A PRESCRIÇÃO E A CESSÃO DE CRÉDITO NOS CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO FIXO COM REPASSE DE FINAME. Um rebate aos recorrentes argumentos dos devedores. Pedro Del-Pretes de Sousa Coutinho [email protected] Ao receber os contratos de Finame para manejo as cobranças dos créditos representados, vislumbram-se os desafios que estavam por vir. As celebrações dos contratos remontam desde o último trimestre de 1993 aos primeiros meses de 1995. Desse período aos dias atuais, a moeda foi modificada, o credor originário teve sua liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central do Brasil, houve a cessão do crédito ao BNDES e por conseguinte entre três veículos legais (BBB, Credival e HSBC), o maquinário objeto dos contratos já estaria deteriorado e o maior empecilho, localizar os devedores e operar a cobrança de débitos com tamanha antiguidade. No presente momento, estes contratos encontram-se na esfera judicial; e onde o Judiciário possui alguma agilidade, já existem devedores citados e em processo de impugnação do crédito exeqüendo. Dois serão os argumentos reiteradamente levantados nas defesas processadas pelos executados, a prescrição do débito e a falta de validade da cessão de crédito operada, em razão da falta de notificação do devedor, a guisa do que dispõe o artigo 290 do Código Civil de 2002. As alegações de prescrição são facilmente rebatíveis com a aplicação do artigo 2.028 do Código Civil em vigor, com julgados recentes neste sentido (vide TJRS. Apelações Cíveis .N° 700.15934003 e 70016629099 e em especial o Agravo de Instrumento 0461044-2 do TJPR, que envolve justamente a modalidade contratual em exame). Todavia, com relação a notificação da cessão de crédito, há de se ter maior cautela ao assunto, ante o disposto no artigo 290 do Código Civil: “Art. 290: A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita” A leitura deve ser feita de modo interpretativo, para extração do verdadeiro significado e necessidade da notificação do devedor. Em alguns casos, ante o lapso temporal entre a celebração dos contratos e a cobrança dos débitos, muitos dos devedores modificaram seus endereços, não repassando a eventuais credores sua nova localização. Nesse sentido a jurisprudência tem julgado pela necessidade em se manterem os endereços atualizados (vide TJSP, Embargos de Declaração 1126583017; TJRS Agravo de Instrumento Nº 70006479091 e Apelação Cível Nº 70003997343). No entanto, tendo restada infrutífera a notificação enviada informando a cessão de créditos operada, como dar validade a cessão operada? Ocorre que, a finalidade precípua da notificação é a de informar ao devedor quem é o credor do seu débito, evitando o pagamento errôneo, cuja repercussão está prevista no artigo 292 do Código Civil: “Art. 292: Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação”. Maria Helena Diniz, ao explicar a cessão de crédito, bem esclarece: “Trata-se de um negócio jurídico bilateral, ou melhor, de um contrato, visto que nela devem figurar, imprescindivelmente, o cedente, que transmite seu direito de crédito no todo ou em parte, e o cessionário, que os adquire, assumindo sua titularidade. Além da manifestação de vontade de quem pretende transferir um crédito, será necessária a aceitação expressa ou tácita de quem o recebe. O cedido (devedor) não intervém no negócio jurídico, pois sua anuência e dispensável, sendo suficiente que lhe comunique a cessão, para que ele possa saber quem é o legítimo detentor do crédito, para poder pagar-lhe a prestação devida no momento oportuno. O devedor (cedido) não participará da cessão de crédito, mas deverá dela tomar conhecimento para que possa efetuar o pagamento a quem de direito; daí a razão de ser a sua notificação promovida pelo cedente ou cessionário, devendo ser feita por escrito para que possa valer perante terceiros que não intervêm no contrato, mas que, ante o fato de terem direitos anteriores a cessão, poderão ser lesados1.” (grifamos) Na mesma esteira, o inolvidável e sempre contemporâneo Washington de Barros Monteiro ao abordar a cessão de crédito: “Para o devedor, é indiferente se torna ter este ou, aquele como credor. Interessa-lhe apenas saber qual o legítimo detentor do crédito, para, oportunamente solver-lhe a prestação. Só para esse fim se lhe comunica a cessão, mas sua anuência ou intervenção é dispensável 2” Noutra passagem, específica sobre a notificação do devedor, o Prof. Barros Monteiro adverte: “Torna-se necessária essa notificação para que o devedor não fique prejudicado, pois, desconhecendo a transmissão, pode efetuar o pagamento ao credor primitivo. Mas a notificação não é imprescindível; ela visa a impedir que o cedido validamente pague ao cedente. Portanto, se o cessionário exige o pagamento e se o devedor não prova haver pago ao cedente, não lhe aproveita a falta de notificação” O entendimento esposado acima, possui lastro em publicações da Revista Forense, 67/505-104/283 e Revista dos Tribunais, 154/241-214/283 e como bem adverte o autor, é o entendimento majoritário consagrado pela doutrina. E não é só, a obra do Prof. Barros Monteiro, um dos maiores expoentes na matéria, trazendo comentário de J. M. Carvalho Santos, ainda elucida no sentido de que “a citação inicial para a ação de cobrança equivale à notificação de cessão, produzindo os mesmos efeitos desta.” (grifamos). Conforme demonstrado, a doutrina e a jurisprudência esclarecem as razões do artigo 290 do Código Civil, o qual visa a preservação do devedor e não propriamente à validade da cessão de crédito, até mesmo porque, em referida cessão, são partes apenas o 1 Diniz, Maria Helena, Tratado Teórico e prático dos contratos, 1º volume/ 6ª ed. , São Paulo: Saraiva, 2006, p. 174 2 Monteiro, Washington de Barros, Curso de direito civil, v. 4, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 236 cedente e o cessionário. O cedido não é parte no instrumento, apenas sofre efeitos do negócio. Sobre o tema, as palavras de Renan Lotufo: “A necessidade de ciência do cedido se põe porque, enquanto ciência não houver, os pagamentos que forem feitos ao cedente serão válidos, ainda que o cedente já tenha cedido ao cessionário. 3” O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em sábia decisão julgou: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. CESSÃO DE CRÉDITO. SUBSTITUIÇÃO DE PARTES. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO.CONHECIMENTO PELO DEVEDOR. ANUÊNCIA DESNECESSÁRIA. A cessão de crédito não vale em relação ao devedor, senão quando a ele notificada, contudo, a manifestação de conhecimento pelo devedor sobre a existência da cessão supre a necessidade de prévia notificação. Precedentes desta Turma. Em consonância com o disposto no art. 567, II, do CPC, pode ser dispensada a anuência do devedor quando formulado pedido de substituição do pólo ativo do processo de execução, pois este ato processual não interfere na existência, validade ou eficácia da obrigação.Recurso especial conhecido e provido. (REsp 588.321/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04.08.2005, DJ 05.09.2005 p. 399)” Desta feita, comprovada a exeqüibilidade do crédito constante no Contrato de Abertura de Crédito Fixo com Repasse de Finame e que a ausência de notificação prévia ao devedor da cessão de crédito não acarreta a invalidade do negócio jurídico celebrado entre cessionário e cedente, frente ao cedido, sob pena de incorrer no enriquecimento ilícito do devedor, não resta outra alternativa senão o prosseguimento das execuções ajuizadas, com os atos expropriatórios delas decorrentes. *Pedro Del-Pretes de Sousa Coutinho, pós-graduado em Direito Processual Civil, é advogado do Escritório Albuquerque Pinto Advogados. 3 Lotufo, Renan. Código Civil Comentado, Vol. 02, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 148