1 INFORMATIVO TÉCNICO INDISPONIBILIDADE DE PPD PARA REALIZAÇÃO DO TESTE TUBERCULÍNICO E ILTB EM CANDIDATOS AO USO DE IMUNOBIOLÓGICOS Em junho de 2014 o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) do Ministério da Saúde (MS) encaminhou às coordenações dos programas estaduais de tuberculose um Ofício Circular comunicando a dificuldade de aquisição do PPD. A razão apresentada pelo PNCT se refere à suspensão da produção do PPD, a nível internacional, por dois laboratórios que abasteciam, em larga escala, os serviços de saúde no Brasil. Devido à dificuldade de aquisição do PPD em todo o país, o PNCT do MS elaborou uma nota técnica, em agosto deste ano, versando sobre recomendações para controle de contatos e diagnóstico de tuberculose latente na ausência transitória do PPD (em anexo). O Teste Tuberculínico (TT) tem sido usado para diagnóstico de infecção pelo M. tuberculosis por cerca de 100 anos. Essa longevidade reflete o baixo custo e a facilidade de uso, além das evidências acumuladas de diversos estudos longitudinais mostrando uma forte correlação entre o tamanho da reação ao TT e o risco futuro de desenvolvimento de TB ativa[1]. Adicionalmente, estudos placebo-controlados forneceram evidências do benefício protetor do uso da Isoniazida em indivíduos com TT positivo[2-3]. Entretanto, o TT tem muitas limitações, entre elas, a baixa especificidade devido à reação cruzada com BCG e micobactérias não tuberculosas, o efeito booster, erros na aplicação e leitura, e a necessidade de duas visitas ao serviço de saúde para realização do teste. Atualmente, os testes de detecção de gama-interferon (IGRAs) têm sido propostos como alterativas para o TT para diagnóstico de ILTB. Os IGRAs examinam in vitro a liberação de gama interferon quando os linfócitos do paciente são expostos a dois ou três antígenos relativamente específicos do M. tuberculosis. Esses antígenos não são encontrados nem no BCG nem na maioria das micobactérias não tuberculosas (MNT), portanto a possibilidade de falsos-positivos em decorrência de reação cruzada com BCG e MNT é significantemente menor com os IGRAs do que com o TT. Por outro lado, para realização dos testes IGRAs é necessária apenas uma visita ao serviço de saúde para coleta de sangue, mas são mais caros, exigem estrutura laboratorial e podem apresentar “resultados indeterminados”. Atualmente, dois tipos comerciais de IGRAs estão disponíveis: o QuantiFERON-TB Gold in-tube e o T-SPOT.TB. Nos últimos anos, as diretrizes de alguns países incorporaram os IGRAs como ferramenta de testagem para diagnóstico de ILTB e recomendaram seu uso como teste confirmatório após TT positivo [5,6] ou como um teste alternativo ao TT [6-8]. 2 Evidências de moderada a baixa qualidade apontam a similaridade de valores preditivos dos dois testes (IGRAs e TT)[9,10]. Entreatanto, devido à inexistência de testes que representem padrão ouro para diagnóstico de ILTB, a comparação real entre os testes apresenta dificuldade de avaliação. Na verdade, o TT e os IGRAs não são ferramentas infalíveis para diagnóstico de ILTB e, sim, marcadores de resposta imune celular à exposição ao M. tuberculosis. Apesar das vantagens teóricas dos IGRAs, há poucas evidências acumuladas de que o resultado do IGRA positivo represente um real preditor de desenvolvimento futuro de TB ativa [12,13]. Esse tipo de evidência é crucial, uma vez o único padrão ouro para ILTB é o desenvolvimento de futura TB ativa. Por outro lado, os IGRAs representam atualmente a única ferramenta disponível para diagnóstico de ILTB no atual cenário de indisponibilidade temporária de PPD. Nos últimos anos, em decorrência da crescente utilização de imunobiológicos no tratamento de diversas doenças (artrite reumatoide, doenças inflamatórias do intestino, espondilite anquilosante e artrite psoriática, entre outras), o consequente risco aumentado de desenvolvimento de TB ativa nessa população tem representado foco de interesse