0005065-50.2006.8.19.0037

Propaganda
321
QUINTA CÂMARA CÍVEL
Apelação Cível nº 0005065-50.2006.8.19.0037
RELATOR: DES. HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
CIVIL.
CONSUMIDOR.
RESPONSABILIDADE
CIVIL. CONTRATO DE SEGURO DE SAÚDE.
TRANSPORTE
DE
AMBULÂNCIA.
DANO
MATERIAL. DANO MORAL.
Ação de obrigação de fazer cumulada com declaratória e
indenizatória para a Ré transportar o Autor de ambulância
da residência até o hospital, declarar a nulidade de
cláusula contratual que exclui o referido transporte e
reparar os danos materiais e morais.
A relação jurídica entre as partes se caracteriza como de
consumo, submetida aos ditames do Código de Defesa do
Consumidor.
Nas obrigações de consumo a cláusula contratual se
interpreta de maneira mais benéfica ao consumidor. Se a
apólice previa cobertura para serviço de home care,
abrange também o deslocamento do domicílio até o
hospital mantido pela Ré, pois o Autor vivia ligado a
aparelhos respiratórios necessários à manutenção da vida,
sendo impossível suspender esse serviço pena de levá-lo
a óbito. O transporte do associado em ambulância UTI
constituía extensão do serviço de home care.
A negativa de cobertura deriva de interpretação de
cláusula sem caracterizar ato ilícito a afastar a ocorrência
do dano moral.
Primeiro apelo provido em parte, desprovido o segundo.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº
0005065-50.2006.8.19.0037, originários da 1ª Vara Cível da Comarca de
Nova Friburgo, em que figuram como Apelantes UNIMED RIO
COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO DO RIO DE JANEIRO
LTDA. e ESPÓLIO DE JADIR BENTO SIAS representado por sua
inventariante Vera Lucia Vieira Sias e Apelados OS MESMOS,
HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA:000009674 Assinado em 09/12/2014 16:04:18
Local: GAB. DES HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
322
A C O R D A M os Desembargadores da Quinta Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de
votos, em dar parcial provimento ao primeiro recurso e negar provimento
ao segundo, nos termos do voto do Relator.
ESPÓLIO DE JADIR BENTO SIAS move ação de obrigação de
fazer cumulada com indenizatória contra UNIMED RIO COOPERATIVA
DE TRABALHO MÉDICO DO RIO DE JANEIRO LTDA. porque as
partes ajustaram contrato de plano de saúde, mas a Ré recusa efetuar o
transporte de ambulância de sua residência até o hospital para tratar de
atrofiamento espinhal progressivo que o acomete, e tendo em vista seu
estado clínico precisa da remoção em ambulância dotada de UTI. O
comportamento da Ré causou danos materiais e morais no Autor cuja
reparação postula, além de declarar a nulidade da cláusula limitativa de
direito e condená-la a fornecer o necessário transporte de ambulância.
A contestação se baseia na falta de previsão contratual para o
tratamento e nega o dano moral.
A sentença de fls. 191/193 (pasta 259) julgou procedente em parte o
pedido, fixada a indenização do dano moral em R$10.000,00 (dez mil
reais).
Na apelação de fls. 194/198 (pasta 262) a Ré renova os argumentos
da contestação relacionados à ausência de previsão de cobertura no
contrato para fornecer o transporte do Autor de ambulância até o hospital.
De acordo com o contrato é possível somente o traslado por ambulância
nos casos de remoção do paciente entre hospitais e nega o dano moral.
Pede a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos.
Informado o óbito do Autor, sendo substituído no polo ativo por seu
espólio (fls. 200/202, pasta 273).
Na apelação de fls. 229/236 (pasta 300) o Autor pretende a reforma
da sentença para majorar a reparação do dano moral.
Contrarrazões do Autor a fls. 226/228 (pasta 291) pelo
desprovimento do apelo da Ré, que deixou de apresentar contrarrazões
como certificado a fls. 239 (pasta 310).
É o relatório.
Ação de obrigação de fazer cumulada com declaratória e
indenizatória para a Ré fornecer transporte de ambulância desde a
residência do falecido Autor até o hospital da Ré, devido a emergências
causadas por atrofiamento espinhal progressivo que o acometia, além de
declarar a nulidade de cláusula contratual e reparar os danos materiais e
morais.
323
A relação contratual de seguro saúde entre as partes, cujo
instrumento se encontra a fls. 12/17, pastas 13/18, se submete às regras das
relações de consumo na forma do artigo 3º do Código de Defesa do
Consumidor.
