O cilindro deitado - IME-USP

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O cilindro deitado
Eduardo Colli
São poucas as chamadas “funções elementares”: potências e
raı́zes, exponenciais, logaritmos, funções trigonométricas e suas inversas, funções trigonométricas hiperbólicas e mais algumas que
merecem um nome especial. A partir delas podemos evidentemente
construir muitas outras, fazendo uso das operações de adição, subtração, multiplicação e divisão, além da composição de funções.
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Por exemplo, e−x é x elevado ao quadrado, com sinal trocado e
depois exponenciado.
No entanto mesmo a enorme gama de funções que podem ser
definidas dessa forma não é suficiente para resolver certos problemas. Por exemplo, dada uma função f definida como uma combinação de funções elementares, pode-se escrever sua inversa f −1
como combinação de funções elementares?
A resposta é não, nem sempre! O experimento do cilindro deitado ilustra como isso pode surgir num problema prático. Suponha
1
que queiramos determinar uma escala de volume na borda do cilindro. Na prática, podemos determinar uma escala de ângulos,
variando de 0 (recipiente vazio) a π (recipiente cheio) - vide figura
abaixo. É fácil ver que o volume V depende do ângulo θ segundo
a relação
1
1
V (θ) = l · πr2 · (θ − sen 2θ) .
π
2
Mas como, dado V , podemos achar θ? Não há uma fórmula para
isso, porém é possı́vel resolver o problema, para cada V , usando
métodos numéricos...
θ
r
Inversão de funções e zeros de funções
Neste problema, convém adotar o volume relativo como variável.
Em outras palavras, como lπr2 é o volume total do cilindro, usaremos
1
1
V (θ)
v(θ) =
=
(θ
−
sen 2θ) ,
lπr2
π
2
cujo gráfico se vê na figura abaixo.
v
1
v ( θ)
0
π
2
θ
Assim, v(θ) = 1 quando θ = π (e igual a 12 quando θ = π2 ). Isso
também permite que as contas adotadas sejam universais, isto é,
independentes do comprimento e do diâmetro do cilindro.
Se quisermos por exemplo fazer uma marca no ângulo θ que corresponde ao preenchimento de 80% do volume do cilindro, teremos
que resolver a equação
v(θ) = 0.8 .
Isto é o mesmo que achar o zero (ou a raiz) da função f (θ) =
v(θ) − 0.8.
De forma geral, isso nos dá uma receita para achar, dado v entre
0 e 1, o ângulo θ = θ(v) tal que v(θ) = v. A função θ(v) é a inversa
da função v(θ)!
Há vários métodos para se achar zeros de funções, porém destacase o Método de Newton, por causa de sua simplicidade e eficiência.
O Método de Newton
Procuramos a solução θ∗ tal que f (θ∗ ) = 0, mas precisamos
ter pelo menos um palpite inicial para começar. Esse palpite inicial
será chamado de θ0 . Em seguida, refinaremos o palpite, obtendo
θ1 que, esperamos, esteja mais próximo de θ∗ . Sucessivamente,
obteremos θk+1 como melhoramento de θk , com a esperança de
que a seqüência de valores θk se aproxime assintoticamente de θ∗ .
O refinamento de θk para θk+1 é feito da seguinte forma. Primeiro aproxima-se a função f em primeira ordem em torno de θk :
f (θ) ' f (θk ) + f 0 (θk )(θ − θk ) .
Se a expressão do lado direito fosse exata, seria fácil calcular onde
f se anula. No entanto, como não é, o valor de θ que anula o lado
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direito é apenas mais uma aproximação de θ∗ , que chamaremos de
θk+1 . Então θk+1 se define pela expressão
f (θk ) + f 0 (θk )(θk+1 − θk ) = 0 ,
isto é,
f (θk )
.
f 0 (θk )
O ponto mais delicado do Método de Newton é a escolha do
palpite inicial. Dependendo do valor tomado, pode ocorrer que a
seqüência dos θk não convirja, ou convirja para outro zero da função
que não corresponde ao valor buscado.
θk+1 = θk −
Aplicação do método
Apliquemos o Método de Newton no exemplo do cilindro. Por
exemplo, queremos achar θ tal que v(θ) = 0.6, ou seja, achar o
zero da função f (θ) = v(θ) − 0.6. Então montamos a fórmula de
iteração do Método de Newton:
θk+1 = θk −
f (θk )
v(θk ) − 0.6
= θk −
.
0
f (θk+1 )
v 0 (θk )
Substituindo a expressão de v(θ) e manipulando a expressão obtemos
1
sen (2θk ) − θk cos(2θk ) + 0.6π
.
θk+1 = 2
1 − cos(2θk )
Escolhemos θ0 = π2 como chute inicial, o que numa calculadora
com 10 casas decimais dá θ0 = 1.570796327. Usando a fórmula
de iteração obtemos θ1 = 1.727875959, depois θ2 = 1.729193776,
θ3 = 1.729194052 e θ4 = 1.729194052. O fato de θ4 ter dado
igual a θ3 não quer dizer que este seja o valor exato da solução.
A convergência assintótica da teoria dá lugar, na prática, a esse
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tipo de fenômeno, pois com um número limitado de algarismos
significativos não é possı́vel distinguir θk de θk+1 , a partir de um
certo iterado.
Exercı́cios
1. Suponha que a seção do recipiente que contém a água seja um
triângulo, ao invés de um cı́rculo. Calcule o volume de água
em função de sua altura no reservatório. Obtenha a função
inversa, isto é, a altura da água em função de seu volume.
2. Faça o mesmo que no item anterior com uma seção pentagonal, em vez de triangular.
3. Calcule a raiz quinta de 19, resolvendo a equação x5 = 19
com o auxı́lio do Método de Newton e uma calculadora.
4. Monte a fórmula de iteração do Método de Newton para
f (x) = x2 − a (usada para extrair a raiz quadrada de a) e
interprete-a em termos de médias aritméticas e geométricas.
5. Uma loja vende uma geladeira à vista por R$1000,00, mas a
prazo por R$1800,00, em 5 vezes. Calcule a taxa de juros utilizada pela loja, utilizando o Método de Newton. Observações
taxa de juros
para se ter em mente: seja x =
+ 1 (por exem100
plo, se a taxa é 50% então x = 1.5). Seja v o valor à vista e
n o número de prestações. A loja calcula o valor total a prazo
p da seguinte maneira:
v
v
v v
p =
+ x + x2 + . . . + xn−1
n n
n
n
v xn − 1
·
.
=
n x−1
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Como saber que uma função escrita como composição (finita) de
funções elementares não tem uma inversa escrita como composição
(finita) de funções elementares? Ou ao menos como provar que
existe uma tal função? Existem funções polinomiais com essa propriedade?
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