Modernismo em Portugal Caeiro Campos Pessoa Reis Fernando Pessoa e seus Heterônimos Fernando Pessoa (1888-1935) Grande parte da crítica considera Fernando Pessoa o maior poeta moderno da Língua Portuguesa. Em 1915, liderou o grupo de intelectuais que fundou a Revista Orpheu, que teve apenas dois números, mas marcou o início do Modernismo em Portugal. Com o passar do tempo, Fernando Pessoa leva uma vida cada vez mais solitária, vivendo modestamente como tradutor de cartas comerciais, trabalho que permitiu ao poeta dedicar-se de corpo e alma à criação de uma obra poética única e extraordinária, que permaneceu inédita por muitos anos. O poeta Fernando Pessoa desdobra-se em muitos outros poetas – os chamados heterônimos (têm nome, identidade e estilo próprios) – entre os quais se destacam Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, além, é claro, de Fernando Pessoa ele-mesmo (ortônimo). A fragmentação de Fernando Pessoa pode ser vista como uma tentativa desesperada de tomar para si vários pontos de vista, para ter a possibilidade de ver a totalidade. Fernando Pessoa (ele-mesmo) – Imaginação Resumindo Alberto Caeiro – Sentidos Ricardo Reis – Razão Álvaro de Campos – Emoção Poemas de Alberto Caeiro Alberto Caeiro nasceu em Lisboa em 16 de abril de 1889, e morreu tuberculoso em 1915 na mesma cidade. Órfão, viveu humildemente no campo, na região do Ribatejo, com uma tia-avó. Só teve instrução primária, por isso escrevia mal o português. É considerado o mestre dos demais heterônimos e até de Fernando Pessoa ele- mesmo. Poeta da natureza, de linguagem simples e espontânea. Adepto do sensacionismo. Caracteriza-se pela objetividade absoluta. Introdução a O Guardador de Rebanhos “Alberto Caeiro é um poeta bucólico de estilo modernista, que escreve em versos livres, e valoriza o prosaico e ama as coisas primitivas e espontâneas da natureza. Mas Caeiro não é exatamente um poeta: é um pensador que raciocina em versos. Os poemas desta obra ilustram a noção de que o verdadeiro conhecimento não se dá pela inteligência, e sim pelos sentidos. A inteligência, responsável pela cultura, cria símbolos, mitos e mediações desnecessárias para o convívio com a natureza, fonte do prazer e do verdadeiro conhecimento.” (Ivan Teixeira) Fragmentos de O Guardador de Rebanhos I Eu nunca guardei rebanhos, Mas é como se os guardasse. Minha alma é como um pastor, Conhece o vento e o sol E anda pela mão das Estações A seguir e a olhar. II Porque pensar é não compreender... O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Para o poeta, o olhar é o melhor meio de captar a realidade. A cada instante que passa, a Natureza e o Mundo se renovam, por isso o olhar sempre capta as coisas de uma nova maneira. Caeiro se nega a qualquer interpretação racional e estabelece sua proposta de vida: Eu não tenho filosofia; tenho sentidos... Aquilo que constitui a existência; investigação do “ser enquanto ser.” V Há metafísica bastante em não pensar em nada. O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso. (...) O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. (...) Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, Não pensar é a maneira mais sábia de viver. Se as coisas são apenas as coisas, não as ideias que se tem sobre as coisas, viver deve ser apenas viver, e não ter ideias sobre a vida. Ao negar a metafísica, Caeiro nega a tradição do pensamento abstrato. A nós, que não sabemos dar por elas. Mas que melhor metafísica que a delas, Que é a de não saber para que vivem Nem saber o que não sabem? (...) Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, Sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro Dizendo-me, Aqui estou! (...) Mas se Deus é as árvores e as flores E os montes e o luar e o sol, Para que lhe chamo eu Deus? Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; Evidencia-se aqui a noção de panteísmo, a concepção de que Deus é a própria criação, estando presente em tudo e em todos. Busca de uma “inocência primitiva”, “pré-reflexiva” VIII Num meio-dia de fim de Primavera Tive um sonho como uma fotografia. Vi Jesus Cristo descer à terra. (...) E a criança tão humana que é divina Menino Jesus = É esta minha quotidiana vida de poeta, E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre. Poesia (...) A Criança Nova que habita onde vivo “A Santíssima Trindade” de Caeiro: Dá-me uma mão a mim Poeta / Natureza / Menino E outra a tudo que existe E assim vamos os três pelo caminho que houver, (Poesia) IX Sou guardador de rebanhos O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto. E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes, Sinto todo o meu corpo deitado no realidade Sei a verdade e sou feliz. X Olá, guardador de rebanhos, Aí à beira da estrada, Que te diz o vento que passa? Que é vento, e que passa, E que já passou antes, E que passará depois, E a ti o que te diz? Os campos do Ribatejo Muita cousa mais do que isso. Fala-me de muitas outras cousas. De memórias e de saudades E de cousas que nunca foram. Nunca ouviste passar o vento. O vento só fala do vento. O que lhe ouviste foi mentira, E a mentira está em ti. XX O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. O Tejo tem grandes navios E navega nele ainda, Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, A memória das naus. (...) Mais uma vez aparece a Pelo Tejo vai-se para o Mundo. Para além do Tejo há a América. E a fortuna daqueles que a encontram. Ninguém nunca pensou no que há para além Do rio da minha aldeia. O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele está só ao pé dele. busca extrema da objetividade. A oposição entre o Tejo e o rio da aldeia do poeta é a oposição entre o Tejo com tudo o que ele representa e faz pensar (“a memória das naus”) e o rio da aldeia que não faz pensar em nada (“Quem está ao pé dele está só ao pé dele“). XXIV O que nós vemos das cousas são as cousas. Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra? Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos Se ver e ouvir são ver e ouvir? O essencial é saber ver, Saber ver sem estar a pensar, Saber ver quando se vê, E nem pensar quando se vê Nem ver quando se pensa. Defende a abolição da linguagem figurada Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender E uma sequestração na liberdade daquele convento De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas E as flores as penitentes convictas de um só dia, Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas Nem as flores senão flores. Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores. XXXIX Ao negar a metafísica, a filosofia e a teologia, Caeiro cria um projeto anti-poético, sem linguagem figurada. O mistério das cousas, onde está ele? Onde está ele que não aparece Pelo menos a mostrar-nos que é mistério? Que sabe o rio disso e que sabe a árvore? E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso? Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas, Rio como um regato que soa fresco numa pedra. Porque o único sentido oculto das cousas É elas não terem sentido nenhum (...) Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: As cousas não têm significação: têm existência. As cousas são o único sentido oculto das cousas. Síntese da concepção de vida de Caeiro Eis o gabarito, ó pá! 1. B 2. D 3. A 4. D 5. B 6. V, V, F 7. Todas certas 8. Todas certas 9. Todas certas 10.Todas certas