Pneumonias Comunitárias na Infância e na Adolescência

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Pneumonias Comunitárias na Infância e na Adolescência
Autores
1
Paulo Augusto Moreira Camargos
Publicação: Nov-2003
1 - Quais são as características epidemiológicas das pneumonias comunitárias na infância?
Nos países em desenvolvimento ocorrem, a cada ano, 12 milhões de mortes em menores de cinco
anos, 25% delas por pneumonia, ou seja, cerca de quatro milhões de óbitos. É como se fosse
extinta, anualmente, mais que a população das regiões metropolitanas de Salvador ou Belo
Horizonte. Estima-se que 20% a 25% dos quatro milhões, isto é, um milhão de óbitos, tenha o
Streptococcus pneumoniae como agente causal, dado epidemiológico que requer a devida
consideração nos esquemas terapêuticos desta doença.
Inquérito epidemiológico realizado em Belo Horizonte mostrou que a taxa de mortalidade por
pneumonias nesta mesma faixa etária reduziu de 4/1.000 habitantes em 1979 para 1/1.000
habitantes em 1996. Entretanto, a queda anual observada neste período equivale apenas a dois
terços da redução obtida em países desenvolvidos, onde a taxa de mortalidade chega a ser 35
vezes menor.
Contribuem para o êxito letal nos países em desenvolvimento fatores de risco que devem ser
levados em conta pelo profissional de saúde quando do atendimento a casos de pneumonia. Eles
estão relacionados à condição socioeconômica, tais como baixa renda, analfabetismo ou semianalfabetismo do chefe da família, deficiências na habitação, sobretudo aquelas associadas à
aglomeração e poluição domésticas; ao acesso aos serviços de saúde e às características clínicas
da criança, entre elas a menor idade, a prematuridade, o baixo peso, a desnutrição moderada a
grave, o tempo reduzido de aleitamento materno e o déficit de vitamina A. Doenças subjacentes
também concorrem para a elevação do risco de óbito, entre elas, cardiopatias e imunodeficiências.
Alguns destes fatores de risco foram detectados no inquérito epidemiológico citado acima. Taxas
de mortalidade mais elevadas foram observadas em crianças cujo pai era trabalhador braçal, a
mãe se ocupava com afazeres domésticos, a renda familiar média mensal de até quatro saláriosmínimos e que residiam em bairros periféricos, em especial aqueles situados na região norte de
Belo Horizonte.
2 - Qual o impacto financeiro das pneumonias no Sistema Único de Saúde?
Um problema de tal magnitude epidemiológica também repercute nos gastos do Sistema Único de
Saúde. Taxas de mortalidade elevadas também correspondem a um número elevado de
internações, parte delas, de fato desnecessárias. Em Belo Horizonte, no ano de 1996, quando a
taxa de mortalidade fora de 1/1.000 habitantes, emitiram-se autorizações para internação
hospitalar para 13.839 crianças menores de 5 anos, acarretando o desembolso de quatro milhões
de reais pelos cofres públicos. Claro está que a prioridade na assistência ambulatorial, ou a
almejada "desospitalização" passa pela pesquisa e adoção de esquemas terapêuticos simples,
eficazes e de baixo custo, adaptados às características etiológicas, epidemiológicas, clínicas,
radiológicas e laboratoriais.
3 - Qual o perfil etiológico das pneumonias comunitárias na infância?
O conhecimento do perfil etiológico das pneumonias num serviço ou numa dada região geográfica
é indispensável para balizar a terapêutica. Contudo, a maioria dos estudos publicados na literatura
especializada é originária dos países desenvolvidos e, a despeito da relevância epidemiológica das
pneumonias comunitárias, investigações nacionais sobre este tema ainda são escassas. Contribui
para esta escassez o fato de não ser uma prática entre nós a realização rotineira de exames
subsidiários, como, por exemplo, a hemocultura, que propiciam a identificação do agente causal e
1
Professor Titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
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o perfil de susceptibilidade aos antimicrobianos. Apesar da inexistência de pesquisas neste
sentido, a relação custo-benefício do diagnóstico etiológico, pelo menos em serviços de referência,
parece compensar o dispêndio com a antibioticoterapia desnecessária.
Em trabalho realizado na Finlândia com quase nove mil crianças de três meses a 14 anos de idade
(média de 5,6 anos), verificou-se 201 casos de pneumonia durante os 12 meses de duração da
pesquisa. Entre os 133 pacientes em que foi possível estabelecer a etiologia por métodos
sorológicos (66% do total), os vírus estiveram envolvidos em 25% dos casos, enquanto as
bactérias foram responsáveis por 51% dos quadros. Nos 24% restantes foi identificada etiologia
mista, predominando a associação entre bactérias. Nos 201 pacientes com pneumonia
comprovada radiologicamente, o Streptococcus pneumoniae foi identificado em 28% deles, o
Mycoplasma pneumoniae em 22%, a Chlamydia sp em 14%, o Haemophilus influenzae em 6% e a
Moraxella catarrhalis em 2%. O vírus respiratório sincicial respondeu pela maior parte (21%) dos
agentes virais identificados. Além da menor participação viral, que contrariou as expectativas,
chama atenção no perfil etiológico encontrado neste estudo o predomínio do pneumococo e do
Mycoplasma pneumoniae e a relativamente discreta participação do H. influenzae.
Este fenômeno é também comentado num artigo de revisão sobre pneumonias, na qual autores
canadenses afirmam que, nos países desenvolvidos, o H. influenzae tipo b chega a ser
responsável por 5% a 18% dos casos de pneumonia bacteriana, proporção que tem sido reduzida
marcadamente com a introdução da vacinação específica. Entretanto, relembram que cepas nãotipáveis, para as quais ainda não se dispõe deste recurso profilático, continuam figurando entre as
três principais causas de pneumonia bacteriana, precedidas pelo pneumococo e pelo hemófilo tipo
b.
4 - Quais são as informações disponíveis sobre este perfil epidemiológico no Brasil?
