1 NOTAS DE AULA O Plano Trienal – 1963/1965 O Plano Trienal não foi um dos planos de desenvolvimento que apresentaram sucesso no alcance de suas metas. Tampouco pode ser considerado um plano articulado com os interesses políticos das forças sociais hegemônicas de sua época, uma vez que o período de sua elaboração e implementação é um dos períodos mais turbulentos da histórica brasileira. Contudo, o interesse no seu estudo prende-se ao diagnóstico das condições da economia brasileira e das suas diretrizes para o desenvolvimento. No artigo de Macedo (1975:55), há um apontamento das insuficiências deste diagnóstico, argumentando que não há nele uma indicação de um possível esgotamento do processo de substituição de importações. O próprio II PND mostraria a incorreção desta crítica, uma vez que nele há um aprofundamento da substituição da importação de alguns insumos básicos, de oferta ainda insuficiente na economia brasileira nos anos 1970. Porém, o ponto que justifica nossa discussão do Plano Trienal está em que o diagnóstico e as diretrizes de ação são proposições antecipadas das ações do PAEG, mostrando, desta forma, que o Governo Militar mantém a perspectiva de desenvolvimento de antes de 1964. Especificamente sobre o contexto econômico da época1, pode-se avaliar que após um período de intenso crescimento do PIB entre 1956 e 1962, a economia brasileira sofreu uma desaceleração que perdurou até 1967. Neste período, a taxa média de crescimento do PIB caiu à metade daquela alcançada no período anterior. A formação bruta de capital fixo, um dos principais determinantes do ritmo de crescimento, começou a cair já em 1962, tornando-se negativa em 1963, o que também ocorreu com o crescimento da produção industrial. A inflação disparou e atingiu uma taxa anual de 90% em 1964, considerada extremamente elevada, mesmo para os permissivos padrões brasileiros de convivência com a inflação naquela época. As condições políticas daquele período foram decisivas para esta situação. Durante o curto Governo Jânio Quadros, a política econômica foi bastante conservadora no enfrentamento dos problemas herdados do Governo JK: aceleração inflacionária, déficit fiscal e pressão sobre o balanço de pagamentos. Em março de 1961, foi feita uma reforma cambial, com desvalorização em 100% para o chamado câmbio de custo, aplicado às importações preferenciais, como o petróleo e papel de imprensa. O objetivo foi diminuir a pressão dos subsídios cambiais sobre o déficit público. Em maio e junho, o governo obteve sucesso na renegociação dos débitos com 1 Deste ponto em diante, o texto baseia-se em LACERDA et alii (2000) e VASCONCELOS (1999). Parte das tabelas foi compilada de ALMEIDA FILHO (1994) 2 credores externos e com organismos financeiros internacionais, reescalonando os vencimentos da dívida externa do período 1961/1965. A abrupta renúncia do presidente, em agosto de 1961, interrompeu a continuidade de sua política econômica. A posse do vice-presidente João Goulart só foi possível com as limitações que lhe seriam impostas pelo regime parlamentarista, resultado do veto dos militares. Assim, de setembro de 1961 até janeiro de 1963, houve três gabinetes parlamentares que, diante do quadro de indefinição política, não conseguiam implementar nenhuma política econômica consistente. Desse modo, a taxa de inflação alcançou 45,5%, em 1962, contra 33,2% em 1961. No final de 1962, poucos meses antes do plebiscito que restabeleceria o regime presidencialista, foi apresentado por Celso Furtado, ministro extraordinário para assuntos de desenvolvimento econômico, o Plano Trienal, uma resposta política do governo à aceleração inflacionária e à deterioração econômica externa, que objetivava dar continuidade ao desenvolvimento do País. Celso Furtado, o mais importante economista brasileiro estruturalista, elaborou um plano de ações antiinflacionárias bastante ortodoxo. Mais uma vez, foram usadas as políticas de contenção de gastos públicos e de liquidez. Rapidamente, as reivindicações sindicais e políticas da base de apoio do governo se impuseram, com a recusa dos assalariados em suportar mais uma vez o peso do ajuste antiinflacionário. A tentativa de estabilização fracassou e provocou crescimento negativo do PIB per capitã: a economia cresceu 6,6% em 1962, mas apenas 0,6% em 1963, com inflação anual de 83,25%. Em julho de 1963, Furtado deixou o governo e, a partir de então, o acirramento dos conflitos sindicais e políticos, com a desestabilização política interna e externa do governo democraticamente eleito, impediram a implementação de qualquer política de gestão econômica mais articulada. Como resultado, houve aumento das taxas mensais