UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ODONTOLOGIA PREVENTIVA E SOCIAL PERSPECTIVAS DOS CIRURGIÕES-DENTISTAS SOBRE A INSERÇÃO DA FITOTERAPIA NA ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE Natal 2005 José Ferreira Lima Júnior PERSPECTIVAS DOS CIRURGIÕES-DENTISTAS SOBRE A INSERÇÃO DA FITOTERAPIA NA ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFRN como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Odontologia, área de concentração: Odontologia Preventiva e Social. Orientadora: Profª Drª Magda Diniz Bezerra Dimenstein Natal 2005 A Deus, por eu ainda estar vivo e defendendo esta dissertação. Muito obrigado, Senhor. A meu pai, exemplo de luta e vitória face às agruras da vida. AGRADECIMENTOS À minha orientadora Magda Dimenstein pela liberdade concedida durante este tempo de convívio; por sempre responder todos meus inúmeros e-mails e pela orientação à distância que deu certo. O meu muito obrigado! À minha mãe, pessoa mais importante da minha vida, por sempre me incentivar a estudar e compreender minha ausência. Aos colegas que o trilhar da vida me permitiu classificar de “amigos-irmãos”: Luiz Carlos de Azevedo Souza, Eduardo Antônio de França Mota e Manoela de Souza Araújo Silva, pela convivência sempre prazerosa e amiga, imprescindível para mim. À Patrícia, por entender que nem sempre eu podia estar por perto. Ao professor e amigo Dr. Kenio Costa Lima, por acreditar nos alunos de Iniciação Científica e impulsioná-los a fazer a seleção do mestrado. Eu era um deles, hoje estou aqui e sonhando com o doutoramento. Por tudo, eu agradeço: valeu cara! Aos professores e colegas do Programa de Pós-Graduação em Odontologia Preventiva e Social pela convivência harmoniosa durante estes anos de estudos em nossas vidas. Aos que fazem a Secretaria Municipal de Saúde de Granjeiro (CE), por entenderem minhas ausências motivadas por atividades do mestrado. A Srª Cleonice e Maria Dalva, pela atenção e solicitude dedicadas a mim desde o primeiro dia em nos conhecemos. Agradeço pela permissão para usar o computador, essencial para a feitura da parte final deste trabalho. À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sem a qual eu dificilmente estaria aqui hoje. À UFRN devo muito pelos anos de moradia e alimentação na Residência Universitária, pela oportunidade na Iniciação Científica, pela graduação, pela pós-graduação e, principalmente, pela visão de mundo que imprimiu em mim. Por tudo isto, agradeço a esta universidade. À CAPES pela concessão da bolsa de estudos. É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho, de examinar com atenção a vida real, de confrontar nossa observação com nosso sonho de realizar escrupulosamente nossa fantasia. Sonhos: acredite neles. Vladimir Ilich Ulyanov (Lenin) RESUMO Este trabalho tem por objetivo conhecer a aceitabilidade dos cirurgiões-dentistas da assistência pública na cidade de Natal/RN em relação à possibilidade de inserção da fitoterapia na atenção básica de saúde. Além disso, busca conhecer se durante a formação profissional deles houve algum embasamento teórico-prático sobre este assunto, bem como investigar a confiança que eles atribuem aos fitoterápicos. A motivação básica para a realização desse estudo está na possibilidade de contribuir com a inserção de uma prática de saúde tradicional no âmbito da assistência pública, respaldada pelo uso popular, porém à luz do conhecimento científico. Para tanto, a fitoterapia é enfatizada como um caminho a ser seguido com vistas a incrementar a assistência farmacêutica básica, aumentando o acesso ao medicamento e minorando gastos. Seguindo esta lógica, o PSF constitui o caminho através do qual esta prática poderá chegar até o usuário do serviço de saúde. A população estudada foi composta de trinta cirurgiões-dentistas vinculados ao serviço público de Natal-RN. O instrumento utilizado foi um roteiro de entrevista semi-estruturada, com a técnica de análise das práticas discursivas. Nesse sentido, este trabalho se insere dentro de uma tendência que se vê atualmente não só no Brasil, onde a utilização das plantas medicinais tem sido incentivada, estimulada e defendida para ser inserida dentro dos programas de atenção primária à saúde. Palavras-chaves: Fitoterapia; serviços públicos de saúde; saúde bucal; atenção básica. ABSTRACT This work aims at investigating the surgeons-dentists’ acceptability in the field of public health in the city of Natal, State of Rio Grande do Norte, about the possibility of medicinal plants insertion in basic attencion of health. Moreover, it searchs to know if during their professinal formation it had some theoretician-pratical basement on this subject, as well as investigating their confidence on the medicinal plants. The basic motivation for developing this study is the possibility of contributing to the insertion of a tradicional health pratical at public assistance scope, endorsed by popular use, but now scientifically proven. For in a such way, the medicinal plants use is emphasized as a way to be followed to increase basic pharmaceutical assistance, improving the acess to the medicine and diminish expenses. Following this logic, family health program constitutes the way through which this pratical will be available to the users of health services. The research was done over thirty surgeonsdentists, all of them pertaining to public service of Natal, state of Rio Grande do Norte. It was used, as research instrument, semi-estructured interview associated with methodological analysis user’s speeches. On this form, this work is inserted in a trend observed nowadays not only in Brazil, where the use of the medicinal plants has been stimulated and defended to be inserted at programs of primary attenction of health. Key-words: Phytotherapy; public health services; oral health; basic care. LISTA DE SIGLAS AMA - Associação Médica Americana CD - Cirurgião-dentista CFO - Conselho Federal de Odontologia CNS - Conferência Nacional de Saúde DSO - Distrito sanitário oeste FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz IBPM - Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais IDA - Integração Docente-Assistencial IDH - Índice de Desenvolvimento Humano MS - Ministério da Saúde NOAS - Norma Operacional de Assistência à Saúde OMS - Organização Mundial da Saúde PACS - Programa de Agentes Comunitários de Saúde PSF - Programa de Saúde da Família SMS - Secretaria municipal de saúde SUS - Sistema Único de Saúde. UFC - Universidade Federal do Ceará UFRN - Universidade Federal do Rio do Rio Grande do Norte LISTA DE TABELAS Tabela 01: Nomes populares, indicações e formas de utilização das plantas medicinais citadas pelos CD’s para tratamento de afecções odontológicas ......................................................66 Tabela 02: Nomes populares e indicações de plantas medicinais e resultados obtidos com o tratamento fitoterápico prescrito pelos CD’s.......................................................................68 Tabela 03: Nomes populares e indicações de plantas medicinais utilizados pelos CD’s e resultados obtidos com o tratamento ...................................................................................70 SUMÁRIO RESUMO.............................................................................................................................6 ABSTRACT ........................................................................................................................7 LISTA DE SIGLAS.............................................................................................................8 LISTA DE TABELAS.........................................................................................................9 INTRODUÇÃO .................................................................................................................12 FITOTERAPIA: ORIGEM E UTILIZAÇÃO..................................................................... 12 REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................16 CAPÍTULO 1. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM O MODELO DE ATENÇÃO.......................................................16 1.1 - Breve resgate histórico e conceito do paradigma flexneriano ....................................16 1.2 - Movimentos de reforma educacional e sanitária no setor saúde.................................21 1.3 - O modelo de atenção segundo a concepção flexneriana.............................................27 CAPÍTULO 2. PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: A ATENÇÃO BÁSICA À LUZ DOS PRINCÍPIOS E DIRETRIZES DO SUS ....................................................................31 2.1 - O contexto histórico do surgimento do SUS...............................................................31 2.2 - A filosofia de prestação à saúde do SUS ....................................................................32 2.3 - Princípios que regem a organização do SUS ..............................................................35 2.4 - Atenção primária: breve histórico e conceito .............................................................36 2.5 - O PSF e a atenção básica ............................................................................................39 CAPÍTULO 3. FITOTERAPIA X ATENÇÃO BÁSICA: UMA RELAÇÃO A EXPLORAR ........................................................................................................................44 3.1 - Fitoterapia: uma tradição milenar ...............................................................................44 3.2 - A fitoterapia no SUS ...................................................................................................46 OBJETIVOS ......................................................................................................................53 METODOLOGIA..............................................................................................................54 RESULTADOS E DISCUSSÃO.......................................................................................57 I. Perfil profissional .............................................................................................................57 II. A formação profissional dos cirurgiões-dentistas e o nível de conhecimento deles acerca da fitoterapia.............................................................................................................................65 III. Tipos e formas de utilização de fitoterápicos pelos usuários ........................................66 IV. Tipos de fitoterápicos prescritos pelos profissionais ....................................................68 V. Utilização de fitoterápicos pelos próprios cirurgiões-dentistas......................................70 VI. Inserção da fitoterapia como alternativa terapêutica na rede básica de saúde ..............72 VII. Fatores que dificultam a implantação da fitoterapia na rede básica de saúde .............86 CONCLUSÕES..................................................................................................................95 REFERÊNCIAS. .................................................................................................................102 ANEXO A ...........................................................................................................................107 INTRODUÇÃO O ponto de partida deste estudo foi um projeto de Iniciação Científica do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), ligado a Base de Pesquisas Grupo de Estudos em Saúde Bucal (GESB), do então Curso de Mestrado em Odontologia Social, hoje Programa de Pós-Graduação em Odontologia Preventiva e Social (PPGOPS) da UFRN. Tal projeto foi intitulado de “O uso de fitoterápicos e a saúde bucal”, tendo eu participado dele como bolsista quando aluno da graduação em 2001. Tal trabalho investigou o uso de plantas medicinais pela população, bem como descreveu, dentro do universo de pessoas que fazem uso das propriedades terapêuticas do reino vegetal, a porcentagem de uso dos fitoterápicos para cuidados em relação à saúde bucal, além de ter verificado quais as indicações e formas de utilização mais comuns de tais plantas. Como conclusão deste estudo preliminar, obteve-se que grande parte das pessoas participantes da pesquisa usava plantas medicinais no tratamento dos mais diversos agravos à saúde, inclusive para tratar afecções bucais, tais como processos inflamatórios da orofaringe, odontalgias e gengivites. Essa experiência anterior motivou o desenvolvimento de uma nova investigação, agora em nível de mestrado, no sentido de ampliar o conhecimento produzido ainda na graduação, uma vez que a literatura relata a aceitação e utilização das plantas medicinais por parte da população; no entanto, não revela a aceitação dos profissionais de saúde, nem tampouco dos profissionais da Odontologia. FITOTERAPIA: ORIGEM E UTILIZAÇÃO As plantas medicinais têm sido utilizadas desde os primórdios da humanidade. A escolha daquelas mais adequadas para dar resolutividade aos males do homem primitivo se dava por tentativa e erro e o tempo tratava de mostrar qual era a mais indicada para determinado fim. O conhecimento adquirido foi, então, transmitido de geração a geração até os dias de hoje. Segundo Teske e Trenitini55, a Fitoterapia - palavra originária dos radicais gregos phyton (planta) e therapia (tratamento) - é uma prática antiga. O primeiro manuscrito conhecido a respeito desta prática é o Papiro de Ebers, datado de 1500 a.C. Atualmente, as pesquisas realizadas com ervas confirmam geralmente os usos tradicionais das plantas, o que traz aos cientistas a convicção de que há muito a se aprender com os costumes populares. Nesse sentido, algumas plantas já são bem conhecidas; outras, não se conhece nem a sua composição. Cerca de 300 a 400 plantas são estudadas no mundo e só o Brasil possui mais de 100 mil espécies, dos quais menos de 1% teve suas propriedades avaliadas cientificamente. O emprego dos vegetais como alimento, medicamento ou cosmético, se perdeu na história do homem na face da Terra. Os estudos da Arqueologia demonstraram que há mais de 3000 anos as ervas eram utilizadas para este fim. Numerosas foram as etapas que marcaram a evolução da arte de curar, porém torna-se difícil delimitá-las com exatidão, já que a Medicina esteve por muito tempo associada às práticas mágicas, místicas e ritualísticas. Considerados ou não seres espirituais, as plantas, por suas propriedades terapêuticas ou tóxicas, adquiriram fundamental importância na medicina popular. É admirável o fato de todas as civilizações em todos os continentes terem desenvolvido pesquisas sobre as virtudes das plantas para fins medicinais. Porém, é mais admirável ainda que esse conjunto de conhecimentos tenha subsistido por milênios33. Em todos os países, sejam desenvolvidos, sejam em desenvolvimento, são utilizadas plantas com fins medicinais. Nos primeiros, as plantas não só constituem matérias-primas para a produção industrial de derivados químicos puros, como também fazem parte de extratos ou compostos fitoterápicos, utilizados no tratamento das mais diversas enfermidades, função bastante presente nos países em desenvolvimento. Um exemplo deste procedimento encontra-se na Alemanha, onde atualmente 80% da medicação vendida é feito com fitoterápicos, pois a análise das espécies de uso popular à luz da ciência propiciou essa aproximação da Fitoterapia com a Alopatia. Na Odontologia, a literatura relata plantas medicinais com finalidades para afecções bucais. Elas teriam propriedades antiinflamatórias, anti-hemorrágicas, analgésicas para o tratamento de odontalgias e de outras afecções orais. Os óleos do cajueiro (Anacardium occidentale L.) e do cravo (Eugenia caryophyllata T.) são indicados para odontalgias, devendo ser aplicados com o auxílio de uma pelota de algodão sobre o dente dolorido56. Estudos têm demonstrado que a romã (Punica granatum Linn) possui atividade antimicrobiana sobre Streptococcus mutans, microrganismo de extrema importância na formação da placa bacteriana, além de ser usada contra gengivite e feridas bucais por sua ação antisséptica e antibiótica40. Apesar da pouca quantidade de estudos com fitoterápicos no Brasil, a partir da revisão bibliográfica feita, foram encontrados alguns estudos que comprovaram o uso de fitoterápicos pela população. No entanto, os trabalhos encontrados relacionavam-se sempre ao saber popular em relação às plantas medicinais, não fazendo nenhuma alusão ao conhecimento, aceitação e confiança por parte dos profissionais da saúde em relação a esta prática popular. Diante disto, considera-se importante o desenvolvimento de linhas de pesquisa na área de políticas de saúde, no sentido de buscar indícios do nível de conhecimento dos profissionais sobre a fitoterapia para que, futuramente, esta prática possa fazer parte dos cuidados primários dentro da atenção básica em nível público, como por exemplo, no Programa de Saúde da Família. Outro ponto a ser considerado refere-se à acessibilidade e custos relacionados aos medicamentos fitoterápicos. Os trabalhos de pesquisa com plantas medicinais, geralmente originam medicamentos em menos tempo, com custos muitas vezes inferiores e, conseqüentemente, mais acessíveis à população, que em geral encontra-se sem quaisquer condições financeiras de arcar com os custos elevados da aquisição de medicamentos convencionais, que possam ser utilizados como parte do atendimento das necessidades primárias de saúde. Além disso, vislumbra-se com este estudo a formulação de uma política de saúde que venha a promover discussões sobre a possibilidade concreta de inserção da prática da utilização dos fitoterápicos, por parte dos profissionais e pacientes, nas unidades básicas de saúde do município de Natal – RN, o que corrobora uma idéia defendida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), haja vista o conhecimento e a utilização empírica dessas plantas medicinais pela população já serem bastante difundidas, porém, nem sempre de forma correta no que diz respeito às indicações e formas de utilização. Nesse sentido, pretende-se estimular os profissionais que atuam na área da saúde bucal a orientarem a utilização de plantas medicinais dentro de seu esquema terapêutico, assim como a própria população para uma utilização adequada de tais substâncias conhecendo os seus efeitos “reais”, suas contra-indicações e riscos. O uso de fitoterápicos, quando feito com critérios, só tem a contribuir para a saúde de quem o pratica. Tais critérios referem-se à identificação do quadro clínico apresentado (doença ou sintoma), escolha correta da planta a ser utilizada e adequada preparação. O referencial teórico deste trabalho está organizado em três capítulos. O primeiro enfoca a questão da formação dos profissionais na área de saúde e sua relação com a maneira como é prestada a assistência à saúde, principalmente no âmbito dos serviços públicos. No segundo capítulo, objetiva-se conceituar o Sistema Único de Saúde (SUS), discutindo seus princípios e diretrizes. Especial ênfase será dada para a Atenção Básica à Saúde, a partir da qual se chegará na Estratégia de Saúde da Família, objeto maior de discussão e análise, haja vista se configurar como uma nova proposta em termos de prestação dos serviços de saúde, onde a família constitui o núcleo central da abordagem. No terceiro, ressalta-se a importância da fitoterapia dentro da Atenção Primária à saúde, enfatizando ser esta uma alternativa economicamente viável e tecnicamente exeqüível, ademais de ser incentivada pela OMS como forma de melhorar o acesso da população aos medicamentos que pertencem ao âmbito da atenção básica de saúde. Várias são as razões que fundamentam esta afirmação, dentre elas pode-se citar a utilização de plantas medicinais por grande parte da população e a facilidade do acesso das pessoas às espécies vegetais. Na seqüência, encontram-se os objetivos do estudo e os aspectos metodológicos que nortearam a pesquisa. Por fim, são apresentadas e discutidas as falas dos entrevistados relativas às questões pertinentes a fitoterapia. O estudo desta questão possibilitará um maior entendimento do problema aqui abordado, com vistas ao surgimento de novas alternativas em termos de políticas de saúde, que focalizem a fitoterapia como uma saída para a minimização dos gastos com medicamentos na atenção básica, sem a perda da qualidade nem da eficácia, já que as plantas medicinais são há muito estudadas e têm sua eficácia cientificamente comprovada. REFERENCIAL TEÓRICO 1. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM O MODELO DE ATENÇÃO Esse capítulo procura, inicialmente, realizar um resgate sobre as circunstâncias históricas que propiciaram o surgimento da concepção flexneriana na saúde, tendo como eixo norteador a publicação do Relatório Flexner, em 1910. A partir daí, são descritos os movimentos de reforma no setor saúde, que tanto influenciaram não só a prestação dos cuidados, como também o processo de formação dos profissionais da área. Por fim, esse capítulo ainda apresenta as influências que o Flexnerianismo e a educação superior no setor saúde tiveram sobre o modelo de prestação dos cuidados à saúde ao longo do século XX. 1.1 BREVE RESGATE HISTÓRICO E CONCEITO DO PARADIGMA FLEXNERIANO Para estabelecer uma relação entre o processo de formação dos profissionais na área da saúde e a produção dos serviços de saúde, faz-se necessário, inicialmente, realizar um resgate histórico sobre a educação médica. Para tanto, analise-se inicialmente o caso dos Estados Unidos da América no final do século XIX e inicio do século XX. Na época, houve uma expansão do ensino médico naquele país, tendo surgido um grande número de escolas não ligadas à universidade, as chamadas “proprietary schools”, cujo ensino era considerado de baixa qualidade e insatisfatório. Isto ensejou um agudo questionamento da maneira como os médicos eram formados20. Dentro deste contexto histórico de queda na qualidade do ensino e aumento do número de escolas de medicina, o médico e educador americano Abraham Flexner (18661956), tendo como objeto a avaliação do ensino médico nos Estados Unidos e Canadá, publicou pela Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching um relatório que tomou seu nome. Este documento, publicado em 1910, ultrapassou seus objetivos – políticos, institucionais, sociais e geográficos – e aportou em todos os países da região latino-americana, notadamente após a II Guerra. Sem sombra de dúvida, seus princípios e parâmetros aparentemente voltados para a formação do médico – inspiram as diretrizes que até hoje costuram as relações entre ensino e serviços de saúde, orientam as políticas e a operação desses setores de produção social e, afinal, conformam ou orientam as próprias demandas sociais48. A enorme força que teve esse Relatório fez com que ele, ademais de disciplinar o aparato formador dentro dos Estados Unidos, incluindo a redução das instituições de ensino existentes à época, influenciasse não apenas a formação (incluindo a discussão da participação feminina no trabalho médico), mas também a prática médica, não só naquele país como em todo o mundo. Consolidou-se, então, o paradigma da medicina científica, que orientou o desenvolvimento das ciências médicas, do ensino e das práticas profissionais em toda a área da saúde ao longo do século XX. As características ainda tão marcantes da educação superior nessa área, quais sejam a segmentação em ciclos básico e profissional, o ensino baseado em disciplinas ou especialidades e ambientado predominantemente no hospital têm origens no Relatório Flexner48. Assim, tomando como base o resultado do estudo publicado em 1910, quando foram analisadas 155 escolas médicas que existiam à época nos Estados Unidos e no Canadá; apurou-se que 124 delas não adotavam o modelo aceito pela ciência moderna; tendo sido decretado o fechamento delas em consonância com a American Medical Association. Além de determinar o fechamento de 80% das escolas médicas naqueles dois países, o relatório ainda sugeriu profundas mudanças nos currículos e espaço físico das que permaneceram abertas, dando maior ênfase ao ensino em laboratórios e práticas intrahospitalares. Elas tiveram que criar departamentos de ciências básicas, instalaram ou melhoraram seus laboratórios de pesquisa, reforçaram seus vínculos com alguns hospitais que se transformaram em hospitais de ensino ou universitários, e passaram a dar maior atenção para a formação docente e de investigadores dentro do ensino médico. Com sua ênfase na pesquisa biológica e na prática hospitalar, e em paralelo com o desenvolvimento científico de um modo geral, estimulou um avanço na tecnociência da saúde quase inimaginável no início do século XX. Foi tamanha sua influência sobre a organização da educação médica, que até hoje se podem reconhecer suas marcas no modelo hegemônico de formação, o modelo flexneriano20. O modo flexneriano de pensar a saúde através da formação e da prática médica vem ao longo dos anos impactando os processos educacionais e de produção dos serviços na área da saúde. O hospital como espaço da cura e eixo estruturante dos serviços e da formação, o privilégio da abordagem clínica/individual, a especialização intensiva e extensiva (primeiramente dirigida à formação do médico e, logo depois, um dogma a ser seguido pelas demais profissões da área), o controle e a auto-regulação do exercício profissional, a ênfase na pesquisa biológica, dentre outras práticas hegemônicas, traduzem de maneira inequívoca, a interpenetração da concepção flexneriana nos processos de formação e de assistência à saúde até os dias atuais. Sua adoção pelas instituições de ensino superior sempre esteve atrelada ao desempenho técnico e científico, inclusive credenciando-as mais e melhor, para captação de parcerias e investimentos nacionais, internacionais, públicos e privados27. Conforme já explicitado, estas concepções foram pensadas inicialmente para a classe médica, no