Evidentemente que estes resultados não podem ser automaticamente transportados para a
realidade brasileira, onde, até o momento, poucas foram as investigações que objetivaram o
estudo da etiologia das pneumonias. O estudo mais expressivo foi realizado em São Paulo e
avaliou 102 crianças de um mês a 11,5 anos de idade com pneumonia aguda e utilizou o aspirado
pulmonar como espécime para a identificação bacteriológica. A positividade final foi de 61,8%, na
qual o S. pneumoniae figurou 24 vezes (23,5%) e o H. influenzae sp 16 vezes, ou seja, 15,6% do
total de casos. Além da preponderância do pneumococo, cabe ainda destacar que bacilos gramnegativos foram mais prevalentes (9,8%) que o Staphylococcus aureus (1% do total). Dois outros
estudos nacionais, que recrutaram 37 e 60 pacientes, obtiveram uma relação pneumococo/H.
influenzae sp de 5:1 e 2:1, respectivamente. Em ambos, a participação do S. aureus também foi
marginal, sugerindo talvez que sua participação atinja principalmente lactentes menores de três a
quatro meses.
Interessante notar que as poucas informações disponíveis para Belo Horizonte apontam para uma
direção semelhante e reafirmam a necessidade e a importância da realização de estudos
etiológicos. Em um ensaio clínico no qual a hemocultura foi realizada em 90 crianças de dois a 12
anos com pneumonia lobar ou segmentar, o índice de isolamento foi apenas de 6,7%, mas em
todos os seis casos houve apenas crescimento de S. pneumoniae. Cabe ainda salientar que, nesta
investigação, o índice geral de cura para todas as 176 crianças tratadas com a penicilina benzatina
ou com a procaína, antibióticos ineficazes para o H. influenzae, foi cerca de 94%, o que sugere, de
forma indireta, o papel menos expressivo deste microrganismo nesta faixa etária. Em dois outros
levantamentos, a relação entre pneumococo e o H. influenzae tipo b, identificados pelo teste de
aglutinação do látex em derrames pleurais, foi de 1,7:1, enquanto que foi de 9:1 na hemocultura de
21 pacientes com pneumonia radiologicamente comprovada internados no Centro Geral de
Pediatria, instituição de referência da capital mineira (Magalhães APG, comunicação pessoal). Vêse também que o S. aureus não foi isolado uma única vez na hemocultura das duas investigações
acima. Problemas técnicos, como por exemplo, meio de cultura inadequado para o crescimento de
estafilococos e hemófilos, poderiam explicar estes resultados, e uma vez mais, o insucesso na
recuperação deste microorganismos, por si só, torna-se um argumento adicional para a adoção de
métodos laboratoriais apropriados para o diagnóstico etiológico.
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5 - Há relação entre etiologia e a idade do paciente?
Sim. Com o pequeno número de estudos etioepidemiológicos realizados neste país, panorama que
se espera seja modificado no futuro, o clínico deve lançar mão da clássica associação entre
etiologia e idade. Regra geral, os vírus predominam nos primeiros anos e vão deixando lugar para
bactérias e Mycoplasma pneumoniae a partir do final do período pré-escolar.
Assim, a prática clínica tem indicado as seguintes associações:
• lactentes com mais de três meses de idade
por ordem de freqüência, os agentes seriam os vírus, sobretudo o respiratório sincicial, o
pneumococo e os hemófilos, sobretudo o tipo b e as cepas não-tipáveis. O S. aureus, a Chlamydia
sp e o Mycoplasma pneumoniae têm relevância ainda desconhecida neste grupo etário, mas
devem integrar o perfil etiológico e devem ser considerados no diagnóstico diferencial.
• pré-escolares
ainda predomina a etiologia viral. A participação do S. aureus reduz-se e, inversamente, o
envolvimento do M. pneumoniae eleva-se paulatinamente a partir de quatro e cinco anos. Os
agentes bacterianos principais seguem sendo o S. pneumoniae e o H. influenzae, mas com
progressivo destaque para os primeiros.
• escolares e adolescentes
o pneumococo é o principal causador dos quadros bacterianos e o tratamento deve ser a ele
dirigido nos pacientes cujos exames subsidiários sugiram processo bacteriano. Na ausência destas
anormalidades e/ou de resposta terapêutica, o clínico deve considerar a participação do M.
pneumoniae, microorganismo de prevalência crescente nesta faixa etária. Chlamydia pneumoniae,
hemófilos e vírus, nesta ordem, são os demais agentes causais.
Em virtude das suas implicações para a prática clínica, caberia ainda salientar a possibilidade de
ocorrência de etiologia mista, que alcançou 25% no estudo de Heiskanen-Kosma et al, enquanto
que a associação do S. pneumoniae com o H. influenzae ou com bastonete Gram-negativo, foi
observada, respectivamente, em 3,9% e 2,0% na casuística de Ejzenberg e colaboradores.
6 - Há características especiais envolvidas na etiologia das pneumonias no primeiro
trimestre de vida?
As pneumonias que se instalam entre o período neonatal e o final do terceiro mês de vida
merecem abordagem especial. Até três dias após o nascimento, provavelmente se trata de
pneumonia adquirida intra-útero, quando os agentes etiológicos mais prováveis são: Streptococcus
do Grupo B, Gram-negativos e Listeria monocitogenes, esta pouco comum no nosso meio. A partir
do terceiro dia, devemos considerar o S. aureus e o S epidermidis, além dos Gram-negativos.
Entre um e três meses, além dos agentes bacterianos, os agentes da "pneumonia afebril do
lactente" devem ser lembrados: C. trachomatis, U. urealyticum e vírus respiratório sincicial.
7 - De forma esquemática, qual é a distribuição etiológica das pneumonias segundo a faixa
etária?
O quadro abaixo sintetiza esta distribuição.
Idade
Recém-nascido
<
3
> 3 dias
1mês a 2 anos
2 a 5 anos
6 a 18 anos
Etiologia da pneumonia segundo a faixa etária
Patógeno (ordem de freqüência)
Streptococcus do grupo B, Gram-negativos (sobretudo E coli),
dias Listeria (pouco comum no nosso meio).
S.aureus, S. epidermidis e Gram-negativos.
