Reflexos das Políticas Neoliberais sobre a População Infanto-Juvenil na América Latina Carmen Maria Raymundo* e Silene de Moraes Freire** A decadência da vida social é hoje um dos aspectos mais visíveis da realidade latino-americana. Um pouco menos da metade da população dessa região já vive abaixo da chamada “linha de pobreza” (ou seja, com menos de dois dólares por dia), até o final da década de 90 no Brasil 23,5% da população dispunha de menos de um dólar por dia, 47% em Honduras, 15% no México, 44% na Nicarágua e 26% no Panamá. Como a utilização do indicador de renda de forma isolada pode ser questionável1, vale mencionar algumas reflexões realizadas por Jorge Beinstein que ajudam a comprovar esse estado de pobreza. Segundo o autor, que realizou um extenso estudo sobre a questão, é importante mencionar que existe hoje na América Latina, região mais urbanizada da periferia, uma espécie de “urbanização da pobreza”. Cerca de 50% da população urbana latino-americana é pobre2, uma boa parte da mesma se amontoa em “vilas miséria”, uma porcentagem crescente vive em assentamentos “ilegais”, em Quito a cifra supera os 50% em Recife a população “favelada” se aproxima a 50% do total”3. O entendimento desse quadro não pode desconsiderar que, as políticas neoliberais aplicadas em quase toda a região reduziram sensivelmente o papel do Estado como gerador de empregos e promotor de melhorias e serviços às classes médias e baixas, privatizaram as empresas públicas (o que sempre implica em fortes perdas de postos de trabalho), abriram o mercado interno às importações arruinando um enorme contigente de pequenas e médias empresas, desregularam o funcionamento dos grandes grupos econômicos (principalmente estrangeiros) facilitando a concentração / desnacionalização empresarial, impuseram estruturas fiscais regressivas ( mais impostos sobre o consumo e menos sobre os benefícios dos grandes grupos, etc). Tudo isso acentuou a desestruturação dos tecidos sociais mais frágeis, que vinham sofrendo importantes deteriorações desde os anos 70 e 80. A marginalidade se expandiu de maneira explosiva, amplos setores sociais tradicionalmente inseridos em atividades privadas formais e no setor estatal foram lançados à lixeira social.4 O nível de desocupação, ou melhor, a taxa de desemprego na América Latina e no Caribe, no ano de 1999 foi a maior em quase duas décadas segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com cerca de 18 milhões de pessoas sem emprego. A região tem uma população de 508 milhões de habitantes, dos quais 210 milhões integrariam a força de trabalho latino-americana. Essa decadência geral juntamente com fracassos econômicos, ideológicos e políticos marcaram o final do século XX na América Latina. Quando pensamos os efeitos perversos do neoliberalismo nessa região, não podemos esquecer que ele apresenta-se como o caldeamento de uma arraigada sociabilidade autoritária na formação de nossas sociedades – paródia da democracia na América – com os processos de globalização.5 Conforme observou Guimarães6, é necessário atentarmos que a “nova” visão do sistema político internacional o apresenta como intrinsecamente pacífico e benéfico e reconhece, como óbvia, a existência de Estados mais poderosos, as Grandes Potências, sendo que elas são democráticas, interna e externamente, tratando com benevolência e magnitude os Estados mais fracos e atrasados, como em teoria as metrópoles tratavam suas colônias. Neste sentido, também podemos dizer que as receitas neoliberais que abalaram nossa região são instrumento de um vasto processo de recolonização.7 O traço central, do ponto de vista estrutural, dos últimos anos na América Latina foi estar atravessada por uma ofensiva neoliberal que compõe um movimento global de longo alcance, envolve as relações do conjunto da região com as mega potências econômicas, em particular com os Estados Unidos e introduz modificações estruturais entre os Estados. Estes custos trazidos pela ordem mundial são significativamente potencializados nos países de Terceiro Mundo e trazem à tona o enfraquecimento dos movimentos organizados dos trabalhadores e o debate acerca do significado da democracia nestes contextos. Desde a década de 80 os retrocessos econômicos e sociais já podiam ser percebidos na América Latina. Sem dúvida essa região experimentou inegáveis avanços políticos durante essa década, entretanto, eles vieram acompanhados contraditoriamente de piora nas condições de vida e de trabalho de grandes maiorias nacionais. Tal experiência confirma as palavras de Emir Sader, quando observa que o século XX viu estenderem-se os regimes democráticos, mas suas fronteiras mal ultrapassaram os limites da igualdade jurídica, intensificando a pobreza, a miséria, o abandono.8 Laura Tavares Soares, em seus estudos sobre os efeitos do ajuste neoliberal na América Latina, nos alerta que, nos anos 80, a população em situação de pobreza na América Latina alcançou o patamar de 41% do total (cerca de 135,9 milhões de pessoas), quantitativo que se eleva para 43% no ano de 1986 (abrangendo cerca de 171,2 milhões de pessoas). Este aumento de 34,3 milhões de pessoas pobres, contém 19 milhões de pessoas na situação de indigência, tanto na zona urbana quanto na rural. Outro trabalho que contribui para a avaliação da questão é o apresentado pelo programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, denominado “Desenvolvimento Humano”. Neste destaca-se que não é possível considerar a falta de recursos como justificativa para a magnitude da pobreza e da indigência na América Latina, evidenciando que a ausência de compromisso político, e não a falta de recursos financeiros, é com freqüência a causa verdadeira do abandono em que se encontra o homem. O Brasil é mencionado para exemplificar esta situação, no referido estudo, uma vez que apesar de ter tornado-se a oitava potência industrial do mundo, apresenta índices sociais alarmantes, tais como: a mortalidade infantil na faixa de 250.000 entre as crianças menores de 1 ano de idade anualmente. No ano de 1989 a estrutura econômica desigual no país registrava índices nos quais o grupo mais pobre reduziu sua participação na renda nacional para 10,4%, e o grupo mais rico elevou-a para 17,3%. O projeto neoliberal na América Latina trouxe-nos como resultado mais notável uma modificação na estrutura social da pobreza, dado que, cresceu a dicotomia existente entre pobres e ricos. A magnitude da pobreza latinoamericana desmente as expectativas de que mercado traria justiça social, através da distribuição da riqueza acumulada. Além disto, a pobreza se urbanizou, sendo nas grandes cidades onde mais cresce e se localiza. Convém ressaltar que nunca houve entre nós um Estado de Bem-Estar Social. As democracias burguesas tiveram que introduzir uma série de reformas que, embora com o objetivo de atenuar as discrepâncias entre democratização política e autocracia econômica, concretamente beneficiaram as classes trabalhadoras. A luta social criou