro. Com base no exposto, percebe-se que o ordenamento pátrio presta completa proteção à vida do cidadão, sendo certo que qualquer tipo de violação será punida. Contudo, há situações que o sobreviver não significa viver, e é neste ponto que o direito brasileiro é carente e retrógado. É nesse ponto que a medicina passou a analisar as formas e as condições para fazer cessar a vida do indivíduo. Criou-se então os institutos da eutanásia, ortotanásia, distanásia e suicídio assistido. Eutanásia deriva do grego, sendo que o radical eu significa boa, e thanatos significa morte, podendo ser interpretada como sendo boa morte ou morte apropriada, morte benéfica, ou até mesmo morte piedosa. A eutanásia se dá quando ocorre uma antecipação voluntária da morte de um paciente, realizada por terceiro, a pedido do doente em fase terminal ou a pedido de seus familiares. 4 DINIZ, Maria Helena, O Estado Atual do Biodireito, Ed. Saraiva, 6ª edição, revista aumentada e atualizada, Sãp Paulo 2009, p10. É o ato pelo qual um terceiro mediante uma ação, ocasiona a morte de outrem a seu pedido ou de seus familiares, em razão de moléstia grave, aparentemente incurável, visando afastar a dor e o sofrimento do enfermo, movido pelo sentimento de piedade e humanidade. No que tange ao entendimento doutrinário, o conceito de eutanásia não possui muitas variações consideráveis, sendo que maior parte da doutrina tem o mesmo entendimento. Vejamos a conceituação dada pela doutrinadora Maria de Fátima Sá Freire, acerca do tema eutanásia: “nos dias atuais, a nomenclatura eutanásia vem sendo utilizada como a ação médica que tem por finalidade abreviar a vida de pessoas. É a morte da pessoa – que se encontra em grave sofrimento decorrente de doença, sem perspectiva de melhora – produzida por médico, com o consentimento daquela. A eutanásia, propriamente dita, é a promoção do óbito. É a conduta, por meio da ação ou omissão do médico que emprega ou omite, meio eficiente para produzir a morte em pacientes incurável e em estado de grave sofrimento, diferente do 5 curso natural, abreviando-lhe a vida”. De igual forma o doutrinador Rogério Greco define a eutanásia, considerando-a como homicídio piedoso, senão, vejamos: “A eutanásia diz respeito à prática do chamado homicídio piedoso, no qual o agente antecipa a morte da vítima, acometida de uma doença incurável, com a finalidade, quase sempre, de abreviar-lhe algum tipo de sofrimento. Em geral, a eutanásia é praticada a pedido ou com 6 consentimento da própria vítima.” No Brasil, como já mencionado anteriormente, a eutanásia é considerada como crime de homicídio, o Código Penal Brasileiro apenas possibilita uma redução de pena de 1/6 (um sexto) à 1/3 (um terço), considerando, nesse caso, que o homicídio foi cometido mediante relevante valor moral ou social. Vejamos o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. IPE-SAÚDE. EUTANÁSIA JUDICIAL. 5 SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito de Morrer: Eutanásia, Suicídio Assistido. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.39 6 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial. 6. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Impetus. 2009, p. 196 INADMISSIBILIDADE. VOTO VENCIDO DO RELATOR. 1. O fato de não existir droga de eficiência comprovada para combater cancer coloretal metastático, não exonera o Instituto de Assistência à Saúde de custear medicamento, receitado pelo médico, tido como o mais adequado nas circunstâncias, pois o paciente não pode ser abandonado, sob pena de ferimento ao princípio constitucional da dignidade da pessoa (CF, art. 1º, III). 2. A não ser assim, institui-se a eutanásia judicial. Quer dizer, o médico não pode abandonar a luta pela vida, mas o Juiz, considerando que a ciência médica não dispõe de drogas de eficiência comprovada, pode cortar o fornecimento pelo Poder Público, decretando, literalmente, a morte do paciente. 