entanto, extrapolando seus objetivos, institucionalizaram-se como um caminho a ser seguido para as demais profissões do setor de saúde. Na Odontologia, é necessário se reportar ao relatório Gies de 1926, onde o mesmo aborda a educação dental nos Estados Unidos e Canadá, passando do modelo pouco sistematizado, para uma reorganização da prática odontológica e das faculdades de Odontologia, pelo modelo biologicista e curativista22. Ou seja, houve uma mudança de um modelo baseado no senso comum para outro ancorado na cientificidade. No entender de Cordón22, o modelo Giesiano, que buscava maior autonomia para a Odontologia frente à Medicina, no início de sua formatação seguia os conceitos ideológicos do paradigma de Flexner condutor das práticas médicas, vindo a posteriori assumir posturas mais positivistas, monopolistas, biologicistas e mecanicistas que as contidas no paradigma flexneriano, tudo dentro da estratégia para assegurar tal autonomia profissional. O triunfo das teses de Gies em 1935 e a criação do Conselho de Educação Dental nos Estados Unidos, que viria a dar sustentação à prática que se delineava e se realizava, vieram de encontro à aspiração corporativista dos odontólogos de se firmarem como categoria e não mais como uma simples especialidade médica, mesmo que para conseguir tal intento tenha tido que segmentar a prática (focalização na boca) e descontextualizá-la socialmente22. O paradigma giesiano veio estabelecer as bases da Odontologia Científica, permitindo, portanto, um sobrepreço dos procedimentos odontológicos que cada vez mais se sofisticam, possibilitando também a expansão de uma indústria odontológica de insumos e equipamentos. Além disso, tornou mais distante a prática profissional da Odontologia patrocinada pelo Estado, tanto pelo aspecto custo quanto pela visão individualista clínica de resolução do processo saúde-doença22. O impacto ocorrido sobre a formação do dentista foi semelhante àquele ocorrido com os médicos, tendo como conseqüência, um profissional cuja prática estava orientada para atividades curativistas, individualistas, fragmentadas e centradas na clínica privada, sem lugar para o desenvolvimento de ações coletivas ligadas ao campo da atenção básica de saúde, tão enfatizadas atualmente nos programas governamentais de saúde pública. Cabe acrescentar que na filosofia de assistência à saúde apresentada, não há lugar para as práticas ou terapias alternativas, quais sejam a homeopatia, a fitoterapia, a acupuntura, dentre outras; haja vista elas não se enquadrarem no paradigma científico moderno. Para o setor de produção dos cuidados à saúde, a incorporação da lógica que preside esta concepção é interpretada como aumento do seu potencial desempenho e produtividade. No entanto, tal incorporação tem resultado em impasses. Se bem que o contínuo desenvolvimento científico e suas aplicações tecnológicas, em termos de possibilidades propedêuticas e terapêuticas centradas no ato médico, conduziu o modelo flexneriano à glória; contraditoriamente, fez emergir crises e críticas no tocante à organização, financiamento e resultados dos serviços de saúde, bem como aos processos de formação profissional, destacadamente do médico. Para Freitag27, uma explicação plausível relaciona-se à crescente expansão dos gastos associados ao consumo desenfreado de novidades ofertadas pelos serviços de saúde, em contraste com a finitude de recursos para o seu custeio, mesmo nos países mais ricos. Contudo, vale indagar se o modelo flexneriano encontra-se mesmo em crise ou, muito pelo contrário, em pleno apogeu, a despeito dos paradoxos e críticas que tem suscitado. O que ocorreu com o modelo flexneriano pode ser interpretado, essencialmente, como um processo político-social de aprendizado e incorporação, onde um valor com intenções práticas transforma-se em senso comum, em normatividade hegemônica – indispensável para estabilizar as relações de poder - e, com isso, as relações de produção. Daí que, de “ideário restrito à formação e a prática do médico” ou de “modelo ultrapassado e superado”, a concepção flexneriana é, ainda, a concepção consagrada, política e tecnicamente, como expressão da boa qualidade, da competência e do avanço científico e tecnológico dos dois processos. De acordo com Mendes37, os princípios básicos desta concepção podem ser expressos sucintamente pelos seguintes elementos estruturais: 1. O mecanicismo que faz analogia do corpo com uma máquina, elemento essencial do modo de produção dominante; 2. O biologismo, que pressupõe o reconhecimento exclusivo da natureza biológica das doenças e de suas causas e conseqüências; 3. O individualismo, que se manifesta pela instituição do objeto individual da saúde excluindo os aspectos sociais; 4. A especialização, que resulta na troca da globalidade do sujeito pelo conhecimento científico; 5. A exclusão de práticas alternativas, já que a viabilização do paradigma da medicina científica se fez com base na sua supremacia sobre as outras práticas médicas alternativas, populares ou acadêmicas; 6. A tecnificação calcada no ato médico, como nova forma de mediação entre o homem e as doenças; 7. O curativismo, ênfase no aspecto curativo privilegiando o diagnóstico e a terapêutica. 8. Concentração de recursos, nos planos espacial e institucional e, em conseqüência, a medicina cientifica tornou-se urbano-cêntrica e hospitalcêntrica. Apesar de consagrado política e tecnicamente, conforme já referido, o modo flexneriano de pensar e agir emerge no cenário mundial como reflexo de um momento histórico no qual a sociedade passava por importantes transformações científicas, culturais e tecnológicas. Consoante Capra18, o progresso na medicina acompanhou de perto o desenvolvimento ocorrido na biologia e nas ciências sociais; o pioneiro Louis Pasteur e a teoria microbiana da doença; o avanço na tecnologia médica, com a invenção de instrumentos diagnósticos como estetoscópios e esfignomanômetros e, conseqüentemente, o nascimento de uma indústria voltada para a produção de equipamentos médicos; a descoberta da penicilina que precipitou a era dos antibióticos e o surgimento da grande indústria farmacêutica são alguns exemplos de inovações que proporcionaram mudanças no modo como é prestada a assistência à saúde. Para este autor, ‘as causas do modo como se estabeleceu a formação e atuação dos profissionais da saúde são múltiplas, elas podem ser encontradas dentro e fora da ciência médica e estão inextricavelmente ligadas à crise mais ampla de natureza social e cultural’. A educação e atuação médicas não são frutos exclusivos de Flexner e seus pressupostos. Não se pode creditar a ele toda esta força, uma vez que o conteúdo do seu relatório publicado em 1910 só vem expressar uma concepção de saúde/doença que permeia toda uma sociedade e é antes de tudo, política. Ou seja, este relatório surgiu e ganhou força porque havia toda uma concepção permeando a vida social sintonizada com as propostas. A interação destas proposições cria um novo paradigma da prática médica, a medicina cientifica, que se caracteriza pela concepção mecanicista do homem, pela redução asocial e a-histórica da doença à sua dimensão biológica, pela individualização do seu objeto, pela crescente corporificação do conhecimento em tecnologia de alta densidade de capital exercitada por agentes especializados, pela ênfase nos aspectos curativos da medicina, pelo seu caráter urbano-cêntrico e hospital-cêntrico e pela exclusão de formas alternativas de prática37. 1.2 MOVIMENTOS DE REFORMA EDUCACIONAL E SANITÁRIA NO SETOR SAÚDE Segundo Santana e Christófaro48, de forma quase paralela e concomitante, seguiramse, a esse movimento de formulação da concepção flexneriana, outros tantos movimentos – medicina preventiva, medicina integrada, medicina comunitária, integração docenteassistencial. Todos esses movimentos de reforma educacional e, articuladamente, de reforma sanitária foram afluentes do processo que, no Brasil, culminou na Constituição de 1988, redefinindo as bases conceituais, legais e operacionais dos setores de saúde e educação nacionais. Destarte, conforme supracitado, vários foram os movimentos que, a partir da década de 1940, no contexto histórico do pós Segunda Guerra, emergiram na tentativa de destronizar o flexnerianismo. Com a introdução do estado de bem-estar social nos países europeus, a assistência médica nos Estados Unidos é posta em xeque. É nesse momento que surge a proposta da Reforma Preventivista e da Medicina Integral, encampada pela Associação Médica Americana (AMA), antecipando-se a propostas mais radicais que propugnavam a intervenção do Estado na assistência médica. Vale ressaltar que nessa época foi criado na Inglaterra o Serviço Nacional de Saúde, que adota um modelo muito diferente do americano. A proposta da AMA era de que a ação médica estendida para outros níveis, especialmente o período pré-patogênico, resultaria numa medicina mais efetiva. A base doutrinária desse projeto foi o modelo da "história natural da doença" (desenvolvido por Leavell & Clark), que incluía no âmbito da ação médica não apenas os doentes, mas toda a população e, desse modo, beneficiária dos avanços científicos e tecnológicos da medicina. Ao invés de uma reforma “por fora”, que reorganizasse o sistema de prestação de cuidados, como no caso da Inglaterra, tratava-se de uma reforma “por dentro”, no pressuposto de que se modificando a consciência e a abordagem dos profissionais de saúde reverter-se-ia o quadro sanitário49. Os movimentos preventivista e da medicina integral, modulados principalmente pela experiência americana, disseminaram-se de forma sistemática na América Latina a partir da reunião de Viña del Mar - Chile, realizada em 1956 sob auspícios da Organização PanAmericana da Saúde. Por vários motivos, em geral relacionados aos processos políticos em curso nos países dessa região e às condições sociais de suas populações, esse movimento ganhou características próprias, afastando-o da influência original. Dentre as heranças similares à experiência norte-americana estão a criação de departamentos de medicina preventiva nas escolas médicas latino-americanas e a cisão entre o saber/fazer preventivo (tido como foco principal da atenção primária de saúde) e o curativo (reconhecido como inerente aos serviços hospitalares)48. Embora a medicina preventiva pretendesse constituir, ao menos para alguns de seus arautos, uma proposta de reforma do modelo flexneriano, o movimento preventivista apenas redirecionou as bases conceituais e operacionais dos processos de formação e de produção de serviços de saúde, constituindo-se, efetivamente, numa prática complementar ao flexnerianismo, articulando a saúde pública com a medicina liberal. Com o intuito de produzir mudanças nas políticas, nas estratégias e nos objetivos dos processos de educação e de produção em saúde, surgem a Medicina Comunitária e a Integração docente-assistencial nas décadas de 1960-1970. Ambos tentam responder as limitações de acesso da maioria ao sistema de serviços que progressivamente se sofistica e encarece, em contraste com o incremento da consciência sanitária e das reivindicações sociais por mais e melhor atendimento. A Medicina Comunitária corresponde a um retorno à medicina simplificada, uma volta ao modelo anterior à explosão tecnológica, como forma de tentar incluir as camadas marginalizadas pelo processo de desenvolvimento desigual. Para tanto, seria necessário estimular a participação da comunidade na produção dos serviços, mormente através do trabalho voluntário49. Quanto ao movimento de Integração Docente Assistencial (IDA), cabe destacar suas propostas táticas de resistência e cooptação dirigidas à introdução, no ensino de graduação das profissões de saúde, dos princípios e métodos da "epidemiologia social" e da concepção do "processo saúde-doença". A IDA defendia, com igual ênfase, experiências educacionais e curriculares no contexto da realidade sanitária e dos serviços básicos de saúde com a presença, precoce e oportuna, do aluno; a participação de docentes na prestação de serviços e de profissionais desses serviços na formulação e operação do programa de ensino. No Brasil, a partir da década de setenta, verifica-se a expansão de atividades de IDA, sob a designação de programas de extensão, tanto em áreas periféricas como urbanas. É interessante lembrar dois fatores que estão intimamente ligados ao espaço que as propostas de IDA conquistaram nas instituições de ensino superior de saúde do País: a inviabilidade de manter todos os estudantes nos hospitais de ensino, ante o expressivo e abrupto aumento de matrículas (em razão da expansão que se seguiu à aprovação da Lei 5540/681 - o que não ocorreu nas escolas do nível médio da formação profissional); e as mudanças de financiamento e clientela desses serviços, que exigiam maior produtividade, em geral incompatível com a presença de estudantes nos serviços hospitalares. Entretanto, tais atividades apenas tangenciavam o processo de formação, que persistia centrado no hospital, focalizado na assistência clínico-individual e devotado às especialidades. Frente a todos estes movimentos contra-hegemônicos descritos, cabe neste momento, fazer o devido recorte para a área odontológica. Nesse sentido, surgiram várias experiências na tentativa de se contrapor à Odontologia dominante, quais sejam: Odontologia Sanitária, Odontologia Preventiva, Odontologia Social, Odontologia Simplificada, Odontologia Integral e a Saúde Bucal Coletiva. 1 A Lei 5540/68 introduziu a relação custo-benefício e o capital humano na educação, direcionando a universidade para o mercado de trabalho, ampliando o acesso da classe média ao ensino superior e cerceando a autonomia universitária. Alguns autores trabalham no sentido de conceituar e diferenciar cada uma delas. Chaves citado por Narvai38 afirma que: “Odontologia sanitária é trabalho organizado da comunidade, na comunidade e para a comunidade, no sentido de obter as melhores condições médias possíveis de saúde oral. Não estamos entre os que acham que Odontologia Preventiva e Odontologia Sanitária são sinônimos. A distinção entre ambas é ao nosso ver muito clara. A Odontologia Preventiva tomando prevenção em sentido restrito, é a parte da Odontologia que trata dos diferentes modos pelos quais se podem prevenir as enfermidades orais. A Odontologia Preventiva, ao estudar um método preventivo, não cogita de saber se aquele método será usado em clínica particular ou em saúde pública. Esta cogitação constitui objeto da Odontologia Sanitária”. Frente ao exposto, o autor deixa claro que o objeto de estudo da Odontologia Sanitária é todo o conjunto de doenças sob a responsabilidade do dentista, porém no âmbito da comunidade, ao passo que a Odontologia Preventiva preocupa-se com os métodos preventivos utilizados em saúde bucal, quer sejam aplicados individualmente em clínica particular ou em programas de saúde pública. Sobre a Odontologia Social, Pinto citado por Narvai38 relata que: “a separação entre as áreas preventiva e social só se justifica por motivos didáticos, não devendo existir na prática, pois ambas são componentes de um mesmo corpo de conhecimentos no qual cabe à primeira identificar as origens dos problemas de saúde bucal e apresentar os métodos capazes de impedir sua ocorrência, enquanto à Odontologia Social compete, ademais de reunir condições propícias para o uso dos métodos preventivos, estruturar o sistema de prestação de serviços à comunidade, incluindo a obtenção dos insumos necessários (recursos humanos, físicos e financeiros) e a organização final do trabalho”. O mesmo autor complementa afirmando que a missão básica da Odontologia Social é identificar as verdadeiras causas que impedem a obtenção de bons níveis de saúde por parte da população e agir pela sua superação. A expressão Odontologia Simplificada apareceu no discurso odontológico brasileiro nos anos setenta. Tal expressão fazia crítica à Odontologia Científica e se reivindicava ‘alternativa’, a partir de um outro paradigma. Mendes e Marcos citado por Narvai38 definem assim a Odontologia Simplificada: “uma prática profissional que permita, através da padronização, da diminuição de passos e elementos e da eliminação do supérfluo, tornar mais simples e barata a Odontologia, sem alterar a qualidade dos trabalhos realizados. E que, ao tornar-se mais produtiva, torna viável os programas de extensão de cobertura”. Sobre a Odontologia Simplificada cabe ressaltar ainda que ela não pretendeu uma mudança qualitativa na prática profissional. Apenas constitui-se em uma Odontologia complementar, destinada às classes sociais marginalizadas e concretizada pela simplificação dos elementos da prática profissional, em especial recursos humanos e equipamentos, sem questionar a Odontologia científica ou flexneriana38. Um outro adjetivo que foi posto ao lado do vocábulo Odontologia foi Integral. Assim, a Odontologia Integral segundo Marcos citado por Narvai38 seria uma nova concepção da Odontologia na medida em que incorporaria o saber e o fazer ao nível do interesse da coletividade. A proposta desta Odontologia é alternativa, na medida de sua universalização e igualização, ou seja, não é uma prática destinada a populações marginalizadas, mas um novo modelo substitutivo do atual. Apesar de todas essas vertentes na Odontologia, surgiu ainda a Saúde Bucal Coletiva e não a Odontologia Coletiva. Isto porque falar em Odontologia Coletiva significaria continuar preso à noção de ‘odontologia’. Isso era o que se queria evitar. Mesmo reconhecendo o significado e a importância da assistência odontológica, buscava-se construir uma referência teórica para as ações a serem desenvolvidas, extrapolando os estritos limites do meramente assistencial, vale dizer daquilo que normalmente é tido como ‘odontológico’. Por isso não poderia ser a mesma coisa falar em Odontologia coletiva ou em Saúde Bucal Coletiva. Assim, foi sendo afirmada gradativamente a expressão Saúde Bucal Coletiva para afirmar uma prática sanitária que reivindicava origem distinta das “odontologias”, bem como outras articulações e compromissos38 . A despeito dessas tentativas (quer sejam da Medicina ou da Odontologia) de superação do paradigma flexneriano não terem logrado êxito, o saldo final dos diversos momentos de crises e conquistas tem sido positivo. O lema “Saúde para Todos” e estratégia da “Atenção Primária”, consagrados mundialmente na reunião de Alma-Ata em 1978, tiveram muito a ver com tais movimentos e seus avanços reformistas. No Brasil, a Reforma Sanitária teve forte influência dos movimentos supracitados. A reformulação do setor saúde, com a implementação das Ações Integradas de Saúde (AIS), do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) e, por último, Sistema Único de Saúde, nos anos 1980, resultou da acumulação política e técnica proporcionada pelas experiências de medicina comunitária e integração docente-assistencial. Com relação à reforma educacional, seu eixo principal estava centrado no currículo, onde deveria desenvolver uma nova consciência e uma nova abordagem dos problemas de saúde, extrapolando as questões meramente biológicas (endeusadas pela concepção flexneriana) e passando a ver os problemas e agravos à saúde como resultantes de uma realidade social na qual a pessoa (em nível individual) ou a população (em nível coletivo) está inserida. Dessa forma, os egressos das escolas de saúde estariam aptos a dominar os conhecimentos científicos básicos de natureza biopsicossocioambiental subjacentes à prática médica, tão necessários para um exercício profissional não autoritário, capaz de negociar condutas e intervenções a partir da escuta atenta das perspectivas de pacientes, famílias e comunidades. Sobre a atuação desses “novos” profissionais de saúde, eles deverão estar aptos a atuar na proteção e na promoção da saúde e na prevenção das doenças, bem como no tratamento e reabilitação dos problemas de saúde, adotando uma perspectiva integral1. 1.3 O MODELO DE ATENÇÃO SEGUNDO A CONCEPÇÃO FLEXNERIANA Considerando as características e princípios básicos que o Relatório Flexner imprimiu no setor saúde, cabe aqui agora descrever o modelo hegemônico de prestação de cuidados à saúde, haja vista o processo histórico de sua construção já ter sido delineado anteriormente. No campo da saúde, a influência do paradigma flexneriano no pensamento médico resultou no modelo biomédico, alicerce consensual da moderna medicina científica. A analogia do corpo humano como uma máquina muito complexa pressupõe constante inspeção de um especialista, daí a lógica da “troca da globalidade pelo conhecimento científico”, anteriormente já afirmado por Mendes37. O modelo biomédico não vê o corpo como uma máquina perfeita, porém com uma máquina que tem, ou terá, problemas, que só especialistas podem constatar. De acordo com Koifman30, o fenômeno biológico é explicado pela química e pela física. Não parece haver espaço, portanto, dentro dessa estrutura, para as questões sociais, psicológicas e para as dimensões comportamentais das doenças. Acredita-se ser as doenças resultado ou de processo degenerativo dentro do corpo, ou de agentes químicos, físicos ou biológicos, ou, ainda, da falha de algum mecanismo regulatório do corpo. Segundo esta visão, doenças podem ser detectadas apenas por métodos científicos. Partindo do principio, concernente a esse modelo, de que a saúde e a vida saudável emergirão automaticamente da ciência, os tratamentos médicos consistiriam em esforços para reestruturar o funcionamento normal do corpo, para interromper processos degenerativos. A concepção mecanicista do organismo humano levou a uma abordagem técnica da saúde, configurando um modelo de atenção curativista no qual a doença é reduzida a uma avaria mecânica, e a terapia médica, à manipulação técnica30. No Brasil, a prestação de cuidados à saúde no serviço público mostra-se ainda não tão eficaz, perpetuando situações que não proporcionam uma melhor saúde para quem necessita de seus benefícios. O modelo biomédico hegemônico, fruto de uma educação superior em saúde voltada para a doença, fundamenta práticas de saúde que, no mais das vezes, são inadequadas para tratar as necessidades de saúde da população, na medida em que reforça a dicotomia saúde/doença. Nesse modelo de prática médica, muito poder é atribuído aos profissionais, que são colocados numa posição em que somente eles sabem o que é importante para a saúde dos indivíduos e só eles podem fazer alguma coisa a esse respeito. Destarte, a prática médica objetiva consertar um determinado mecanismo biológico em uma dada parte do corpo, sendo que para cada órgão ou sistema, há um especialista específico. Para Carvalho19, a saúde é um fenômeno que não pode ser entendido em termos reducionistas devido a envolver uma complexa interação entre os aspectos físicos, psicológicos, sociais e ambientais da condição humana. Nesse sentido, cabe aqui explicitar que os princípios básicos do modelo biomédico estão sobremaneira enraizados na cultura vigente, que se tornou o modelo dominante no pensar e no agir do setor saúde. É necessário frisar que os estudantes desde sua formação, bem como ao iniciarem suas vidas profissionais, sentem as dificuldades de mudar os moldes atuais da assistência à saúde. No caso brasileiro, esta, além de ineficaz e de não corresponder às necessidades de saúde dos usuários, mostra-se fragmentada haja vista não adotar uma abordagem holística, não priorizar a integralidade do indivíduo, como também não o considerar inserido numa realidade que é dinâmica e cheia de contradições19. A formação dos profissionais de saúde é, sem dúvidas, um dos fatores que contribuem para tal fragmentação. Sobre a educação superior na área de saúde, Aguiar1 afirma que, nas escolas brasileiras, a exemplo do que acontece em outros países do mundo, existe um grande número de estudantes “anônimos” sendo “assoberbados” por informações “fragmentadas” transmitidas em aulas expositivas e de qualidade “variável”, em um processo que valoriza mais a memorização do que o raciocínio crítico. Como conseqüência, um processo educacional impregnado de características como aquelas anteriormente referidas forma, prioritariamente, profissionais de saúde cuja atenção está restrita ao corpo, membros e órgãos, deixando de lado determinantes sociais, culturais, econômicos, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis individual e coletivo, do processo saúde-doença. A importância desses determinantes no processo saúde-doença é incontestável e, uma vez negligenciados ou esquecidos, a atenção em saúde deixa de contemplar aspectos que lhe são essenciais e, como conseqüência, a assistência à saúde perde a eficácia e a resolutividade. No Brasil, as políticas de saúde desconsideram, em sua prática assistencial, as condições de vida (moradia, trabalho, educação, alimentação etc) dos usuários e as práticas de saúde são restritas à execução de recursos da assistência médica. Como resultado disso, a saúde da população fica limitada ao momento da consulta. Sobre o modelo de assistência à saúde, Carvalho19 afirma ser este predominantemente do tipo pronto-atendimento da demanda espontânea, apoiado nessa concepção “biologizante” que por ser, na maioria das vezes, ineficaz, possibilita o constante retorno aos centros de saúde. Isso faz aumentar a demanda, a produtividade e, conseqüentemente, os gastos. Revela-se, portanto, além de ineficaz, dispendioso. Por vezes, o usuário do serviço necessita apenas de uma conversa e não de remédios, no entanto, a forma como as consultas é realizada, onde predomina a falta de atenção do profissional para os diversos fatores que estão permeando a doença, contribui para o aumento da demanda dos serviços públicos. Nessa visão “biologizante” da saúde, é possível ter como solução ou cura o consumo de remédios. A visão do medicamento como símbolo de saúde, a partir de uma concepção biologizada do processo saúde-doença, pressupõe que a enfermidade seja considerada como um fator orgânico, enfrentável através do medicamento, o que implica deixar de lado “as esferas do social e do comportamental, as verdadeiras sedes da saúde-doença, privilegiando como terreno de jogo o universo concreto e seguro do organismo e da biologia” 31. Dessa forma, o medicamento assume um papel de grande importância na medida em que se torna o centro do processo de cura nesta visão biologizante da saúde. Assumindo seu papel de protagonista, através do medicamento, a alopatia se firma como sinônimo de cura para todos os males, enraizando-se no modelo de atenção à saúde. Discutindo o modelo típico da década de 1970, Dimenstein24 enfatiza que ele foi oriundo de uma formação em saúde especializada e tecnificada, distante do quadro de saúde do país; um modelo excludente de parcelas expressivas da população – logo elitista – além de marcado por desigualdades no acesso quantitativo e qualitativo entre a população urbana e dessa com a rural. É necessário frisar que, a despeito da autora se reportar à realidade de três décadas atrás, o modelo de prestação dos cuidados à saúde atualmente ainda está impregnado das mesmas características, evidenciadas numa prática médica curativa, individual, assistencialista e hospitalocêntrica. Com tais características, o medicamento, conforme já referido, assume um papel de grande importância como símbolo de saúde. Por fim, necessário se faz aclarar a intrínseca relação existente entre este modelo anteriormente caracterizado e a concepção flexneriana da qual ele emergiu. Esta foi institucionalizada na cultura da formação superior em saúde, como um dogma a ser adotado por todas as academias. E assim ocorreu. Como conseqüência, uma legião de profissionais médicos (e também das demais profissões de saúde) passou a desenvolver um trabalho em saúde, que nunca correspondeu às expectativas sanitárias da população atendida, quer seja no Brasil ou no mundo. Em uma tentativa de reverter este quadro de formação superior em saúde, foi lançado em Agosto de 2004 o Aprender SUS, política formulada por uma ação intersetorial proposta pelos Ministérios da Saúde e da Educação. Considerando que a história de formação e exercício profissional em saúde é marcada pelo desenho flexneriano no ensino e trabalho, para ampliar a qualidade à saúde da população brasileira, se torna essencial orientar as graduações em saúde para a integralidade e este é o objetivo desta política, para se mudar a formação dos profissionais de saúde no âmbito do ensino da graduação11. Apesar deste quadro característico das práticas públicas de saúde, não há como negar, no entanto, que inovações assistenciais tem sido implantadas, algumas delas com sucesso. Este foi o caso do Programa de Saúde da Família (PSF), um dos eixos temáticos do próximo capítulo, ele surgiu em 1994 e consiste numa proposta de mudança do modelo assistencial ainda hoje vigente. Ao fim deste capítulo, é pertinente clarificar que a despeito da discussão estar voltada prioritariamente para a Medicina, isso se dá porque esta detém historicamente o poder de conduzir os processos educativos e práticos no campo da saúde. Nesse sentido, na Odontologia estes mesmos processos são, em sua maioria, frutos daquilo que ocorreu com a Medicina. Isto é, os movimentos antes discutidos também interferiram na Odontologia e delimitaram a forma como a profissão e a formação odontológicas foram pensadas. 2. PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA: A ATENÇÃO BÁSICA À LUZ DOS PRINCÍPIOS E DIRETRIZES DO SUS Este capítulo objetiva apresentar o Sistema Único de Saúde (SUS), realizando um breve resgate sobre o contexto histórico do seu surgimento, bem como descrever a lógica de atenção à saúde proposta por ele, discutindo seus princípios e diretrizes. Nesse sentido, será feito um recorte e especial ênfase será dada para a Atenção Primária à saúde, a partir da qual se chegará na Estratégia de Saúde da Família. Inicialmente concebido como um Programa e hoje consagrado como uma Estratégia (apesar de ainda ser conhecido como “PSF”), este novo modelo será discutido à luz dos princípios do SUS e dentro da lógica da atenção primária à saúde, a qual ele se propõe. 2.1 O CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE No fim da década de 1970, numa tentativa de reverter o modelo de atenção hegemônico, ineficaz, de baixa resolutividade, excludente e individualista; profissionais de saúde e intelectuais da área de saúde pública lutavam por políticas de saúde mais universalistas24,46. “Àqueles se juntou o povo, que insatisfeito com o modo como era feita a saúde no país, lutou por mudanças. Além destes, parlamentares defensores da causa da saúde e lideranças políticas sindicais, todos juntos, criaram o que passou a denominar de Movimento pela Reforma Sanitária. As pressões populares e do movimento sanitário geraram algumas mudanças significativas no sistema, em particular no campo da abertura e da atenção primária, resultado das repercussões da Conferência Internacional de Saúde de Alma-Ata em 1978, quando a denúncia do quadro de saúde brasileira foi colocada e as práticas de cuidados básicos de saúde foram estimuladas”46. Na década seguinte, grande foi a crise de caráter social, política e econômica vivenciada pela sociedade brasileira. O país estava saindo do autoritarismo do regime militar e o poder público vivia um período de re-organização com a perspectiva de uma nova Constituição. Este clima de euforia caracterizou-se como o momento exato para que profissionais de saúde, usuários, técnicos, políticos, lideranças sindicais e populares, todos juntos promovessem a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada em 1986 na cidade de Brasília-DF. Esta foi, sem dúvida, um marco histórico dentro do Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira46. O relatório da VIII CNS criou o alicerce para a reestruturação do Sistema de Saúde Brasileiro, a ser defendida na Constituição de 1988. Nele é enfatizado o conceito ampliado de saúde, que é colocada como um direito de todos e dever do Estado. Com efeito, a saúde foi institucionalizada como direito de todos e dever do Estado na Carta Magna de 1988, que em seu artigo 196 diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco da doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. A partir de então, estava criado o Sistema Único de Saúde (SUS), que teoricamente teve início em 1988, contudo na prática ainda dá seus primeiros passos, mesmo após 16 anos de seu surgimento jurídico-institucional. “Construção” é a palavra que sucintamente melhor define o SUS. Agora, o Sistema Único de Saúde será discutido à luz dos princípios que norteiam tanto a filosofia (doutrina) quanto a operacionalização das ações e serviços de saúde prestados à população brasileira. 2.2 A FILOSOFIA DE PRESTAÇÃO À SAÚDE DO SUS Após ter sido criado em 1988, o SUS passou algum tempo em nível teórico, só foi realmente regulamentado em agosto de 1990, com a primeira versão da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080) aprovada pelo Congresso Nacional. No entanto, esta passou por alguns vetos presidenciais, particularmente no que tange ao financiamento e ao controle social. Resultado de negociações, uma nova lei, a 8142 de dezembro do mesmo ano recupera alguns vetos e o que hoje se conhece como Lei Orgânica da Saúde é formado pelo conjunto das leis 8080 e 8142 de 199046. Estes instrumentos definem um conceito ampliado de Saúde e apontam para as estratégias de organização e controle das ações e serviços de saúde, interligando setores e buscando soluções para situações e problemas que são considerados como os determinantes do atual estado de saúde da população. Constitui, ainda, o arcabouço legal de sustentação do SUS, significando, em última análise a responsabilização do Estado, sob o ponto de vista jurídico, pela atenção à saúde da população, objetivando a consecução dos princípios de universalidade, integralidade, eqüidade e controle social. Roncalli46 ressalta que o Sistema Único de Saúde, garantido pela Constituição e regulado pela Lei Orgânica da Saúde, prevê um sistema com princípios doutrinários e organizativos. Os princípios doutrinários dizem respeito às idéias filosóficas que permeiam a implementação do sistema e personificam o conceito ampliado de saúde e o princípio do direito à saúde. Os princípios organizativos orientam a forma como o sistema deve funcionar, tendo como eixo norteador, os princípios doutrinários. A partir de agora, discutir-se-ão os princípios do Sistema Único de Saúde, haja vista eles possuírem uma especial relevância para as questões que se seguirão neste trabalho. Dentro desta perspectiva, a filosofia do SUS pode ser alicerçada em um tripé, cuja base é formada pelos seguintes elementos: universalidade, eqüidade e integralidade. No que tange à universalidade, Brasil8 diz que ela pode ser entendida como: “A garantia de atenção à saúde por parte do sistema, a todo e qualquer cidadão. Com a universalidade o indivíduo passa a ter direito de acesso a todos os serviços públicos de saúde, assim como àqueles contratados pelo poder público. A saúde passa a ser direito de cidadania e dever dos governos federal, estadual e municipal”. A universalidade deve atender a todos, de acordo com suas necessidades, independentemente de que a pessoa pague ou não a previdência social, e sem cobrar nada pelo atendimento24. Sobre a universalidade, Neto e Vilar39 afirmam que ela constitui objetivo político e de planejamento, oferecendo às populações o acesso ótimo aos planos, programas, sistemas e serviços de saúde, em todos os níveis da assistência. Com base no exposto, pode-se afirmar que a universalidade pressupõe a todos os cidadãos, independentemente de pagarem ou não a previdência social, o direito de acesso às ações e serviços de saúde; não apenas o direito à assistência médica, mas também a garantia do Estado sobre a formulação e efetivação de políticas públicas que garantam as condições gerais de sobrevivência digna de toda uma coletividade, quais sejam: emprego e renda, alimentação, educação, habitação, lazer, dentre outras. Já em relação à eqüidade, Brasil8 conceitua como: “É assegurar ações e serviços de todos os níveis de acordo com a complexidade que cada caso requeira, more o cidadão onde morar sem privilégios e sem barreiras. Todo o cidadão é igual perante o sus e será atendido conforme suas necessidades até o limite que o sistema puder oferecer para todos”. Como desdobramento da idéia de universalidade, Roncalli46 afirma que o princípio de eqüidade assegura que se considerem as diferenças entre os diversos grupos de indivíduos. Isso significa tratar desigualmente os desiguais, isto é, alocando recursos onde as necessidades são maiores. O autor prossegue dizendo que a eqüidade é uma espécie de “filtro” para a universalidade (que é mais abrangente), pois é possível a existência de um discurso universalista mesmo na existência de modelos desiguais do ponto de vista de acesso aos serviços. Pelo exposto, fica evidente que a eqüidade é um princípio de justiça social; isto é, cada um deve receber atenção à saúde conforme suas necessidades. Portanto, cada grupo populacional deve ter sua atenção específica, a qual deve ser diferente para os diferentes grupos dentro da população. Um outro princípio filosófico do SUS é o da integralidade, a qual pode ser entendida a partir da análise do seguinte trecho: “O homem é um ser integral, bio-psico-social, e deverá ser atendido com esta visão integral por um sistema de saúde também integral, voltado a promover, proteger e recuperar sua saúde” 8. Com efeito, depreende-se que há necessidade de ruptura histórica do modelo flexneriano, anteriormente já analisado, onde o sistema de saúde culturalmente aceito é fragmentado, a lógica da assistência à saúde é mecanicista e centrada no biologicismo, desconsiderando os aspectos sociais que permeiam o processo saúde-doença. O princípio da integralidade vem justamente romper com estes parâmetros que tanto marcam o modo de agir dentro do setor saúde, na medida em que coloca o homem como um ser bio-psico-social, havendo o interligamento das questões biológicas, psicológicas e sociais. Assim, para tratar este “novo homem”, mais complexo, só mesmo um sistema de saúde integral, que não só ofereça assistência médica, mas também a promoção e proteção da saúde. Dessa forma, Dimenstein24 enfoca a necessidade da superação das ações parcializadas de saúde que vêm a pessoa como um amontoado de partes e não como um todo integrado, que pertence a uma determinada sociedade, a um contexto histórico. As ações de saúde, por sua vez, devem estar voltadas ao mesmo tempo para o indivíduo e para a comunidade, para a prevenção e para o tratamento, não podendo ser compartimentadas. A partir de agora, serão descritos os princípios organizativos, ou seja, aqueles que tratam da forma como o SUS deve funcionar em termos práticos. São eles a regionalização e a hierarquização, o controle social, a resolubilidade, a descentralização, a participação dos cidadãos e a complementaridade do setor privado. 2.3 PRINCÍPIOS QUE REGEM A ORGANIZAÇÃO DO SUS Com relação à regionalização e hierarquização, Brasil8 expõe que: “os serviços devem ser organizados em níveis de complexidade tecnológica crescente, dispostos numa área geográfica delimitada e com a definição da população a ser atendida. Isso implica na capacidade dos serviços de oferecer a uma determinada população todas as modalidades da assistência, bem como o acesso a todo tipo de tecnologia disponível, possibilitando um ótimo grau de resolubilidade (solução dos problemas)”. À capacidade de resolver os problemas de saúde demandados pela população, dá-se o nome de resolubilidade. Oficialmente, pode ser entendida como “a exigência de que, quando um indivíduo busca um atendimento ou quando surge um problema de impacto coletivo sobre a saúde, o serviço correspondente esteja capacitado para enfrentá-lo e resolvê-lo até o nível de sua competência” 8. Com relação à participação dos cidadãos, o Ministério da Saúde afirma que é a garantia constitucional de que a população através de suas entidades representativas participará do processo de formulação das políticas de saúde e do controle de sua execução, em todos os níveis, desde o federal até o local 8. Um outro princípio é aquele que trata da questão da descentralização. Para entendêla, basta se atentar para o fato de que quanto mais próximo da situação-problema a decisão de resolvê-la for tomada, mais chances de acertos terá tal decisão. Assim, com a delegação de poderes para níveis mais próximos dos serviços de saúde, fica facilitada a questão do gerenciamento desse serviço, tornando-o mais eficaz. Por fim, há, no caso de insuficiência do setor público, complementaridade do setor privado no que concerne à questão da prestação dos cuidados à saúde. Para tanto, constatada a insuficiência dos serviços públicos, o gestor deverá contratar os serviços privados, porém com normas de direito público, isto é, interesse público prevalecendo sobre o particular. O gestor, quando da contratação, deve preferencialmente escolher os serviços não lucrativos conforme reza a Constituição. Destarte, foram descritos os princípios que rezam a organização do SUS. A partir de agora, pretende-se conceituar e discutir a Atenção Primária de Saúde segundo a lógica doutrinária e organizativa do SUS aqui já referenciada. A partir daí, se chegará no Programa de Saúde da Família, que também será objeto de reflexão deste trabalho. 2.4 ATENÇÃO PRIMÁRIA: BREVE HISTÓRICO E CONCEITO A Atenção Primária à Saúde vem sendo adotada, na história recente de diversos países, para organizar e ordenar os recursos de saúde para que respondam de maneira apropriada às necessidades de suas populações. Essa concepção da Atenção Primária como pilar da estruturação dos sistemas de saúde tende a superar visões mais restritas que a compreendem como um meio para ofertar serviços a populações marginalizadas ou unicamente como mais um nível de assistência. Quando se descreveu o processo de organização do SUS, foi demonstrado que este se encontra organizado em níveis de atenção. A partir de agora, será dada ênfase ao nível primário, isto é, ao primeiro nível a que os cidadãos devem (ou pelo menos deveriam) ter contato ao acessarem os serviços públicos de saúde. Na seqüência, será feito um resgate histórico sobre a questão do surgimento da atenção primária para então se definir seu conceito. Segundo Starfield53, em sua trigésima reunião anual realizada em 1977, a Assembléia Mundial de Saúde decidiu unanimemente que a principal meta social dos governos participantes deveria ser a “obtenção por parte de todos os cidadãos do mundo de um nível de saúde no ano 2000 que lhes permitirá levar vida social e economicamente produtiva”. Hoje conhecida como “Saúde para todos no ano 2000”, esta declaração desencadeou uma série de atividades que tiveram um grande impacto sobre o pensamento a respeito da atenção primária. Os princípios foram enunciados em uma conferência realizada em Alma-Ata e trataram do tópico da atenção primária à saúde. O consenso lá alcançado foi confirmado pela Assembléia Mundial de Saúde em sua reunião subseqüente, em maio de 1979. A atenção primária à saúde foi definida como: “Atenção essencial à saúde baseada em tecnologias e métodos práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados universalmente acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como o país possa arcar em cada estágio do seu desenvolvimento, um espírito de autoconfiança e autodeterminação. É parte integral do sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econômico global da economia. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde” 57. A conferência de Alma-Ata especificou ainda mais que os componentes fundamentais da atenção primária à saúde eram educação em saúde; saneamento ambiental, especialmente de águas e alimentos; programas de saúde materno-infantis, inclusive imunizações e planejamento familiar; prevenção de doenças endêmicas locais; tratamento adequado de doenças e lesões comuns; fornecimento de medicamentos essenciais; promoção da boa nutrição e a medicina tradicional 53. É necessário frisar que em países onde se encontra cultural e historicamente institucionalizado o modelo biomédico no pensar e agir do setor saúde, torna-se pouco exeqüível implantar de forma imediata os componentes fundamentais da atenção primária sugeridos na conferência de Alma-Ata. Infelizmente, as mudanças não acontecem tão logo detectados os erros ou surgidas propostas inovadoras. As mudanças, mormente no campo das práticas de Saúde Pública, são bastante morosas em função da burocracia do governo, da falta de recursos financeiros, da vontade política; enfim, muitos são os empecilhos que se contrapõem à efetivação de um simples programa ou projeto. Para exemplificar isto, observe que existe no Ceará o Projeto Dentista da Família II, proposto para cidades com um baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Ele foi implantado em 2004 pelo Governador Lúcio Alcântara. Realizou-se um processo seletivo em março do referido ano na Escola de Saúde Pública do Ceará. Após aprovados, os profissionais foram lotados nos municípios para os quais prestaram o concurso. No entanto, os acordos firmados não foram honrados, o consultório odontológico prometido nunca chegou aos municípios (até Fevereiro de 2005), as fiscalizações propostas, não aconteceram; enfim, uma experiência pequena, pontual que abarcou poucos municípios e, mesmo assim, não foi efetivada com sucesso. Diferentemente da experiência cearense no campo da Saúde Bucal, há dez anos o Ministério da Saúde implantou o Programa de Saúde da Família (PSF), o qual percorreu um caminho difícil, tortuoso (principalmente logo após sua implantação), porém sempre avançando e modificando, embora que a passos lentos, a forma de prestação dos serviços e ações de saúde pública no Brasil. O PSF propõe-se a prestar um serviço de atenção básica a uma população geograficamente delimitada tendo como núcleo central da abordagem a família. Por Atenção Básica, entende-se “um conjunto de ações de caráter individual e coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos serviços de saúde, voltadas para a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação” 10. É necessário neste momento se estabelecer uma diferença entre Atenção Básica e Atenção Primária à saúde, termos já bastante referidos neste trabalho. Como se observou anteriormente, o termo Atenção Primária surgiu em fins da década de 1970 como resultado da Conferência de Alma-Ata. Este termo passou a ser utilizado por profissionais de saúde de todo o mundo, ao se referir às ações e serviços de competência do primeiro nível de atenção à saúde. No entanto, aqui no Brasil, consagrou-se utilizar o termo Atenção Básica para se referir à Atenção Primária à saúde. Na verdade, o conceito de Atenção Primária, apesar de mais complexo, é similar ao de Atenção Básica em seus objetivos, porém este termo é empregado aqui no Brasil, ao passo que àquele tem larga utilização mundial 36. 2.5 O PSF E A ATENÇÃO BÁSICA No que tange à terminologia empregada, a partir de agora será usado o termo Atenção Básica, posto que este é de uso mais corrente aqui no Brasil. Nesse momento, a partir do qual o Programa de Saúde da Família será analisado e discutido à luz dos princípios do SUS, é relevante resgatar as origens de seu surgimento e implantação. Inicialmente, vale ressaltar que a origem do Programa de Saúde da Família está na decisão do Ministério da Saúde, em 1991, de implantar o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), como medida de enfrentamento dos graves índices de morbimortalidade materna e infantil na região Nordeste do país. O PACS pode ser considerado o antecessor do PSF por alguns de seus elementos que tiveram um papel central na construção do novo programa. Entre eles, pode ser enumerado o enfoque na família e não no indivíduo e o agir preventivo sobre a demanda, constituindo-se como um instrumento de organização da mesma. De certo modo, o que se percebeu é que houve a adoção de uma prática não reducionista sobre a saúde, evitando ter como eixo apenas a intervenção médica e buscando a integração de fato com a comunidade 13 , o que corrobora com um princípio organizativo do SUS que é a questão da participação social no controle e gestão do sistema. O PACS foi uma estratégia utilizada a partir da reorientação da assistência ambulatorial e domiciliar no âmbito do município visando a integração entre os diversos profissionais de saúde. De acordo com Calado16, o PACS foi formulado tendo como objetivo central contribuir para a redução da mortalidade infantil e mortalidade materna, principalmente nas regiões norte e nordeste, através da extensão de serviços de saúde para as áreas mais pobres e desvalidas. A mesma autora prossegue afirmando que, conforme já descrito, uma das variáveis que o programa de agentes introduziu, é que, pela primeira vez o enfoque na família e não no indivíduo dentro das práticas de saúde passou a ser observado. Por outro lado, o programa também introduziu uma visão ativa da intervenção em saúde de forma preventiva. Os resultados alcançados com o PACS estimularam os secretários municipais de saúde a expandir o programa a outros profissionais da saúde e operacionalizar a rede básica. Dessa forma, por falta de recursos financeiros, os mesmos começaram a pressionar as estruturas centrais, levando a realização de uma reunião nos dias 27 e 28 de dezembro de 1993, em Brasília, durante o qual foi concebido o “Programa de Saúde da Família”, que viria a ser implantado oficialmente em 1994 pelo Ministério da Saúde. As primeiras equipes foram implantadas em janeiro de 1994, incorporando e aumentando a atuação dos agentes comunitários. Com a implantação do PSF buscou-se uma ampliação e uma maior resolutividade das ações na atenção básica. Consoante a publicação oficial do Ministério da Saúde, onde se encontram explicitados os princípios do programa, o PSF reafirma e incorpora os princípios básicos do SUS já apresentados anteriormente: a universalidade, a descentralização, a integralidade e a participação comunitária15. Sobre a implantação do PSF, Neto e Vilar 39 afirmam que para impulsionar os avanços até então conquistados pelo SUS, e buscar dar um salto qualitativo na atenção à saúde, o Ministério da Saúde se propôs o desafio de desenvolver um novo modelo de atenção, baseado na saúde da família, como operação estruturante de ações congregadas, que permitisse novos e consistentes avanços do SUS e de seus princípios de universalidade de acesso, eqüidade no cuidado, integralidade da atenção e participação comunitária. Portanto, o PSF propõe-se a reorganizar a assistência à saúde a partir de novas bases, substituindo o modelo clássico, curativista, fragmentado, biologizado e devotado à hospitalização. A Unidade de Saúde da Família passa a ser a base operacional deste novo sistema, cujos princípios podem ser visualizados a seguir: “Caráter substitutivo: Não significa a criação de novas estruturas de serviços, exceto em áreas desprovidas, e sim a substituição de práticas convencionais de assistência por um novo processo de trabalho, cujo eixo está centrado na vigilância à saúde; Integralidade e Hierarquização: A Unidade de Saúde da Família está inserida no primeiro nível de ações e serviços do sistema local de saúde, denominado atenção básica. Deve estar vinculada à rede de serviços de forma que se garanta atenção integral aos indivíduos e famílias e seja assegurado a referência e a contra-referência para os diversos níveis do sistema, sempre que for requerido maior complexidade tecnológica para a resolução de situações ou problemas identificados na atenção básica; Territorialização e adscrição da clientela: trabalha com território de abrangência definido e é responsável pelo cadastramento e acompanhamento da população adscrita a esta área. Recomenda-se que uma equipe seja responsável pelo acompanhamento de, no máximo, 4.500 pessoas; Equipe multiprofissional: A equipe de Saúde da Família é composta minimamente por um médico generalista ou médico de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários de saúde (ACS). O número de ACS varia de acordo com o número de pessoas sob responsabilidade da equipe – numa proporção média de um agente para 550 pessoas acompanhadas”15. Sobre o processo de implantação do PSF, Roncalli46 realiza uma discussão bastante rica ao relatar que: “É importante perceber que no decorrer da implantação do PSF, o Ministério da Saúde muda o discurso no sentido de que, cada vez mais, desvincular o PSF dos programas verticais muito comuns na época do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social e que perduram até hoje. Concebido inicialmente como programa dentro da Fundação Nacional de Saúde, o PSF foi, aos poucos, sendo tomado como prioritário dentro dos modelos propostos para a atenção básica e hoje se fala em ‘Estratégia de Saúde da Família’ embora a denominação PSF persista. Decerto, a “estratégia” de se falar em estratégia e não mais em programa, foi uma forma de responder as críticas que eram dirigidas ao programa, taxado de ‘foquista’ e de ser uma medida impositiva que não considera as realidades locais”. A esse respeito, Souza51 elucida que o PSF não é uma estratégia de Médico de Família, e sim de Saúde da Família, onde uma equipe multiprofissional tem a coresponsabilidade de enfrentar os desafios de uma nova produção de saúde, tendo como base de atenção as famílias. A interpretação do PSF como saúde pobre para os pobres foi uma constante durante sua implantação; no entanto, ele não é uma estratégia para atender somente regiões pobres e famílias/comunidades excluídas, muito embora tenha como parte de suas responsabilidades ajudar a superar as desigualdades no campo da saúde. Assim, o PSF consiste em uma estratégia para reverter a forma atual de prestação da assistência à saúde, na edificação de um novo modelo, cujo produto, resultado da substituição do processo de trabalho, é representado pela transformação das Unidades Básicas de Saúde em Unidades de Saúde da Família, essas com a responsabilidade social de resolver em média 85% das situações-problema encontradas nos territórios de atuação 51. A Norma Operacional de Atenção à Saúde (NOAS/SUS 01/2001) define as responsabilidades e ações estratégicas mínimas que todos os municípios brasileiros devem desenvolver no âmbito da Atenção Básica. São elas: controle da Tuberculose, controle da Hipertensão, controle da Diabetes Melittus, ações de Saúde Bucal, ações de Saúde da Criança e ações de Saúde da Mulher 14. Dentre as ações de Saúde Bucal do PSF, além das intervenções clínicas odontológicas habituais, são recomendados também procedimentos coletivos com a comunidade, bem como ações de caráter educativo, com sessões de educação em saúde bucal. Neste rol de ações, a fitoterapia pode também ser incluída, uma vez que o acesso às plantas é maior, o custo para a população é menor e a eficácia é cientificamente comprovada. Para tanto, teria que ser implantado um Programa de Fitoterapia Popular. Esta é uma iniciativa que vem sendo incentivada, estimulada e defendida pelo SUS conforme pode ser observado no capítulo seguinte. 