processos, instituições de seguridade social contra o automatismo do mercado. No entanto, estas reformas esbarraram no despotismo do capital no terreno da produção, com grande avanço iniciado entre nós na década de 90. As análises acerca da constituição dos Estados de Bem-estar latino-americanos, no contexto de implantação do projeto neoliberal, também possibilitam questionar o uso generalizado do termo em nossas realidades, específicas que estas são do cenário desenvolvido, no que se refere aos processos históricos de constituição dos Estados nacionais; aos processos políticos do pós-guerra, onde as ditaduras militares foram mais regras do que exceções; e principalmente a existência de uma estrutura de classes, na qual ao lado de um operariado industrial e de camadas médias, o acelerado empobrecimento urbano gerou um grande contingente populacional à margem de direitos trabalhistas e previdenciários. Além disto, a adoção de políticas neoliberais, enquanto programa de governo não seguiu a mesma trajetória, nem ocorreu ao mesmo tempo em todos os países. Não obstante, a utilização dos postulados neoliberais, provoca uma exclusão econômica e social mais grave entre nós, do que nos países centrais. Temos, nesta conjuntura, a financeirização das economias capitalistas, a abertura de mercados, a retração do trabalho manual na indústria, a redução das políticas sociais de Estado, as privatizações, o aumento da concentração de renda, o desemprego, a precarização do trabalho (trabalho parcial, temporário, terceirizado, subcontratado), as novas formas de gestão da força de trabalho, a superexploração do trabalho com grandes níveis de trabalho infanto-juvenil estão colocadas para as classes trabalhadoras. Resgata-se, nesta etapa da acumulação capitalista, a construção e difusão de valores culturais construídos com base nos processos sócio-políticos vigentes, nos quais “não há sociedade, só indivíduos”, e na qual desenvolve-se também uma cultura política “anti-Estado”, que permeia as relações entre Estado e sociedade civil, com “uma nítida desqualificação de esfera pública universalizadora”, e com a construção de um modelo de “Estado máximo para o capital”; o mito da mobilidade social pelo esforço pessoal de cada um, a mercantilização da vida social. A questão social passa a ser discutida centrada no indivíduo, privatiza-se o público porque o indivíduo tem autonomia, faz escolhas, e o sistema tem ofertas. Isto se dá em nome da “democracia”. As ideologias neoliberais buscam reconfigurar o social com o objetivo de anulá-lo. Do ponto de vista neoliberal parece não haver mais questão social. Embora, neste modelo de organização da vida social, a questão do consumo não esteja colocada para todos de forma igualitária, gesta-se uma “cultura do consumo”, onde “somos a nossa capacidade de consumo”, avaliada esta por nossa capacidade individual de competição no mercado. O mais surpreendente neste ideário conservador da contem-poraneidade, reside na exaltação das virtudes do mercado na regulação da sociedade, em nome da modernidade. Em suma, o capitalismo contemporâneo, com a configuração que vem adquirindo neste processo como resposta à sua própria crise, acentua sua lógica destrutiva. o capital, desprovido de orientação humanamente significativa assume em seu sistema metabólico de controle social, uma lógica que é essencialmente destrutiva, onde o valor de uso das coisas é totalmente subordinado ao seu valor de troca.9 Juntamente, a destruição das forças produtivas, da natureza, do meio-ambiente, a força de trabalho humana é hoje cada vez mais precarizada e/ou excluída. Segundo Rizzini10, uma das manifestações mais visíveis dos efeitos que a pobreza exerce sobre as famílias de baixa renda , e que, sem dúvida, se intensificou a partir da década de 80, é o número de crianças que abandonam temporariamente suas casas para perambularem pelas ruas das cidades. A presença massiva de crianças nas principais áreas urbanas da América Latina constitui, sem dúvida, a prova mais irrefutável do fracasso dos modelos de desenvolvimento concentradores e excludentes. Além disso, as diversas percepções e atitudes – de solidariedade, indiferença e desprezo – que os diferentes grupos e instituições sociais assumem em relação a essas crianças, marcam significativamente a construção da atual imagem da criança latino-americana, diz Rizzini. Embora os países do Primeiro Mundo não estejam livres desse problema, o fenômeno dos chamados “meninos de rua” apresenta um perfil dramático nos países do Terceiro Mundo, sobretudo na América Latina. Nessa região, a situação de crianças e adolescentes atinge um grau de gravidade e preocupação que merece ser destacado. Dentro dos limites deste artigo, optamos por destacar a situação infanto-juvenil no Brasil, por constituir um caso paradigmático, cujas experiências podem servir de exemplo para a compreensão dos nexos que agravaram essa questão em vários países da região. Impactos de tais transformações no Brasil A atual conjuntura ao mesmo tempo em que reafirma a manutenção da acumulação capitalista, ainda que sob novos patamares, tem especificações assentadas em novos embates entre as classes sociais, em mudanças institucionais no processo de organização do trabalho, nas ações do Estado e nas ações do mercado. A dinâmica deste processo assume feições diferenciadas no interior dos países em função do grau de desenvolvimento das forças produtivas, da organização dos trabalhadores, em seus órgãos representativos, do confronto de classes. No Brasil, vivemos os impactos oriundos das transformações no mundo do trabalho de forma peculiar. Coexistem formas modernas e arcaicas de organização da economia. Há um redimensionamento da nossa herança histórica, o que vemos de novo, na verdade contém mediações entre o arcaico e o moderno. Não vivemos uma passagem direta e imediata do fordismo para o processo de acumulação flexível. Mantemos traços de um fordismo incompleto, da acumulação flexível, do trabalho clandestino, do trabalho escravo, do trabalho ilegal. Além disto, como acontece nos demais países de economia dependente, no Brasil, o capital combina duas estratégias para extração do excedente: há extração de mais-valia relativa causando desemprego, juntamente com a extração de mais-valia absoluta. Isto na medida em que um processo não exclui o outro, ao mesmo tempo que reduz-se o trabalho necessário, aumenta-se o processo de exploração. Podemos afirmar, também, que o atual padrão de concentração de rendas no Brasil é uma construção do modelo de desenvolvimento adotado no país. Saímos de 30 anos de ditadura com grande déficit social, sem distribuição da riqueza. Ao longo da década de 80, entre os condicionantes dos processos de trabalho relevantes no país, podemos citar: a crise econômica prolongada de cunho estrutural, a reorganização política da classe trabalhadora, o ressurgimento dos movimentos sociais, e a Constituição de 1988. Neste período, tivemos uma profunda derrota dos trabalhadores no âmbito