3. Desnecessidade de dilação probatória, pois o direito do paciente de ser medicado não exige, na ausência de alternativa, de prova de que a droga receitada pelo médico seja de eficiência comprovada. 4. Por 7 maioria, apelação provida . Ademais, é cediço que a eutanásia ativa, consistente na ação de um terceiro na ocorrência direta da morte de um paciente, terminal ou não, o que não é aceito pelo nosso ordenamento jurídico pátrio e tampouco há aprovação no contexto social e religioso. Há varias razões em que nos convence a emitir parecer contrário acerca da eutanásia ativa, visto que de atualmente o Brasil conta com uma população de cerca de 190.755.799 habitantes, de maneira que cerca de 14.500.000 são idosos, ou seja, aproximadamente 8% da população brasileira. Assim, num mundo cada vez mais cheio de velhos, pessoas malintencionadas podem se apropriar de uma legislação que permite a eutanásia para matar quem ainda tem o direito de continuar vivo. Outrossim, se houvesse a legalização da eutanásia, tal fato abriria precedentes para que muitos médicos, abusem da norma, ocasionando mortes desnecessárias, visto que é muito mais fácil aplicar uma injeção letal em pacientes enfermos com possibilidade de recuperação ao invés de tratá-los. Ademais, a vida humana precede ao direito de forma que o ordenamento jurídico deve respeitá-la na sua totalidade, não devendo dispor de meios legais para 7 Apelação e Reexame Necessário Nº 70036415040, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 06/10/2010. que diretamente haja intervenção de um terceiro para ocasionar a morte de alguém, visto que isso feriria a garantia constitucional do direito a vida, vejamos: O direito ao respeito a vida não é um direito a vida. Esta não é concessão jurídico –estatal, nem tampouco um direito de uma pessoa sobre si mesma. Logo não há como admitir a licitude de um ato que ceife a vida humana, mesmo sob o consenso de seu titular, pois este não vive somente para si, uma vez que deve cumprir sua missão na sociedade e atingir seu aperfeiçoamento pessoal. Saviny não admite, com razão, a existência de um direito sobre si próprio; isso seria legitimar o suicídio.8 Na eutanásia é clara a colisão de direitos fundamentais, onde, de um lado, está a autonomia da vontade do paciente, e do outro, está o direito à vida. Em outros termos, “o debate gira em torno da possibilidade de se renunciar ao direito à vida, em favor de uma morte digna com fundamento na autonomia da vontade”. 9 Contudo, há quem defenda a prática da eutanásia ativa, sustentando a necessidade de admitir-se legalmente, em certos casos específicos, a qual em nosso entender não passa do cometimento de um homicídio, realizado por terceiro a pedido do próprio paciente ou de seus familiares. A eutanásia acompanha a história de toda a humanidade desde seus primórdios até a atualidade. No Uruguai, o Código Penal prevê como causa de inimputabilidade a prática de homicídio piedoso, desde que o agente tenha agido movido de grande compaixão mediante súplicas reiteradas da vítima. Esse Código, no artigo 37, e o da Colômbia, no artigo 365, concedem o benefício do perdão judicial em caso de eutanásia ativa, se realizada com anuência expressa do paciente terminal.10 Trata-se te tema bastante polêmico, pois envolve não apenas o universo jurídico, mas sim vários fatores de grande influência tais como religião, ética, razão dentre outros. 8 DINIZ, Maria Helena, O Estado Atual do Biodireito, Ed. Saraiva, 6ª edição, revista aumentada e atualizada, São Paulo 2009, p.22. 9 Diniz, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 6. ed. rev. aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 26. 