3. FITOTERAPIA X ATENÇÃO BÁSICA: UMA RELAÇÃO A EXPLORAR Este capítulo tem como escopo ressaltar a importância da fitoterapia dentro da atenção básica de saúde, mostrando os esforços e as experiências que têm sido efetivadas no âmbito dos serviços públicos de saúde para consolidar esta alternativa terapêutica. Para tanto, far-se-á inicialmente um breve resgate histórico do seu surgimento, para então ressaltar a importância de sua utilização nos serviços de saúde, inclusive exemplificando experiências exitosas que lançam mão da fitoterapia comunitária. 3.1 FITOTERAPIA: UMA TRADIÇÃO MILENAR Neste momento, cabe expor alguns conceitos importantes visando evitar dilemas conceituais posteriores. Por isso, encontram-se a seguir alguns termos e seus respectivos significados. • Alopatia: sistema terapêutico que consiste em tratar as doenças por meios contrários a elas, procurando conhecer suas causas e combatê-las 25. • Homeopatia: sistema terapêutico que consiste em tratar as doenças por meio de substâncias ministradas em doses diluídas a ponto de se tornarem, por vezes, infinitesimais, capazes de produzir em indivíduos sãos, quadros clínicos semelhantes aos que apresentam os doentes a serem tratados 25. • Medicamento fitoterápico: droga vegetal, planta ou suas partes, após processos de coleta, estabilização e secagem, podendo ser íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada9. • Medicamento fitoterápico novo: aquele cuja eficácia, segurança e qualidade sejam comprovadas cientificamente junto ao órgão federal competente, por ocasião do registro, podendo servir de referência para o registro de similares 9. • Medicamento fitoterápico tradicional: aquele elaborado a partir de planta medicinal de uso alicerçado na tradição popular, sem evidências, conhecidas ou informadas, de risco à saúde do usuário, cuja eficácia é validada através de levantamentos etnofarmacológicos e de utilização, documentações tecnocientíficas ou publicações indexadas9. A Fitoterapia - palavra originária dos radicais gregos phyton (planta) e therapia (tratamento) - é uma prática antiga. Desenhos de plantas, folhas e órgãos humanos em clara alusão a uma correspondência terapêutica, encontradas em uma região do sul da Ásia, mostram que a utilização de plantas medicinais no tratamento de doenças tem pelo menos 60 mil anos de história que não podem simplesmente ser jogados fora. Até o período paleolítico, os processos de cura empregados pelos homens se baseavam na observação de animais e permitiam descobrir as propriedades terapêuticas de diversas plantas. Devia funcionar bem, pois o comércio dessas plantas movimentou regiões da Europa, Oriente Médio e Ásia desde o século 2 a.C., uma vez que diversas espécies existiam somente em determinados continentes21. A mesma autora prossegue afirmando que os países com mais longa tradição no emprego desse tipo de remédio eram e são a China e a Índia, onde o registro sobre o uso de plantas curativas data de aproximadamente 1500 a.C. De acordo com Botsaris citado por Colavitti21, o livro mais antigo sobre fitoterapia que se tem conhecimento é o Shennung pen ts’ ao ching, escrito pelo imperador chinês Shen Nung, por volta de 200 a.C. “O uso medicinal das plantas é característico da humanidade e está presente em todos os contextos, de qualquer civilização”, explica Botsaris. No Egito, já no tempo do faraó Ramsés III, havia descrições da eficácia do cânhamo para tratar problemas oculares, e menções aos efeitos calmantes da papoula. Essas referências foram extraídas do Papiro de Ebers, escrito por volta de 1500 a.C. Ali são descritas centenas de plantas e suas respectivas propriedades. Algumas das espécies citadas, como o sene, são utilizados até hoje. Os povos da Suméria, Assíria e Babilônia também fizeram menção às características terapêuticas de cerca de 250 espécies vegetais21. No ocidente, as primeiras prescrições de remédios começam no século 5 a.C. e coincidem com o apogeu da Grécia antiga. Não por acaso, algumas plantas eram consideradas sagradas pelos antigos gregos e relacionavam-se à mitologia dos deuses – o termo “farmácia” tem origem na palavra grega “farmakon”, que significa “erva de enfeitiçar”. A obra mais clara e completa da antiguidade grega sobre medicina é atribuída a Hipócrates (460 aC.- 370 aC.). O chamado “pai da medicina”, além de reconhecer as propriedades das plantas medicinais, fixou as bases da ciência médica em sua totalidade. Entre 50 d.C. e 75 d.C., surge a figura de Pedanios Dioscórides, médico e cirurgião durante o império de Nero, conhecido como fundador da Matéria Médica. Sua obra, à qual se atribui a descrição de 600 plantas provenientes da Ásia, Grécia, Egito e Itália foi a base para a medicina curativa dos 18 séculos seguintes21. No final do Império Romano, quando os bárbaros já começavam a invadir boa parte do continente europeu, surge Galeno, que viveu durante o século 2d.C. Foi ele o primeiro a misturar diferentes ervas em um mesmo preparado. Sua influência na medicina perdurou durante toda a idade média na Europa e também foi preservada no mundo árabe até o aparecimento dos primeiros tratados anatômicos por volta do século 15. Dessa forma, pode-se constatar que o uso das plantas medicinais tem profundas raízes históricas. Ademais, com o desenvolvimento da pesquisa científica, muitas espécies vegetais foram estudadas e hoje têm reconhecimento de sua eficácia terapêutica, o que fundamenta sua utilização na atualidade. 3.2 A FITOTERAPIA NO SUS Além das profundas raízes históricas do uso de plantas medicinais com fins curativos, elas apresentam uma série de outras vantagens, quando analisadas na ótica da atenção básica de saúde, quais sejam econômica, social, cultural e ambiental. A partir de agora procurar-se-á fundamentar a importância da utilização da fitoterapia no âmbito dos serviços públicos de saúde, considerando a perspectiva da atenção básica. Nesse sentido, esforços de tentar implantar uma política de inserção da fitoterapia no SUS têm sido despendidos por algumas instituições, organizações e profissionais de saúde defensores da fitoterapia. A este respeito, os participantes da 11ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) realizada em Brasília-DF recomendam: “A implementação do Programa de Fitoterapia na rede pública com regularização do uso de plantas medicinais, garantindo parcerias com universidades para pesquisas e controle de qualidade e sob fiscalização da Vigilância Sanitária. Recomendam criar legislação que facilite a produção e comercialização de produtos fitoterápicos e plantas medicinais e implementar programas de incentivo ao desenvolvimento de projetos de fitoterapia e outros tratamentos alternativos, assim como o fomento à implantação de laboratórios fitoterápicos, inseridos dentro da política de assistência farmacêutica do estado. Consideram fundamental o incentivo às terapias naturais, em ações de promoção da saúde, integrando saberes populares e científicos, no sentido de desenvolver o acesso dos usuários dos serviços a essas práticas. Propõem a implantação de programas de fitoterapia descentralizada para unidades de saúde, escolas e demais instituições nos municípios, através de mecanismos (consórcios), sob fiscalização da vigilância sanitária estadual e em conjunto com assistência farmacêutica, e o apoio dos gestores do SUS à formação de hortas medicinais nos municípios. Propõem também que seja viabilizada a distribuição e garantido o acesso a medicamentos homeopáticos na rede de saúde”45. De acordo com esta lógica proposta pelo relatório da 11ª CNS, alguns programas já foram implantados nos anos 1980, porém sem êxito; ao contrário destes, outros conseguiram vencer os obstáculos e firmaram-se como experiências a serem copiadas pelos demais municípios. Sobre esta política de inserção da fitoterapia no SUS, pode-se afirmar que em prosseguimento a diversas ações empreendidas através do Programa Estadual de Plantas Medicinais da Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro, o Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais (IBPM), desde sua criação em 1998, vem se empenhando junto ao governo federal, na construção de uma política nacional de plantas medicinais que inclui a inserção da fitoterapia e medicamentos fitoterápicos no SUS. No entanto, apesar dos esforços do IBPM e de diversos profissionais de todo país ao longo dos anos, os avanços foram aquém do necessário. Inúmeras iniciativas foram abortadas: Projeto Flora-1982, CEME-1984, CIPLAM 1986 dentre outras. A alternância político-administrativa constitui-se no cerne da descontinuidade destas iniciativas. O "Fórum para Proposta de Política de Plantas Medicinais e Medicamentos Fitoterápicos" realizado em 2001 e o "Seminário Nacional de Plantas Medicinais" realizado em 2003, iniciativas do Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde, já oferecem suficientes fundamentos para se traçar um plano de ação, que assegure um avanço definitivo na execução das diretrizes ditadas nos documentos referidos. A idéia do Governo não é formar uma farmácia popular com produtos medicinais e sim formar capacitadores que ensinem como usar as plantas. “Temos no Brasil a idéia de que qualquer programa que envolva medicamento recebe o nome de farmácia. Superamos esta etapa. Pensamos em montar uma política setorial que envolva todos os segmentos da sociedade nesta questão”, explicou Rech44, diretor de Assistência Farmacêutica do MS no Seminário Nacional de Plantas Medicinais realizado em Brasília. Segundo Rech44, a idéia é montar um programa que possibilite tanto estimular a fixação e qualificação dos produtores, quanto a qualidade dos produtos. Além de abastecer a população, o governo estuda a possibilidade de atender a indústria farmacêutica com plantas medicinais, utilizando a biodiversidade brasileira na produção de medicamentos. Com isso, o governo estará estimulando a pesquisa nacional. “Com este trabalho queremos incluir e ampliar o acesso à assistência farmacêutica, capacitando recursos humanos capazes de reproduzir o conhecimento fitoterápico” 44. Para o diretor, o tratamento fitoterápico é uma importante alternativa que deve ser incorporada ao SUS, sendo em alguns casos a opção de tratamento mais barata e em outros a mais adequada. Embora as principais iniciativas estejam ancoradas no setor saúde, é senso comum que as plantas medicinais agregam valores social, ambiental, econômico, político e também estratégico para as presentes e futuras gerações. Tais valores devem ser enfatizados como justificativas para a inserção das plantas medicinais na Atenção Básica de saúde ofertada pelo SUS, mormente representada pela Estratégia de Saúde da Família. Nesta, a Fitoterapia pode ter larga utilização nas diversas ações estratégicas contempladas na NOAS/SUS 2001, conforme já referido. Assim, quer sejam nas ações de saúde da mulher, de saúde bucal ou de saúde da criança, dentre outras, as plantas medicinais, a depender das vocações botânicas de cada macro-região brasileira teriam grande utilização nos cuidados primários de saúde. A este respeito, a médica Gláucia Saad, professora do curso de fitoterapia e supervisora do ambulatório do Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais na FIOCRUZ, apresentou no V Fórum Estadual de Plantas Medicinais, cujo tema central foi A Fitoterapia no SUS, o seminário intitulado "Fitoterapia aplicada a atenção básica" em outubro de 2004, onde ficou evidente a importância do aproveitamento das plantas medicinas como recurso terapêutico, principalmente pelo profissionais do Programa de Atenção Básica e da Saúde da Família. Também defensora da inserção da fitoterapia no SUS, a Drª Terezinha de Jesus, farmacêutica do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IETA), afirma em entrevista ao Conselho Regional de Farmácia de São Paulo que: “assim como a alopatia, a fitoterapia já deveria estar inserida dentro da atenção primária à saúde, ou seja, nas gestões municipais de saúde, não só pelos baixos custos de produção dos medicamentos, mas pelo fato que é a medicina do povão, ou seja, o uso de plantas medicinais para tratamento de doenças, é uma prática milenar utilizada pelas populações carentes, principalmente aquelas onde não há nenhum técnico formado na área da saúde, como é o caso das comunidades do interior da Amazônia. Para essas populações, as plantas medicinais são a única maneira de conseguir a cura e/ou prevenção de doenças e todas elas sabem exatamente o que e quando devem usar cada uma das espécies indicadas para determinada doença, seja ela específica ou não da região em questão. Por isso um programa de fitoterapia no nível do SUS, só viria reforçar e institucionalizar essa terapia que já é validada por todas as populações do mundo” 29. A autora clarifica que os resultados práticos demonstraram que muitas doenças da atenção básica que as pessoas já estavam recorrendo ao uso de remédios industrializados, por exemplo, as infecções respiratórias agudas, atualmente estão sendo tratadas e curadas com os fitoterápicos, preparados de modo caseiro pelos próprios integrantes das comunidades. Além disso, as referências locais de cura, como as parteiras, curandeiros, benzedeiros, que também participam dos treinamentos, passaram a ser o agente confirmador dos resultados, pois são as primeiras pessoas que a população recorre em casos de doenças. Este é o trabalho do Projeto Farmácia da Terra, uma organização não-governamental fundada pela Drª Terezinha de Jesus e que atua no Estado do Amapá. Segundo esta pesquisadora, uma das grandes vantagens da inserção da fitoterapia nos programas de atenção básica do SUS é a econômica, pois o custo dos medicamentos ‘de farmácia’ é muito alto, daí manter plantas medicinais em casa é bem mais vantajoso, desde que com orientação sobre qual a planta correta a ser usada, bem como a forma adequada do uso. Além do aspecto econômico, a farmacêutica salienta que há outras vantagens do uso da fitoterapia como, por exemplo: “o aspecto social, porque considerando que mais da metade da população brasileira não tem acesso ao medicamento industrializado devido ao preço praticado pela grande indústria farmacêutica, a fitoterapia torna-se mais acessível pela relativa facilidade da matériaprima vegetal; sob outro ângulo há o aspecto cultural, pois a utilização de plantas medicinais no tratamento de enfermidades se constitui como um dos principais componentes da cultura das comunidades; por fim, há também a vantagem ambiental, o estímulo ao uso de plantas medicinais a partir do cultivo de espécies nativas ou aclimatadas, ou mesmo dos extrativismos, dentro de parâmetros racionais e preservacionistas” 29. No que tange às experiências com a fitoterapia popular, a guisa de exemplo, podem ser citados os programas de implantação da Fitoterapia da Prefeitura Municipal de Campinas/SP; o PROPLAM - Programa Estadual de Plantas Medicinais da Secretaria de Estado de Saúde / Rio de Janeiro com atuação em muitos municípios, como Petrópolis, São Fidélis, Paraíba do Sul, Quatis, Itatiaia dentre outros; o Programa Farmácias Vivas no Ceará que também já está sendo implantado em outras unidades da federação; o Programa Verde Vida da Secretaria Municipal de Saúde de Maringá / Paraná; o Projeto Farmácia Verde da Prefeitura Municipal de Ipatinga-MG, que já conta com dez anos de existência. No entanto, a despeito de todas estas iniciativas supracitadas, sabe-se que são programas ou projetos pontuais ainda, que não estão disponibilizados para grandes parcelas da população do país, ainda que esteja sendo incentivada, defendida e estimulada para ser implantada no âmbito das ações do SUS por parte do MS. A Fitoterapia aqui no Brasil ainda não atingiu o status que possui em outros países, a exemplo da Alemanha, onde representa grande parte dos agentes de cura utilizados pela população. Além das vantagens cultural, ambiental, social ou econômica, o uso racional dos medicamentos fitoterápicos para ampliação da resolutividade das ações de saúde, por meio da inserção na Assistência Farmacêutica Básica através do Programa de Saúde da Família é uma forma exeqüível de se melhorar o acesso da população brasileira aos medicamentos, sem perda da segurança do uso e da eficácia da ação. Destarte, se os profissionais de saúde defensores da fitoterapia aqui no Brasil, em conjunto com Universidades, gestores e organizações interessadas neste assunto, conseguissem implantá-la de forma efetiva para ser utilizada em toda a atenção básica da rede do SUS e, mais que isso, se alcançassem a adesão dos demais profissionais de saúde, aqueles descrentes da importância e cientificidade que permeia esta racionalidade médica, a despeito de ter surgido do empirismo consoante já referenciado, a fitoterapia avançaria muito no processo de inserção que ora se inicia no âmbito do SUS. Ela inclusive já ganhou, através dos estudos científicos realizados, status de terapêutica oficial, sendo alvo de uma discussão no Conselho Federal de Medicina pela Comissão de Medicina Alternativa, criada na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a qual irá pesquisar e avaliar as chamadas “terapias alternativas”. Num primeiro momento, segundo o coordenador do Setor de Medicina Alternativa e chefe do Departamento de Medicina, Nestor Schor, “os estudos ficarão restritos àquelas já reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina como especialidades médicas ou que estão em fase de avaliação: homeopatia, acupuntura e fitoterapia.” 50. Frente ao exposto, espera-se que em breve a Fitoterapia tenha sua política de inserção no SUS respaldada legalmente por algum decreto ou portaria oficial do MS, para que sua utilização popular seja ampliada definitivamente, só que agora com o apoio técnicocientífico do MS, para que sua utilização na atenção básica possa extrapolar os limites pontuais das experiências anteriormente citadas e melhorar o acesso da população brasileira aos medicamentos essenciais. Dentro deste processo de implantação, o PSF, enquanto modelo de reorganização da atenção básica, se constitui em um importante canal através do qual a fitoterapia poderia estar chegando às comunidades, uma vez que ele é atualmente a principal via de contato do usuário com a atenção básica de saúde. Para tanto, os profissionais precisariam ser treinados nesse sentido para poderem estar se conscientizando da eficácia e da importância desta idéia e, uma vez acreditando nela, poderem incentivar, estimular e difundir cada vez mais o uso popular das plantas medicinais, porém com o respaldo da ciência. OBJETIVOS Este estudo buscou investigar as seguintes questões: 1. Conhecer se durante a formação profissional houve algum embasamento teórico-prático sobre este a fitoterapia. 2. Discutir a aceitabilidade dos cirurgiões-dentistas em relação à possibilidade de inserção da fitoterapia na atenção básica de saúde. 