econômico, ao contrário do que se efetivou no âmbito da luta organizada das camadas populares. A crise econômica deu-se no mesmo período em que consolidava-se a construção do partido dos trabalhadores, criava-se a CUT, e tinham vez amplos movimentos reivindicatórios. A campanha eleitoral de 1989 é um marco neste período, uma vez que havia dois projetos em disputa, com interesses e propostas diferenciadas para a sociedade brasileira. A derrota da esquerda trouxe conseqüências para o país materializadas pelo processo de reestruturação produtiva e por uma ampla ofensiva do ideário neoliberal. Corroborando este posicionamento, de acordo com Mattoso, o atual governo brasileiro, através de uma série de medidas de ajuste, mantém a forma passiva da inserção da economia nacional na economia mundial, a desregulação e as políticas macroeconômicas ancoradas na sobrevalorização da moeda e em elevados juros. Em consequência, sobre uma estrutura social já desigual e excludente, ampliaram-se o desemprego e a precarização das relações de trabalho (trabalho sem carteira, em tempo parcial, em tempo determinado, elevada rotatividade etc.).11 Nos anos 90, o processo de reestruturação produtiva favorece a abertura do mercado interno e coloca o país na globalização dos mercados. As empresas brasileiras começam a lançar mão de diversas inovações tecnológicas de organização e gestão da força de trabalho, processo que vem acompanhado de grande recuo no sindicalismo. De acordo com Mattos, a economia do Brasil apenas no ano de 1970 atingiu um patamar de crescimento industrial com capacidade para absorver 30% de população economicamente ativa. Aqui, o setor de serviços sempre respondeu por uma parcela mais significativa da mão-de-obra empregada e a contratação precária, não coberta por convenções coletivas, negociação sindical ou legislação trabalhista, também chamada de “informal”, atinge há muito tempo uma parcela significativa dos trabalhadores brasileiros”. Pode-se falar, portanto, de um subemprego histórico, agravado recentemente pelo desemprego estrutural.12 A Trajédia Neoliberal em Dados No que tange aos impactos destas orientações, no que se refere ao mercado de trabalho e ao acesso a bens e serviços, com base na Pesquisa de Amostragem Domiciliar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano 1998, destacamos que: A população brasileira passou de 146.917.459 habitantes em 1991 para 164.371.493 milhões de habitantes em 1999. A tendência à urbanização foi confirmada pelos dados: em 1999 a taxa de urbanização localiza-se em 78,4%, sendo mais expressiva nas regiões sudeste e centro-oeste (89,3% e 84,4%). Quanto às configurações do mercado de trabalho no país na década de 90 temos que, a economia brasileira ainda convive com uma estrutura sócio-econômica dualista e concentradora de renda, na qual a maior parte da população economicamente ativa (PEA) encontra-se na área urbana. A PEA no ano de 1998 envolveu aproximadamente 76,9 milhões de pessoas, o que representa uma taxa de atividade de 60,2%. Embora, a taxa de participação masculina seja mais elevada, contando com 73,6%,a participação feminina vem elevando-se com uma taxa de 47,5%, contando com um quantitativo de 31 milhões de trabalhadoras. Os números do IBGE, embora conservadores, uma vez que consideram empregados aqueles que declaram terem feito qualquer tipo de atividade ocasional nas semanas anteriores à pesquisa, indicam na conjuntura atual que o índice de desemprego nas principais capitais brasileiras, para o ano de 1998, (calculada com dados da pesquisa mensal de emprego), variou entre 6,3% e 8,2%, atingindo em março de 1999 uma taxa de 8,15% . A indústria brasileira reduziu em mais de um quarto o pessoal ocupado e as horas pagas na produção. No período compreendido entre as décadas de 1980 e 1990, o emprego industrial médio foi da casa de 25%, representando 20% entre o período de 1990 a 1995. Com relação à alta rotatividade no emprego, uma outra tendência histórica em nosso país, dados levantados pelo BNDES revelam que no ano de 1997, 65% dos trabalhadores nas indústrias foram demitidos ou deixaram o trabalho antes de completarem 2 anos de emprego. Esta mudança na participação dos trabalhadores no setor industrial do país, vem provocando mudanças de grande significado no mercado de trabalho brasileiro, dado que os empregos neste setor da economia tradicionalmente ofereceram vínculos legais trabalhistas, maior estabilidade e melhores remunerações. Entre a população ocupada, as categorias mais expressivas são os empregados (46%) e os trabalhadores por contaprópria (23%). O índice de trabalhadores com carteira assinada caiu de 53,7% em 1991 para 43,35% em 1997. Em movimento inverso, os trabalhadores por conta-própria cresceram, no mesmo período, de 21,89% para 23%, ao mesmo tempo em que os empregados sem carteira assinada passaram de 23,18 para 26,08%. Os empregados somam pouco mais de 32 milhões e apenas 61,8% têm posse da carteira de trabalho. A região sul apresenta a maior percentagem de empregados com posse de carteira de trabalho, em contra-posição à região nordeste, que apresenta a menor percentagem (42,8%). Esta situação tem reflexos evidentes na contribuição para a previdência social, para a qual apenas contribuem 25,5 milhões de ocupados, acarretando na baixa cobertura da legislação trabalhista e social. Na distribuição da população ocupada, destacamos que o trabalho não remunerado ainda é bastante expressivo no país, representando 8,7% da mesma. Os estados que possuem mais trabalhadores sem remuneração são: Maranhão (mais de 580 mil), Pernambuco (mais de 394 mil) e Ceará (386 mil). Uma parte considerável da população ocupada vive em famílias cujo rendimento não supera meio salário mínimo per capita, atingindo mais de um quarto dos empregados sem carteira, 26,7% dos trabalhadores domésticos e 23% dos trabalhadores por conta-própria. No outro extremo, com mais de três salários-mínimos mensais de rendimento familiar per capita, vivem 59,4% dos empregadores e 24,2% dos empregados com carteira assinada. No que tange à distribuição de renda, o perfil brasileiro ainda continua mantendo a desigualdade. O rendimento médio dos ocupados ficou, em 1998, em torno de 4,1 salários-mínimos. As diferenças regionais se mantém, uma vez que, enquanto no Distrito Federal e em São Paulo, por exemplo, este rendimento atinge 7 salários-mínimos, no Maranhão e no Piauí não consegue atingir dois salários-mínimos. Destacamos ainda que, entre a população ocupada com rendimento, os 10% melhor remunerados possuem uma renda média de 19,8% vezes superior aos 40% mais com renda inferior.13 O setor terciário foi o principal responsável pela geração de novos postos de trabalho. De 1998 para 1999, o pessoal ocupado no comércio de mercadorias apresentou aumento de 2,1%. O contingente que mais contribuiu para tal crescimento foi o de empregados sem registro, que subiu para 9,8% no setor. A parcela de empregados com carteira de trabalho assinada, que representava