10 DINIZ, Maria Helena, O Estado Atual do Biodireito, Ed. Saraiva, 6ª edição, revista aumentada e atualizada, São Paulo 2009, p.379. O Congresso Uruguaio aprovou uma lei que teve por nome “vontade antecipada”, a qual confere ao cidadão o direito de decidir antecipadamente e expressamente, em caso de doença terminal, que sua vida não seja prolongada artificialmente, sendo ainda facultado nomear um procurador para cumprir a sua vontade. No que tange aos países da Europa, as leis sobre o assunto variam muito sobre o assunto, de maneira que alguns países já toleram a prática de permitir um doente terminal ou desenganado a morrer com dignidade, ou seja, sem sofrimento. No entanto, o tema continua com uma forte resistência nos outros países, os quais retrocederam em sua atitude de aprovar um legislação para regular oficialmente a eutanásia. Na Holanda, a eutanásia está regulamentada por lei, mas antes da regulamentação tal prática já era tolerada pela justiça nos casos em que fosse realizada solicitação pelo próprio paciente terminal, que tenha seu estado de terminal por dois médicos. A Lei Funeral de 1993 impediu que médicos que praticassem eutanásia ou suicídio assistido fossem processados, e exigiu por sua vez, que critérios para a realização da eutanásia e a notificação do procedimento.11 Em suma, na Holanda a permissão da prática da eutanásia só é autorizada se o paciente não tiver a menor chance de cura e estiver submetido a insuportável sofrimento. Além disso, o pedido deve ser feito pelo próprio paciente, de maneira que o médico também esteja convencido que não há cura possível. O Código Espanhol não trata especificamente do tema da eutanásia, o assunto é abordado através das conexões possíveis entre os institutos do suicídio e do homicídio. Na Itália não há legislação no sentido de autorizar a prática da eutanásia, contudo em novembro de 2008, a Suprema Corte da Itália autorizou, pela primeira vez em sua história, a prática da Eutanásia em uma mulher, Eluana Englaro, que vivera 17 dos seus 38 anos em estado vegetativo. 11 DINIZ, Maria Helena, O Estado Atual do Biodireito, Ed. Saraiva, 6ª edição, revista aumentada e atualizada, São Paulo 2009, p.379 A medida autorizou que fossem retiradas as sondas de alimentação de Eluana, visto que reconheceu que a mesma havia perdido totalmente e irreversivelmente suas faculdades mentais. Tal medida gerou grande repercussão no país, o qual culminou em vários protestos populares. Na Bélgica, a eutanásia foi aprovada em 2002 e na última pesquisa realizada pelo governo, no ano de 2008, constatou-se um aumento de 42%.12 Já na Alemanha, Suíça e Itália, entendem que a eutanásia é um homicídio atenuado em razão de sua motivação piedosa, contudo não admitem o perdão judicial, tampouco a absolvição. A ortotanásia é um desdobramento da eutanásia, sendo chamada de eutanásia por omissão, eutanásia passiva ou paraeutanásia, também conhecida por morte na hora certa. É uma ajuda dada pelo médico ou por terceiro ao processo natural da morte, consistente em deixar de usar meios artificiais para prolongar a vida de um paciente em estado irreversível a fim de evitar o prolongamento infrutífero de uma vida sem absolutamente nenhuma chance de recuperar-se. Está insculpida sob o prisma físico, moral, emocional e econômico, social, e sua realização se dá quando há uma solicitação do próprio paciente, quando este está consciente, ou de seus familiares no caso de sua inconsciência. Diante das inúmeras descobertas científicas e do grande avanço das técnicas médicas e científicas, quadros de doenças que outrora eram incuráveis, são reversíveis, em razão do avanço dessas novas técnicas. Contudo, tal avanço implica em alguns casos não apenas a cura, mas sim o prolongamento indefinido da morte, a custa da transformação do direito à vida em dever de sofrimento, sofrimento este não só para o doente terminal, mas também para toda a família daquele. A proposta da ortotanásia é a morte no momento certo, não apressada, como nos casos da eutanásia ativa, ou somente eutanásia, tampouco demorada como verificamos