Agentes da pneumonia afebril (C .trachomatis, vírus respiratório
sincicial, U.urealyticum) - (1 a 3 meses).
Vírus, S.pneumoniae, H influenzae (tipo b), H influenzae não tipável,
S.aureus.
S. pneumoniae, H. influenzae tipo B, H. influenzae não tipável, M.
pneumoniae, C. pneumoniae, S. aureus.
M. pneumoniae, S. pneumoniae, C. pneumoniae, H. Influenzae não
tipável, vírus (Influenzae A ou B).
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8 - Quais são os elementos que o clínico deve considerar no diagnóstico das pneumonias
comunitárias?
Outras afecções relativamente comuns na infância contam com diagnóstico acurado e, por isso
mesmo, com a orientação terapêutica precisa, como é o caso das infecções do trato urinário e
meningites bacterianas, por exemplo. A inexistência de um método confiável e de elevado
rendimento para o diagnóstico etiológico das pneumonias implica que diante de um paciente com
suspeita de pneumonia, o clínico deve recorrer às informações epidemiológicas, clínicas,
radiológicas e aquelas proporcionadas por marcadores laboratoriais inespecíficos. E muito
especialmente, pelas implicações terapêuticas, esforçar-se para distinguir processos virais de
bacterianos.
9 - Que elementos devem ser levados em conta na anamnese e no exame físico?
Analogamente ao perfil etiológico, a apresentação clínica também guarda particularidades em
relação à idade. Taquidispnéia, tiragem, crepitações, alterações do som vesicular e som bronquial
são denominadores comuns a praticamente todas as faixas etárias. Entretanto, lactentes têm
tendência a apresentar quadros menos específicos que podem ser confundidos com sepse,
meningite e infecção do trato urinário. Ao lado de respiração gemente, cianose, aparência
toxêmica, hipotermia, má perfusão periférica, podem ser observadas, especialmente na pneumonia
estafilocócica, quando também são comuns alterações gastrintestinais, tais como distensão
abdominal, vômitos, diarréia e constipação. A partir de 3-4 anos, as alterações são mais
específicas e queixas verificadas em adultos, como dor torácica referida e escarros hemoptóicos,
passam a ser relatadas pelos pacientes ou seus responsáveis.
Independentemente do agente causal, o diagnóstico de pneumonia em bases meramente clínicas
tem reconhecidas limitações. Freqüência respiratória elevada para a idade e presença de tiragem,
a despeito de apresentarem sensibilidade média de 65% e 30%, respectivamente, constituem as
duas principais alterações que permitem a suspeita diagnóstica. A especificidade para ambas é
mais elevada, variando de 60% a 80%, e por isso são úteis como instrumento para o pessoal
auxiliar de saúde e incluídas nos manuais dos programas de atenção à criança da Organização
Mundial da Saúde e Ministério da Saúde.
O clínico deve estar alerta para algumas alterações que sugerem a natureza viral de um processo
pneumônico, entre elas, a ocorrência de sibilos. Eles, muito raramente, estão associados com
etiologia bacteriana única e a sua presença, pelo menos na fase inicial do processo, deve
postergar ou até mesmo contra-indicar o uso de antimicrobianos, salvo naqueles casos em que
existam evidências radiológicas e/ou laboratoriais em contrário. Não é usual detectar-se
simultaneamente sibilos e crepitações; essas alterações auscultatórias habitualmente se alternam
ao longo de um dia de observação clínica do paciente. Ainda em relação à etiologia viral, a febre
geralmente é baixa e o início insidioso. Tosse, rinorréia serosa e rouquidão podem acompanhar as
manifestações pulmonares.
Sugerem etiologia bacteriana a presença de febre moderada a elevada, instalação abrupta,
toxemia, dor torácica e crepitações localizadas. Onfalite e piodermites geralmente estão
associadas com a etiologia estafilocócica. Nos quadros em que vírus e bactérias estão associados,
o perfil clínico será misto.
O Mycoplasma pneumoniae desencadeia quadros de início insidioso, com febre baixa, tosse
(verificada na quase totalidade dos casos) renitente, produtiva ou não, às vezes de caráter
paroxístico, mal-estar, mialgia e cefaléia. Hiperemia timpânica ou, caracteristicamente, miringite
bolhosa e hiperemia de orofaringe também são sugestivos. Crepitações e sibilos, ao lado das
alterações radiológicas, tendem a surgir a partir da segunda semana de evolução. A anamnese
pode revelar outros casos na família ou em comunidades fechadas, tais como creches.
Lembramos que alguns autores questionam a capacidade de se estabelecer o diagnóstico
etiológico com base em características clínicas.
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10 - Qual a contribuição da radiologia para o diagnóstico genérico de pneumonias
comunitárias?
A radiografia simples de tórax em duas incidências (PA e perfil) é indispensável para o diagnóstico
presuntivo entre quadros virais e bacterianos e, por conseguinte, para orientar o tratamento.
Correta e minuciosa deve ser também sua interpretação, a começar pela análise da qualidade da
técnica radiológica pois, filmes tecnicamente deficientes levam a diagnósticos equivocados.
11 - É possível distinguir processos virais de bacterianos em bases radiológicas?
As alterações predominantes na pneumonia viral estão representadas pelo padrão intersticial ou
alvéolo-intersticial, empastamento hilar e parahilar, hiperinsuflação e espessamento de paredes
brônquicas. Atelectasia não é usual, mas, quando se suspeitar de sua presença, deve-se dedicar
especial atenção em diferenciá-la de consolidações bacterianas. Uma outra característica é a
dissociação entre o quadro clínico e a radiologia do tórax, isto é, um paciente oligossintomático
com alterações radiológicas relativamente floridas ou vice-versa.
Salvo diante dos poucos casos de etiologia mista - vírus e bactéria - essas anormalidades são
raras nos processos bacterianos, que se distinguem pela distribuição alveolar (segmentar ou
lobar), padrão nodular (ou "broncopneumônico"), broncograma aéreo, abscessos, pneumatoceles,
espessamento e derrame pleurais, imagens arredondadas e condensações radiologicamente muito
densas.