um terço das pessoas ocupadas no ramo do comércio de mercadorias, foi a única que teve redução (2,7%). Em termos de população ocupada, o setor de serviços como um todo ascendeu 2,5% de 1998 para 1999. População Ocupada de 10 anos ou mais de idade por posição de ocupação Empregados Conta-própria Empregador Não remunerado Brasil 44,8% 23,2% 4,1% 9,3% Norte 39,1% 26,6% 3,9% 7,2% Nordeste 33,8% 29,1% 2,7% 16,9% Sudeste 52,7% 20,1% 4,7% 4,2% Sul 44,2% 21,6% 4,7% 11,5% C-oeste 45,9% 19,7% 4,9% 5,8% Fonte: Pesquisa Nacional de Amostra domiciliar 1999. IBGE População ocupada de 10 anos ou mais de idade por ramo de Atividade Econômica da ocupação principal / 1999 Agrícola Indústria Comércio Serviços Brasil 24,2% 19,3% 13,4% 41,2% Norte 12,3% 17,0% 20,1% 49,0% Nordeste 40,7% 13,6% 12,4% 32,1% Sudeste 13,4% 23,0% 14,0% 47,2% Sul 26,4% 22,4% 12,0% 37,5% Centro-oeste 22,8% 15,2% 14,1% 46,2% Fonte: Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios/1999. IBGE Segundo Soares, para o incremento da terceiri-zação no país ocorreram uma série de fatores, dentre eles, destacamos a expansão de atividades precárias, no âmbito da economia “informal”. A “permanência ou recriação” das chamadas atividades “não organizadas” responderiam, também, a uma estratégia de sobrevivência de grupos da população. No tocante à saúde do trabalhador, este país ainda registra altos índices de acidentes de trabalho. Em matéria publicada pelo Jornal do Brasil em 09/09/97, as estatísticas do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, situam que em média “A cada dia, 23 pessoas morrem no Brasil em conseqüência de acidentes do trabalho. Quando não matam, os acidentes deixam 20 mil trabalhadores permanentemente incapacitados”. Os dados apresentados revelam a diferenciação de situações no mercado de trabalho, ressaltando a desigualdade entre os grupos sociais, ocupacionais e regionais. De acordo com Krein, a segmentação do mercado de trabalho no Brasil dos últimos anos passa a se configurar da seguinte forma: a) os trabalhadores integrados, vinculados a empresas modernas com condições de trabalho e salários mais estáveis; b) os trabalhadores semi-integrados, contratados por empresas menores, terceirizadas ou subcontratadas, com salários e condições de trabalho mais precárias do que os trabalhadores integrados; c) os excluídos do mercado de trabalho, os desempregados, subempregados, do setor informal e/ou trabalho temporário.14 Este processo fragmenta o trabalhador coletivo, de um lado estarão os empregados estáveis, e de outro aqueles excluídos do emprego formal, submetidos ao trabalho desprotegido. Com relação à participação de crianças e adolescentes no mercado de trabalho, o número de crianças de 5 a 9 anos de idade ocupadas continuou apresentando tendência de declínio. De 1995 para 1999, o contigente de 5 a 9 anos de idade ocupado baixou de 519 mil para 375 mil e a sua participação no total de grupo etário caiu de 3,2% para 2,4%. Em quatro anos, o grupo de 10 a 14 anos de idade ocupado passou de 3,3 milhões para 2,5 milhões e a sua participação no total desta faixa etária diminuiu de 18,7% para 14,9%. No grupo etário de 15 a 17 anos de idade, de cada 100 adolescentes, 45 estavam trabalhando. Temos que, embora a participação infanto-juvenil tenha decrescido em termos proporcionais no conjunto das pessoas ocupadas, em termos absolutos, continua apresentando números elevados. Convém ressaltar que, esta participação não pode ser analisada somente quantitativamente, dado que, a grande maioria desenvolve atividades de trabalho em condições desfavoráveis, com longas jornadas de trabalho, tarefas pouco qualificadas, sem proteção trabalhista e com remuneração inferior a estipulada pela lei. Ressaltando-se que a maior urbanização do país vem acompanhada de uma maior “urbanização da pobreza”, ou seja, de uma concentração da pobreza em termos absolutos, nas áreas metropolitanas, a não-acessabilidade aos serviços de infra-estrutura social confirma a relação direta entre renda e saneamento. Com relação aos serviços essenciais de saneamento básico, coleta de lixo e iluminação elétrica, que são de inegável importância para a melhoria das condições de vida e de saúde da população, no que se refere à cobertura populacional, para o ano de 1999, temos que: destes serviços o que alcançou maior índice de cobertura foi o de iluminação elétrica, que atendia 91,8% das habitações em 1995 e atingiu a 94,8% em 1999. Entretanto, o diferencial entre as áreas urbanas e rurais ainda é marcante. Em 1999, cerca de um quarto das moradias ainda não dispunha de iluminação elétrica, enquanto que somente 0,8% das urbanas carecia deste serviço. A proporção de residências atendidas por serviço de coleta de lixo passou de 72,1% em 1995 para 79,9% em 1999. Em área urbana, este atendimento alcançou 93,7% das moradias e, na área rural, ficou em 19,6%. Em 1999 havia 20,2% das moradias que não eram atendidas por rede geral de abastecimento de água e 35,4% que não dispunham de esgotamento sanitário adequado. Em 1995, estes percentuais estavam, respectivamente, em 23,7% e 40,0%. Notamos que, também no que se refere à cobertura de saneamento básico no país, esta se deu de forma heterogênea entre as regiões do país, e entre as zonas rurais e urbanas. No entanto, no interior das áreas urbanas, há também hetero-geneidade na cobertura dos serviços. As diferenciações entre os grupos sociais se faz ainda mais presente nas favelas e loteamentos clandestinos ou irregulares. Quando comparamos alguns indicadores referentes aos 40% mais pobres da população, em relação aos 10% mais ricos, apenas 31,1% dos domicílios pertencentes aos 40% mais pobres contam com condições adequadas, enquanto os mais ricos podem contar com 80% dos seus domicílios em condições de boa qualidade. A distribuição de domicílios urbanos, segundo a renda, mostra ainda que, em 15,1% destes vive-se em situação precária, com, no máximo, meio salário-mínimo de rendimento médio per capita. Nos estratos mais pobres, encontra-se uma proporção extremamente mais elevada de empregados sem carteira-assinada, trabalhadores na agropecuária e também mais elevados percentuais de trabalhadores por conta-própria. Este indicador de desigualdade, é significativo para a avaliação das estimativas de mortalidade infantil, entre as famílias que possuiam ou não infra-estrutura domiciliar adequada de saneamento. Soares, destaca o fato de que, entre as famílias com renda per capita mensal de até ½ salário mínimo, aquelas que apresentavam condições adequadas de saneamento, possuíam uma taxa de mortalidade infantil de 51,6 óbitos por mil nascidos vivos, enquanto aquelas que não as possuíam apresentavam uma taxa de 107,9 óbitos por mil.15 Ainda no que se refere às desigualdades nos atuais padrões de renda das famílias brasileiras, de um total de 45,2 milhões de famílias brasileiras, 19,6% tem uma renda per capita inferior a ½ salário mínimo. A renda média per capita das famílias situadas nos 10% com distribuição de renda