3. Investigar a confiança que eles atribuem aos fitoterápicos. METODOLOGIA A idéia principal deste trabalho foi investigar a aceitabilidade dos cirurgiõesdentistas em relação à possibilidade de inserção da fitoterapia na atenção básica de saúde. A pesquisa foi realizada nos quatro distritos sanitários pertencentes à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Natal-RN. Foram escolhidas unidades de saúde que realizam a atenção básica e os profissionais a elas vinculados. A unidade selecionada, em cada Distrito Sanitário foi aquela que concentrava um maior número de profissionais. Para tanto, realizou-se, inicialmente, um levantamento de todos os profissionais de Odontologia vinculados à SMS de Natal-RN, bem como em quais unidades de saúde eles estavam lotados. Estas informações foram conseguidas junto à Coordenação de Saúde Bucal da referida secretaria, em março de 2004. A partir daí, procedeu-se com a seleção daquelas que efetivamente entrariam neste estudo, tendo como critério de inclusão, o maior número de dentistas trabalhando na perspectiva da atenção básica à saúde. Seguindo esta lógica, nos Distritos Sanitários Norte, Sul, Leste e Oeste, as unidades selecionadas foram respectivamente: Clínica Odontológica II; Unidade Mista de Cidade Satélite; Unidade Mista de Mãe Luiza e Unidade Mista de Cidade da Esperança. Tais unidades de saúde pertencem a bairros bastante populosos, onde há grande demanda no consumo dos serviços de saúde. Em função desse dado, pode-se dizer que os problemas de saúde que são recebidos naquelas unidades são similares aos que aparecem em outros serviços; assim como os profissionais que nelas trabalham traduzem, de modo geral, o perfil do cirurgião-dentista que presta serviços na assistência pública de saúde. A população estudada foi de cirurgiões-dentistas vinculados à SMS de Natal-RN. A opção por esse profissional se deu pelo interesse em saber a aceitabilidade que os dentistas têm em relação à idéia de inserção da fitoterapia na atenção básica de saúde. No que tange ao número de profissionais, inicialmente a amostra seria composta por 37 dentistas; no entanto, três eram especialistas em radiologia e só trabalhavam com sua especialidade. Dessa forma, eles foram dispensados, pois o objetivo era justamente trabalhar com profissionais cujas práticas estivessem voltadas para a atenção básica de saúde. Ademais, o contato do radiologista com o paciente é muito rápido, pois o procedimento realizado já vem solicitado por outro profissional. Além disso, levando em conta a grande demanda por serviços odontológicos, não há tempo para se estabelecer uma boa relação profissional- paciente neste tipo de serviço, já que após a tomada radiográfica, o usuário só retornará em um outro momento à unidade para receber o laudo do exame, não tendo, ao receber o resultado, nenhum contato com o profissional que o emitiu. Destarte, de um total de 37 profissionais, três foram excluídos pelo motivo supracitado e quatro se recusaram a participar do estudo. Dessa forma, foram pesquisados 30 cirurgiões-dentistas vinculados à SMS de Natal-RN, sendo 13 pertencentes à unidade de saúde do Distrito Sanitário oeste; seis ao Distrito Sanitário leste; seis ao Distrito Sanitário sul e cinco ao Distrito Sanitário norte. O instrumento utilizado foi um roteiro de entrevista com perguntas objetivas e subjetivas (Anexo A), o qual foi construído para contemplar os seguintes pontos: o perfil do profissional; a aceitabilidade que os dentistas têm sobre a inserção da fitoterapia na atenção básica de saúde; a confiança que eles atribuem aos tratamentos que lançam mão da fitoterapia como base terapêutica; algum possível embasamento durante a formação profissional deles sobre a fitoterapia; o conhecimento deles sobre o uso de plantas medicinais por parte de seus pacientes, bem como quais seriam estas espécies vegetais, suas indicações e formas de utilização para o tratamento de afecções bucais. O acesso ao profissional de Odontologia alvo da pesquisa foi obtido mediante apresentação, por parte do diretor de cada uma das quatro unidades de saúde contempladas neste estudo. Após aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN, procedeu-se à aplicação dos questionários. Estes foram aplicados, no mais das vezes, no próprio consultório odontológico, em horários previamente agendados com os dentistas. O período em que ocorreu o levantamento de dados foi de um mês e meio (de 1º de abril a 15 de maio de 2004). Durante a coleta de dados, não foram encontradas dificuldades significativas que viessem a comprometer o andamento da coleta. No entanto, trocas de plantões e esquecimento do compromisso agendado por parte de alguns profissionais, prolongaram o tempo de pesquisa de campo, inicialmente planejado para trinta dias. A maioria dos profissionais se dispôs a colaborar, tendo apenas quatro se recusado. Para analisar os dados obtidos através das entrevistas, foi tomada como referência a técnica de análise das práticas discursivas, apresentada por Spink52, a qual é definida por ela como “linguagem em ação, isto é, as maneiras a partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em relações sociais cotidianas”. Tal técnica enfoca as diferentes maneiras com que as pessoas, através do discurso, produzem realidades psicológicas e sociais. Para uma melhor compreensão das crenças, valores e representações, relativos aos fitoterápicos (sua aceitabilidade, utilização, credibilidade, dentre outros) aqui abordados, é preciso considerar estes elementos a partir de um entendimento histórico-social da realidade, associando tais concepções a seus determinantes sociais, ou seja, considerando as relações existentes entre o pensamento humano e o contexto social. Assim situadas, as práticas discursivas constituem o foco central de análise na abordagem aqui desenvolvida. Implicam ações, seleções, escolhas, linguagens, crenças, valores, representações, contextos, enfim, uma variedade de produções sociais das quais são expressão. Constituem dessa forma, um caminho privilegiado para entender a produção de sentidos no cotidiano dos odontólogos da SMS de Natal – RN, que constituíram a amostra deste estudo. Destarte, os significados que tais profissionais atribuem aos fitoterápicos, no que concerne à credibilidade, à aceitabilidade e às potencialidades terapêuticas em nível de atenção básica, são produzidos historicamente por um grupo social (dos dentistas pesquisados neste estudo) e adquirem, no âmbito individual, um sentido particular, relacionando-se com a própria vida e com os motivos pessoais. Uma análise concreta dos sentidos atribuídos pelos cirurgiões-dentistas pesquisados sobre a problemática aqui enfocada só é possível se eles forem considerados num discurso bastante amplo, no qual as lacunas, as contradições e, conseqüentemente, a ideologia possam ser detectadas. A esse respeito, Orlandi41 afirma que para analisar a fala, há que se considerar os interlocutores do discurso, a situação, o contexto histórico-social e ideológico, ou seja, as condições de produção, haja vista serem elas que constituem o sentido da seqüência verbal produzida. Na visão de Spink52, trabalhar em nível de produção de sentido implica retomar também a historicidade, de modo a entender a construção social dos conceitos que são utilizados cotidianamente para dar sentido ao mundo. O discurso aqui analisado (do dentista da SMS que trabalha no nível primário de atenção) expressa sua perspectiva, seu horizonte conceitual, suas intenções e visão de mundo, relacionados com o seu comportamento de adição. Portanto, para uma compreensão mais profunda do seu comportamento verbal, é necessário analisá-lo em um contexto mais amplo, considerando o ser humano como manifestação de uma realidade histórico-social, produto e produtor de história. RESULTADOS E DISCUSSÃO I. PERFIL PROFISSIONAL Para a composição do perfil profissional dos participantes da pesquisa, foram utilizados os itens iniciais do instrumento de coleta de dados (Anexo A) tais como sexo, idade, instituição formadora, nível de pós-graduação, unidade de saúde onde o cirurgiãodentista trabalha, tempo de trabalho na SMS, tipo de vínculo e, por fim, o regime de trabalho. A partir disso observou-se que: • A idade variou de 35 a 65, tendo uma média de 45,4 anos; • Quanto ao sexo, 10 são homens e 20 são mulheres; • Com exceção de um, os demais participantes realizaram sua graduação na UFRN; • O tempo de formatura variou de 14 a 20 anos. • Em relação à pós-graduação, apenas sete não deram prosseguimento aos estudos. Dos 23 pós-graduados, nove concluíram algum tipo de especialização, enquanto 14 optaram por cursos mais curtos de aperfeiçoamento profissional; • No que concerne ao tempo de trabalho na instituição, este variou entre 10 e 39 anos; • No tocante ao tipo de vínculo, 24 realizaram concurso público e seis iniciaram prestando serviço à SMS, e por fim, todos possuem vínculo empregatício de 40 horas/semanais. Considera-se que este perfil descrito traduz a dimensão profissional desses dentistas, expressa no seu modo de trabalho diário e no pensar sobre sua formação profissional. Tais características serão melhores abordadas a seguir. Considerando que a maioria dos jovens se forma em torno dos 25 anos, infere-se que grande parte da amostra estudada obteve sua graduação há duas décadas. Nessa época (e ainda hoje), o processo de formação dos profissionais de saúde que determina, em última análise, as práticas nesse campo de atuação, estava (ou está) bastante caracterizado pelo mecaniscismo, pelo biologicismo, pelo individualismo, pela especialização (que conduz a uma prática fragmentada), pela medicina curativa, além da exclusão das práticas alternativas. Em uma tentativa de reverter tais características, o MS lança o Aprender SUS, política atual cujo objetivo é encontrar formas para se alterar o processo de formação nas graduações em saúde. Segundo seu relatório final, a formação para a área de saúde deveria ter como objetivo a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho e estruturar-se a partir da problematização do processo de trabalho e sua capacidade de dar acolhimento e cuidado às várias dimensões em saúde das pessoas, dos coletivos e das populações. A melhor síntese para esta designação à educação dos profissionais de saúde é a noção de integralidade, pensada tanto no campo da atenção, quanto no campo da gestão de serviços e sistemas11. No que concerne ao sexo, do total de 30 dentistas, 20 são mulheres, o que reflete o padrão de feminilização das profissões na área da saúde. Esta tendência pode ser observada, por exemplo, ao se analisar os dados do CFO (2002), cuja distribuição percentual por sexo dos odontológos inscritos no país foi a seguinte: 57,5% mulheres e 42,5% homens. Fazendose um recorte e examinando-se os dados do Conselho Regional de Odontologia do Ceará (CRO-CE) de novembro de 2004, dos 3757 profissionais inscritos, 54,27% são mulheres e 45,73% homens. No Rio Grande do Norte, consoante o Conselho Regional (CRO-RN), há 2081 profissionais, sendo 1175 mulheres e 906 homens42. Comparando-se os dados do CFO, do CRO-RN e do CRO-CE, verifica-se a proximidade dos números e a maioria feminina na escolha pela profissão. Sobre esta feminilização, Dimenstein24 em seu trabalho “O Psicólogo no contexto do Sistema Único de Saúde: perfil profissional e perspectivas de atuação nas unidades básicas de saúde” concluiu que 75% da sua amostra era de mulheres. A autora afirma que essa predominância feminina na psicologia pode ser compreendida pela forte demanda por escolarização por parte das mulheres a partir das décadas de 1960 e 1970, momento em que a sociedade brasileira passava por transformações importantes em relação a seus ideais femininos. A participação feminina nas escolas superiores cresceu assustadoramente, entretanto não se distribuindo regularmente entre todas as profissões. Porém, na Odontologia parece que tal fenômeno vem se consolidando ao longo das últimas décadas. A este respeito, Saliba e colaboradores47 conduziram um estudo cujo objetivo foi analisar a demanda do sexo feminino por cursos de Odontologia. Foram pesquisadas as proporções de formandos de duas faculdades de Odontologia. Com relação à faculdade de Araçatuba / UNESP, observou-se que entre 1961-1970, 18,88% dos graduandos eram mulheres. No período de 1971-1980, a proporção foi 41,43%; de 1981-1990 foi 51,1% e de 1991-2000 foi 59,95%. Na faculdade de Odontologia de Lins / UNIMEP para os mesmos períodos considerados, as proporções foram de 17,09%; 36,36%; 50,20%; 62,83%, respectivamente. Conclui-se que houve um aumento do número de mulheres na Odontologia, devendo as instituições de ensino e as entidades de classe estar atentas e avaliar as conseqüências no mercado de trabalho. Sobre a instituição formadora desses dentistas, cabe destacar que 29 se graduaram na UFRN, apontando para uma certa uniformização do tipo de formação profissional que o grupo pesquisado teve. Pelo tempo de formação observado, 26 entrevistados (portanto 86,6% da amostra) graduaram-se entre os anos de 1974 e 1989, ou seja, nas décadas de 1970 e 1980, período no qual o modelo biomédico consolidou-se de forma importante nas universidades brasileiras, determinando modos específicos de pensar, agir e de formar no setor saúde. Há 22 anos a UFRN não observa uma reforma curricular no curso de Odontologia. Em função disso, pode-se afirmar que praticamente todos os profissionais (inclusive aquele formado pela Universidade do Pernambuco em 1978) tiveram a mesma formação odontológica, que privilegiou os aspectos técnicos, biológicos e individuais, em detrimento das questões mais amplas de âmbito social e político que permeiam o processo saúde-doença. Recentemente, está sendo proposta uma mudança no currículo do referido curso, no entanto isso é algo novo na instituição. Em conversa com o Dr. Pedro Alzair, chefe do Departamento de Odontologia da UFRN, ele referiu que existe uma comissão naquela unidade de ensino responsabilizada por discutir estas mudanças. Ele ainda afirmou que o novo currículo será implantado já em 2005 ou, no máximo, em 2006, a depender de ajustes na estrutura física e de recursos humanos. A nova proposta é integrada em conteúdos e disciplinas de acordo com o preconizado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, além de ter flexibilidade, com a oferta de disciplinas opcionais. “Estas mudanças apontam para uma formação profissional integral objetivando, ao final do curso, formar um cirurgião-dentista generalista com uma visão completa da Odontologia, sem a fragmentação que se observa hoje em dia”, complementa o chefe do Departamento. Esta perspectiva integral observada no discurso do professor Alzair corrobora com o que está atualmente sendo colocado pelo Aprender SUS. Esta política proposta pelo MS aponta para mudanças do ensino nas graduações da área de saúde. “A integralidade da atenção e uma educação dos profissionais orientada para a integralidade, certamente, são parte importante de um processo de mudanças com repercussão na sociedade, na gestão setorial e na identificação com os usuários das ações e dos serviços de saúde” 11. No que concerne à formação profissional, é interessante destacar o fato de que todos os dentistas foram formados em cursos de Odontologia pertencentes à universidades públicas, uma vez que, àquela época, ainda não havia sido constatada uma expansão desenfreada do número de faculdades privadas (inclusive de Odontologia) como pode ser observado hoje em dia, visando prioritariamente o lucro, em detrimento das demandas do mercado. No levantamento realizado, observou-se que apenas sete dos pesquisados (23,3%) não deram prosseguimento aos estudos pós-graduados. Nove profissionais (30%) concluíram algum tipo de especialização, ao passo que 14 (46,6%) optaram por fazer cursos mais curtos de aperfeiçoamento profissional. Portanto, 76,6% da amostra continuaram os estudos após a graduação. Destes, a maioria optou por cursos em áreas clínicas, como será observado posteriormente. Por um lado, isso revela um aspecto positivo no sentido da formação continuada desses profissionais, que em face às deficiências do ensino superior buscam melhorar sua formação técnica. Entretanto, há um outro aspecto que merece destaque. Para Mendes37, a tecnificação do trabalho em saúde, o biologismo, o curativismo tão presentes na prática cotidiana empurram os profissionais cada vez mais para campos especializados, refletindo a formação fragmentada que resulta na troca da globalidade do sujeito pelo conhecimento parcializado. Analisando esta preferência pela área clínica, pode-se apontar uma razão que justifique tal tendência. Áreas clínicas, via de regra, oferecem maiores expectativas de retorno financeiro em relação a, por exemplo, saúde pública. Isto ocorre porque os profissionais da saúde pública normalmente enveredam pelo serviço público, cuja remuneração é muito baixa. Assim, mesmo estando vinculados àquele serviço, como é o caso dos dentistas estudados neste trabalho, os profissionais optaram por pós-graduações clínicas. É necessário frisar, por outro lado, que ter especialização em saúde pública / saúde coletiva não é pré-requisito para atuar na atenção básica de saúde. A tendência atual aponta para a formação de um generalista nas profissões de saúde cuja formação englobe aspectos de produção de subjetividade, produção de habilidades técnicas e de pensamento e o adequado conhecimento do SUS. Assim, este generalista vai estar apto a trabalhar na rede de serviços do SUS, incluindo nestes a atenção básica. A despeito disto, entende-se que o fato de ser pós-graduado em saúde pública / saúde coletiva (ou áreas afins, como a Odontologia Preventiva e Social) não torna o dentista mais capacitado para trabalhar em nível de atenção básica; entretanto, não há como negar que tal profissional está mais sensibilizado para as questões pertinentes ao referido campo de atuação, podendo desenvolver ações com mais facilidade e desenvoltura, o que não impede que aquele CD apenas graduado também o faça. Ademais, isto vai depender também do compromisso do profissional em relação à seu trabalho e da vontade de prestar um serviço de qualidade. Quatro CD’s (13,33%) optaram por especialização na área de saúde pública. Este fato revela uma preferência pessoal por essa área, haja vista não haver obrigatoriedade de capacitação específica em saúde pública para atuar nas unidades básicas de saúde, conforme já evidenciado. Identificou-se ainda que a maioria dos pesquisados com especialização possuía cursos em outras áreas da ciência odontológica, quais sejam: três eram especialistas em prótese dentária, um em periodontia e um em pacientes com necessidades especiais. Quanto àqueles odontólogos que preferiram cursos de aperfeiçoamento profissional, apenas um (7,1%) optou pela odontologia preventiva, enquanto 13 (92,8%) preferiram cursos em áreas clínicas, quais sejam: três concluíram o curso de aperfeiçoamento em endodontia, três em clínicas odontológicas, dois em diagnóstico oral, um em dentística operatória e um em prótese dentária. À exemplo do que ocorreu com as especializações, os odontólogos que preferiam cursos de aperfeiçoamento profissional, optaram, em sua maioria, também pelas áreas clínicas. Esse resultado corrobora a discussão realizada por Santana e Christófaro48 sobre uma das características da educação superior na área de saúde, que é o ensino baseado em disciplinas ou especialidades, o que fragmenta não só o saber, mas também a prática profissional e influencia os profissionais a optaram por cursos de pós-graduação em áreas clínicas, tal como foi observado neste estudo onde 92,8% dos dentistas com aperfeiçoamento e 55,5% daqueles com especialização, optaram por tais cursos. Outro dado interessante é o fato de que 23,3% dos cirurgiões-dentistas analisados não deram prosseguimento aos estudos. Na tentativa de discutir tal resultado, podem ser levantadas algumas hipóteses, dentre as quais se destaca a falta de recursos financeiros para custear a pós-graduação, uma vez que na área de Odontologia a maioria desses cursos é paga; outra razão pode ser a falta de motivação pela profissão devido aos baixos salários pagos pelo setor público, no qual os profissionais em questão trabalham e, no caso de profissionais mais antigos, a acomodação em virtude da boa remuneração recebida no início da carreira, o que pode ser observado no discurso de uma dentista quando ela disse “eu já fui rainha, hoje sou uma plebéia”, referindo-se aos baixos dividendos recebidos atualmente, quando comparados com àqueles do passado. Em relação à situação do trabalhador de saúde no setor público, há que se explanar as péssimas condições de trabalho observadas durante as visitas para coleta dos dados, tanto no que se refere à infra-estrutura física das unidades básicas, como à falta de materiais de consumo para o exercício profissional. Quando perguntados sobre o tipo de vínculo que mantém com o serviço público, 80% dos cirurgiões-dentistas responderam que prestaram concurso. Apenas 20% ingressaram em tal serviço mediante relações pessoais, o que indica novos rumos das tradições sociais e políticas de contratação de pessoal do estado do Rio Grande do Norte, historicamente marcadas pelo clientelismo. Corroborando este fato, é importante lembrar que em abril de 2004 a SMS realizou concurso público para provimento de vagas em diversas categorias profissionais, dentre as quais a Odontologia, com vagas para clínico-geral e especialista. Quanto ao regime de trabalho, todos os pesquisados foram unânimes em afirmar que trabalham 40 horas semanais; porém, na prática, isso não se confirma, haja vista a dificuldade para encontrar alguns deles quando da realização da pesquisa. Em função disso, o tempo despendido para a aplicação dos questionários não teria sido prolongado para além do planejado. Nesse sentido, o que se observa na prática é o não cumprimento dos horários oficialmente estipulados em seus contratos de trabalho. Por outro lado, a instituição contratante não fiscaliza o cumprimento da jornada, em função dos baixíssimos salários pagos, permitindo a flexibilização dos horários e que os profissionais desenvolvam atividades paralelas. No que concerne à forma de prestação do serviço na SMS, 12 Cirurgiões-dentistas (CD’s), isto é, 40% do total trabalham em atividades ambulatoriais e o restante (60%) trabalha como plantonistas. Esse resultado difere do esperado, na medida em que se supõe que a atenção básica requer a produção de um tipo de cuidado, onde o profissional deve manter um maior contato com o usuário, resgatando os vínculos de compromisso e de coresponsabilidade não só com o indivíduo, mas com toda a comunidade. Como plantonistas, 60% dos odontólogos não conseguem desenvolver de forma exitosa o cuidado preconizado pela atenção básica, já que sua permanência na unidade de saúde assume características muito peculiares, de caráter emergencial, focalizada na dor aguda, a qual na maioria das vezes impulsiona o usuário a procurar o serviço de saúde. Após este tipo de atendimento, que é centrado na remissão dos sintomas, o profissional dificilmente tem possibilidade de rever o usuário. Assim, pode-se afirmar que a maioria dos dentistas vinculados às unidades básicas de saúde da SMS trabalha em regime de plantão, prestando um tipo de serviço que merece ser melhor discutido. Consoante o Ministério da Saúde, uma das atribuições do CD na atenção básica é justamente “realizar atendimentos de primeiros cuidados nas urgências” 12 . Além das odontalgias, também são computados como urgências odontológicas hemorragias bucodentárias, traumatismos dento-alveolares, abcessos dentários dentre outros. Como os resultados deste estudo apontam para uma maioria de 60% de plantonistas, cabe, neste momento, realizar os devidos esclarecimentos. Os profissionais plantonistas e aqueles que realizam procedimentos ambulatoriais devem ser analisados diferentemente, uma vez que o regime de trabalho é distinto entre eles. Os plantonistas ganham uma gratificação a mais sobre o salário em relação aos demais, razão pela qual permanecem os expedientes completos nas unidades. Isso também explica o fato da maioria dos dentistas almejarem uma vaga para trabalharem como plantonistas. Para os que trabalham apenas nas ações do ambulatório, a SMS firmou um acordo fixando um tempo corrido de 4 horas diárias, por entender que os salários são demasiado baixos. Interessante é ressaltar que dentro do próprio grupo dos plantonistas há diferenças quanto ao tipo de cuidado que é prestado à comunidade, uma vez que dos 18 profissionais do plantão, 12 deles realizam atividades ambulatoriais, após as quais permanecem na unidade “de plantão” para atender alguma possível urgência. Assim, estes 12 dentistas prestam não apenas um cuidado pontual, sem vínculo com a comunidade, porém realizam uma atenção básica à saúde mais integral, haja vista o mesmo CD realizar ambulatório e plantão, o que reforça no usuário a questão da confiança depositada no profissional no momento do atendimento ambulatorial diário e, também, naqueles momentos de dor. Diferentemente dos seis CD’s da Unidade Mista de Mãe Luíza e dos seis da Unidade Mista da Cidade Satélite que realizam tanto ambulatório como plantão, os seis dentistas da Unidade Mista de Cidade da Esperança que são plantonistas realizam apenas e tão somente atividades do plantão. Dessa forma, este tipo de cuidado realmente foge ao escopo daquele preconizado pela atenção básica de saúde, por se centrar na remissão dos sintomas apenas, sem ter vínculo com a comunidade, sem assumir características de promoção da saúde e de prevenção das doenças, nem tampouco existir a co-responsabilidade entre profissionais e pacientes. Isto por se tratar de um atendimento de caráter emergencial. Por outro lado, nesta unidade de saúde, o setor de Odontologia assume características bastante peculiares em relação às demais pesquisadas neste estudo, na medida em que oferece serviços especializados como o de radiologia, além daqueles básicos como ambulatório e atendimento nas urgências. Assim, apesar de haver seis profissionais realizando apenas atendimentos nas urgências, há sete que trabalham somente na perspectiva do ambulatório, além de um especialista em radiologia odontológica. Araújo5 em seu trabalho intitulado “Avaliação da qualidade do cuidado sob a perspectiva do usuário: o projeto de vigilância à saúde bucal” estudou o serviço odontológico da Unidade Mista de Cidade da Esperança, tendo como objetivo avaliar as ações do Projeto de Vigilância à Saúde Bucal (PVSB) sob a perspectiva dos usuários, buscando apreender suas necessidades e expectativas em saúde bucal e sua satisfação com a qualidade do cuidado oferecido, levando-se em consideração a acessibilidade, a resolubilidade, a relação profissional-paciente e o ambiente do atendimento. A investigação permitiu evidenciar que, de um modo geral, os usuários estão satisfeitos com a qualidade dos cuidados oferecidos e constatou que o PVSB possibilitou, em muitos aspectos, rupturas com a prática odontológica tradicional. Frente ao exposto, faz-se necessário aclarar que a referida unidade oferece um serviço odontológico de qualidade, que extrapola as ações contempladas na atenção básica na medida em que também oferta à comunidade a radiologia odontológica. Assim, pode-se afirmar que o fato de possuir seis plantonistas não interfere na qualidade do cuidado ofertado para a comunidade, pelo fato de lá haver outros profissionais trabalhando na perspectiva ambulatorial, cujo contato com o usuário é maior, favorecendo a proximidade entre o profissional e o paciente e possibilitando o estabelecimento de vínculos e co-responsabilidade entre eles. Dessa forma, do total da amostra, apenas seis CD’s da unidade estudada do DSO trabalham exclusivamente como plantonistas, o que não interfere na qualidade do cuidado ofertado aos usuários do serviço de saúde, conforme já discutido. Os demais 12 que também referiram ser plantonistas, na verdade realizam tanto ações ambulatoriais quanto atendimentos de urgência. Isso aponta para um sistema de saúde mais integral, na medida em que oferece ações básicas diversas (ambulatoriais e de urgência) no campo da saúde bucal, o que está em sintonia com os princípios doutrinários do SUS, com o Aprender SUS e com a reforma curricular que está sendo realizada no Departamento de Odontologia da UFRN. II. A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS CIRURGIÕES-DENTISTAS E O NÍVEL DE CONHECIMENTO DELES ACERCA DA FITOTERAPIA. Outro ponto investigado diz respeito ao conhecimento e treinamento durante a formação profissional sobre o uso de fitoterápicos, bem como o nível de conhecimento dos CD’s sobre a fitoterapia. Os resultados confirmaram que a formação em Odontologia não contempla esse tipo de conhecimento, e como foi discutido anteriormente, é tecnificada, fragmentada e centrada na doença, consoante àquela proposta pelo modelo flexneriano, sem lugar para práticas ou terapias alternativas como, por exemplo, a fitoterapia. Todos os sujeitos foram unânimes em afirmar nunca ter tido nenhum tipo de treinamento sobre o uso de plantas medicinais com fins terapêuticos. Com relação à fitoterapia, por intermédio do Projeto UNI que é uma iniciativa da Fundação W. K. Kellog, foi implantado na Unidade Mista de Cidade da Esperança, o Projeto Farmácias Vivas em 1997. O Projeto UNI pressupõe um esforço de cooperação entre a Universidade, serviços locais de saúde e organizações comunitárias. Assim, a implantação deste projeto de fitoterapia comunitária pode ser entendida como uma alternativa diferenciada de ensino e assistência. Portanto, constitui, por suas características, um exemplo de Integração Docente-Assistencial (IDA), movimento contra-hegemônico