Semiose e Tradução de Legenda Mariza de Fátima Reis

Propaganda
Semiose e Tradução de Legenda
Mariza de Fátima Reis*
Universidade Presbiteriana Mackenzie (PUC-SP)
Resumo
O presente trabalho propõe a inclusão do parâmetro de interpretação semiótica triádica de Peirce para a
análise da validação de produtos de tradução, cuja abordagem, por não perpassar os signos lingüísticos,
pode parecer problemática para os estudos da área, mas, segundo Hatim e Masom (1990) parece oferecer
óbvias implicações para o estudo da linguagem. Para tal, foi selecionado como objeto, o processo de
legendação de filmes que pressupõe a interpretação dos signos não-linguísticos expostos em tela.
Pretende-se, assim, acrescentar às pesquisas desenvolvidas pela lingüística aplicada aos estudos da área, o
aspecto da lógica interpretativa do signo em contexto temporal para esta tipologia textual.
Palavras-chave: tradução – fidelidade – contexto - semiose.
Abstract
This work proposes the inclusion of the parameter of Pierce's triadic semiotic interpretation for the
analysis of the validation of products of translation, whose approach, for not passing through the
linguistic signs, may seem problematic for the studies in the area. But according to Hatim and Masom
(1990), it seems to offer obvious implications for language study. For this, it defined as object, the
process of film subtitling which presupposes the interpretation of non-linguistic signs brought about on
the screen. So, the intention here is to add to the already developed researches by applied linguists to
the studies in the area, the aspect of the sign's interpretative logic in a temporal context to this textual
typology.
Key words: translation – loyalty – context - semiosis.
Introdução
A teoria de tradução constitui-se em um conjunto de conhecimentos que os
pesquisadores têm desenvolvido a partir da análise de produtos do ato tradutório
interlingual, entre dois códigos verbais distintos: o do texto de partida, “original” e o
traduzido.
Apesar de, no passado, muitos intérpretes terem se iniciado nessa profissão
fortuitamente, na primeira metade do século XX, em vários países, o Ministério do
Exterior começou a organizar exames específicos, para atender às necessidades
diplomáticas.
_______________________________________________
*Doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.
2
Na década de 1940, começaram a surgir programas universitários especiais destinados a
treinar intérpretes profissionais, independentes dos programas tradicionais de língua e
literatura e a formalização deste treinamento fez com que surgisse um campo próprio de
estudo de linguagem sob o enfoque da interpretação.
O procedimento de treinamento de alunos do curso de tradução envolve a reflexão sobre
o produto traduzido e estimula o conceito de “Oficina de Tradução” criado por Arrojo
(1992b). Esta metáfora sugere a criação de um espaço para o ofício e a prática da
tradução, desempenhando a teoria um papel importante, na medida em que nos auxilia a
entender o que acontece quando traduzimos e a enfrentar o constante processo de
tomadas de decisões envolvido em toda a tradução.
Fidelidade e Tradução
O mote das análises do ato tradutório tem sido a cobrança ao tradutor da “fidelidade” ao
original, na medida em que é atribuída a este profissional, a competência de transferir,
para o texto traduzido, o significado produzido pelo autor do texto original.
Característica da tradição logocêntrica, que segundo Arrojo (1993) pressupõe a
possibilidade de um sujeito ser capaz de ter uma relação puramente objetiva com a
realidade e o ato de interpretar ser, em geral, oposto ao ato de compreender, o qual
implicaria necessariamente no reconhecimento dos aspectos subjetivos da interpretação.
Em seu livro O Signo Desconstruído (1992a), a autora propõe que a natureza da
linguagem humana seja refletida a partir dos mecanismos de tradução pois considera a
tradução, uma das atividades mais complexas realizadas pelo homem, já que possibilita
a análise sobre a capacidade de produção de significado.
Ao criticar a tradição logocêntrica, para a qual o ato de interpretação textual só poderia
acontecer depois da compreensão da realidade nele contida, independente das
circunstâncias e do contexto de sua realização, a autora sugere que a análise das
relações que se estabelecem entre o original e o traduzido sejam desenvolvidas sem
expectativas de ser alcançada uma sistematização pois esta possibilidade implicaria na
pré-determinação de tudo que constitui o humano: o subjetivo, o temporal, o
inconsciente
e
até
mesmo
futuras.(Arrojo, 1992 a, p. 70)
suas
manifestações
sócio-culturais
presentes
e
3
Steiner (1992) por sua vez coloca em After Babel, que a tradução existe porque os
homens falam diferentes línguas e é somente quando somos expostos a esta pluralidade
de códigos, que refletimos sobre esta “estranha ordem” da linguagem humana, no que
diz respeito a “verdade” nela contida e sujeita ao foco interpretativo que lhe atribuímos.