Sem ignorar que toda interpretação radiológica tem um grau intrínseco de subjetividade, estima-se
que a radiologia, por si só, tenha sensibilidade e especificidade média de 50 a 60% na
diferenciação de processos virais e bacterianos, o que mostra que, embora seja útil, ela não tem
valor absoluto e nem pode ser usada isoladamente para se decidir, por exemplo, pela prescrição
ou não de antibiótico.
Analogamente aos estudos etiológicos, também em relação aos aspectos radiológicos nas
diferentes etiologias de pneumonia a literatura não contém muitos registros. Um trabalho
interessante foi conduzido por Khamapirad e Glezen que, comparando os achados radiológicos
com o diagnóstico etiológico de certeza, elaboraram um sistema de escore para a distinção de
processos virais de bacterianos. Após a análise de cada categoria de alteração, os autores
obtiveram pontuação negativa ou igual a zero para pneumonias virais e valores positivos para
etiologia bacteriana. A análise final empreendida pelos autores revelou escores que variaram de –
1,4 a –2,8 para as pneumonias virais e de +1,5 a +6,3 para as bacterianas (quadro a seguir).
Escore radiológico para o diagnóstico presuntivo de pneumonias bacterianas e virais
Achado radiológico
Pontuação
Infiltrado
2
• bem delimitado (distribuição lobar, segmentar ou aspecto arredondado)
1
• limites imprecisos e distribuição difusa
-1
• intersticial e/ou peribrônquico
Localização
1
• lobar (um único lobo)
1
• lobos múltiplos em um ou ambos os pulmões, infiltrado bem delimitado
-1
• localização múltipla, perihilar, infiltrados de limites imprecisos
Derrame pleural
1
• velamento mínimo do seio costofrênico
2
• derrame evidente
Abscesso, pneumatocele e lesões bolhosas
1
• duvidoso
2
• evidente
Atelectasia
-1
• subsegmentar (múltiplas localizações)
-1
• lobar (envolvendo lobo superior ou médio direitos)
0
• lobar (envolvendo outros lobos)
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Cabe observar que o escore não contempla, entre outros itens, a pneumonia por Mycoplasma
pneumoniae, nem a ocorrência de hiperinsuflação. Esta anormalidade relativamente comum nos
processos virais também deve ser necessariamente investigada e considerada no diagnóstico
presuntivo. Excetuando-se os quadros pneumônicos em cuja etiologia estejam envolvidas
associações de vírus com bactéria, a hiperinsuflação (cuja avaliação deve ser feita no filme obtido
na incidência lateral) poderia figurar como ponto negativo neste escore, sendo imprescindível
pesquisá-la.
12 - No caso das pneumonias bacterianas, seria possível estabelecer a diferenciação entre
os vários agentes apenas em bases radiológicas?
Além de contribuir para o diagnóstico diferencial de quadros virais de bacterianos, a radiologia
pode auxiliar no diagnóstico presuntivo da bactéria envolvida na gênese da pneumonia, quer no
momento do primeiro atendimento, quer na avaliação da terapêutica empírica que tenha sido
instituída.
As características radiológicas dependem do mecanismo patogenético de cada bactéria. Assim,
como o pneumococo caracteriza-se por sua capacidade de invasão e multiplicação tissular e ele
não produz toxinas, a apresentação radiográfica mais comum são as consolidações homogêneas,
que tendem a respeitar limites anatômicos impostos pelas cissuras interlobares. As consolidações
podem ser únicas, circunscritas a um lobo ou a um segmento ou adquirir forma arredondada; ou
múltiplas, de aspecto francamente broncopneumônico. O H. influenzae também determina
pneumonia lobar, com ou sem derrame pleural a ela associado.
A produção de toxinas, inclusive com ação proteolítica, confere aos estafilococos um grande poder
de disseminação e destruição tissular, alcançando os pulmões por via hematogênica ou
broncogênica. A primeira radiografia ou filmes realizados no curto espaço de algumas horas
podem demonstrar o envolvimento progressivo de mais de um lobo de um mesmo pulmão e do
pulmão contralateral. As opacificações podem ser relativamente mais densas (equiparando-se à
densidade radiológica da área cardíaca ou do fígado) que aquelas associadas ao S. pneumoniae e
ao H. influenzae. A presença de níveis hidro-aéreos, que denotam lesões abscedadas ou
pneumotórax, exigem cobertura antibiótica para S. aureus. Pneumatoceles, derrames pleurais
parapneumônicos e empiemas também podem ocorrer, mas não são patognomônicos.
Sendo um microrganismo destituído de parede celular que ocupa posição intermediária entre os
vírus e as bactérias, o M. pneumoniae determina alterações radiológicas mistas, ora assumindo
padrão viral, ora bacteriano ou ambos. Consolidações são mais freqüentemente vistas em
escolares e adolescentes, ao passo que, infiltrados intersticiais parahilares e peribronquiais
ocorrem em pré-escolares. Infiltrados reticulares ou reticulonodulares restritos a um único lobo
constituem a alteração radiológica usual.
Ressalte-se porém que, se a radiografia de tórax tem suas limitações para a distinção de
processos virais de bacterianos, elas são ainda maiores para o diagnóstico etiológico presuntivo do
tipo de germe envolvido nas últimas. De fato, é o diagnóstico de certeza que deve ser buscado.
13 - Quais são as alterações observáveis nos exames laboratoriais inespecíficos?
Apesar dos seus limitados valores, exames subsidiários inespecíficos devem ser solicitados
simultaneamente à radiografia de tórax. Entre eles estão o hemograma e a dosagem da proteína
C-reativa, cujos resultados, analisados conjuntamente com as alterações clínicas e radiológicas,
permitem elevar a sensibilidade e a especificidade para 70% a 80% na diferenciação de processos
virais de bacterianos, o que representa uma margem de erro aceitável (20% a 30%) numa doença
de diagnóstico etiológico difícil.
