IN MEMORIAM FRANCISCO JOSÉ D A G A M A CAEIRO 1928-1994 Em 18 de Setembro do ano em curso, faleceu, aos 66 anos, o Doutor FRANCISCO JOSÉ DA GAMA CAEIRO, professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa (Filosofia), a tftulo definitivo, desde 1973. Não obstante a sua jubilação, desde Outubro de 1990, a sua presença continuou a sentir-se na Universidade, designadamente na sua Faculdade, que ia beneficiando, a muitos títulos, com a sua presença e o seu apoio, o que veio intensificar ainda mais o sentir da comunidade universitária, pelo seu falecimento. O Prof. Gama Caeiro, assim era geralmente conhecido, associou a sua vida à Faculdade de Letras, desde 1949, como aluno, matriculado em Ciências Históricas e Filosóficas, e desde 1959, como docente, na categoria de segundo assistente. O início da docência do Prof. Gama Caeiro foi marcado por dois factores que tiveram decisiva repercussão na sua actividade académica e cultural: a reforma da Faculdade de Letras, efectuada em 1957, e a criação da disciplina anual de Filosofia em Portugal, que assim ganhava, por assim dizer e pela primeira vez, plenos direitos de cidadania num Plano de Estudos. Se o compromisso com as instituições esbate frequentemente a singularidade da existência dos seus membros, numa espécie de imolação à universalidade científica, tal não aconteceu com o Prof. Gama Caeiro, não obstante a sua generosa dedicação à Universidade. Com efeito, a obra que realizou, não só não eclipsou o homem que era, como, pelo contrário, exprime as grandes coordenadas da filosofia da sua própria existência. Gama Caeiro era, acima de tudo, uma personalidade ética, fazendo-a chegar a toda a sua conduta, bem como a toda a sua obra. Além disso, era também uma alma genuinamente portuguesa, igualmente actuante nas suas fundamentais preocupações e nos vectores da sua produção intelectual. 4 In Memoriam Nada na sua vida pareceu emergir ao sabor das circunstâncias. A porção de contingência, que sempre afecta uma vida, nunca extinguiu, peio menos, traços característicos da sua personalidade ética. Não admira que mesmo a específica produção literária e científica exigida pela carreira académica as evidenciasse: Frei Manuel do Cenáculo - Aspectos da sua Actuação Filosófica (dissertação de licenciatura, 1954); Santo António de Lisboa, Vol. I : Introdução ao Estudo da Obra Anto/liana (dissertação de doutoramento, 1967). A actividade docente do Prof. Gama Caeiro manifestou-se particularmente decisiva na leccionação da disciplina Filosofia em Portugal, de cujo coroamento deve ser realçada a produção de múltiplas dissertações de doutoramento e de mestrado, que orientou, contribuindo, desse modo, para uma decisiva viragem no estudo de textos filosóficos portugueses. Para esse efeito e, em grande parte, as suas próprias expensas, constituiu uma biblioteca especializada e rica, que a sua proverbial disponibilidade sempre colocou ao serviço dos alunos. É enorme o repertório bibliográfico do Prof. Gama Caeiro, mas ele é sobretudo significativo. Além de traduzir as propensões das suas preferências de investigação, manifesta também o enquadramento da sua actividade: na Universidade portuguesa, na Universidade brasileira, onde também leccionou, na Academia Portuguesa de História e na Academia de Ciências de Lisboa, de que era membro, nas relações de intercâmbio cultural, particularmente entre Portugal, Brasil e Espanha. De realçar também a direcção da obra monumental, Chartularium Vniversitatis Portugalensis, iniciada e dirigida pelo Prof. Doutor Artur Moreira de Sá, a que Gama Caeiro sucedeu, e a co-direcção da Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Logos. Uma tarefa particularmente significativa estava no momento ao seu cuidado: a presidência das celebrações do Oitavo Centenário do Nascimento de Santo António (1995), as quais, embora polarizadas em Portugal, terão alcance mundial. As letras registam a obra que, constituindo, é certo, uma expressão fundamental da vida do autor, não deixam de perder, em boa medida, o calor da alma que a criou. O Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras, docentes e alunos, teve o privilégio de participar da constante presença afável do Prof. Gama Caeiro. Se os vindouros terão de adivinhar a sua fisionomia apenas pelas letras da sua obra, nós tivemos o dom de sentir, ao vivo, a articulação entre uma e outra, e essa foi uma experiência inesquecível, que aliás tentámos consignar em referência durável, ao prestar-lhe homenagem, aquando da sua jubilação, com o volume congratulatorio Pensar a Cultura Portuguesa. Homenagem a Francisco da Gama Caeiro, Ed. Colibri, Lisboa, 1993.