Utiliza o Mito de Babel para argumentar que, a “verdade” universal do mundo que a
linguagem espelha, estaria fadada a não ser mais encontrada em nenhuma língua
humana.
Apesar do processo de codificação e decodificação das mensagens ficar mais evidente
quando dizem respeito a códigos diferentes, característica da tradução interlingual,
segundo Steiner, questões sobre tradução intralingual devem ser também pesquisadas
pois ...”inside or between languages, human communication equals translation”.
O autor propõe como Arrojo, que a disciplina de tradução reflita sobre a crescente
dificuldade encontrada pelos estudos da área, nos quais há uma tendência em ser
confundido o potencial de equivalência de significados entre códigos com as diferenças
encontradas no cotidiano da tradução.
O desenvolvimento de parâmetros de análises ao longo do século passado tanto por
intermédio de teorias semânticas de constructo universal quanto o de propostas de
gramática gerativa também universal, acrescidos das constantes investigações
antropológicas a respeito desta “peculiaridade ”da linguagem, continuam a demandar
da teoria de tradução novos modelos.
Língua, sistema e Tradução
A maioria dos estudiosos de tradução de textos de linguagem verbal têm portanto,
fundamentado suas experiências nas
teorias lingüísticas estruturalista, gerativista e
funcional. Barbosa (1990) na publicação Procedimentos Técnicos de Tradução
apresenta proposta de caracterização de procedimentos a partir da combinação entre
estudos vigentes na época de:
Vinay e D’Albernet, quem acrescentou a Estilística à
Lingüística estrutural; Nida, quem tratou a transferência de significados considerando
a Língua como um código comunicativo com base na gramática gerativista; Catford,
quem
utilizou o aspecto pragmático da Lingüística funcional de Halliday,; Vazques-
Ayora, quem utilizou a análise contrastiva de base gerativo-transformacional e a
semântica estrutural e Newmark, quem ao revisar a literatura sobre tradução, recorreu à
4
teoria de Funções de Linguagem de Jakobson, acrescentando ao conceito de tradução
semântica o de tradução comunicativa.
Entretanto, Hatim e Masom (1990) no livro Discurso e Tradutor concordam com
Steiner e Arrojo e colocam que o parâmetro de análise de língua como código tende a
aumentar a tensão do tradutor diante do texto pois a tarefa do tradutor como
decodificador de sistemas o deixa bastante vulnerável à crítica sobre a “fidelidade” ao
original.
Acrescentam que os estudos da língua como sistema limitam as análises dos produtos
de tradução e demandam a inclusão do aspecto da negociação comunicativa durante as
tomadas de decisão do ato tradutório no sentido de esclarecer as condições básicas em
que o ato possa ter ocorrido a fim de que o receptor final consiga entendê-la.
Fato exemplificado pelos autores escoceses com o testemunho do antropólogo
Manilowski (apud Hatim, 1990) quem ao traduzir povos da Ilhas Trobian e do Pacífico
Ocidental, questionou a postura do tradutor em relação à escolha da melhor abordagem
para a tradução do registro e terminou por optar pela tradução livre em comparação com
a literal apesar das perdas das características culturais da língua de origem, pois
acreditou que esta seria melhor compreendida pelo leitor inglês.
O tradutor, desta forma, assume compromisso de fidelidade não mais com o original
mas com as expectativas e necessidades dos receptores finais, ou seja, compromete-se
com a mensagem a ser comunicada e traduz os textos como um ato comunicativo.
A tradução como uma atividade humana comunicativa e processual que se estabelece
em dois momentos: o primeiro que acontece entre a produção de significado do Emissor
da mensagem original, o autor e o tradutor, como Receptor e o segundo momento, no
qual o tradutor após a apreensão do significado do original torna-se o Emissor desta
mensagem para o Receptor final transfere assim o foco interpretativo do texto original,
como receptáculo de intenção original do autor, para o intérprete, o leitor ou o tradutor,
segundo Arrojo (1992a).
Antropólogos e sócio-linguistas como Halliday (1978) acrescentaram à semiologia
sistêmica saussuriana, o estudo de práticas intersubjetivas da Linguagem como
Semiótica Social, ao qual convencionou-se chamar de idioletos e o registro destas
práticas passou a servir de modelo para algumas tipologias textuais.