já referido no primeiro capítulo do referencial teórico. Com a implantação do Projeto Farmácias Vivas na Unidade Mista de Cidade da Esperança, observa-se uma abertura para práticas alternativas em saúde. Apesar de ter sido pontual, esta iniciativa foi pioneira em Natal, tendo apontado mudanças no processo de formação superior em saúde na UFRN, proporcionando uma integração entre a docência e a assistência. Espera-se que surjam outras experiências semelhantes ao Projeto Farmácias Vivas para realmente haver significativas mudanças na formação e na atuação dos profissionais do campo da saúde. III. TIPOS E FORMAS DE UTILIZAÇÃO DE FITOTERÁPICOS PELOS USUÁRIOS Quando indagados sobre a utilização de plantas medicinais por parte de seus pacientes no tratamento de agravos à saúde bucal, 23 CD’s (76,7%) responderam que não sabiam nada sobre tal utilização, ao passo que sete (23,3%) afirmaram conhecer algo sobre o assunto. Esse conhecimento sobre as plantas medicinais, suas indicações e formas de utilização pode ser visualizado na tabela a seguir. Tabela 01. Nomes populares, indicações e formas de utilização das plantas medicinais citadas pelos CD’s para tratamento de afecções odontológicas. Natal-RN, 2004. Nomes populares Indicações Formas de utilização Juazeiro Prevenção Escovação Cajueiro Cicatrizante Bochecho da Imburana Odontalgia Resina Chambá Tosse Lambedor Alecrim-pimenta Faringite Bochecho Alecrim-pimenta Aftas Bochecho Romã Gengivite Bochecho Cajueiro Cicatrizante Bochecho das folhas Ameixa Cicatrizante Bochecho Frente aos resultados obtidos, procurou-se na literatura científica a eficácia destas plantas medicinais. Assim, foi encontrado que o juazeiro (Ziziphus joaseiro) possui eficácia como agente de limpeza para escovação dentária e para higiene capilar. Já o cajueiro (Anarcadium occidentale L.), é usado como depurativo, cicatrizante e adstringente, sendo indicado para feridas e úlceras da boca na forma de cozimento de suas cascas. A resina de imburana (Bursera leptopholeos) é utilizada como analgésico, tendo resolutividade inclusive para cefaléias. A romã (Punica grannatum L.) é indicada para afecções bucais e afecções da garganta, sendo usado o cozimento das cascas do fruto. A ameixa (Ximenia coreacea) tem o cozimento de suas cascas indicado para menstruações excessivas34. Ferreira e colaboradores26 expõem diversas indicações do alecrim-pimenta (Lipia sidoides), dentre as quais se destacam seus usos contra inflamações da boca e da garganta, além de ter ação anti-séptica contra fungos e contra bactérias. Quanto ao chambá, este nome popular não teve nenhum correspondente na literatura pesquisada sobre plantas medicinais do Nordeste. É necessário esclarecer que a variedade de nomes populares atribuídos aos referidos vegetais é bastante diversificada, variando conforme a região geográfica em análise. Assim, não se sabe especificamente qual é o nome científico desta planta citada pelos pesquisados, o que pode ser entendido pela variedade de nomes populares. Inclusive, pode ser uma espécie bastante estudada e conhecida, porém tendo este nome utilizado especificamente na capital potiguar. Um levantamento feito pelo Departamento de Saúde Coletiva da UFRN em 1999 revelou que 37% da população do Rio Grande do Norte têm por hábito buscar nas plantas a cura para os problemas de saúde mais comuns, como a gripe, por exemplo. Só depois ou na falta destes vegetais é que as pessoas recorrem aos postos de saúde ou equivalentes da medicina oficial6. Com isso, fica evidente que parte da população utiliza as ervas curativas. É necessário frisar, por outro lado, que este foi o único registro encontrado com percentual de 37% de utilização das plantas medicinais pela população, todos os outros estudos revelaram percentuais de utilização bem maiores, da ordem de 80%, como poderá ser visto adiante. Com relação às indicações das plantas citadas pelos respondentes desta pesquisa, constatou-se a semelhança tanto dos CD’s quanto da literatura para a maioria das afecções descritas na tabela 01. Isto denota que tais plantas são conhecidas e utilizadas pela população, com eficácia comprovada. Portanto, sua inserção em programas de fitoterapia comunitária seria bastante facilitada, haja vista elas já serem usadas pela comunidade. IV. TIPOS DE FITOTERÁPICOS PRESCRITOS PELOS PROFISSIONAIS Quanto à prescrição de fitoterápicos pelos CD’s pesquisados, apenas cinco participantes responderam já ter indicado alguma planta medicinal, enquanto 25 deles nunca lançaram mão dessa alternativa terapêutica. Na tabela seguinte, encontram-se quais as plantas prescritas pelos profissionais, bem como suas indicações e os resultados obtidos com o tratamento. Tabela 02. Nomes populares e indicações de plantas medicinais e resultados obtidos com o tratamento fitoterápico prescrito pelos CD’s. Natal-RN, 2004. Nomes populares Indicações Resultados Alecrim-pimenta Abcesso dentário Sucesso Chambá Tosse Excelente Alecrim-pimenta Aftas Bom Chambá Gripe Bom Romã Gengivite Bom Romã Cicatrizante Muito bom Cajueiro Aftas Bom Comparando-se estas plantas prescritas pelos profissionais com àquelas usadas pelos pacientes, verifica-se, de um modo em geral, a similaridade entre os nomes dos fitoterápicos e suas indicações, o que significa que eles possuem uma eficácia e que são conhecimentos que passam culturalmente. Articulando-se este resultado com àquele obtido sobre a formação profissional em fitoterapia, surge um “aparente paradoxo”, na medida em que toda a amostra foi unânime em responder nunca ter tido nenhum tipo de informação, quer seja de natureza prática ou teórica sobre o uso de plantas medicinais. No entanto, quando questionados sobre uma possível prescrição de tais ervas, 16,6% dos CD’s afirmaram já ter realizado alguma indicação desse tipo. A explicação apresentada por estes profissionais pode ser compreendida pela análise do seguinte relato: CD 02 – “Eu não sabia assim até como poderia se usar. Conversando com as meninas da farmácia (as farmacêuticas), que elas trabalham no projeto Farmácias Vivas, elas me indicaram. Já que não tem antibiótico pra você passar, vamos passar o alecrim-pimenta pra a pessoa fazer o bochecho pra regredir o abscesso”. Nesta fala, observa-se a indicação do alecrim-pimenta para ser utilizado em um caso de abscesso dentário, patologia caracterizada pela presença de coleção purulenta, edema e dor. Tal indicação popular está acorde ao estudo de Ferreira e colaboradores26 já referido, no qual ficou evidenciado que umas das indicações desta espécie vegetal era justamente como agente anti-bacteriano. Outro ponto que deve ser observado é a questão da justificativa para a prescrição da planta sem a prévia formação nessa área, que está respaldada no trabalho existente na unidade de saúde onde funcionou um projeto intitulado Farmácias Vivas. Através deste, os farmacêuticos daquela unidade de saúde preparavam e distribuíam para os usuários géis, pomadas, sabonetes, cremes e xaropes à base de plantas medicinais. Eles instruíram informalmente alguns CD’s da referida unidade, daí decorrendo a explicação para o “aparente paradoxo”. Por essa mesma razão, outros três profissionais que trabalham na mesma unidade de saúde, fizeram uso de fitoterápicos com base nas orientações recebidas dos farmacêuticos. A explicação para a indicação das plantas medicinais, sem a prévia formação nesse campo do conhecimento, do CD que trabalha em outra unidade de saúde, onde não há o projeto Farmácias Vivas é a seguinte: CD 20 – “Eu vivo lendo sobre isso. Sou muito naturalista e uso muito na minha casa as raízes”. Essa fala aponta para o fato de que alguns profissionais identificam-se com práticas de saúde que escapam ao modelo tradicional e valorizam alternativas como a fitoterapia. Ademais, esse dentista disse já ter sido secretário municipal de saúde em uma cidade do interior potiguar. Com tal experiência profissional, esse sujeito referiu ter tido um contato mais próximo com a população local e ter aprendido muito sobre o assunto com o conhecimento popular. V. UTILIZAÇÃO DE FITOTERÁPICOS PELOS PRÓPRIOS CIRURGIÕES-DENTISTAS No que tange à utilização de fitoterápicos pelos CD’s estudados, os resultados mostraram que 18 deles (60%) já utilizaram, pelo menos uma vez, as ervas com fins terapêuticos, enquanto 12 profissionais (40%) afirmaram nunca ter experimentado. Para a maioria que usou, na tabela a seguir, encontram-se explicitados os nomes populares, as indicações e os resultados alcançados com tal utilização. Tabela 03. Nomes populares e indicações de plantas medicinais utilizados pelos CD’s e resultados obtidos com o tratamento. Natal-RN, 2004. Nomes populares Indicações Resultados Maracujá Insônia Bom Chambá Tosse Bom Romã Faringite Bom Azeitona Dislipidemia Bom Mastruz Gripe Bom Eucalipto Sinusite Excelente Romã Faringite Muito bom Chambá Tosse Ruim Mastruz Anti-inflamatório Positivo Anador Cefaléia Positivo Pitanga Dismenorréia Muito bom Boldo Digestão Bom Carqueja Digestão Bom Romã Anti-inflamatório Positivo Com relação aos fitoterápicos utilizados pelo CD’s pesquisados, na tentativa de comprovar a eficácia de tais plantas medicinais, realizou-se um levantamento bibliográfico tendo sido encontrados vários estudos científicos. Nesse sentido, Dahwan e colaboradores23 estudando uma espécie de maracujá (Passiflora incarnata) constataram atividade farmacológica ansiolítica e sedativa com nível de evidência clínico, farmacológico e etnofarmacológico. Este trabalho fundamenta a indicação do maracujá para insônia, consoante referido por um odontólogo pesquisado neste estudo. Os autores ainda afirmaram ser este um substituto do Diazepan de 5 e 10 mg como forma alternativa para utilização na rede pública de saúde, desde que as dosagens do fitoterápico sejam bem calculadas e as indicações precisas23. Outro fitoterápico que tem sido bastante estudado atualmente é a romã (Punica granatum Linn). Pesquisas têm demonstrado que ela possui atividade antimicrobiana sobre Streptococcus mutans, microrganismo de extrema importância na formação do biofilme dentário, além de ser usada contra gengivite e feridas bucais por sua ação anti-séptica, antiinflamatória e antibiótica40. Este trabalho corrobora a indicação da romã como antiinflamatório, citado pelos CD’s pesquisados neste estudo. Segundo Matos34, o eucaplito (Eucaplytptus globulus) possui indicações em febres, gripes e resfriados, podendo ser inclusive usado para sinusites na forma de inalação a partir da infusão das suas folhas. As folhas trituradas do mastruz (Chenopodium ambrosioides) para uso local possui propriedades emolientes, anti-inflamatórias e anti-infecciosas34. Destarte, comparando-se os estudos acima citados com os resultados obtidos na tabela 03, percebe-se a correspondência terapêutica entre a literatura científica e o uso popular destas plantas utilizadas pelos CD’s pesquisados neste trabalho. Frente aos resultados obtidos, pode-se observar que é interessante e curioso perceber que 60% usam fitoterápicos na sua vida cotidiana, mesmo sem ter conhecimento sobre eles. Ademais, dos profissionais que usam plantas medicinais, a maioria avalia positivamente a experiência. A despeito de utilizarem e avaliarem positivamente esta alternativa terapêutica, 25 dentistas (83,33%) não prescrevem as plantas; fato este que pode ser explicado pela falta de conhecimento acurado sobre este assunto, posto que eles nunca tiveram nenhum tipo de treinamento, seja prático ou teórico. VI. INSERÇÃO DA FITOTERAPIA COMO ALTERNATIVA TERAPÊUTICA NA REDE BÁSICA DE SAÚDE No que concerne à inserção da fitoterapia como alternativa terapêutica na rede básica de saúde, quando indagados sobre este assunto, todos os CD’s relataram aspectos positivos e negativos acerca deste tema. Quanto aos aspectos positivos, um dentista relatou já existir estruturado um serviço desta natureza em sua unidade de trabalho, daí a facilidade da inserção nesse contexto. Conforme já referido, trata-se da Unidade Mista de Cidade da Esperança, pertencente ao Distrito Sanitário Oeste, local onde existiu o projeto Farmácias Vivas e, portanto, haveria uma maior facilidade de inserção desta alternativa terapêutica. A posição do seguinte odontólogo expressa melhor este fato: CD 01 – “Então, acharia interessante se isso fosse colocado, e eu acho que a própria comunidade ia absorver isso aqui, porque já existe esta Farmácia Viva, existe já o viveiro ali de plantas; o horto, né? Então, seria um local-pólo de uma experiência interessante. Porque já tem uma estrutura mais ou menos montada pra implantar um serviço...” Outro fator apontado como positivo pelos dentistas foi o baixo custo desse tipo de serviço. No levantamento realizado, 23 profissionais afirmaram que o uso das plantas medicinais seria bem mais barato para os serviços públicos de saúde no tratamento aos agravos do que o uso de medicamentos industrializados. Os discursos seguintes esclarecem melhor este fato: CD 03 – “Eu acho que essa inserção seria ótima na questão financeira, né? Porque a medicação é muito mais cara do que se você usasse esse tipo de medicação, né? Com certeza. Os usuários têm baixo poder aquisitivo e seria melhor tanto para eles quanto para o serviço”. CD 12 – “Eu já conversei muito com as farmacêuticas-bioquímicas e, pela quantidade de produtos que elas são capazes de produzir, pra unidade e para as unidades, a secretaria de saúde do município teria uma economia enorme”. CD 22 – “Eu acho que o custo-benefício seria bem melhor, porque a medicação é difícil a gente achar e é caro pra passar pros pacientes. E a gente tem que passar os que têm, os que a rede pública oferece. Então, eu acho que seria uma alternativa mais barata”. Neste momento, cabe enfatizar que seria mais barato, consoante estes relatos, o uso de medicamentos fitoterápicos tradicionais, isto é, aqueles de uso alicerçado na tradição popular, sem evidências conhecidas ou informadas de risco à saúde do usuário. Sobre esta questão econômica, os especialistas em Fitoterapia, consoante já referido no capítulo três do referencial teórico, são unânimes em afirmar que realmente são baixos os custos da produção dos medicamentos fitoterápicos, o que justifica sua inserção no âmbito do SUS, posto que não necessitaria investimentos grandiosos por parte do setor público. “A fitoterapia é uma terapêutica racional, eficaz e também econômica. Ela é uma cultura, não apenas uma moda” 54 . Dessa forma, baseado na opinião de especialistas no assunto, pode-se afirmar que os 23 dentistas que citaram ser esta alternativa mais econômica estão corretos. Outro item que merece destaque é a questão dos efeitos colaterais oriundos a partir do uso sistemático da fitoterapia, para 40% dos CD’s da amostra, as colateralidades são bastante reduzidas e/ou inexistentes, como pode ser observado nas seguintes falas: CD 15 – “E por ser mais natural, porque o remédio alopático, ele sempre cura uma coisa e danifica outra, que são os efeitos colaterais. Com as plantas, não teria isso, por isso eu acho que é uma coisa boa”. CD 10 – “... e tem outra coisa, a medicação pode causar muita alergia, ninguém sabe se o paciente tem ou não; e com a planta, né? Seria melhor, porque a planta não tem esses efeitos ou se tem são menos”. CD 01 – “Não é porque eu acho que um medicamento ansiolítico, esses remédios pra dormi como um lexotan ou um somalium; essas drogas elas têm um efeito... Os efeitos colaterais são maiores, por isso que você vai para os fitoterápicos, que o efeito colateral é quase nenhum. Aí, você evita tomar essas drogas, essas drogas que até causam dependência, né?”. Embora já tenha sido conceituado anteriormente, importante se faz aqui clarificar que a fitoterapia é um sistema de cura pelos contrários, procurando conhecer as causas das doenças e combatê-las; portanto, se configura como uma terapêutica alopática. Ao contrário do que muitos pensam, fitoterápicos são também alopáticos. Por sua vez, ambos são diferentes dos medicamentos homeopáticos, cujo sistema terapêutico consiste em tratar as doenças por meio de substâncias ministradas em doses diluídas, por vezes infinitesimais. Contrariando esses discursos de que as plantas medicinais não possuem efeitos colaterais, os avanços nos estudos toxicológicos ajudaram a desmistificar a idéia de que as plantas medicinais não são nocivas. O médico Jorge Boucinhas da UFRN relata que um exemplo marcante sobre o efeito tóxico de plantas medicinais no Brasil está relacionada ao uso do confrei ou consólida (Symphytum officinale). No início dos anos 1980 divulgou-se que esta planta teria fantásticas propriedades terapêuticas para uma série de doenças, incluindo a leucemia e o câncer. Muitas pessoas passaram a ingerir o suco de confrei (folhas com água batidas no liquidificador) regularmente. No entanto, estudos toxicológicos posteriores mostraram que a planta possui uma substância extremamente tóxica para o fígado, o que acabou culminando na sua proibição para uso interno. “Essa planta já foi conhecida no mundo todo como o medicamento maravilha. Hoje não se quer nem ouvir falar dela. Já foi comprovado que ela causa câncer no fígado” 7. O médico ainda esclarece que recentemente se veiculou na imprensa nacional que cerca de 3% dos casos de intoxicação por auto-medicação são causados por produtos naturais. Mas ele acredita que esse percentual deve chegar a pelo menos 10%. Segundo ele, o dado nacional só leva em conta pacientes que dão entrada nos hospitais das grandes cidades. No entanto, é no interior, onde o conhecimento sobre os benefícios das plantas medicinais é mais difundido e, por isso, elas são mais usadas, que a intoxicação deve ser maior. Ainda sobre a questão dos efeitos colaterais originados a partir do uso sistemático da fitoterapia, Akerele2 relata que é comum a afirmação e a crença que fitoterápicos são destituídos de perigo e de riscos para o consumidor. Nada poderia estar mais distante da verdade, principalmente onde existe o perigo de ser coletada, por engano, a planta errada, talvez tóxica, ou onde preparados à base de ervas são colocados no mercado com adição intencional de potentes substâncias sintéticas não declaradas. Assim, há sempre o perigo de surgirem colateralidades. Para evitá-las, deve-se conhecer de forma acurada as plantas, suas indicações e formas de utilização. Outro ponto referenciado como positivo no que diz respeito à inserção da fitoterapia na rede básica de saúde é a geração de renda. Uma dentista, baseada em uma reportagem veiculada no programa Globo Rural da TV Globo em maio de 2004, disse que as preparações fitoterápicas além de fazer parte da Farmácia Básica, barateando os custos e garantindo o acesso, poderiam ser comercializadas gerando emprego e renda em comunidades carentes. O relato abaixo aponta para essa perspectiva de geração de renda a partir da venda das preparações à base de plantas: CD 25 – “Eu acho importante acontecer isso porque barateia o tratamento medicamentoso do paciente, como é uma coisa natural, aproxima mais das pessoas. E em comunidades rurais, é até uma forma de geração de emprego e renda. Eu vi numa reportagem isso numa cidade com o IDH2 baixo no interior do Maranhão. Eles fazem ungüentos, cicatrizantes, chás, cataplasmas e lambedores para fazer parte da farmácia básica como forma de baratear e facilitar o acesso. Supriu as necessidades básicas deles e o excesso está sendo comercializado, gerando renda”. Experiências como esta relatada acima deveria ser alvo de financiamento por parte do governo, pois além de aumentar o acesso à assistência farmacêutica, ainda proporciona a geração de renda para comunidades carentes. Akerele2 incentiva os governos a estimularem o desenvolvimento do potencial econômico e comercial das plantas de valor medicinal. Sobre esta questão comercial, a saúde e a doença no Brasil, cada vez mais se constituem em objeto de grande exploração mercantil, pois como se sabe, a filosofia e a prática do modelo político-econômico-social enraizado na realidade brasileira tem como estratégia básica de sua dinâmica o consumismo. A área de saúde é um alvo de ambições de lucro, na qual o medicamento desempenha um papel altamente relevante. Assim, o medicamento aparece como uma mercadoria, cujo consumo deve ser estimulado ao máximo, pois o que interessa aos setores de produção e comercialização de medicamentos é a ocorrência de um máximo de doenças, acompanhadas de um máximo de tratamento, em outras palavras de medicalização. Nesse sentido, pode-se supor que a grande indústria farmacêutica não tem interesse algum em estimular práticas mais baratas como a fitoterapia, posto que com o sucesso destas, uma fatia do mercado é perdida. Dessa forma, projetos como o Farmácias Vivas muito provavelmente não são bem quistos aos olhos da grande indústria farmacêutica, uma vez que o sucesso de iniciativas de fitoterapia comunitária é inversamente proporcional aos lucros de tal indústria. Além da geração de renda, o discurso anterior enfoca a facilidade do acesso. Sobre este, 26,66% dos CD’s referiram que a acessibilidade dos usuários às plantas medicinais seria facilitada, sendo esse um aspecto positivo. Isso é especialmente válido para as populações residentes no interior, onde o conhecimento sobre os benefícios dos fitoterápicos é mais 2 O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) foi criado para medir o nível de desenvolvimento humano dos países a partir de indicadores de educação (alfabetização e taxa de matrícula), longevidade (expectativa de vida ao nascer) e renda (PIB per capita). Seus valores variam de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (desenvolvimento humano total)43. difundido e, por isso, eles são mais utilizados, conforme dito anteriormente. No entanto, não impossibilita o acesso nas grandes cidades, posto que existe largo comércio de plantas medicinais em mercados e feiras livres nos centros urbanos. Ainda sobre esta questão do acesso, ela pode analisada sob a ótica cultural, uma vez que faz parte da cultura popular o uso de plantas medicinais. A este respeito, o professor Francisco José de Abreu Matos, criador do Projeto Farmácias Vivas na UFC, afirmou que “se você chega no mercado, tem uma infinidade de plantas, mas não tem nenhum estudo. Mas o povo usa. 80% da população nordestina se trata com plantas, sem saber se a planta é ativa, funciona ou não. Faz parte da cultura popular” 35. Ainda sobre a questão cultural, é pertinente clarificar que a fitoterapia se fundamenta em um corpo de conhecimentos que sofre mudanças espaço-temporais e que possui um modo de transmissão essencialmente oral, que não se comunica através da instituição médica, mas sim da família e da vizinhança. Essa transmissão oral é de base prática, os mais novos aprendem com os mais velhos vendo-os atuar socialmente e desempenhar a atividade que no futuro serão um de seus afazeres e uma de suas necessidades, não existindo discriminação entre os saberes teórico e prático, sendo ambos aprendidos ao mesmo tempo. Dessa forma, constata-se a íntima relação existente entre a difusão do conhecimento acerca da fitoterapia e a cultura popular, sendo esta seu meio de transmissão4. Em relação aos pontos negativos que permeiam a inserção da fitoterapia como alternativa terapêutica na rede básica de saúde, o despreparo profissional foi o item mais citado, tendo sido referido por 53,33% dos CD’s. Os seguintes relatos apontam para as dificuldades vividas em relação a esse aspecto: CD 06 – “Eu não sei nada sobre isso...A fitoterapia é uma linguagem mais na horizontal do que na vertical, não é? As pessoas entenderiam melhor, então eu acho interessante essa coisa que...tivesse isso na faculdade também, não é? Na formação profissional, porque ainda hoje é uma coisa que...Eu não sei se você vai encontrar algum profissional que vai dizer que conhece, ou se ele conhece vai ser por questão pessoal dele e não por formação acadêmica. Eu tenho um tio, por exemplo, que ele é médico e partiu pressa área porque ele se interessou, ele começou a pesquisar por ele mesmo. Ele tem a coisa tradicional e tem essa coisa alternativa. Se isso fosse uma coisa que não fosse alternativa, fosse realmente dentro do currículo...”