da comunidade médica, envolvendo diversas especialidades. Alguns documentos, quase sempre produzidos em países de baixa carga de TB, foram elaborados para nortear as condutas e recomendações sobre ILTB nessa população [13-17]. Nessas situações, como nos candidatos ao uso de imunobiológicos, onde há indicação precisa de investigar TB ativa e ILTB, quase sempre o pneumologista é consultado. No texto da Nota Técnica do MS (em anexo) esse grupo de pacientes está considerado, de forma conjunta, como “grupo em risco aumentado de desenvolvimento de TB”, que inclui outras situações de imunodepressão. Portanto, considerando a necessidade de melhor esclarecimento sobre dúvidas, na prática diária, em relação à conduta de diagnóstico e tratamento de ILTB nessa população, elaboramos uma relação de respostas aos questionamentos mais frequentes: 1) A Nota Técnica do MS menciona indicação de tratamento da ILTB para populações especiais, incluindo nesse grupo os indivíduos candidatos ao uso de inibidores de TNF alfa. Essa conduta é semelhante no uso de outros iminobiológicos? As recomendações são as mesmas para uso de anti-TNF alfa e outros imunobiológicos. Na verdade, o texto da nota técnica deveria conter o termo “uso de imunobilógicos”. Na Nota Técnica do MS as condições que, de forma absoluta ou relativa, determinem risco maior de adoecimento por TB devem merecer a consideração clínica de tratamento da ILTB durante esse período de falta de insumo para realização do Teste Tuberculínico, uma vez que a Tuberculose-doença seja afastada. A utilização do Teste do IGRA para 3 diagnóstico da ILTB é uma alternativa recomendada nessa situação de ausência do PPD. 2) Na Nota Técnica, há referência à adoção conduta individualizada na ausência temporária de PPD em casos de risco aumentado de adoecimento por TB, considerando o risco epidemiológico e a relação risco/benefício em cada caso. Uma pergunta frequente: O que significa risco epidemiológico nesses casos? O MS considera como epidemiologia positiva, por exemplo, viver em regiões com elevada incidência de TB, contato conhecido de TB bacilífera. Entretanto, o foco do MS é a abordagem em relação ao manejo dessas situações em saúde pública. Mas, em situações individualizadas, como na conduta em relação aos candidatos ao uso de imunobiológicos, o peso do risco/benefício de cada caso em particular deve ser considerado. Considerando que o uso da isoniazida para ILTB é uma ferramenta altamente eficaz para prevenir TB, desde que não haja outra comorbidade que contra-indique, de forma absoluta, o uso de Isoniazida – o tratamento da ILTB pode ser considerado antes do uso de imunobiológicos (mesmo sem prova tuberculínica, desde que TB seja afastada). Entretanto, a recomendação ideal é a realização do IGRA para diagnóstico de ILTB, considerando a indisponibilidade temporária do PPD. 3) Quando o paciente candidato ao uso de imunobiológicos está em uso de outro medicamento com potencial hepatotoxicidade, a ILTB deveria ser tratada? Sim, a ILTB deve ser tratada. O benefício do uso da Isoniazida é quase sempre maior que o risco de hepatoxicidade da droga. A monitoração das enzimas hepáticas em intervalos frequentes e consultas também com intervalos mais curtos ajudarão a detectar precocemente a possibilidade de hepatite medicamentosa. Nesse caso, a realização do IGRA (considerando a indisponibilidade do PPD) está fortemente recomendada para diagnóstico da ILTB. O benefício da prevenção da TB supera os riscos, em casos de não disponibilidade de uso de ferramenta de detecção da ILTB na grande maioria dos pacientes candidatos ao uso de imunobiológicos, em regiões de alta carga de TB. 4) Em pacientes candidatos ao uso de imunobiológicos, sem história de contato prévio com TB, qual a conduta? Em paciente que não tem história de contato, mesmo assim, ele pode ter ILTB, considerando que em grande número de indivíduos com TB em países de alta carga como o nosso, a identificação do contato não é tão evidente, ou seja, o contato pode ter ocorrido na comunidade. Nesse paciente, seria ideal priorizar a realização do IGRA, devido à ausência de PPD. Entretanto, na vida real, a 4 disponibilidade de oferta de IGRA é muito restrita no Brasil, além de seu custo elevado. 