na distanásia. Assim sendo, propõe que a morte ocorra de forma natural, pois com a suspensão da intervenção médica, o organismo fica livre de intervenções externas 12 CONSULEX, Revista Jurídica, ano XIV – nº322, de 15 de junho de 2010, editora Consulex, p.36. para assim manter seu funcionamento até o seu limite, ou seja, até a sua morte natural. A ortotanásia não significa tirar a vida, mas assegurar o direito de morrer com dignidade.13 A ortotanásia tem como escopo, evitar o prolongamento desnecessário e cruel da existência da vida humana, poupando com isso vários elementos como o trauma sentimental da família, o sofrimento suportado pelo paciente e também os custos desnecessários da mantença daquela vida sem nenhuma possibilidade de recuperar-se. É de suma importância diferenciar a omissão de socorro da ortotanásia, visto que na omissão de socorro o agente deixa de prestar assistência, quando é possível fazê-lo (Código Penal art. 135). Na ortotanásia ocorre a suspensão do tratamento, ou seja deixa-se de usar aparelho que prolonga a vida sem condição de reversão. Insta salientar que no caso de se tratar de paciente recuperável deve prevalecer a preservação da sua vida, mesmo que contra sua vontade. Mas se estiver diante de caso de morte inevitável, sobrepõe-se o principio do alívio do sofrimento, em momento algum estando configurado a omissão de socorro. A proposta da ortotanásia e proporcionar ao paciente terminal uma morte digna, com a ausência de sofrimento físico e psicológico, permitindo ao paciente terminal que ainda se encontra consciente, o livramento do sofrido ambiente hospitalar e ao paciente inconsciente descansar em paz. Um fato conhecido mundialmente que exemplifica a realização da ortotanásia, foi a morte do Papa João Paulo II, em que não adiantaria mantê-lo vivo artificialmente, sob intervenção de aparelhos, visto que nenhum tratamento poderia trazer melhoras em seu quadro clínico. Ademais, outro fato relevante a ser mencionado, foi o do infectologista Artur Timerman, o qual praticou a ortotanásia em um paciente seu, que contava com a idade de 46 anos, portador do vírus da AIDS em fase avançada, além de também estar acometido de Sarcoma de Kaposi, um tipo de câncer freqüente entre portadores do vírus HIV, estando com o corpo todo coberto por úlceras e 13 CONSULEX, Revista Jurídica, ano XIV – nº322, de 15 de junho de 2010, editora Consulex. hematomas, de maneira que nem os analgésicos mais fortes eram capazes de aliviar a sua dor e sofrimento. Sua vida se resumia em estar preso a uma cama e qualquer movimento que realizasse urrava de dor. Relata o médico Arthur Timerman à Revista Veja que seu paciente disse: “Não tenho mais vida. As dores estão insuportáveis. Eu quero ir embora, por favor me ajude”.14 Assim em atenção ao pedido do paciente o médico Arthur Timerman, após longas conversas com o paciente, aplicou-lhe um coquetel de sedativos com analgésicos e suspendeu todos os demais tratamentos, de maneira que o paciente adormeceu e em cerca de vinte e quatro horas o paciente faleceu de parada cardiorrespiratória. Vejamos parte de sua entrevista: Respeitei a autonomia de um paciente em plenas condições mentais de discernimento, mas que estava em estado terminal e era acometido por sintomas horrorosos, contra os quais nada poderia ser feito. No atestado de óbito, a causa da morte foi registrada como parada cardiorrespiratória.15 Ademais, a experiência vivida pelo Médico Arthur Timerman foi extrema, mas ilustra com clareza o dilema vivenciado ordinariamente nas clínicas e hospitais, pois quando não há mais nada o que fazer o melhor é deixar que a enfermidade tome o seu próprio curso. Tem-se um conceito firmado de que a média de vida de um brasileiro é de oitenta anos e caso haja alguma morte antes de completar essa estimativa, ocorreu uma morte prematura. Contudo, importante mencionar que o tempo de vida de cada ser humano é relativo, por isso faz-se absolutamente necessário que a dignidade humana esteja presente em todos os momentos da vida e da morte da pessoa humana. A ortotanásia se baseia no princípio da dignidade da pessoa humana, bem como no princípio da autonomia da vontade, devendo sempre haver uma ponderação, em cada caso concreto, sobre o que é mais relevante: a manutenção de uma vida eivada de sofrimento e dores, ou a suspensão de tratamentos que não 14 Revista Veja, Ajuda Para Morrer, edição 2162 – ano 43 – nº17, 28 de abril de 2010, editora Abril, p.101. 