superior é 106 vezes maior do que aquela das famílias que estão situadas nos 10% mais pobres. No que se refere à Educação, os dados da PNAD indicam também que, a taxa de atividade no mercado de trabalho é mais alta quando aumenta a escolaridade. Esta taxa de atividade situa-se em torno de 54,3% para as pessoas que não possuem instrução ou têm menos de 1 ano de estudo, atingindo 82,7% para as pessoas com 12 anos ou mais de instrução. Os resultados da PNAD de 1998 demonstram que, no Brasil, o cenário educacional apresentou melhora em relação aos anos anteriores, houve declínio das taxas de analfabetismo e aumento nas taxas de escolarização e da escolaridade média da população brasileira. No entanto, existem ainda, 15 milhões de adultos analfabetos, dos quais 8 milhões residem na região nordeste e outros 4 milhões no Sudeste. Outro aspecto relevante com relação à escolaridade brasileira, é que esta além de deficiente é desigual. Entre a população ocupada de 10 anos ou mais de idade, a média de tempo de estudos é de apenas 6,2 anos. Além disto, existem diferenças regionais em termos de anos de escolarização. Conclui-se daí que estas mudanças trazem novas formas de domínio do capital sobre o trabalho e reatualizam antigas em nosso país. O neoliberalismo encontrou entre nós uma sociedade marcada por terríveis desigualdades, ao mesmo tempo em que a flexibilidade da acumulação capitalista, aumenta o desemprego e atualiza as relações precárias de trabalho. As novas necessidades do processo de acumulação capitalista pintam um cenário, no qual, vivenciamos as questões referentes a exploração no trabalho, e a exploração decorrente do não direito ao trabalho. O padrão de desenvolvimento adotado assentava-se num determinado padrão de industrialização e em relações políticas e sociais particulares, gerando no país uma sociedade heterogênea e desigual, na qual a pobreza era decorrente não enfrentamento da questão agrária e da reprodução de uma força de trabalho mal remunerada e sem acesso a direitos sociais. A crise daquele modelo e o advento do projeto neoliberal vem construindo uma aprofundamento da pobreza que além dos aspectos apontados, tem como foco a expulsão dos trabalhadores dos segmentos industriais e não industriais urbanos mais estruturados, aumentando largamente o conjunto de trabalhadores que ao longo do tempo compuseram o setor informal no país. Surge, portanto, uma nova dinâmica na relação entre exclusão/inclusão dos trabalhadores na economia. A externalização da produção ao mesmo tempo em que determina a exclusão dos trabalhadores do trabalho socialmente protegido, cria outras formas de inclusão na economia, que têm na insegurança e na desproteção do trabalho as suas principais características.16 O outro eixo de transformações ocorridas, refere-se ao âmbito do Estado e das políticas sociais públicas. No bojo da reestruturação capitalista há reestruturação da política social. A política social brasileira sempre caracterizou-se pela cobertura populacional seletiva e deficiente. Nosso sistema de seguridade social baseou-se em benefícios diferenciados em função de estratificação ocupacional entre os beneficiários, configurando o processo nomeado por Wanderley Guilherme dos Santos, de “cidadania regulada”. Para este autor em seus estudos sobre a política social brasileira, o reconhecimento da cidadania no país, surge na década de 30 atrelado aos direitos advindos do lugar ocupado no processo de produção, definido pela legislação, e não em um código de valores políticos. Neste processo, a regulamentação das profissões, a carteira profissional e o sindicato atrelado ao Estado são os parâmetros que definem os cidadãos. Tornam-se por conseguinte précidadãos os trabalhadores da área rural, e os trabalhadores informais do meio urbano. Este sistema se mantém do Estado Novo de Vargas até a década de 60, com a promulgação da lei Orgânica da Previdência Social, que traz uniformidade, porém sem unificação aos serviços e benefícios prestados pelo sistema previdenciário brasileiro. De acordo com Draibe17, os princípios que marcaram a consolidação do Welfare State no Brasil, até as mudanças implementadas na década de 80, basearam-se em: extrema centralização política e financeira no nível federal das ações sociais do governo; acentuada fragmentação institucional; exclusão da participação social e política dos processos decisórios; o princípio do auto-financiamento do investimento social e o princípio da privatização e o uso clientelístico da máquina social. A constituição cidadã de 1988, incorpora mudanças no âmbito das políticas de proteção social, por força da pressão organizada dos trabalhadores. A grande inovação, diz respeito ao conceito de seguridade social que engloba a saúde, a previdência e a assistência social , e prevê a universalidade na cobertura, e a participação popular na gestão e avaliação das mesmas. No entanto, a conjuntura de retração deste processo iniciada nos anos 90, onde várias emendas consti-tucionais vem sendo aprovadas com o objetivo de desregulamentar os avanços aí implementados, nos levam a refletir que embora, a constituição em vigor equalize os direitos sociais, o seu exercício é condicionado por processos sociais não subordinados ao estatuto legal, mas às relações de força entre as classes sociais. Hoje o Capital tem um novo projeto de respostas às refrações da questão social, a precarização das respostas estatais às refrações da questão social. A retórica da “crise fiscal” em função do excesso de gastos na área social, vem acarretando o desfinanciamento e a focalização das políticas sociais, abrindo terreno para a remercantilização das políticas sociais e para a refilantropização da assistência social. O governo de Fernando Henrique Cardoso vem se mantendo ortodoxo do ponto de vista neoliberal, através das medidas de ajuste fiscal e equilíbrio do déficit público, seguindo as prerrogativas do Fundo Monetário Internacional, e avançando nas seguintes direções: estabelecimento do Estado mínimo, focalização das políticas sociais, controle da inflação, privatização e estabilidade da moeda. Convém ressaltar que o projeto neoliberal preocupa-se em poupar recursos, com eficácia econômica e não com eficácia social. A focalização das políticas sociais nos mais miseráveis, significa a focalização da qualidade, dos recursos e da cobertura. De acordo com Frigotto, As políticas neoliberais se materializam como política oficial do atual governo, aniquilando o fundo público e transformando as perpectivas de atendimento aos direitos sociais em filantropia e alívio à miséria e à pobreza.18 No Brasil, avaliamos que a tendência atual da proteção social aproxima-se do Welfare mix, concepção na qual, há ação compartilhada do Estado, do mercado e da sociedade, na provisão de bens e serviços. O Estado continua na regulação, mas não mais como provedor. Esta é uma conjuntura em que acirra-se a crise entre o desenvolvimento material da produção x as relações desiguais de distribuição do valor