No leucograma, os parâmetros sugestivos de etiologia bacteriana são os seguintes: além do desvio
à esquerda, o número total de leucócitos, de polimorfonucleares e de formas jovens devem ser
3
3
3
iguais ou superiores a 15-20.000/mm , 10.000/mm e 500/mm , respectivamente. Outros
elementos do hemograma estão associados às pneumonias bacterianas, tais como, a presença de
anemia normocítica e normocrômica que denote hemólise secundária a processo infeccioso,
trombocitose e velocidade de hemossedimentação (VHS) superior a 20 mm na primeira hora.
Inversamente, nos processos virais, a contagem global de leucócitos tende a normalidade ou está
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pouco alterada, podendo inclusive ocorrer leucopenia discreta, e predomina a linfocitose.
Neutrofilias relativas também podem ser observadas. Afora sua contribuição diagnóstica, o
hemograma parece ter valor prognóstico, uma vez que a presença de leucopenia é fator de
desfecho desfavorável ou de maior gravidade da doença, sobretudo em paciente que a despeito de
pneumonia bacteriana não se apresente febril no momento do diagnóstico.
Como nas pneumonias virais, o leucograma é geralmente normal na pneumonia por Mycoplasma
pneumoniae. Quando não se pode contar com testes mais confiáveis, tais como fixação de
complemento e dosagens de IgG e IgM específicas, a titulação de crioaglutininas é um teste
simples cuja sensibilidade, que é mais elevada em adolescentes que em pré-escolares, pode
chegar a 75%. Estes anticorpos da classe IgM são detectáveis sete a dez dias após o início da
doença e desaparecem lentamente após duas semanas. Títulos iguais ou superiores a 1:64 são
fortemente sugestivos e autorizam a prova terapêutica.
A contribuição da dosagem da proteína C-reativa ainda esbarra na definição do ponto de corte
para sua concentração sérica, havendo autores que não a incluem no painel diagnóstico. Korppi e
colaboradores demonstraram que a concentração deste reagente de fase aguda situou-se entre
21,5 a 60,3 mg/L em pneumonias virais e entre 53,9 e 126,0 mg/L na pneumonia pneumocócica.
No ensaio clínico realizado pelo autor deste questionário, onde foram incluídos 176 pacientes com
pneumonia lobar ou segmentar presumidamente pneumocócicas, 80% deles apresentaram pelo
menos uma das alterações seguintes, a saber, contagem global de leucócitos igual ou superior a
3
15.000/mm, VHS igual ou superior a 20 mm na primeira hora e proteína C-reativa positiva.
14 - Quais são as vantagens e as desvantagens da solicitação rotineira de exames que
visam o diagnóstico etiológico de certeza?
Pelo caráter invasivo, as técnicas com elevados índices de recuperação bacteriana, como a
punção aspirativa e o lavado broncoalveolar, têm aplicação apenas em protocolos de pesquisa e
em pacientes selecionados. O exame mais prático e disponível no nosso meio é a hemocultura.
Seu baixo rendimento (taxa de isolamento média de 10%) talvez seja uma das principais razões
para não ser empregada na rotina dos serviços, nem mesmo nos de referência. Mesmo que sua
contribuição seja muito reduzida para um paciente em particular, a reunião de dados oriundos de
diversos pacientes fornece informações epidemiológicas vitais para a prática clínica, não apenas
pela identificação bacteriana, como também para elaboração dos perfis de sensibilidade aos
antimicrobianos dos germes nela isolados. Para citar um exemplo ilustrativo, a hemocultura é
responsável pelos conhecimentos disponíveis sobre a resistência do Streptococcus pneumoniae à
penicilina no Brasil, gerados por um estudo multicêntrico que produziu o primeiro e ainda restrito
panorama sobre o tema. Sabe-se, por exemplo, que a cidade de São Paulo detém a mais elevada
taxa de cepas com resistência intermediária ou plena (25,1%), ao passo que em Belo Horizonte ela
é de 4,3%.
A cultura de escarro não é realizada rotineiramente tanto pela dificuldade na obtenção de amostras
representativas das vias aéreas inferiores na criança, da qual se consegue a expectoração
voluntária após sete a oito anos de idade, como também porque os germes causadores de
pneumonia habitualmente colonizam a orofaringe.
O empenho dos serviços médicos e dos profissionais que neles atuam para a inclusão de métodos
de diagnóstico etiológico das pneumonias não deve se ater aos processos bacterianos. Urge,
igualmente, a implantação das técnicas da identificação rápida para vírus, como a
imunofluorescência para o vírus respiratório sincicial e outros vírus.
15 - Existem outros métodos para se estabelecer o diagnóstico de certeza? Que lugar ocupa
a realização rotineira do teste de aglutinação de partículas de látex no diagnóstico etiológico
das pneumonias e derrames pleurais?
O teste de aglutinação de partículas de látex é um recurso muito adequado a países como o Brasil.
Baseia-se numa reação de aglutinação simples entre os anticorpos que compõem o kit e os
antígenos capsulares. Os produtos comerciais disponíveis contêm antisoros anti-pneumococo (tipo
omniserum), anti-hemófilo tipo b e anti-S. aureus. Além de não necessitar de pessoal
especializado, proporciona resultados em 30 minutos e tem a grande vantagem de não sofrer
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influência do uso de antibióticos se estes tiverem sido utilizados em até cinco a sete dias antes da
realização do exame. O autor deste questionário tem constatado a utilidade clínica do método
desde a sua introdução, no início dos anos 90, no Laboratório Central da Fundação Ezequiel Dias
em Belo Horizonte. Os resultados obtidos até 1997 em 102 amostras de líquido pleural revelaram a
presença de antígenos capsulares de pneumococos em 24 espécimes e de H. influenzae tipo b em
14 ocasiões. Em meados do ano de 2000, o número de amostras examinadas elevou-se para 295
e entre estas, o S. pneumoniae foi identificado 57 vezes e o H. influenzae tipo b 19 vezes, o que
significou o dobro do rendimento proporcionado pela cultura (Benfica MGA, comunicação pessoal).
Por outro lado é indispensável enfatizar que o S. aureus não foi isolado em nenhuma das
semeaduras.