15 Revista Veja, Ajuda Para Morrer, edição 2162 – ano 43 – nº17, 28 de abril de 2010, editora Abril, p.101. geram efeitos curativos, para proporcionar ao paciente no tempo que lhe resta, uma qualidade de vida. Ademais, a proposta da ortotanásia é conferir para o paciente terminal, a possibilidade de optar pela suspensão do tratamento que apenas lhe prolonga o sofrimento e não traz nenhuma melhora em seu quadro clínico. Assim sendo, para aquele paciente ou familiar do paciente, no caso de inconsciência do primeiro, que achar por bem optar pela continuidade do tratamento, não haverá alteração nenhuma, visto que a proposta da legalização da ortotanásia visa apenas possibilitar para aqueles que efetivamente querem a suspensão do tratamento, obtê-lo. Ademais, o Código Civil em seu artigo 15 consagrou o princípio da liberdade de escolha do indivíduo, de maneira que possibilitou ao paciente em estado terminal, que se recuse a iniciar tratamentos ou cirurgias que ocasionem risco de vida. Assim sendo, se o legislador conferiu essa possibilidade ao paciente não ter a obrigatoriedade de se submetera tratamentos que tenha risco de vida. Assim sendo, razoável seria conferir essa mesma possibilidade de escolha ao paciente já submetido a um tratamento que não vai lhe proporcionar a cura, mas tão somente adiar o processo natural da morte. Distanásia é a prática pela qual se prorroga, através de meios artificiais e desproporcionais, a vida de um enfermo incurável. Também pode ser conhecida como obstinação terapêutica. A distanásia encontra-se em lado oposto do da eutanásia, visto que esta acelera o processo artificialmente da morte, enquanto aquela prorroga ao máximo possível a vida humana, ou melhor, faz com que o processo natural da morte seja estendido. Essa possibilidade de extensão da vida humana, se deu por causa do grande desenvolvimento da ciência, em razão das inúmeras novas técnicas médicas. Ademais, insta salientar, que tais técnicas contribuíram grandemente no curso da sociedade e reduziu número significativo de mortes em razão de várias doenças outrora considerada incuráveis. Contudo, é cediço que algumas intervenções terapêuticas, são desproporcionais e inúteis, visto que apenas prolonga de maneira indefinida o processo da morte. Ademais, a distanásia é criticada pelo fato de não conseguir discernir o momento exato da suspensão do tratamento terapêutico, e em razão disso é considerada como futilidade terapêutica ou obstinação. Vejamos o entendimento de Maria de Fátima Freire de Sá: Do lado oposto da eutanásia, encontra-se a distanásia. Como se disse, na primeira, o ato médico tem por finalidade acabar com a dor e indignidade na doença crônica e, no morrer, eliminando o portador da dor. A preocupação primordial é com a qualidade de vida humana na sua fase terminal. A distanásia, por sua vez, dedica-se a prolongar, ao máximo, a quantidade de vida humana, combatendo a morte como grande e último inimigo. Insta mencionar que o Código de Ética Médica em seu artigo 41 traz que nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis, sem contudo, empreender ações diagnosticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente, ou na sua impossibilidade, a de seu representante legal. Imperioso ressaltar que tal parâmetro normativo não regula a prática da ortotanásia, mas