Hatim e Masom entretanto chamam atenção para as variáveis de registros, na medida
em que alguns podem ser fechados, caso dos protocolos diplomáticos e outros abertos,
caso da linguagem jornalística e acrescentam que a adoção deste parâmetro, por se
5
tratar de análise de registros de mensagens descontextualizadas do tempo e espaço nos
quais elas foram produzidas, ainda restringe a ação do tradutor.
Em contra partida, a prática da reconstrução do contexto, como parte do processo de
tradução, envolve o reconhecimento de quem dele participou e a forma como foi
estabelecido e levanta questões não só sobre o conhecimento do tradutor a respeito
daquela determinada cultura, como o faz refletir sobre aspectos de percepção dos signos
não-linguísticos que também fazem parte da mensagem.
A busca de estabelecimento de parâmetros de “fidelidade” ao original a partir de
modelos de análise de registros textuais a serem traduzidos fora do recorte de tempo
espaço da produção de significado chamada comumente de “contextualização”
representa a interpretação subjetiva do tradutor da interação entre signos lingüísticos e
não-linguísticos que compõem a mensagem.
Considerando-se que a prática de “Oficina de Tradução” proposta por Arrojo (1992b)
propicia a reflexão sobre as escolhas sintático-semânticas e as questões de equivalência
entre os significados requerem uma análise pragmática, a qual coloca o tradutor em
contato com questões de intenção de significados, significados implícitos, estas
características terminam por levá-lo à reflexão sobre a “estranha ordem” da linguagem
humana.
Este estudo sobre esta “estranha ordem” segundo Hatim e Masom (1990) deve ser
expandido para o parâmetro de interpretação semiótica de Peirce para quem toda a
experiência humana é organizada de tal forma que possa nos levar à emergência de
signos em uma relação triádica entre sujeito, objeto e interpretante (Hatim e Masom,
1990, p.09).
Semiose e tradução de legenda
A inclusão do interpretante entre o sujeito e o objeto pela semiótica peirciana, responde
até certo ponto à crítica de Arrojo quanto a objetivação desta relação pressuposta pelo
logocentrismo. O processo de tradução ao ser pesquisado levando em consideração a
dimensão semiótica do contexto, faz com que o foco da lógica interpretativa volte-se
para o sujeito/tradutor e este passa a ser visto não mais como um agente transportador
de significados entre os textos mas como o agente que regula a interação entre os
signos.
6
Na medida em que para a abordagem semiótica triádica de Peirce a experiência do signo
se inicia por intermédio de signos não-linguísticos, especificamente no caso de ato de
legendação de filmes, a associação necessária para que se estabeleça a semiose entre o
objeto e o interpretante do tradutor em contexto encontra-se explicitada pelas imagens
que acompanham a narrativa do texto original.
Desta forma, a contextualização dos signos não-linguísticos permite ao tradutor/
legendista, como mediador da comunicação entre o emissor do original e receptor final,
fornecer, obedecendo as regras particulares de confecção de legenda, tais como limite
físico de espaço em tela, velocidade dos diálogos sonoros, um guia alvo para o
espectador continuar no texto fonte, coerentemente com a percepção visual da ação na
tela.
Conclusão
Justifica-se portanto, a proposta deste trabalho de acrescentar o parâmetro do aspecto
triádico peirciano de percepção semiótica do objeto pelo sujeito, devido a possibilidade
de o viés lógico da semiose
regular as interações dos signos lingüísticos e não
lingüísticos em contexto, característica que
permite ao tradutor/legendista
a
representação nas legendas, como produto de escolhas lingüístico-semânticas e
pragmáticas, das
formas de concretização destas relações sígnicas, não deixando
dúvidas quanto à fidelidade ao original.
Referência
ARROJO, R. (org.). O Signo Desconstruído.Campinas:Pontes, 1992a.
_______________. Oficina de Tradução. São Paulo:Ática, 1992b.
_______________.Tradução, Desconstrução e Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago,
1993.
BARBOSA, H.G. Procedimentos Técnicos de Tradução. Uma Nova Proposta.
Campinas, SP: Pontes, 1990.
HALLIDAY, M. El Language como Semiótica Social. Colômbia: Fondo de Cultura,
1978.
HATIM, B & MASOM, I. Discourse and the Translator. New York:Longman, 1990.
____________________. The Translator as Communicator. New York: Routledge,
1997.
PEIRCE, C. Semiótica. São Paulo:Perspectiva, 2003.
7
STEINER, G. After Babel. New York: Oxford University Press, 1992.
Download