Efetivamente, como sustenta a 1ª Apelante, inexiste previsão
contratual para a prestação do serviço de transporte de ambulância da
residência do 1º Apelado até o hospital.
Enquanto vivo, o 1º Apelado estava ligado a aparelhos respiratórios
e devido à doença precisou algumas vezes ser removido até o hospital
mantido pela 1ª Apelada. O transporte do 1º Apelado deveria ser feito por
ambulância com UTI, pois dependia dos aparelhos para respirar.
A 1ª Apelante alega a fls. 22 (pasta 23) que “o transporte do paciente
somente é realizado pela UNIMED na hipótese de transferência entre
hospitais ou entre o nosocômio e clínica específica, e durante a internação
do contratante, sendo certo que para o caso citado em suma missiva deverá
ocorrer à intervenção da rede pública e seu aparato”.
A negativa de cobertura de transporte em ambulância UTI com
fundamento nas cláusulas 1.3 e 7.1, “u”, que excluem o transporte, se
fundamenta em interpretação literal do contrato que não prevalece,
sobretudo diante da essencialidade do traslado do 1º Apelado ligado aos
aparelhos que o mantinham vivo.
Quer dizer, a 1ª Apelante prestava o serviço de home care ao 1º
Apelado por força de previsão contratual, e considerando que este serviço
de forma alguma poderia ser suspenso, pena de levar o paciente a óbito,
nada mais natural do que considerar o transporte em UTI móvel como
extensão do serviço de home care.
As cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais
benéfica ao consumidor hipossuficiente exatamente com o escopo de
garantir a paridade contratual. Negar o tratamento durante o transporte para
o hospital se o paciente o utilizava de forma ininterrupta caracteriza
inadmissível suspensão do contrato.
Nesse sentido, o julgamento da apelação cível
003404382.2005.8.19.0001 pela 17ª Câmara Cível, relatora a Desembargadora
LUISA BOTTREL SOUZA:
DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE.
ASSOCIADO
PORTADOR
DE
GRAVE
ENFERMIDADE MENTAL QUE SE ENCONTRA
INTERNADO HÁ VÁRIOS ANOS E CARECE DE
ATENDIMENTO ESPECIAL DE ENFERMAGEM,
NÃO
DISPONIBILIZADO
PELA
CLÍNICA.
NEGATIVA DE COBERTURA PELO APELANTE,
324
COM EMBASAMENTO EM CLÁUSULA DO
CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. LAUDO
PERICIAL CONCLUSIVO SOBRE A NECESSIDADE
DO ACOMPANHAMENTO DO PACIENTE EM
TEMPO INTEGRAL, NÃO SÓ POR CONTA DE SEU
BEM ESTAR, MAS TAMBÉM DA SEGURANÇA DE
TERCEIROS, EIS QUE, QUANDO EM CRISE, SE
TORNA
AGRESSIVO.
NECESSIDADE
DE
TRANSPORTE
EM
AMBULÂNCIA
PARA
TRATAMENTO
MÉDICO
DE
OUTRAS
ESPECIALIDADES, NÃO SÓ EM SITUAÇÃO DE
URGÊNCIA. O CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE
DEVE SER INTERPRETADO À LUZ DO PRINCÍPIO
DA BOA-FÉ OBJETIVA, O QUE IMPÕE SEJA DADA
MAIOR ÊNFASE AOS DEVERES ANEXOS,
PRINCIPALMENTE, O DE COOPERAÇÃO, QUE
ESTÁ ANCORADO NO DEVER MAIOR, QUE É O
DA SOLIDARIEDADE, PREVISTO EM SEDE
CONSTITUCIONAL. ESSA INTERPRETAÇÃO QUE
SE FAZ DO
CONTRATO
CONDUZ
AO
RECONHECIMENTO DA ILEGALIDADE DA
RECUSA DA COBERTURA DO SERVIÇO DE
ENFERMAGEM EM TEMPO INTEGRAL. RECURSO
DESPROVIDO.
Em um ponto assiste razão à 1ª Apelante. A recusa de prestar o
serviço de transporte se baseou em previsão contratual, que interpretou de
forma literal, mas sem configurar ato ilícito capaz de caracterizar lesão de
ordem moral.
Nestes termos, dá-se parcial provimento ao primeiro recurso para
julgar improcedente o pedido de ressarcimento do dano moral e nega-se
provimento ao segundo recurso. Considerando a sucumbência recíproca, as
despesas processuais são divididas e os honorários de advogado
compensados.
Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 2014.
Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira
Relator
Download