A realização quase rotineira deste exame nos casos de derrame pleural parapneumônico e
empiema internados no Serviço de Pediatria do Hospital das Clínicas da UFMG tem revelado a
preponderância do S. pneumoniae sobre o S. aureus e o H. influenzae tipo b, mesmo em quadros
clínico-radiológicos que se supunha tradicionalmente como de etiologia estafilocócica. Entre esses,
figuraram derrames extensos e imagens de rarefações parenquimatosas.
Ademais, nos casos de acometimento parenquimatoso exclusivo, a realização deste procedimento
em amostras de urina concentrada pode alcançar sensibilidade e especificidade de 76,6% e
90,1%, respectivamente.
16 - Quais são as indicações da ultra-sonografia?
É particularmente indicada para avaliação do acometimento pleural, fornecendo informações sobre
a presença ou não de derrame, seu volume, localização, densidade da coleção e presença de
debris ou septações.
17 - E qual o papel da tomografia computadorizada do tórax?
Em casos selecionados, é justificada sua solicitação para o estudo mais detalhado dos campos
pleuro-pulmonares, na suspeita de complicações, permitindo a localização e caracterização mais
precisa das lesões, possibilitando avaliação da caixa torácica e das estruturas mediastinais.
18 - Quais as implicações da emergência de pneumococos resistentes à penicilina no
tratamento das pneumonias na infância e adolescência?
Com a emergência de cepas de S. pneumoniae resistentes à penicilina G e sendo ele o principal
causador dos quadros bacterianos, torna-se indispensável tecer alguns comentários neste sentido,
muito especialmente a partir de estudos nacionais. Tomando-se como referência concentrações
inibitórias mínimas de penicilina iguais ou menores que 0,06 µg/ml, entre 0,12 e 1,0 µg/ml e iguais
ou maiores que 2,0 µg/ml para classificar, respectivamente, cepas susceptνveis, de sensibilidade
intermediária e de resistência plena, dos 360 isolados brasileiros analisados por Brandileone e
colaboradores entre 1993-1996, 78,6%, 20% e 1,4% foram enquadrados, nesta ordem, em cada
uma das três categorias. Das 46 cepas oriundas de Belo Horizonte (12,8% do total), 95% eram
susceptíveis e 5% tidas como de resistência intermediária. Esses autores verificaram que as cepas
de sensibilidade intermediária e de resistência plena à penicilina G foram resistentes também à
sulfa-trimetoprim e sensíveis à eritromicina, à vancomicina e ao cloranfenicol e a prescrição de
uma dessas duas últimas drogas por via endovenosa,constitui então o tratamento de escolha na
suspeita de pneumonias causadas por bactérias resistentes.
Há indícios de que este perfil de resistência esteja se modificando, pois no período 1997-1999, a
proporção de cepas resistentes encontradas pelo método de difusão em disco de oxacilina (que
guarda uma correspondência de 90% com a concentração inibitória mínima), cresceu de 12,3%
para 18,8% (Bedran MBM, Camargos PAMC, dados ainda não publicados). Na atualidade, cerca
de 80% dos pneumococos em Minas Gerais devem ser susceptíveis à penicilina G; os 20%
restantes constituindo cepas de susceptibilidade intermediária ou resistência plena, categorias que
a difusão em disco não consegue discriminar. Idealmente as cepas isoladas em um dado serviço
devem ser submetidas ao método que determina a concentração inibitória mínima e,
alternativamente, ao E-teste, método relativamente simples e factível em laboratórios de médio
porte.
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Embora aparentemente preocupantes e por isso mesmo exigindo vigilância epidemiológica
contínua a partir dos resultados obtidos em hemoculturas, essas informações nos remetem ao
recente artigo de Heffelfinger e colaboradores. Reconhecendo que os níveis de sensibilidade
citados anteriormente se aplicam ao tratamento das otites e meningites, os autores propuseram
uma nova classificação para a susceptibilidade destes germes que deve ser adotada no tratamento
de pneumonias pneumocócicas. Partindo do clássico pressuposto de que as concentrações de
penicilina G no ambiente alveolar praticamente correspondem aos níveis séricos, eles sugerem
que cepas sensíveis, de intermediária susceptibilidade e de resistência plena recebam esta
classificação se a concentração inibitória mínima equivaler a 1 µg/ml ou menos, até 2 µg/ml e mais
que 4 µg/ml, respectivamente. Disso decorre entγo que, na prática clínica, pneumonias causadas
por pneumococos de sensibilidade intermediária devam ser tratadas com doses de penicilina G ou
beta-lactâmicos recomendadas para o tratamento de cepas sensíveis.
19 - Que medidas terapêuticas de caráter geral devem ser tomadas?
A criança deve ser mantida em ambiente tranqüilo. A hidratação adequada e a correção dos
distúrbios hidro-eletrolíticos são muito importantes, podendo ser feitas por via oral, sempre que
possível, ou parenteral, de acordo com a necessidade. A administração de oxigênio está indicada
em todos os casos em que houver hipoxemia, sob a forma de cateter nasal, máscara facial ou
Hood. O cateter nasal é bem tolerado com fluxos de até 3 litros/min, podendo ser utilizado sem
umidificador. As máscaras também são bem toleradas, devendo ser evitadas em pacientes com
vômitos, pelo risco de aspiração.
O uso de antimicrobianos deve ser baseado no perfil etioepidemiológico, na apresentação clínicoradiológica e nos exames laboratoriais específicos e inespecíficos, a fim de se evitar a
antibioticoterapia indiscriminada. O uso judicioso desses medicamentos é essencial para reduzir a
indução de resistência bacteriana, como, por exemplo, o surgimento de pneumococos resistente à
penicilina G.
20 - As pneumonias devem ser tratadas em regime ambulatorial ou hospitalar?