. CD 01 – “... se a gente tiver alguma coisa de curso, basicamente orientar os profissionais dessa unidade, tanto de ambulatório como de plantão, e a gente descobrir a verdadeira... O verdadeiro sentido, se a coisa funciona mesmo”. CD 03 – “Acredito que as plantas têm propriedades...Eu me lembro que papai tinha um livro que era ‘As Plantas Curam’, né? E, quer dizer, eu sempre acreditei nisso, agora a gente só não tem esse embasamento pra poder fazer esse tipo de tratamento. Se alguém qualificado passa este conhecimento pra os técnicos da SMS pra ser repassado pra gente, um curso, alguma coisa ... Eu tendo conhecimento no que vou fazer, não teria problema nenhum” CD 09 – “Desde que houvesse um treinamento dos profissionais para uma utilização racional e segura, seria uma alternativa. Baratearia os custos, tendo o profissional qualificado, teríamos ótimos resultados. Agora não pode é se usar sem conhecimento como eu que não me sinto nem um pouco preparada para isso”. Os relatos transcritos contemplam uma realidade referida por mais da metade dos pesquisados, que é a falta de conhecimento específico sobre fitoterapia. Isto é o reflexo de uma formação que reifica o conhecimento científico, deixando de lado alternativas oriundas das tradições e da cultura popular, como é o caso do uso das plantas medicinais. Ademais, há também o desinteresse da grande indústria farmacêutica em estimular práticas de fitoterapia comunitária. Por outro lado, a mesma indústria tem procurado desenvolver, cada vez mais, medicamentos fitoterápicos novos, aqueles com qualidade, eficácia e segurança comprovados cientificamente e registrado junto ao órgão federal competente. Este fato denota que a exploração dos medicamentos fitoterápicos novos representa uma importante fatia do mercado, sendo objeto de preciosos lucros por parte daqueles que comercializam tais produtos. Sobre este assunto, o volume de vendas de fitoterápicos no mundo já atingiu a cifra de US$ 13,9 milhões ao ano. Este valor representa 5% do total de vendas no mercado global de medicamentos32. Com este dado, observa-se o crescente interesse pelo mercado de medicamentos fitoterápicos novos. Tal interesse pelos produtos naturais tem origem em fatores comportamentais, biológicos, farmacológicos, biotecnológicos e químicos levando a uma mudança na estratégia das empresas, que passaram a visar o mercado dos produtos naturais32. No que concerne ao caso brasileiro, em 1994 a venda de medicamentos em farmácia somaram US$ 3.831 milhões dos quais US$ 212 milhões, em torno de 5,5% daquele valor, correspondiam a produtos contendo exclusivamente princípios ativos de origem vegetal. Tomando como base este percentual e considerando um mercado global de produtos farmacêuticos de US$ 6.410 milhões naquele ano, chega-se a US$ 355 milhões como estimativa do mercado de medicamentos produzidos a partir de plantas no Brasil26. Frente a estes dados, percebe-se o interesse da indústria farmacêutica por esta fatia de mercado. Dessa forma, já surgiram diversas empresas especializadas em produtos naturais como a paranaense Herbarium e a baiana Macela Dourada, esta com uma linha específica de manipulação de fitoterápicos com indicações em Odontologia. Voltando aos relatos dos pesquisados, o comportamento verbal do CD 06 refere a importância de disciplinas nos cursos de graduação que contemplem conhecimentos alternativos. Como isto não é um fato comum nas universidades brasileiras, para qualificar os profissionais que já estão no serviço deveriam ser ministrados cursos de educação continuada, lançando-se mão dos Pólos de Capacitação da rede SUS e, para aqueles que ainda estão na faculdade, seria preciso que a universidade abrisse possibilidades de formação para que novas práticas de saúde pudessem ser construídas utilizando o arsenal terapêutico das plantas medicinais. Outra questão levantada por cinco entrevistados em relação ao uso sistemático da fitoterapia nos serviços públicos de saúde diz respeito à eficácia terapêutica das plantas medicinais. De um modo geral, através das falas, percebe-se por parte dos CD’s, não só a dúvida quanto à real eficácia dos fitoterápicos, mas também quanto ao tempo de ação após a administração desse tipo de medicamento para haver remissão dos sintomas. Assim, eficácia e tempo de ação foram aspectos identificados como possíveis comprometedores do uso de fitoterápicos. Outro ponto importante diz respeito à sua utilização em casos graves, que pedem respostas rápidas, parece que a fitoterapia não se configura como uma boa alternativa terapêutica, segundo os odontólogos pesquisados. Os relatos a seguir expressam esta temática: CD 30 – “Agora eu já faço isso (uso da fitoterapia) há anos; as pessoas querem resultados imediatos”. CD 24 – “Vejo como aspecto negativo a utilização das plantas medicinais na parte curativa, não sei se tem, eficácia”. CD 12 – “O que eu vejo não é propriamente negativo, é que a ação do fitoterápico é um pouco mais lenta do que os produtos químicos préfabricados. E isso, as pessoas não tão habituadas a esse tipo de tratamento. Aí quando tomam e não vê o resultado de imediato, diz logo que não presta, que não serve, etc. E o fitoterápico para fazer o efeito, precisa de um certo tempo para sua ação”. CD 11 – “Só em casos extremos, assim muito agudos, é que o paciente, devido ao sofrimento, eu acho que ele não teria aceitação, até porque o remédio é comprovado, porque ele não tem o efeito rápido como o injetável, como... O efeito mais lento. Então, pra casos agudos não, mas para casos os crônicos eu acho que seria uma boa idéia”. No levantamento bibliográfico realizado, inúmeros foram os estudos científicos identificados, no entanto nenhum deles citou que os efeitos farmacológicos das plantas medicinais fossem mais lentos ou menos eficazes, quer seja em casos agudos ou crônicos. O que necessita realmente ser considerado é a correta indicação e utilização da planta mais apropriada no tratamento de determinada patologia. Portanto, o fato relatado por alguns dentistas de que a fitoterapia não se configuraria como uma boa alternativa terapêutica em casos graves ou agudos parece ser puro preconceito. Este pode ser observado claramente no comportamento verbal do CD 24, transcrito acima, quando ele questiona a eficácia das plantas medicinais na cura de doenças. Com o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica, hoje várias espécies vegetais já tiveram suas propriedades terapêuticas analisadas, tendo sido descoberto que muitas delas têm indicações na cura de várias doenças, inclusive algumas com aplicabilidade em saúde pública, como poderá ser observado adiante. De certa forma, o modo destes profissionais em estudo pensarem constitui o reflexo de sua formação. Como esta foi pautada nos moldes do modelo biomédico, que reificou o conhecimento científico, então seria uma maneira de se está explicando o porquê deste preconceito contra a fitoterapia, que é uma terapêutica que escapa do modelo tradicional ensinado nas universidades. Akerele2 ao falar sobre uma possível exploração comercial das ervas curadoras, afirma que existem plantas que podem ser usadas no tratamento de situações graves e que são valiosas devido à sua comprovada eficácia terapêutica. Portanto, a opinião desses cinco sujeitos pode ser entendida pelo desconhecimento sobre o assunto, o que inclusive foi citado por mais da metade dos entrevistados ou, simplesmente, pelo puro preconceito em relação a este tipo de prática. O uso indiscriminado dos fitoterápicos por parte dos usuários foi apontado como negativo por quatro odontólogos, 13,33% da amostra. Os seguintes trechos contemplam este tema: CD 22 – “Em sua maioria, os usuários dos serviços públicos de saúde são carentes e o acesso ás plantas medicinais é maior pelo menor custo delas, daí me preocupa a questão do uso indevido, porque é planta, é natural, você pode usar à vontade, mas tem a indicação. É igual a remédio, porque serve pra ele, aí ele já vai passando pro outro. ‘Ah, eu usei isso, daí tu pode usar também’ ”. CD 15 – “Sim, se não for feito a parte educativa, porque as pessoas vão começar a tomar as coisas de forma indiscriminada, tem que ter a parte educativa, não é?”. Estas falas apontam para uma realidade bastante presente no Brasil que é a questão do uso indiscriminado de medicamentos. Esta utilização abusiva, errônea e exagerada é um fenômeno que está sendo observado mundialmente. Uma das explicações para tal fenômeno recai justamente no valor simbólico enorme atribuído ao medicamento, representando saúde, cura e bem-estar. A esse respeito, Lefrèvre31 afirma que o remédio visto como um símbolo contém como todo símbolo uma face material (no caso dos medicamentos: grãos, comprimidos, xaropes, gotas, dentre outros) cujo consumo permite a materialização de sua outra face, a abstrata, no caso a saúde, ou seja, o simbolizante, ao ser consumido, realiza o simbolizado. Assim, difundir a venda da idéia abstrata da saúde torna-se fácil “embalando-a em pequenos e práticos recipientes”. Esta visão simbólica do medicamento ajuda a incrementar o seu uso abusivo, o que é reforçado por prescrições médicas desnecessárias e pelos apelos comerciais através dos veículos de comunicação de massa, como jornais, revistas e televisão; além do marketing das indústrias farmacêuticas junto à classe médica, o que retroalimenta as prescrições. Por outro lado, necessário se faz ressaltar que o uso indiscriminado de medicamentos no Brasil engloba todos os tipos de remédios, tanto aqueles medicamentos fitoterápicos tradicionais como os industrializados. Dessa forma, contrariando os últimos relatos, não é porque a maioria da população que utiliza fitoterápico é pobre que eles iriam usar indiscriminadamente. Os discursos acima apontam para um evidente preconceito em relação ao consumo de plantas medicinais por parte da população de baixa renda, uma vez que as classes sociais mais abastadas usam diversas outras drogas sem controle também. O analfabetismo foi citado por um CD como fator negativo à inserção da fitoterapia na rede básica de saúde. O seguinte discurso retrata essa realidade: CD 20 – “... o problema do nosso povo é que é um povo que não estudou, a quantidade de analfabetismo é altíssima. As pessoas desconhecem e, por desconhecer, acaba não acreditando. E eles criam rótulos e mitos, que aquilo não resolve, que aquilo resolve”. Analisando-se mais cuidadosamente esta fala, é perceptível que as argumentações citadas por este sujeito acabam caindo no puro preconceito, uma vez que toda produção cultural foi no sentido de valorizar o saber médico como sendo o melhor, o mais eficaz, o inquestionável. Dessa forma, as práticas científicas foram reificadas e as demais, marginalizadas. Como a fitoterapia é uma prática de saúde alicerçada no uso e tradição popular de consumo de plantas curativas, ela foi por muito tempo relegada a um segundo plano. Esta realidade tem mudado ultimamente, pois o número de pesquisas nesta área cresceu bastante e princípios ativos vegetais têm sido descobertos, conferindo um status científico à fitoterapia milenar. Além do mais, este odontólogo afirmou em seu discurso que “as pessoas desconhecem e, por desconhecer, acabam não acreditando”, mas na verdade quem desconhece é ele, uma vez que corroborando o dado fornecido por Matos35 de que 80% do povo usa plantas medicinais, Amorim3 estudando o uso da fitoterapia popular em 782 famílias do município de Campina Grande-PB constatou que 82,9% das famílias tinha um “especialista” em plantas medicinais e costumavam usar remédios preparados com plantas e que a maioria (87,2%) havia aprendido a utilizar as ervas com parentes próximos. Comparando-se estes números, pode-se verificar a proximidade dos valores percentuais e uma larga utilização dos fitoterápicos pela população. Estes dados são importantes porque fundamentam um dos objetivos deste estudo que é justamente inserir a fitoterapia para ser utilizada dentro das ações da atenção básica de saúde através da estratégia de saúde da família. Nesse sentido, hoje já existem diversas pesquisas que provam a eficácia de muitas plantas e as indicam para serem usadas em saúde pública. Um exemplo disto ocorre com um trabalho realizado com a romã (Punica granatum), onde se descobriu que ela possui atividade antiparasitária por interferir com diversas funções do protozoário como adesão à mucosa, nutrição e atividade enzimática17. Assim, pode-se mensurar quão grande não seria a economia para os serviços públicos de saúde se ao invés de antiparasitários industrializados, fossem utilizados por estes mesmos serviços a romã, fitoterápico comum aqui no nordeste brasileiro. Alem da questão econômica, há que se reportar também a maior acessibilidade, visto que muitos brasileiros não têm acesso à assistência farmacêutica básica. A dificuldade de se mudar a cultura medicalizante, institucionalizada desde a época da graduação, através do ensino da disciplina de farmacologia, foi um item apontado por quatro dentistas (13,33%) como negativo em termos da prescrição de fitoterápicos. CD 17 – “Aqui na unidade há uma heterogeneidade muito grande. Alguns iriam aderir à idéia, mas a maioria não. Acho difícil mudar esta cultura medicalizadora! Isso já vem de longe...”. Esta fala retrata de forma bem evidente que o saber aprendido na universidade pelos entrevistados é “supremo”, não dando espaço para outras práticas em saúde na medida em que ele diz achar difícil mudar esta situação atual de medicalização; onde o medicamento é visto como um símbolo e possui um alto valor comercial, sendo objeto de lucro para as grandes corporações empresariais que o comercializam. De certa forma, mudar esta cultura medicalizante é contrariar os interesses mercantis da indústria farmacêutica, uma vez que esta, através das estratégias de marketing e principalmente do “representante de laboratório”, força os profissionais a estarem cada vez mais prescrevendo remédios. Sobre esta pressão, o discurso seguinte aponta a visão do profissional de saúde pesquisado: CD 06 – “Eu acho que hoje há uma massificação da indústria farmacológica. Você chega aqui, por exemplo, você tem pessoas que atendem em seu consultório e prescrevem medicamento, fornecem amostras grátis pros pacientes, os quais já foram repassados por um representante da empresa. Quer dizer, há uma pressão muito grande da indústria farmacêutica nos profissionais da área de saúde de um modo geral. Isso é uma forma de nós sermos usados por esta indústria. Será que é do interesse dela a fitoterapia se difundir e ganhar adeptos?”. Há dois ângulos através dos quais isto pode ser analisado. Consoante já referido é de se supor que a indústria farmacêutica não tem interesse de que a fitoterapia ganhe adeptos. Por outro lado, o consumo de produtos naturais tem sido estimulado nos dias de hoje e esta mesma indústria está lançando mão desta tendência atual e investindo alto em pesquisas neste campo para faturar mais lucros. Assim, cada vez mais, medicamentos fitoterápicos novos têm sido colocados no mercado, chegando inclusive a existirem farmácias especializadas em produtos naturais. Portanto, respondendo à pergunta feita no final do discurso anterior, é do interesse da indústria farmacêutica a difusão da fitoterapia, porém não da fitoterapia comunitária, alicerçada na tradição e cultura populares, mas sim das pesquisas científicas com plantas medicinais que, em última análise, originam medicamentos fitoterápicos novos, os quais, por sua vez, serão comercializados gerando vultuosos lucros, conforme já explicitado. Um profissional indicou que o fato de serem perecíveis, bem como a burocracia da SMS, constituiriam dois entraves à implantação da fitoterapia na atenção básica. O trecho a seguir contempla estas questões: CD 08 – “... e é mais perecível. São coisas perecíveis. É mais complicado pra administrar isso aí, essa política de inserção, porque são perecíveis. A gente vê como é que o medicamento que pode ser armazenado, que tem um prazo de validade etc. E esses fitoterápicos, não teriam? Como é que seria a distribuição? Onde? Quem faria isso? E o transporte? Pela burocracia e precariedade de como a coisa funciona hoje, eu acho que seria muito complicado”. Este discurso aponta a preocupação do dentista em relação à necessidade de organização dos serviços de saúde para que esta política de inserção possa ser implantada. Assim, aspectos como armazenamento, validade, transporte e distribuição dos fitoterápicos foram lembrados como problemas a serem solucionados. Ademais, a burocracia foi outro item citado como possível obstáculo ao uso das plantas medicinais nos serviços de saúde pública. Realmente, além dos aspectos anteriormente mencionados, outros como produção de mudas, cultivo das ervas, adubação e regularidade na distribuição para a população são fatores que devem ser bem pensados antes de se lançar mão de uma alternativa desta natureza. Para tanto, a instituição que se interessar pelo assunto deve procurar uma assessoria especializada, como, por exemplo, a que existe no Departamento de Farmácia da UFC, bem como municípios onde foram implantados projetos similares para aprender mais sobre a melhor forma de implantação, superando possíveis dificuldades vivenciadas por outras experiências. Outro ponto investigado diz respeito à receptividade dos dentistas de uma forma geral em relação à inserção da fitoterapia na atenção básica. Dos profissionais, 40% afirmaram que não há aceitação por parte da categoria em relação a essa proposta. Contrariamente a estes, sete dentistas acreditam haver receptividade, mas com ressalvas. Outros oito disseram ser boa a receptividade dos odontólogos e apenas três relataram não saber qual seria a receptividade dos colegas. Como pode ser observado, boa parte não seria receptiva. Dentre as hipóteses aventadas para explicar isso podem ser citadas: a falta de conhecimento sobre o assunto; a dúvida quanto à real eficácia terapêutica das plantas medicinais; o receio pelo uso indiscriminado; o analfabetismo da população; a cultura medicalizante e a pressão da industria farmacêutica sobre os profissionais de saúde, ou seja, os mesmos aspectos negativos que os entrevistados referiram anteriormente. Quanto à receptividade dos usuários da rede pública de saúde sobre a inserção da fitoterapia, 73,33% dos CD’s acreditam que ela será positiva, ao passo que 23,33% acham que ela é negativa e apenas um CD não soube responder esta questão. Este ponto pode ser articulado com a idéia que os profissionais estudados têm dos usuários. Dessa forma, conforme poderá ser visto adiante, para o dentista da SMS de Natal, o usuário é, de um modo geral, uma pessoa humilde, que concorda com o que é dito pelo dentista, e que por ser pobre, tem mais é que aceitar esta alternativa terapêutica. Estas colocações serão melhores analisadas e discutidas no final do item seguinte. VII. FATORES QUE DIFICULTAM A IMPLANTAÇÃO DA FITOTERAPIA NA REDE BÁSICA DE SAÚDE Procurou-se investigar os possíveis obstáculos à implantação da fitoterapia sob diferentes pontos de vista, quais sejam: a) Institucional (da SMS); b) Profissional e c) Usuários. Assim, os CD’s puderam opinar sobre quais seriam tais barreiras sob vários ângulos do problema. Quando questionados sobre quais fatores dificultariam a implantação da fitoterapia na rede básica de saúde do ponto de vista da instituição, 30% dos entrevistados referiram que o financiamento desse tipo de serviço constitui uma forte barreira à sua efetivação, pois, na opinião deles, a SMS de Natal-RN não dispõe de dotação orçamentária para dar conta dos serviços que ela deveria bem e prontamente oferecer à população. Eles ainda disseram que inovar os serviços de saúde com esta alternativa requereria verbas e, por isso, não crêem em sua realização. Os discursos seguintes traduzem a escassez financeira da SMS como um grande entrave na opinião dos entrevistados: CD 23 – “Falta muita coisa para o que o serviço já oferece, imagine para implantar uma coisa nova? Para começar isso no serviço público, tem que dar uma satisfação! Quem vai plantar isso?”. CD 18 – “Acho que a maior dificuldade é a parte financeira, porque aqui a gente tem a farmácia, tem os farmacêuticos, tem o horto de plantas, mas não tem os fitoterápicos porque faltam verbas para comprar os insumos farmacêuticos. Sempre bate na parte financeira”. CD 27 – “Implementar isso é muito complicado, veja nossa cadeira... (cadeira odontológica em péssimo estado de conservação). Eles não consertam o que precisa, você acha que vai ter dinheiro pra fitoterapia?”. Conforme já discutido no item VI dos resultados, a produção de fitoterápicos configura-se como um aspecto positivo para inserção na rede básica de saúde, sendo uma alternativa mais econômica para os serviços públicos. No entanto, para implantá-la o serviço precisa dispensar alguma soma em dinheiro. Por outro lado, uma vez implantada, representaria uma economia para a saúde pública, pois há vários remédios obtidos a partir de plantas medicinais com aplicação na atenção básica de saúde. A este respeito, Akerele2 afirma que na atualidade os medicamentos a base plantas medicinais têm um papel vital nos cuidados primários de saúde para grande parte da população mundial, especialmente nos países em desenvolvimento; em muitos casos, estes medicamentos suprem a lacuna entre a disponibilidade e a demanda dos medicamentos modernos. Segundo Phillipson e Wright citado por Futuro28, nos países do terceiro mundo cerca de 70 a 80% da população não tem acesso à Assistência Farmacêutica. Apesar desses países possuírem quatro quintos da população mundial, só produzem 10% e consomem 14% dos medicamentos industrializados, enquanto os países do primeiro mundo produzem 90% e consomem 86% desses medicamentos. Nesse sentido, a inserção de programas ou projetos de fitoterapia comunitária são muito bem-vindos, uma vez que vai está aumentando o acesso à assistência farmacêutica básica nos países em que ela é deficiente. A pressão mercadológica das indústrias farmacêuticas foi outro motivo referido por 23,33% dos CD’s pesquisados contra a implantação da fitoterapia. Esta parcela dos participantes acredita que o monopólio do mercado de medicamentos no Brasil associado ao poderio econômico destas indústrias são fortes obstáculos à efetivação da idéia em pauta. A fala a seguir retrata bem esta questão: CD 06 – “São vários fatores, primeiro a pressão mercadológica da indústria farmacêutica que, sinceramente, ela monopoliza o mercado; e obviamente isso teria que ser uma coisa da Secretaria de Saúde buscando formas alternativas, só que a gente sabe que a secretaria hoje ta falida. Você chega na farmácia aqui, são poucos os medicamentos, as opções, mesmo os tradicionais. Fitoterapia, você tem ...Aqui você tem um Projeto Farmácias Vivas, são coisas que ainda estão rastejando, a maioria dos profissionais nem sabe que existe este projeto; então, as dificuldades são primeiro de ordem econômica, com o poderio econômico da indústria farmacêutica que não deixa que isso deslanche porque ela vai perder mercado e também a secretaria enquanto a Saúde Pública, não tem interesse de fazer com isso realmente seja uma prática rotineira”. CD 25 – “...talvez a indústria farmacêutica fosse um fator impeditivo, pois ela é poderosíssima no país, tem essa questão mercadológica do capitalismo, do mercantilismo, talvez alguém ligado à indústria farmacêutica poderia colocar barreiras, dificuldades para se contrapor ao processo”. Esta mesma pressão mercadológica referida aqui por 23,33% dos pesquisados como um entrave do ponto de vista da SMS, foi referida no item VI como um aspecto negativo à inserção da fitoterapia na rede básica de saúde, já tendo sido feita naquele tópico a discussão pertinente. Para outros 20% dos dentistas, a burocracia da SMS constitui um sério entrave à implantação da fitoterapia na atenção básica. A narração seguinte descrita por um destes profissionais clarifica como a burocracia pode se constituir em um fator impeditivo: CD 02 –“Hoje em dia eu trabalho aqui no plantão e no almoxarifado central na parte de odontologia, na distribuição de medicamentos odontológicos e de material de consumo. Como é que poderia ser implantada a fitoterapia? Eu estou lá há um ano, e desde que estou lá que eu tenho uma guia de suprimentos que tem vários itens e eu sempre quis mudar alguma coisa desse material de consumo básico até alguns itens que são mais permanentes como, por exemplo, brocas. Por que sempre se usar aquelas mesmas brocas? Eu já tentei tanto mudar a numeração daquelas brocas, mas o inferno da burocracia é tamanho que eu já desisti de tentar mudar alguma coisa ali dentro”. Nesse discurso fica clara a dificuldade de se promover uma pequena mudança na compra de insumos odontológicos para a rede pública de saúde e, analisando mais profundamente a fala do profissional, fica subentendido quão grande serão os obstáculos a serem transpostos para criar de fato uma política de saúde que tenha como objetivo sistematizar o uso da fitoterapia na atenção básica. A falta de qualificação profissional na área de fitoterapia foi apontada por cinco CD’s (16,66%) como um empecilho que a SMS irá enfrentar se, de fato, a política de inserção for efetivada. Na opinião desses participantes, para esta idéia ser implantada, deveria existir dentro da secretaria um setor com pessoal técnico qualificado para repassar os saberes deste campo do conhecimento para os profissionais da rede. Os trechos a seguir focalizam esta situação: CD 05 – “Eu acredito que...se existisse um... um setor na SMS com pessoal técnico qualificado para nos instruir sobre isso, que começasse a desenvolver esse trabalho. Precisa dar início ao processo, né?”