criado na sociedade. Há projetos em disputa: um baseado na restrição de direitos de cidadania e outro assentado na ampliação de direitos e de canais de participação. No que se refere aos novos processos hege-mônicos do atual neoliberalismo do capitalismo brasileiro, Mota, em sua análise sobre estas questões sinaliza que o projeto gestado neste período, no bloco composto pelas classes dominantes, burocracia estatal e a mídia, busca destruir os espaços de resistência dos subalternos, através da difusão e adesão de toda sociedade a uma determinada visão de mundo que particulariza um modo de construção de uma cultura da crise, cujo marco é o pensamento neoliberal, que favorece a implementação de novas estratégias econômicas e políticas do grande capital neste final de século.19 A chamada “cultura da crise” evidenciada pela autora, refere-se a forma como o aumento da exploração dos trabalhadores é veiculado na mídia como se fosse apenas o resultado de uma crise involuntária, colocada igualmente para toda a sociedade, e não como uma estratégia de acumulação. Netto20, corrobora esta reflexão ao avaliar que, entre nós este projeto burguês de hegemonia não pode incorporar abertamente a desregulação e a flexibilização. Precisa revestir-se de uma retórica de solidariedade x individualismo; competência x rentabilidade; justiça x redução de coberturas. O Trabalho Infanto-Juvenil no Brasil Poeira proveniente dos resíduos químicos e vapores densos eram evidentes tanto na despensa quanto na sala das caldeiras... Encontramos 250 crianças, a maioria com menos de 10 anos de idade, trabalhando em uma sala comprida, colocando palitos de madeira nas fendas em uma estrutura. Filas e mais filas de crianças, algumas das quais não poderiam ter mais de que cinco anos de idade, estavam envolvidas no trabalho.21 Esta citação poderia ter sido feita nos primórdios do capitalismo, no século XIX, visto que o trabalho precoce já se fazia presente desde a revolução industrial na Inglaterra22. No entanto, refere-se a uma situação de trabalho infantil existente no final do século XX, quando o avanço tecnológico já deveria ter eliminado as inúmeras formas de violência no trabalho contra crianças e adolescentes. Temos que, descrições como esta podem ser encontradas em todo o mundo, dado que a situação de trabalho para as crianças e adolescentes das classes trabalhadoras, continua existindo de forma ainda preocupante, tanto nos países de economia dependente, quanto nos países avançados, onde atinge as minorias étnicas e os imigrantes.23 De acordo com Iamamoto24, a configuração do trabalho infanto-juvenil em nossa sociedade nos dias atuais exemplifica de que forma a exclusão vem afetando os direitos sociais, e aviltando o próprio direito à vida. Impulsionada pela terceirização da economia, pelo crescimento do desemprego, e pela flexibilização do trabalho e pelos cortes na área social, a exploração da mão-de-obra de crianças e de adolescentes está presente em vários países do mundo25, e vem recebendo tratamento peculiar nos países de economia periférica. O estudo do trabalho infanto-juvenil em nossa sociedade recoloca a questão da exploração, dominação e alienação trazidas pela organização capitalista, exigindo a crítica tanto de suas “manifestações concretas quanto de suas representações feitichi-zadas hoje existentes”.26 A definição de infância, adolescência e juventude é fundamental, para que possamos estabelecer a amplitude da problemática da entrada precoce no mercado de trabalho em nossa sociedade. Todavia as instituições internacionais, as instituições nacionais, os pesquisadores e o conjunto da sociedade não utilizam os mesmos critérios na construção das definições2 7.A Organização Mundial de Saúde define como adolescência a faixa etária compreendida entre 10 e 19 anos de idade e como juventude a faixa etária entre 15 e 24 anos de idade (OPS, 1995:71). A organização Internacional do Trabalho (OIT) utiliza as disposições legais quanto à idade mínima para entrada no mercado de trabalho, como critério para definição das faixas etárias. A convenção nº 138 da OIT considera, em linhas gerais, a idade de 15 anos como mínima para o início das atividades laborativas, admitindo exceção para os países de economia dependente, onde este limite é diminuído para 14 anos de idade. A maioria dos países da América Latina tem estabelecido os 14 anos de idade como idade mínima para a admissão no emprego. Assim sendo a OIT considera como crianças todos aqueles com idade inferior a 15 anos de idade, e como adolescentes aqueles que possuam entre 15 e 18 anos de idade, que é o limite inferior estabelecido para a atividade de trabalho sem restrições, no que tange aos tipos de atividades determinadas pelas idades. De acordo com a legislação nacional28, expressa na Constituição Federal de 1988, na Consolidação das Leis trabalhistas, e no Estatuto da Criança e do Adolescente, o trabalho infantil é aquele exercido por qualquer pessoa abaixo de 16 anos de idade. No entanto, é permitido o trabalho a partir dos 14 anos de idade, desde que na condição de aprendiz. Aos adolescentes de 16 a 18 anos está proibida a realização de trabalhos em atividades insalubres, perigosas ou penosas; de trabalho noturno, de trabalhos que envolvam cargas pesadas, jornadas longas e, ainda de trabalhos em locais ou serviços que lhes prejudiquem o “bom desenvolvimento psíquico, moral e social”. O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal 8069/1990, considera como “criança” as pessoas até 12 anos de idade e, como “adolescente”, aquelas entre 12 e 18 anos de idade (art. 2). A partir de sua promulgação é vedado o trabalho a menores de 14 anos de idade, salvo na condição de aprendiz (art. 60); bem como proíbe-se o trabalho noturno, insalubre, perigoso ou penoso para o adolescente (art. 67). O adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos: 1. Respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; 2. Capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho Nos anos 90, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n 8069/90) promoveu mudanças de conteúdo, método e gestão no panorama legal que trata dos direitos da criança e do adolescente em nosso país. Também criou um sistema abrangente de defesa de direitos, inclusive no que se refere ao trabalho. O Brasil também ratificou duas normas internacionais da Organização Internacional doTrabalho (OIT), que tratam desta matéria: a Convenção 138 sobre a idade mínima para admissão ao emprego e a Convenção 182 sobre as piores formas de trabalho infantil.29 No entanto, as análises sobre o trabalho infanto-juvenil no país nos revelam um dos aspectos da complexificação e acirramento da questão social, na medida em que é significativo o número de crianças e adolescentes que participam da população economicamente ativa brasileira, realizando atividades dos mais diferentes tipos e expostas a inúmeros riscos à saúde, em sua maioria desconhecidos pela invisibilidade que envolve a temática. Uma das