5) Na indisponibilidade de PPD, o IGRA pode ser utilizado no diagnóstico da ILTB? Sim. Embora o TT represente uma ferramenta para diagnóstico de ILTB amplamente utilizado, na rotina clínica, há quase 100 anos, com muitas evidências documentadas sobre a relação entre TT positivo e o risco futuro de adoecimento por TB, diante do cenário atual de indisponibilidade temporária de PPD, o IGRA constitui uma alternativa para diagnóstico de ILTB, estando recomendado para qualquer paciente com indicação de uso de imunobiológicos. 6) Seria recomendado repetição o tratamento da ILTB nos pacientes candidatos ao uso de imunobiológicos? Não há indicação de tratamento da ILTB em pessoas já anteriormente tratadas, uma vez que a duração da proteção conferida pelo tratamento com Isoniazida é muito longa. Entretanto, se a pessoa é reinfectada por M. tuberculosis (nova infecção) após o tratamento da ILTB, ele deve ser repetido. 7) Qual é o tempo mínimo recomendado para início do uso de imunobiológicos em tratamento para ILTB? Essa questão não está muito clara na literatura. Entretanto, baseado em opinião de experts, o tempo mínimo recomendado é de, no mínimo, quatro semanas após o início do tratamento da ILTB[17]. 8) Resumo Todos os pacientes com indicação de uso de imunobiológicos devem ser submetidos à avaliação de TB ativa e ILTB. Na ausência temporária no Brasil do insumo para realização de Prova Tuberculínica (PPD), o diagnóstico da ILTB em candidatos ao uso de imunobiológicos deve ser realizado, se houver disponibilidade local, pelo IGRA. O IGRA tem a acurácia semelhante à Prova Tuberculínica no diagnóstico da ILTB, entretanto é mais caro e demanda infraestrutura laboratorial e pode fornecer resultados indeterminados. Considerando o grande benefício do tratamento da ILTB na prevenção da TB-doença em candidatos ao uso de imunobiológicos, o tratamento profilático deve ser recomendado aos candidatos ao uso de imunobiológicos. Na impossibilidade de realização de IGRA (principalmente devido ao custo e indisponibilidade do exame no local), 5 a avaliação individual de cada caso pelo pneumologista deve ser realizada, considerando principalmente o contexto local de carga da doença e história de contato prévio com TB. Não havendo contraindicação absoluta (por exemplo, história de hepatite) ao uso da Isoniazida, o tratamento da ILTB pode ser considerada também nesses casos, no atual cenário de indisponibilidade temporária de PPD. Em pacientes em uso concomitante de outros medicamentos de potencial de hepatotoxicidade, não deve constituir uma contraindicação absoluta para o uso da Isoniazida. Nesses pacientes, controles quinzenais de enzimas hepáticas e acompanhamento médico mais frequente dos sintomas devem ser recomendados. O uso de imunobiológicos deve ser iniciado, preferencialmente, após 4 semanas de início do tratamento da ILTB. Importante ressaltar a imperiosa necessidade de afastar de forma decisiva a TB- doença antes do início do tratamento da ILTB. Referências 1. Watkins RE, Brennan R, Plant AJ. Tuberculin reactivity and the risk of tuberculosis: a review. Int J Tuberc Lung Dis 2000;4:895–903. 2. Comstock GW, Woolpert SF. Preventive treatment of untreated, nonactive tuberculosis in an Eskimo population. Arch Environ Health 1972;25(5):333-7. 3. Comstock GW, Woolpert SF, Baum C. Isoniazid prophylaxis among Alaskan Eskimos: a progress report. Am Rev Respir Dis 1974;110(2):195-7. 4. Comstock GW, Edwards LB, Livesay VT. Tuberculosis morbidity in the US Navy: its distribution and decline. Am Rev Respir Dis 1974;110:572–580. 5. NIHES. Tuberculosis. 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