A maioria das crianças deve ser tratada em regime ambulatorial. Internação é recomendada em
lactentes menores de seis meses, na presença de dificuldade respiratória intensa, toxemia,
doenças associadas (cardiopatias e imunodeficiências, por exemplo), ausência de resposta ao
tratamento ambulatorial, desidratação importante, desnutrição grave, dificuldade ou impossibilidade
do tratamento e controle ambulatoriais, hipoxemia, presença de complicações, a saber, derrame
pleural, pneumotórax e cavitações. A primeira etapa do tratamento consiste na distinção entre
processos virais e bacterianos, ou, em outras palavras, decidir-se pela prescrição ou não de
antimicrobianos. A escolha da terapia inicial é baseada em vários fatores, como a idade do
paciente, a apresentação clínica e radiológica, a gravidade e o perfil local ou regional de
resistência bacteriana.
21 - Considerando que, entre outros fatores já mencionados, a faixa etária constitui-se numa
das balizas para o tratamento, qual seria a conduta terapêutica nos primeiros três meses de
vida?
O tratamento deve ser similar ao da sepse neonatal. A antibioticoterapia inicial deve incluir
penicilina (ou ampicilina) e um aminoglicosídeo (amicacina ou gentamicina) ou cefalosporina de
terceira geração. Nas pneumonias que ocorrem após o terceiro dia de vida, a penicilina deve ser
substituida pela oxacilina. A terapia inicial deve ser reavaliada de acordo com os resultados da
hemocultura. A duração do tratamento depende do agente causal. Pneumonia por germe Gramnegativo ou estreptococos do grupo B deve ser tratada por dez a 14 dias, se for causada por S.
aureus requer três a seis semanas de tratamento. Nos casos que sugerem germe atípico (início
após 15 dias de vida, estado geral preservado, ausência de febre, padrão radiológico intersticial),
deve-se utilizar eritromicina, também por dez dias.
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22 - E a conduta para lactentes maiores e pré-escolares?
Diante de uma criança com quadro clínico e radiológico sugestivos de pneumonia bacteriana não
complicada, ou seja, sem comprometimento pleural, pneumatoceles, a escolha inicial do antibiótico
deve ser a penicilina, uma vez que o pneumococo é o patógeno mais freqüente em todas as faixas
etárias, exceto no recém-nascido. A opção deverá ser feita pela penicilina procaína, ou cristalina,
de acordo com a gravidade. Se for feita a opção pela via oral, a amoxicilina proporciona boa
cobertura para o S. pneumoniae e para o H. influenzae sensível.
Espera-se uma rápida melhora da criança, com o desaparecimento da febre até o terceiro dia.
Neste caso o antibiótico deve ser mantido por sete dias, ou, segundo alguns autores, por mais três
dias após o desaparecimento da febre. Caso a criança não melhore após o tratamento inicial, ela
deve ser submetida à reavaliação clínica, radiológica e hematológica. Quando a criança mantiver o
estado geral preservado e não houver piora radiológica importante, deve-se pensar em germe não
sensível à penicilina, como o H.influenzae produtor de beta-lactamase, e o antibiótico deve ser
substituído pela associação amoxicilina-ácido clavulânico ou pela cefuroxima. Se houver piora do
estado geral, a criança deverá ser internada. Na presença de cavitações e/ou derrame pleural,
caso não seja possível definir a etiologia, é conveniente a associação oxacilina e cloranfenicol ou
oxacilina e ceftriaxona. Nesses casos, a antibioticoterapia venosa (oxacilina) deverá ser mantida
por pelo menos cinco dias após a normalização da temperatura e ser complementada com
antibiótico oral (cefalosporina de primeira geração) até completar um mínimo de 21 dias. O
cloranfenicol deverá ser mantido por dez dias. Se a opção tiver sido pela associação com
ceftriaxona, deve-se mantê-la por dez a 14 dias.
A vancomicina não deve ser usada empiricamente para o tratamento de pneumonia bacteriana, a
menos que haja forte suspeita de que o agente etiológico seja o pneumococo com resistência
plena à penicilina e que seja um paciente de alto risco, como por exemplo, nos casos de anemia
falciforme evoluindo com derrame pleural e choque. Contudo, se a criança não estiver melhorando
com o tratamento usual e outras causas de pneumonia tiverem sido descartadas (tuberculose e
fungos), pode estar indicada a adição deste antimicrobiano.
23 - Como deve ser planejado o tratamento de escolares e adolescentes?
Nos casos sugestivos de etiologia pneumocócica (febre alta, dor torácica, pneumonia lobar), deve
ser instituída a penicilina procaína ou benzatina, esta em dose única de 1.200.000 unidades.
Quando o estado geral estiver pouco comprometido, febre baixa, hemograma dentro da
normalidade, padrão radiológico intersticial ou misto, deve-se optar pela eritromicina ou
claritomicina, por dez a 14 dias, devido à possibilidade de Mycoplasma pneumoniae ou Chlamydia
pneumoniae.
24 - De forma esquemática, como então se configuraria uma proposta de padronização
terapêutica para as pneumonias da infância e adolescência?
A proposta terapêutica que se segue constitui um roteiro geral e, evidentemente, não exclui o juízo
e o discernimento do clínico em situações individuais que a ele escapam.
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25 - Quando estaria indicado o controle radiológico?
Na avaliação da evolução clínica e para o controle de cura, o exame físico é suficiente na imensa
maioria dos casos. Radiografias de tórax serão solicitadas apenas em casos selecionados, tais
como, na suspeita de diagnóstico presuntivo equivocado, nos casos arrastados, nas imagens
sugestivas de malformações congênitas e nas pneumonias recorrentes, especialmente quando
ocorrem sempre numa mesma região pulmonar. A resolução das alterações radiológicas pode ser
lenta, sobretudo nas pneumonias estafilocócicas, às vezes no decurso de meses até a completa
normalização.
Os controles radiológicos são praticamente desnecessários mas estão indicados quando houver
piora do quadro clínico, para avaliar a possibilidade de complicações, tais como, derrame pleural e
cavitação. Nas pneumonias não complicadas, pode-se fazer uma radiografia de controle no final de
um mês, a partir do início do tratamento. Nos casos que ocorreram complicações, podem ser
necessárias radiografias mais tardias, após dois a três meses.
26 - Como abordar o derrame pleural?