formas de baratear os custos com mão-de-obra é contratar crianças e adolescentes. Segundo Martins, o desenvolvimento alucinado que os países ricos e as vorazes elites dos países pobres, exigem dos países pobres, para beneficiar apenas uma pequena parcela da população, implicou o descarte de mão-de-obra já barata. Implicou também a disseminação de diferentes formas de trabalho clandestino, mediante pura e simples supressão de direitos conquistados pelas classes trabalhadoras, na incorporação precoce do braço infantil ao processo de trabalho, para nele substituir o adulto que, apesar de barato, tornou-se caro nos termos da lógica cerrada da acumulação sem limites e sem escrupúlos. Hoje o filho criança desemprega o pai adulto, porque seu trabalho é mais barato. Ou o filho criança completa o salário ou o ganho do pai adulto porque o que este recebe é insuficiente para sustentar a família.30 No Brasil, dados da PNAD do IBGE de 1998, revelam que 12% da população economicamente ativa (PEA) do país é formada por crianças e adolescentes, totalizando 7,7 milhões de brasileiros entre 10 e 17 anos de idade. Proporcionalmente o número de crianças e adolescentes trabalhadores, frente ao número deste grupo populacional existente no país é de 19%. Sendo que a incidência maior de trabalho nesta faixa etária, concentra-se entre os 15 e 17 anos de idade. De acordo com este mesmo órgão, na pesquisa referida, existem 480.020 trabalhadores na faixa etária entre 10 e 19 anos de idade no município do Rio de Janeiro. Deste quantitativo 438.468 estão inseridos em atividades não agrícolas e 41.543 em atividades agrícolas. Entretanto são poucos ou inexatos os dados conhecidos acerca da ocorrência de doenças e acidentes de trabalho neste grupo populacional, dos riscos aos quais estão submetidos estes jovens nos processos de trabalho dos quais participam, assim como do significado do trabalho na vida desses sujeitos. De acordo com Irene Rizzini31, as pesquisas realizadas sobre a questão no país, em geral não diferenciam o trabalho de crianças daquele realizado por adolescentes, referindo-se ao trabalho infanto-juvenil de forma genérica. Até a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a literatura especializada sobre o tema tratava do “trabalho do menor”, categoria que engloba a faixa etária de 0 a 18 anos. Este fato impossibilita que se visualize as especificidades do trabalho executado em diferentes faixas etárias, dificultando a análise do tema. Embora tenhamos uma legislação bastante avançada, do ponto de vista da defesa dos direitos da criança e do adolescente, sabemos que há muito por fazer para que estes sejam realmente cumpridos. A erradicação do trabalho infantil e o desenvolvimento do trabalho protegido e educativo para o adolescente requer que a questão seja colocada na pauta das discussões travadas na sociedade. A invisibili-dade desta problemática acarreta, segundo texto publicado pela Organização Internacional do Trabalho, a perpetuação da exploração destes grupos populacionais: Os trabalhadores infantis continuam concentrados na agricultura, no serviço doméstico e no setor urbano não estruturado, porque aí se mantêm de alguma forma ocultados da visão pública. Na atualidade, o abuso em relação ao trabalho infanto-juvenil depende em grande medida da suposta inexistência de suas vítimas: os empregadores costumam envolver seus trabalhadores juvenis em um espesso véu de discrição e isolamento. Em muitos países, a maioria dos explorados nem sequer está protegida por uma legislação especial: mesmo nos países em que estão protegidos, os agentes encarregados de garantir o cumprimento da legislação não chegam até eles. O mais importante a fazer para começar a proporcionar a este grupo populacional uma proteção efetiva é criar meios que permitam descobri-las e chegar até elas32 Os dados referentes ao trabalho de crianças e de adolescentes em nossa sociedade ainda são parciais, o que dificulta o conhecimento de suas realidades de vida e trabalho, além disso muitas ocupações exercidas por estes grupos populacionais não são considerados como “trabalho” ( o trabalho doméstico é um bom exemplo desta afirmativa) são denominados como “ajuda”, e portanto não entram nas estatísticas. Convém ainda ressaltar as peculiaridades existentes entre as várias regiões do país, entre as zonas rurais e urbanas, entre as diferenças de gênero, raça e classes sociais quando se discute o trabalho infanto-juvenil, o que exige um estudo minuncioso sobre o tema. Dentro do “mapa de trabalho” que é conhecido hoje, indica-se um número substancial de atividades exercidas em condições insalubres e até perigosas, ao mesmo tempo em que, na maioria dos casos representam atividades desqualificadas e desmotivantes, que castram as possibilidades de desenvolvimento das potencialidades destes jovens. A face mais cruel deste processo de exclusão é a castração dos sonhos, das perspectivas, dos projetos de vida, se efetivarem na mais tenra idade, e muitas vezes esta face nos é invisível. De todas as formas, seja no campo das idéias, seja no das políticas econômicas, seja no das organizações sociais, as políticas neoliberais constituem a tragédia do nosso tempo. Não é exagero dizer que onde for que elas se instaurem, surge ou cresce a miséria, a degradação econômica, a desesperança, a apatia, e o desespero. Na América Latina, região em que esses temas sempre nos foram familiares, a situação é ainda mais grave. É neste contexto que devemos perceber a gravidade da questão do trabalho infanto-juvenil. Notas e Referências Bibliográficas * Assistente Social do Programa de Saúde do Adolescente Trabalhador do NESSA/UERJ, membro das Comissões Municipal e Estadual de prevenção e erradicação do trabalho infanto-juvenil, mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social da UERJ. ** Professora Adjunta do Departamento de Política Social da FSS da UERJ, mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação da UFRJ, doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP, coordenadora do Programa de Estudos de Amértica Latina e Caribe do Centro de Ciências Sociais da UERJ. 1 Como assinalou Soares (1999, p.2), um grande número de autores afirma que “a renda, de forma isolada, é fator insuficiente para mensurar a pobreza nas suas múltiplas dimensões (...) a tendência é incorporar na análise outras variáveis sociais, além da renda; construindo, ou não, indicadores sintéticos. Tendência essa, por sinal, observada também em alguns estudos internacionais que comparam as situações de desigualdade social e pobreza entre países”. 2 Convém destacar que os dados correspondentes aos anos 90 apontam que, a pobreza é hoje predominantemente urbana, no que tange ao volume da população afetada. De cada cinco habitantes do meio rural dois são pobres, enquanto de cada cinco habitantes do meio urbano, três são pobres. Em linhas gerais, de acordo com Soares (2001), a incidência da pobreza rural tende a diminuir, enquanto a incidência da pobreza no meio urbano tende a aumentar, constatando-se a deterioração das zonas urbanas. 