. CD 09 – “A secretaria não tem pessoal qualificado, ela dispenderia custos, não teria aceitabilidade da população, não era um serviço que ela poderia manter, com o tempo ela se esvairia. Nenhuma, a secretaria não tem estrutura nenhuma, pra nada”. Este aspecto, a falta de qualificação profissional, já foi referido por mais da metade dos dentistas pesquisados como um aspecto negativo à inserção das plantas medicinais nos serviços de saúde pública. Aqui, mais uma vez, ele é citado, porém agora como um obstáculo a ser superado pela SMS. Necessário se faz lembrar que exaustiva discussão sobre a formação profissional já foi feita, não sendo necessário neste momento repeti-la. Por fim, 10% dos odontológos apontaram como barreira institucional à implantação da fitoterapia a necessidade de organização dos serviços de saúde para gerenciar uma ação desta natureza. Assim, o transporte, o acondicionamento, o fornecimento, dentre outros aspectos foram postos em xeque, como pode ser observado no discurso abaixo: CD 08 – “Olha, como eu já falei, são produtos perecíveis, diferentes dos industrializados; além disso o fornecedor? Como é que você teria certeza de ter o fornecimento e com constância? São produtos sazonais também, não é? Distribuição? Seria muito mais complicado, o acondicionamento de um remédio em frasco eu acho que é bem mais fácil do que algumas folhas que não podem ficar sem oxigênio ou que teriam que... O acondicionamento, o transporte, eu acho que seria mais difícil nessa parte aí de fornecedor com constância de distribuição e de armazenamento já que são perecíveis”. Também aqui há uma repetição, uma vez que a necessidade de organização dos serviços de saúde já foi referido no item VI. Conforme discussão feita anteriormente, a idéia de implantar a fitoterapia para ser usada na atenção básica de saúde é racional, econômica, segura e eficaz. Para tanto, ela deve ser feita com critério, por pessoal técnico qualificado que saiba realmente organizar o serviço para fornecer à população um serviço de qualidade. Do ponto de vista profissional, de acordo com 18 CD’s (60%), um dos fatores que dificultariam a implantação da fitoterapia no serviço público de saúde seria a falta de qualificação profissional: CD 06 – “Na minha opinião, é uma questão ideológica, principalmente. E tem a ver com a formação, pois ele estudou, ele é um cara doutor e não pode agora ficar passando remedinho à base de planta, entendeu? Pô, isso é coisa da minha avó. Eu sou um cientista, eu sou um médico, eu sou um dentista, eu acho que a resistência maior vai ser esta, agora isso obviamente seria destruído com um trabalho de re-educação, de reprogramação profissional, um curso... A formação, se tivesse na própria formação do profissional, já seria... Na base, no início, não é depois não. Fazer parte do currículo, de uma grade, quer dizer, que as pessoas sejam realmente formadas naquele sentido, não é? Agora é difícil, você já tem toda uma programação, a nossa medicina e a nossa odontologia baseadas no modelo americano, esse modelo pragmático, assistencialista, curativo; quer dizer, demanda uma visão muito mais é... Vamos dizer assim, uma filosofia mais da medicina curativa, prática-curativa, da medicina voltada para o ser enquanto unidade, você perceber a pessoa e buscar coisas naturais... Então, eu acho que a dificuldade maior é isso aí, é a questão da formação, porque você parte daquela idéia que você estudou, que você sabe coisas, isso é uma relação de poder: eu sei que você não sabe, fica quieto que eu sou doutor. Eu que to passando o remédio, né? É o poder, uma relação social e faz isso aqui oh, pega minha receitinha aqui, toma aí porque você vai se dar bem ”. Esta fala retrata de forma objetiva o consenso da maioria dos pesquisados sobre as deficiências do ensino superior em relação à questão estudada. Com base neste discurso, a formação profissional deveria ser repensada em termos curriculares, vislumbrando formar profissionais com uma visão mais geral do processo saúde-doença, possibilitando um novo agir no setor saúde, que escape ao modelo assistencialista e curativo; e que veja o paciente como um usuário do serviço, estabelecendo com este vínculos de co-responsabilidade, não passando a falsa idéia de superioridade. Dois profissionais (6,66%) afirmaram ser a descrença nas terapias alternativas e, por fim, um profissional atribui à cultura medicalizadora, o obstáculo à referida implantação. CD 24 – “Do ponto de vista profissional, será que ele acredita? A pouca credibilidade da eficácia do tratamento”. CD 17 – “A barreira mais difícil é a cultura, porque eu já faço isso há muito tempo e não vou me preocupar em aprender algo novo. Estudar, aprender, conhecer... demanda tempo, então. É uma mudança muito drástica, porque precisa uma mudança de cultura, daí acho difícil, mas não impossível”. Tanto a descrença nas terapias alternativas como a questão da cultura medicalizadora já foram fatores levantados pelos respondentes como aspectos negativos contra a inserção da fitoterapia na atenção básica de saúde. Neste momento, estes mesmos pontos são colocados como obstáculos à implantação da fitoterapia. A discussão sobre estes aspectos já foi realizada anteriormente, não sendo necessário aqui retomá-la. Observa-se uma evidente repetição entre os aspectos negativos referidos no item VI e no VII. Neste, investigaram-se os possíveis obstáculos à implantação da fitoterapia. Dessa forma, aquilo que antes foi referido como negativo à inserção da fitoterapia na rede básica de saúde, agora está sendo colocado como obstáculos sejam eles na ótica da SMS, dos profissionais ou dos usuários, para a efetivação desta idéia. Portanto, percebe-se que, de um modo geral, a idéia que os dentistas têm sobre o assunto em pauta é uniforme, porém o que uns vêem como negativo sobre a inserção da fitoterapia nos serviços públicos de saúde, outros percebem como obstáculos à implantação desta alternativa terapêutica nestes mesmos serviços. Finalmente, 06 CD’s afirmaram que os profissionais não colocariam nenhum empecilho à implantação da fitoterapia no serviço público, ao passo que 03 disseram que não saberiam responder. Para a maioria dos CD’s, do ponto de vista dos usuários, não haveria empecilhos à referida implantação. Algumas justificativas foram apontadas e, uma vez agrupadas, elas retratam a idéia que o dentista inserido no serviço público de saúde de Natal tem do usuário. Nesse sentido, os discursos seguintes dão uma visão geral da forma como os profissionais de Odontologia percebem a clientela consumidora de tais serviços: CD 27 – “Já os usuários, eles gostarão, ficarão satisfeitos, porque são uma classe muito humilde”. CD 29 – “Os usuários usariam sim. Eles respeitam muito a opinião da gente. Eles são tão, coitados, carentes de tudo, que até agradecem o atendimento que nós prestamos”. CD 30 – “Não teria problema algum com os usuários. Essas pessoas são muito carentes e, para eles, o que vale é o que a gente diz. Então, não teria problemas!”. CD 17 – “...eles têm uma confiança muito grande naquilo que o profissional diz ou prescreve; às vezes eles não tomam o remédio por falta de recursos financeiros. Com eles não teria problema”. CD 26 – “Com as pessoas não teria problema algum, pois elas sempre procuram coisas alternativas. Muita gente já fala que usa. Além disso, é um povo pobre, que não estudou e tem mais é que aceitar essa idéia mesmo...”. Antes de analisar estes discursos, é pertinente observar que no item VI, 73,33% dos CD’s afirmaram que a receptividade dos usuários à fitoterapia seria boa. Esta maioria na aceitação pela fitoterapia pode ser explicada pela idéia que os pesquisados têm dos usuários do serviço público. Dessa forma, constata-se que, consoante os relatos acima, na opinião da maioria dos CD’s entrevistados, os usuários aceitariam a inserção da fitoterapia na atenção básica de saúde pelo fato de serem em sua maioria carentes, analfabetos e por concordarem pelo que é dito delo dentista. Esta concordância consiste em um reflexo da postura autoritária de muitos profissionais de saúde, que costumam não informar o motivo da escolha por um ou outro medicamento (ou procedimento) colocando o usuário numa posição de submissão em relação à sua autoridade. Isto pode ser claramente visto nos discursos acima transcritos, onde a figura do dentista é vista como uma autoridade com um saber inquestionável a quem se deve respeito e obediência. À este respeito, Capra18 discute que de acordo com o modelo biomédico, somente o profissional de saúde sabe o que é importante para a saúde do indivíduo, e só ele pode fazer qualquer coisa a respeito disso, porque todo conhecimento acerca da saúde é racional, científico, baseado na observação objetiva de dados clínicos. Na última fala do CD 26, este na tentativa de explicar o porquê da aceitação das pessoas em relação ao uso da fitoterapia, fundamenta que por ser um povo pobre e analfabeto, “tem mais é que aceitar mesmo esta idéia”. Nada poderia ser mais errado e preconceituoso, posto que o uso de plantas medicinais não é uma prática destinada a pobres e analfabetos. Isto denota um preconceito em relação aos usuários dos serviços de saúde pública, posto que, conforme explicitado anteriormente, desconsidera as várias vantagens atribuídas á fitoterapia, como o acesso facilitado, o custo menor, a aproximação com a cultura popular e a eficácia das plantas medicinais. O que se observa nestes discursos é o desconhecimento sobre esta questão, o que é confirmado pelo item II, onde 100% da amostra afirmam nunca ter tido nenhum tipo de formação sobre o uso de plantas medicinais. A resistência à essa idéia de inserção que poderia surgir por parte dos usuários seria, na opinião dos pesquisados, pela falta de educação da população; pela descrença na eficácia dos tratamentos à base de plantas medicinais; pelo imediatismo exigido por parte dos usuários e pela resistência ao novo. CONCLUSÕES Ao analisar as questões tratadas nesta pesquisa, não se deve perder de vista que o conhecimento dos cirurgiões-dentistas do serviço público de Natal-RN sobre as plantas medicinais está relacionado ao contexto social, econômico e cultural, determinando suas condições de existência. Dessa forma, é necessário enfatizar que uma análise concreta dos sentidos atribuídos à problemática das plantas medicinais aqui abordada só é possível se ela for considerada num discurso bastante amplo, no qual as lacunas, as contradições e, conseqüentemente, a ideologia possam ser detectadas. Compreender esses sentidos implica conhecer não só o discurso mais amplo, mas a situação que define o indivíduo que o produz. Na visão de Spink52, trabalhar em nível de produção dos sentidos implica retomar também a linha da história, de modo a entender a construção social dos conceitos que o homem utiliza para dar sentido ao mundo. Tomando como base os sentidos produzidos nos discursos, a falta de conhecimentos sobre a fitoterapia foi o aspecto mais marcante que se percebeu, tendo este fato sido reportado em vários momentos durante a coleta dos dados, assumindo um caráter de repetitividade. Assim, percebeu-se que nenhum deles teve qualquer informação acadêmica sobre este assunto. A falta de conhecimento e, conseqüentemente, o despreparo profissional sobre o uso de plantas medicinais também foi referendado como um aspecto negativo à inserção dos fitoterápicos na atenção básica (item VI), bem como foi considerado um empecilho à implantação de um serviço desta natureza. Assim, este problema percebido nos discursos obtidos foi visto como algo que precisa ser resolvido para que a idéia de inserir as plantas medicinais na atenção básica de saúde possa de fato acontecer. A capacitação deficiente dos dentistas aqui analisados sobre o uso de plantas medicinais é fruto de uma formação universitária baseada na concepção flexneriana que, dentre outras características anteriormente enfocadas, excluiu práticas alternativas, já que a viabilização do paradigma da medicina científica se fez com base na sua supremacia sobre as outras práticas médicas alternativas, populares ou acadêmicas. Nesse sentido, sendo a fitoterapia uma prática popular, ela foi marginalizada neste processo e ficou por muito tempo relegada a um segundo plano. Para se tentar reverter esta situação e com o intuito de produzir mudanças nas políticas, nas estratégias e nos objetivos dos processos de educação e de produção em saúde, surgiram muitos movimentos contra-hegemônicos, tanto na Medicina como na Odontologia. Apesar de suas proposições, de modo geral, tais movimentos não conseguiram reverter a situação do ensino e da prática profissionais, que continuou centrado no hospital, focalizando a assistência clínica-individual e devotado às especialidades, além de excluir as práticas alternativas. Atualmente, através do Aprender SUS, a integralidade tem sido adotada como eixo da mudança na formação da graduação. Assim, têm sido buscadas experiências empreendidas pelas instituições de educação superior, no intuito de desenvolver a aprendizagem da integralidade, diretriz fundamental do SUS no que se refere à qualidade da resposta do setor ao direito de todos à saúde. Dessa forma, programas de fitoterapia popular podem ser inseridos nesse contexto atual com vistas a não só contribuir com o Aprender SUS, mas também responder a uma necessidade social, que é a questão da assistência farmacêutica básica. Acerca desta problemática, cabe neste momento lembrar que segundo alguns estudos, nos países do terceiro mundo cerca de 70 a 80% da população não tem acesso à Assistência Farmacêutica. Como discutido anteriormente, o uso de plantas medicinais é mais acessível do que os caros medicamentos industrializados, o que por si só já justificaria sua indicação para a saúde pública. Atualmente, por motivos diversos, quais sejam médicos, sociais, culturais, filosóficos ou econômicos, houve um processo de redescobrimento (ou de valorização) do uso das plantas medicinais. Assim, organizações não governamentais, instituições filantrópicas, categorias profissionais, o próprio Governo Federal, dentre outros segmentos da sociedade têm estimulado a utilização da fitoterapia. Especificando este uso para a saúde pública e tomando como base o conceito de atenção primária de saúde proposto pela OMS, a fitoterapia parece se configurar como uma ótima alternativa terapêutica. Nesse sentido, a OMS explicita que os métodos utilizados neste tipo de cuidado devem ser “práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis”. Assim, o uso de ervas curadoras abarca a comprovação científica, como pode ser observado anteriormente, e a aceitação social, posto que, consoante alguns estudos, cerca de 80% da população mundial faz uso de ervas medicinais. Além destas vantagens citadas, há também a questão cultural, pois pesquisas demonstraram que sua aceitação pela população é grandemente condicionada pelos fatores culturais. Faz parte da tradição de cada país, onde passa de uma geração a outra. No que concerne à prescrição de fitoterápicos, foi mostrado que, de uma maneira geral, os CD’s estudados não prescrevem plantas medicinais, posto que 83,33% nunca lançaram mão desse recurso terapêutico. Isto poderia ser entendido pela formação universitária não contemplar este tipo de conhecimento. Entretanto, os resultados mostraram que 60% deles já utilizaram para uso pessoal, pelo menos uma vez, as plantas com fins terapêuticos. Portanto, a explicação para a não prescrição para os usuários dos serviços de saúde parece ser falta de conhecimento científico sobre o assunto. Já no caso do uso pessoal, a questão cultural foi a responsável por tal utilização. A possibilidade de inserção do uso das plantas medicinais na atenção básica de saúde foi considerada neste estudo. Nesse sentido, o baixo custo da fitoterapia, as colateralidades reduzidas e/ou inexistentes e a acessibilidade maior destacaram-se nos discursos dos dentistas como fatores que fundamentariam tal inserção. Considerando o princípio doutrinário da universalidade proposto pelo SUS, o acesso maior da população à fitoterapia (e conseqüentemente à assistência farmacêutica básica) seria bem maior, estando, portanto, este recurso terapêutico em consonância com os pressupostos do SUS. Em decorrência desta pratica, se adotada nos programas de atenção básica, os gastos com medicamentos industrializados (comprovadamente mais caros) seriam diminuídos e o governo teria uma economia neste setor. Em relação às colateralidades do uso de plantas medicinais, o sentido que se percebeu nos discursos dos dentistas foi de que elas são inexistentes ou reduzidas. No entanto, cabe ressaltar que não é pelo fato de serem naturais que elas são destituídas de efeitos tóxicos. Conforme já discutido antes, as plantas podem sim produzir danos á saúde. Por outro lado, a falta de qualificação profissional, o uso indiscriminado dos fitoterápicos e a dificuldade de se mudar a cultura medicalizante foram aspectos referendados como negativos à inserção da fitoterapia nos programas de atenção básica à saúde. Sobre a qualificação dos dentistas (falta de conhecimento), mais uma vez ela se repetiu, o que corrobora ser um aspecto bastante relevante na opinião dos pesquisados. No que concerne ao uso indiscriminado, é necessário frisar que não é porque a população que lança mão do serviço público de saúde é, em sua maioria, pertencente à segmentos sociais financeiramente menos abastados, que eles necessariamente vão usar as plantas medicinais de forma abusiva. Este pensamento que predominou nos discursos analisados pode ser entendido se for levado em consideração a idéia preconceituosa e errada da inexistência de efeitos colaterais e tóxicos, bem como a associação entre carência econômica e utilização indiscriminada de medicamentos. O uso abusivo de remédios é um problema mundial e tem suas explicações em vários motivos tais como o interesse das grandes corporações comerciais em obter lucros cada vez maiores, a visão biologizada da saúde através do paradigma da medicina científica, a simbologia atribuída aos medicamentos, o qual representa saúde, cura e bem-estar, dentre outros. Assim, não é porque uma população é pobre que vai usar determinado tipo de medicamentos (ou agentes de cura, no caso dos fitoterápicos) de forma indiscriminada. Com relação à cultura medicalizadora, esta é uma questão que já está institucionalizada nas práticas dos profissionais de saúde desde a época da graduação. Ademais, é reforçada constantemente pelos representantes dos laboratórios farmacêuticos que pressionam os profissionais a prescreverem cada vez mais. Mudar esta cultura é contrariar interesses comerciais e também interesses dos pacientes que vêem nos medicamentos “a cura” para seus males. Portanto, a saída seria atuar já nas graduações em saúde para que os novos profissionais fossem formados com outra lógica, conforme as propostas do Aprender SUS. Frente ao exposto, percebeu-se que a maioria dos dentistas confia nas plantas medicinais como uma alternativa de cura, acreditam ser elas úteis para a saúde pública como uma via através da qual as vantagens econômicas, terapêuticas e culturais podem ser aproveitadas e transformadas em benefícios sociais. No entanto, a crise econômica vivenciada pelo setor público e, principalmente, a falta de conhecimento científico sobre o assunto faz com que eles vejam nesta idéia apenas um “sonho”, que dificilmente será posto em prática. No que tange à receptividade dos profissionais, na opinião dos dentistas estudados, a maioria deles não seria receptiva, pois muitas seriam as dificuldades enfrentadas para de fato pôr esta idéia em prática, dentre as quais se destacaram: recursos financeiros escassos, a falta de profissionais qualificados, o poder comercial dos laboratórios farmacêuticos, a burocracia da SMS e a necessidade de um serviço extremamente organizado para dar conta de mais esta ação na assistência pública de saúde. Com relação à receptividade dos usuários, na opinião da maioria dos dentistas, eles seriam bastante receptivos, pois, de um modo geral, são ignorantes, analfabetos e aceitam tudo aquilo que é dito pelo profissional. Considerando os fatores que dificultam a implantação da fitoterapia na rede básica de saúde, destacaram-se a pressão mercadológica da indústria farmacêutica e a falta de qualificação dos dentistas. Esta mais vez aparece aqui como uma barreira à efetivação da idéia em pauta. Portanto, como os resultados apontaram que a formação em Odontologia não contempla este tipo de conhecimento sobre o uso de plantas medicinais, seria necessário que a universidade abrisse possibilidades para que novos saberes pudessem ser trabalhados na formação superior em saúde. Espera-se que o Aprender SUS, política atual dos Ministérios da Saúde e da Educação, consiga inovar as graduações em saúde, implantando novas alternativas de ensino que escapem ao modelo flexneriano. Sobre a questão da industria farmacêutica, esta já está entrando no mercado dos produtos naturais, conforme referido anteriormente. A esse respeito, Matos35 enfatiza que a população do Nordeste pode ser nitidamente dividida em dois grupos, aqueles que podem comprar qualquer tipo de medicamentos e os 80% que não podem. Para esta maioria se destinaria o atendimento da fitoterapia popular (Projeto Farmácia Viva). Ele ainda esclarece que, para tanto, teria que haver uma política forte nesse sentido e entende que as decisões políticas não são fáceis de acontecer. Portanto, o choque com as grandes corporações comerciais não ocorreria, pois a cada um corresponde um público alvo distinto. O mesmo autor defende a idéia de acoplar a Farmácia Viva ao PSF, de forma que o fitoterápico seja prescrito pelo profissional do PSF e fornecido pela Farmácia Viva ligada ao posto de atendimento médico-odontológico do programa. “Hoje o PSF usa direto lá em Pentecostes, inclusive muitos medicamentos que eram da indústria, já foram substituídos. Lá em Quixeramobim também. Alguns médicos daqui de Fortaleza também já receitam. A idéia já aproximaria à saúde pública brasileira à da francesa, onde nenhum medicamento é comprado e inclusive o médico receita de graça” 35. Dessa forma, a utilização das plantas medicinais nos programas de atenção básica como o PSF, só viria a melhorar a assistência à saúde, na medida em que tal uso é acorde com os princípios da estratégia de Saúde da Família, confirmando uma mudança no modelo de atenção vigente, visando à integralidade das ações e a utilização de uma tecnologia prática e acessível a todas as famílias e comunidades, com um custo reduzido que eles podem arcar, não levando a uma descontinuidade das ações. Sobre a capacidade resolutiva das plantas medicinais, Matos35 esclarece que: “A Farmácia Viva consegue controlar 80% dos casos de doença em qualquer família. Agora vai ter 20% que a pessoa vai ter que usar antibiótico mesmo, e casos de cirurgia. No que depender da atenção primária de saúde, pode usar a Farmácia Viva. Por exemplo, 90% dos problemas de pele, você trata com alecrim-pimenta. Problemas com microparasitoses intestinais mais comuns como ameba, giárdia e trichomonas, o hortelã-rasteira cura. Problemas respiratórios, pode usar o cumaru.”. Dessa forma, variados são os exemplos de fitoterápcios cientificamente comprovados que poderiam ser inseridos nas ações da atenção básica de saúde através do PSF. Necessitaria que o poder governamental responsabilizado pela formulação das políticas no campo da saúde pública atentasse para esta alternativa terapêutica e criasse condições para sua utilização e difusão para ampliar o acesso da população. No Brasil, o Ministério da Saúde atualmente está desenvolvendo a Política Nacional de Plantas Medicinais e Medicamentos Fitoterápicos, pois considera ser a fitoterapia uma alternativa de baixo custo que pode melhorar o acesso da população á assistência farmacêutica básica. Uma das propostas é capacitar os profissionais do PSF para que possam orientar a comunidade para o uso correto das plantas. Dentro desta lógica, os agentes comunitários de saúde orientariam a população sobre quais partes das plantas têm função terapêutica, bem como sobre a correta forma de preparo. Estabelecer a relação nacional de medicamentos fitoterápicos para ser incluído na atenção básica também faz parte desta política. Esta tendência atualmente observada de inserção da fitoterapia no SUS é racional e pertinente, posto que faz parte da cultura da população brasileira. Nesse sentido, ela está acorde com a OMS, que tem estimulado o uso de plantas medicinais em todo mundo, pois reconhece nelas uma importante via através da qual a assistência à saúde mundial pode ser melhorada, mormente nos países em desenvolvimento. Sendo bem aceitas pelas comunidades, faz bastante sentido adotar as práticas tradicionais seguras e úteis, e incorporá-las no planejamento e implementação dos sistemas formais de saúde. Contudo, isto significa elevar a medicina tradicional às bases científicas. Os países devem fazer um exame crítico da "matéria médica" e das práticas locais, identificar corretamente as plantas e outras substâncias naturais utilizadas, decidir quais remédios e práticas são úteis e suprimir aqueles que evidentemente são ineficazes ou perigosos. Isto significa muito trabalho, mas vale a pena. É necessário fazer uma abordagem ampla e reunir as principais disciplinas e interesses correlatos - saúde, agricultura, indústria, comércio, universidade - sob alguma forma de mecanismo de coordenação. Tal corpo avaliaria necessidades e prioridades, formularia a política nacional para cada país, ajudaria a mobilizar recursos e asseguraria o desenvolvimento ordenado de trabalho e pesquisa neste campo. Por fim, espera-se que a Fitoterapia com suas inúmeras vantagens possa ser alvo de uma política séria que realmente seja efetivada, para que ocorram as mudanças almejadas no âmbito dos serviços públicos de saúde. REFERÊNCIAS 1. Aguiar AC. 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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE ODONTOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA PREVENTIVA E SOCIAL QUESTIONÁRIO Data da aplicação:____ / ____ / ____ Sexo: ( ) M ( ) F Idade: ________ anos Instituição formadora: ( ) UFRN ( ) outra _____________________________ Ano da graduação _________________ Nível da Pós-Graduação: ( ) Aperfeiçoamento ( ) Especialização ( ) Mestrado ( ) Doutorado Área: _________________________________________ Unidade de saúde onde trabalha:________________________________________ Tempo de trabalho na instituição: _______________________________________ Tipo de vínculo na instituição ( ) concursado ( ) serviço prestado Regime de trabalho: ( ) 20 horas ( ) 40 horas ( ) Plantonista 1) Você teve algum tipo de treinamento durante sua formação profissional sobre o uso de fitoterápicos? ( ) Sim ( ) Não. Se teve, de que tipo? Teórico? Prático? Quem deu? Foi durante a graduação ou depois? 2) É do seu conhecimento que seus pacientes usam alguma planta medicinal (fitoterápico) para tratar afecções odontológicas? ( ) sim ( ) não. 3) Se sim, quais seriam estas plantas? Quais suas indicações? Como elas são usadas? PLANTAS INDICAÇÕES FORMA DE USO 4) Você já prescreveu ou indicou algum? Qual e pra quê? Qual o resultado obtido? ( ) Sim ( ) Não. 5) Você já fez uso alguma vez de fitoterápicos? Quando e em que circunstâncias? Qual o resultado obtido? ( ) Sim ( ) Não. 6) O que você acha da inserção da fitoterapia como alternativa terapêutica na rede básica de saúde? a) Aspectos positivos:_______________________________________________________ b) Aspectos negativos:_______________________________________________________ c) Qual a receptividade de profissionais/usuários:__________________________________ 7) Quais os fatores que dificultam a implantação da fitoterapia na rede básica de saúde? a)Do ponto de vista institucional:______________________________________________ b)Do ponto de vista profissional:_______________________________________________ c)Do ponto de vista do usuário:________________________________________________