A toracocentese está indicada sempre que houver líquido em quantidade suficiente, para
diferenciar o derrame parapneumônico complicado do não complicado. Se houver dúvidas se a
quantidade é suficiente ou não, uma maneira simples de definir é radiografar a criança em decúbito
lateral com raios horizontais. Se a coluna líquida obtida for maior que 10 mm, está indicada a
toracocentese.
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Uma vez realizada a toracocentese, se o aspecto macroscópico do fluido for compatível com
empiema, está indicada a drenagem imediata do tórax. Nos casos em que o líquido for claro, fluido,
ele deve ser encaminhado para exames: gram, cultura, látex e provas bioquímicas (pH e dosagem
de proteínas, glicose e desidrogenase lática láctica – DHL), não estando indicada a colocação do
dreno. Nos casos duvidosos, na presença de loculações (bem visualizadas ao ultra-som), quando
o pH for menor que 7.10, a glicose menor que 40 mg/dl ou a DHL acima de 1000 u/dl, indica-se a
realização da drenagem. Quando o pH estiver entre 7,1 e 7,3, a conduta deve ser conservadora e
a punção repetida 24 horas após, sendo realizada a drenagem se houver queda do pH ou aumento
da DHL.
Nos casos em que não ocorre melhora significativa sete a dez dias após a instituição do tratamento
adequado (drenagem e antibioticoterapia), com persistência da febre, dificuldade respiratória,
leucocitose, toxemia, deve ser realizada a tomografia computadorizada ou a ultra-sonografia. Se
houver presença de membranas extensas, com múltiplas loculações, colapso pulmonar, está
indicado o debridamento cirúrgico. Este debridamento, quando realizado por profissionais
habilitados, permite rápida recuperação da criança, diminuindo as complicações e o tempo de
internação.
27 - Qual o papel da toracoscopia videoassistida na abordagem cirúrgica dos derrames
pleurais?
Desde meados dos anos 90 este procedimento vem ocupando lugar de destaque no manejo
destas afecções, que com relativa freqüência complicam as pneumonias comunitárias. Os estudos
mostram eficácia em torno de 71% a 100%, baixos índices de complicações e tempo de
permanência do dreno após a cirurgia em torno de 2,8 a 7,5 dias.
De acordo com os diferentes autores, as principais indicações da videotoracoscopia são presença
de derrame com loculações e a persistência dos sintomas a despeito da drenagem torácica. No
entanto, a época exata de sua realização em relação ao tempo de drenagem torácica ainda não
está definida. Alguns autores sugerem a realização após três dias de persistência do derrame com
drenagem torácica, enquanto outros sugerem cinco a sete dias (quadro a seguir).
Videotoracoscopia (VT) no tratamento de derrames pleurais em crianças e adolescentes
Estágio do Dreno pós- Eficácia
Internação
Autor/Ano
n
Complicações
derrame*
VT (dias)
(%)
pós-VT (dias)
Stovroff,1995
10
Todos
4
100
ausentes
7
Klena,1998
21
II
NR
71
NR
6a9
Merry,1999
19
I e II
2,8
100
ausentes
6,1
hemorragia
23
Grewal ,1999
25
II
3,2
96
4,9
(1 caso)
derrame
¶
Fraga,1999
7
II e III
7,5
71
recorrente
21,7
(2 casos)
fístula
Rescorla,2000
16
II e III
5,8
88
NR
(1 caso)
derrame
Doski,2000
41
I e II
NR
85
6
recorrente(1)
hemorragia
Gandhi,2000
9
II
NR
100
NR
(1 caso)
Subramaniam,2001
22
II e III
2,7
100
ausentes
4,6
¶
*Estágios: I, exsudativo; II, fibrinopurulento; III, organizativo; NR=não relatado; usou
mediastinoscópio
28 - A presença de abscesso pulmonar tem implicações especiais?
O S. aureus é o agente etiológico mais freqüente do abscesso pulmonar, seguido por Gramnegativos e anaeróbios. Os abscessos geralmente ocorrem como complicação de aspiração de
conteúdo gástrico ou de corpo estranho, ou de processos infecciosos pulmonares. O tratamento é
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essencialmente clínico, com antibioticoterapia prolongada (três a seis semanas), visando
sobretudo o S. aureus. Se houver suspeita de germe anaeróbio, deve ser instituída a penicilina, ou
clindamicina ou cloranfenicol. A melhora clínica ocorre em torno do décimo dia de tratamento e a
resolução radiológica pode levar até seis meses.
29 - Qual a eficácia da vacina anti-Haemophilus influenzae tipo b na profilaxia das
pneumonias comunitárias?
A vacina anti-Haemophilus influenzae tipo b tem eficácia comprovada para doença invasiva mas,
ao contrário da meningite causada por este microorganismo, seu impacto na redução de casos de
pneumonia é limitado. Sabe-se que hemófilos não-tipáveis também estão envolvidos nos
processos pneumônicos e provavelmente responsáveis por maior proporção de casos nos países
em via de desenvolvimento. Estudo de caso-controle recente realizado em Goiânia (GO), revelou
efetividade de 31% em crianças menores de dois anos de idade.
30 - Qual a eficácia da vacina anti-pneumocócica na profilaxia das pneumonias
comunitárias?
A vacina comercialmente disponível é ineficaz ou não proporciona resposta imune desejável em
menores de cinco anos. Já a vacina conjugada composta por sorotipos selecionados de anti-S.
pneumoniae está sendo analisada em ensaios clínicos que se encontram em andamento.
Resultados preliminares de um deles, no qual foi aplicada a vacina heptavalente, mostraram
eficácia de 94%. Até que surjam novos estudos para comprovar os dados que se seguem, sabe-se
que no Brasil a vacina deve conter um número próximo dos dez sorotipos (1, 5, 6A, 6B, 9V, 14,
19F, 19A, 23F, 4 e 18C) que representam 82,8% daqueles identificados no estudo de Brandileone
e colaboradores. À exceção dos sorotipos 9V e 18C, a vacina assim formulada conterá os oito
sorotipos responsáveis pela maioria das doenças pneumocócicas invasivas da criança e
adolescência tanto em escala mundial como particularmente no subcontinente latino-americano.
31 - Leitura recomendada
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