3 Beinstein (2001, p.4) apud Silene de Moraes Freire. Mercosul em Debate: Desafios do processo de Integração, Rio de Janeiro: Eduerj, 2001. 4 idem, ibdem 5 Francisco Oliveira. Os Direitos do Antivalor. A Economia Política da Hegemonia Imperfeita. Rio de Janeiro: Vozes, 1998, p.208. 6 Guimarães (2001, p.43) apud Silene de Moraes Freire. op. cit. 7 O que é interessante pensar é exatamente o modo como esse tecido de valores e significados dos processos de colonização são resgatados em diferentes momentos da história, no sentido de barrar o desenvolvimento das sociedades e o avanço das organizações e instituições democráticas. Desse modo conhecer a situação interna e peculiar às formações colonizadas é de suma importância, pois elas permeiam nossa existência social, política, econômica e psicológica. Como observou Marx: “os horrores bárbaros civilizados do sobretrabalho são enxertados nos horrores bárbaros da escravidão”. (Marx apud Bosi, 1992, p.23). 8 Emir Sader (et alli). Pós-neoliberalismo: As políticas e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p.195. 9 Mézaros, 1995 apud Antunes. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 198l. 10 I. Rizzini e F. R. B. Holanda. A criança e o adolescente no mundo do trabalho. Rio de Janeiro: USU/AMAIS,1996. 11 J. Mattoso (et alli). Crise e Trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo: Scritta,1996. 12 M. B. Mattos. “Os Sindicatos e o Desemprego no Brasil”. Revista Serviço Social & Movimento Social, nº 1, outubro de 1999, p.32. 13 Ainda no que tange ao perfil de rendimentos dos trabalhadores, de 1998 para 1999 a perda real entre os 10% com as menores remunerações de trabalho foi de 6,8% e, no outro extremo, entre os 10% com maiores rendimentos, de 8,6%. 14 J. D. Krein. “Reestruturação produtiva e Sindicalismo”. L. Carleial e R. Valle (orgs.) Reestruturação produtiva e mercado de trabalho no Brasil. HUCITEC-ABET, 1997, p.456. 15 Os índices de mortalidade infantil no país, vem apresentando redução, passando de 45 óbitos entre os nascidos vivos em 1995 para 34,8 em 1999, índice considerado ainda alto para um país como o Brasil. Mais uma vez, ressaltamos as diferenças regionais, demonstrada pelos índices de variação entre por exemplo, a taxa de mortalidade entre os nascidos vivos na região sudeste. 16 M. E. Mota (org.). A Nova Fábrica de Consensos. São Paulo: Cortez, 1998. p.32. 17 S. M. Draibe. “As políticas Sociais Brasileiras: diagnósticos e perpectivas”. Para a década de 90: Prioridade e perspectivas de políticas públicas. Vol.IV. IPEA/IPLAN: Brasília, 1990. 18 Frigotto, 1999, p.32 apud C. .M. Raymundo. O Trabalho Infanto-Juvenil em Lixões: Expressão Cruel das Contradições da Modernidade Brasileira. A experiência de Itaoca/São Gonçalo. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da FSS/UERJ, 1º sem. de 2002. 19 A. E. Mota. Cultura da Crise e Seguridade Social. São Paulo: Cortez, 1995. p.108. 20 J. P. Netto. “Transformações Societárias e Serviço Social. Notas para uma análise da profissão no Brasil”. Serviço Social e Sociedade v.17, nº 50. São Paulo: Cortez, abril de1996. 21 Descrição retirada do relatório sobre a indústria de fósforos na Sivakasi moderna, Índia – UNICEF – Situação Mundial da Infância/1997. 22 Em 1919, a convenção no 5 da OIT sobre idade mínima na indústria, constituiu o primeiro esforço internacional para regulamentar a participação infantil no mercado de trabalho. 23 Um estudo realizado pelo General Accouting Office dos Estados Unidos revelou um aumento de 250% na ocorrência de violações relativas ao trabalho infantil entre 1983 e 1990. Em 1990, em uma operação relâmpago realizada em três dias, o Departamento de trabalho dos Estados unidos descobriu mais de 11 mil crianças trabalhando ilegalmente. No mesmo ano, uma pesquisa sobre crianças mexicano-americanas trabalhando em fazendas no Estado de Nova Iorque revelou que quase 50% delas trabalhavam em campos ainda úmidos de pesticidas, e que mais de um terço delas haviam sido atingidas pela pulverização, direta ou indiretamente (“OIT, WORLD Labour Report 1992, OIT, Genebra, 1992”. p 14. Relatório Situação Mundial da Infância/1997). 24 M. V. O. Iamamoto. Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 1998. 25 Segundo a Organização Internacional do trabalho aproximadamente 200 milhões de crianças estão inseridas formal ou informalmente no mercado de trabalho, em todo o mundo. 13% das crianças entre 10 e 14 anos de idade, ou seja 73 milhões de crianças exercem alguma atividade laboral 26 R. Antunes. loc. cit, p.194. 27 Os limites de idade para inserção em atividades laborativas variam de atividade para atividade, e de um país para o outro. A idade mínima legal para qualquer forma de trabalho no Egito, por exemplo é de 12 anos; nas Filipinas, 14; em Hong Kong, 15. O Peru adota diversos padrões: a idade mínima é 14 anos na agricultura; 15 na indústria, 16 na pesca de profundidade; e 18 no trabalho portuário e na navegação (BEQUELE, A e BOYDEN, J. “Combating Child Labour”. OIT, Genebra, 1988. p. 10. Relatório Situação Mundial da Infãncia. UNICEF, 1997. 28 No Brasil em termos da evolução do aparato legal que normatiza o trabalho infanto-juvenil, temos que: A legislação de 1891 tentou regulamentar a proteção à infância trabalhadora, através do Decreto - lei nº1313 de 17/01/1891, que estabelecia “providências para regularizar o trabalho de menores empregados nas fábricas da capital federal.” De 1889 à 1990 não faltaram leis que tramitavam pelo Congresso Nacional: 1º Código de Menores (1927), limitava em 12 anos a idade mínima para ingresso no mercado de trabalho; proibia o trabalho noturno a menores de 18 anos de idade e o trabalho prestado em praça pública aos menores de 14 anos; Decreto-lei 3616 de 1941 instituiu a carteira de trabalho para menores de idade (a partir dos 14 anos de idade); Em 1943 surge a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que regulamentou normas especiais de tutela e de proteção do trabalho infanto-juvenil; A Emenda Constitucional nº1 de 1969 fixa a menoridade trabalhista de 12 a 18 anos de idade; A Constituição de 1988 fixa em 14 anos a idade mínima para ingresso no mercado de trabalho (salvo na condição de aprendiz); O Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 8090/1990 dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. O direito à profissionalização e à proteção do trabalho acha-se no capítulo V, do Título II, abrangendo os artigos 60 a 69. 29 O combate as formas intoleráveis do trabalho de adolescentes (pessoas entre 12 e 18 anos de idade) abrange: a prostituição, o trabalho escravo ou servil, e o trabalho realizado sob condições danosas à saúde e ao desenvolvimento dos jovens. 30 J. de Souza Martins. O Massacre dos Inocentes. São Paulo: HUCITEC, 1991, p.14. 31 I. Rizzini e F. R. B. Holanda. A criança e o adolescente no mundo do trabalho. Rio de Janeiro: USU/AMAIS,1996. 32 Organização Internacional do Trabalho, 1989.