tão somente oferece orientação clara aos médicos sobre a prescrição de cuidados paliativos. O suicídio assistido consiste na ocorrência da morte advinda de ato praticado pelo próprio paciente, contudo este necessita de auxílio, ajuda para provocar a sua própria morte, e assim é auxiliado ou orientado por médico ou terceira pessoa a seu pedido. A assistência ao suicídio de outra pessoa pode ser feita por atos (prescrição de doses altas de medicação e indicação de uso) ou, de forma mais passiva, através de persuasão ou de encorajamento. Em ambas as formas, a pessoa que contribui para a ocorrência da morte da outra, compactua com a sua intenção de morrer através da 16 utilização de um agente causal. A prática do suicídio assistido é legalizada na Suíça como também na Holanda, o qual é permitido aplicar no paciente uma única injeção letal no paciente. No Brasil tal prática é proibida no ordenamento jurídico, de maneira que é tipificada como crime no artigo 122 do Código Penal, que diz que aquele que induzir 16 GOLDIM, José Roberto, Suicídio Assistido. Disponível em http://www.ufrgs.br/bioetica/suicass. htm. Acesso em 27.09.2011 ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para quem o faça, será incurso em uma pena de 02 (dois) à 06 (seis) anos se a morte se consuma e de 01 (um) à 03 (três) anos se da tentativa resultar lesão corporal. Como exemplo de prática do suicídio assistido, temos o patologista de Michegan nos Estados unidos, Dr. Jack Kevorkian, conhecido como “Doutor Morte”, o qual é absolutamente a favor da eutanásia e do suicídio assistido, de maneira que criou um equipamento de eletrocardiograma, conhecida como “Máquina da Morte” a fim de ajudar a aliviar o sofrimento dos pacientes terminais. Esse equipamento é acionado pelos próprios pacientes terminais que injeta na veia uma substancia salina neutra, que acarreta inconsciência, e depois uma dose letal de cloreto de potássio, que causa paralisia cardíaca. Esse equipamento chamado de “Máquina da Morte” foi utilizado por cerca de 130 (cento e trinta) pacientes em fase terminal. Concluindo, a prática da eutanásia ativa, aquela que consiste na intervenção direta de um terceiro para a ocorrência da morte de um paciente acometido de grave enfermidade, nada mais é do que o crime de homicídio, o qual fere diretamente um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a saber o princípio da dignidade da pessoa, e deve sem sombra de dúvidas continuar sendo considerada prática criminosa. Mais aceitável é a prática da ortotanásia, que é a suspensão de tratamento infrutífero a pacientes terminais, com total possibilidade de ser acatada no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que apenas confere ao paciente a possibilidade de escolha sobre a suspensão ou não do tratamento infrutífero o qual não resultará em cura, o qual apenas prolonga um estado penoso de prolongamento da morte e não altera em nada, para aqueles que não concordam com a sua prática e preferem continuar se submetendo aos tratamentos. REFERÊNCIAS CONSULEX, Revista Jurídica, ano XIV – nº322, de 15 de junho de 2010, editora Consulex. Diniz, Maria Helena, O Estado Atual do Biodireito, 6ªedição, ver. Aum e atual, São Paulo: Saraiva, 2009. GOLDIM, José Roberto, Suicídio http://www.ufrgs.br/bioetica/suicass.htm. Assistido. Disponível em GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial. 6. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Impetus. 2009. PAULO, Vicente, Alexandrino, Marcelo, Direito Constitucional Descomplicado, 4ª edição, Revista e Atualizada, Ed. Método, São Paulo – SP, 2009. SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito de Morrer: Eutanásia, Suicídio Assistido. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18 edição. São Paulo: Malheiros, 2000. VEJA Revista, Ajuda Para Morrer, edição 2162 – ano 43 – nº17, 28 de abril de 2010, editora Abril, p.106.