de inflação. O fim do governo ocorreu com o golpe militar de 1964. OBJETIVOS GERAIS DO PLANO TRIENAL A política de desenvolvimento planejada para o triênio 1963/65 tinha os seguintes objetivos básicos: “1. Assegurar uma taxa de crescimento da renda nacional compatível com as expectativas de melhoria de condições de vida que motiva o povo brasileiro. Essa taxa foi estimada em 7%, correspondendo a 3,9% de crescimento da renda per capita; 2. Reduzir progressivamente a pressão inflacionária, para que o sistema econômico recupere uma adequada estabilidade de nível de preços, 3 cujo incremento não deverá ser superior, em 1963, à metade do observado no ano corrente. Em 1965, esse incremento deverá aproximar-se de 10%; 3. Criar condições para que os frutos do desenvolvimento se distribuam de maneira cada vez mais ampla pela população, cujos salários reais deverão crescer com taxa idêntica à do aumento da produtividade do conjunto da economia, demais dos ajustamentos decorrentes da elevação do custo de vida; 4. Intensificar substancialmente a ação do Governo no campo educacional, da pesquisa científica e tecnológica, e da saúde pública, a fim de assegurar uma rápida melhoria do homem como fato de desenvolvimento e de permitir o acesso de uma parte crescente da população aos frutos do progresso cultural; 5. Orientar adequadamente o levantamento dos recursos naturais e a localização da atividade econômica, visando a desenvolver as distintas áreas do país e a reduzir as disparidades regionais de níveis de vida, sem com isso aumentar o custo social do desenvolvimento; 6. Eliminar progressivamente os entraves de ordem institucional responsáveis pelo desgaste de fatores de produção e pela lenta assimilação de novas técnicas em determinados setores produtivos. Dentre esses obstáculos de ordem institucional, destaca-se a atual estrutura agrária brasileira, cuja transformação deverá ser promovida com eficiência e rapidez; 7. Encaminhar soluções visando a refinanciar adequadamente a dívida externa, acumulada principalmente no último decênio, a qual, não sendo propriamente grande, pesa desmesuradamente no balanço de pagamentos por ser quase toda a curto e médio prazos. Também se tratará de evitar agravação na posição de endividamento do país no exterior, durante o próximo triênio; 8. Assegurar ao Governo uma crescente unidade de comando dentro de sua própria esfera de ação, submetendo as distintas agências que o compõem às diretrizes de um plano que vise à consecução simultânea dos objetivos anteriormente indicados. A ação do Governo se exercerá através de um conjunto de medidas, mutuamente compatíveis, orientadas para dois objetivos: a) assegurar que se realize o montante de investimentos requeridos para que seja alcançada a taxa de crescimento prevista; e b) orientar esses investimentos para que a estrutura da produção se ajuste, com mínimo desperdício de recursos, à evolução da demanda e, em particular, às necessidades de substituição de importações determinadas pelas limitações da capacidade para importar.” (Plano Trienal, págs. 7 e 8) 4 RESUMO DO PLANO Os investimentos planejados para o conjunto da economia para o triênio 1963-65 foram de 3,5 trilhões de cruzeiros, a preços de 1962. A expectativa era que este valor fosse suficiente para recuperar o patamar de 7% ao ano atingido pelo Plano de Metas, com elevação da renda per capita de US$ 323,00 em 1962, para US$ 363,00 em 1965. Para o mesmo período foi prevista uma expansão da produção agrícola em 18%; da produção industrial de 37%, ou 11% anuais. Além disto, esperava-se modificações estruturais dentro do setor industrial, com aumento da participação dos bens intermediários e, principalmente, dos equipamentos de capital. Ao término do triênio, esperava-se que a indústria produzisse mais de 70% dos bens de capital de que a economia brasileira necessitava para manter um crescimento sustentado de 7%. Foram previstas metas setoriais: 4.3 milhões de toneladas de lingotes de aço em 1965; 190 mil automóveis e 270 mil caminhões; e crescimento da capacidade instalada geradora de energia para 7.432.00 kw em 1965. O plano fazia um diagnóstico dos principais problemas do começo dos anos 1960 propondo diretrizes gerais de ação que se suportam num diagnóstico das fontes de instabilidade da economia. Avaliava-se que o elevado nível de investimentos previstos no plano só poderia realizar-se em condições de crescente diminuição da pressão inflacionária, o que exigia uma planificação dos dispêndios públicos com base num esquema de financiamento compatível com os investimentos privados esperados, com a política salarial e com o comportamento do setor externo. Havia uma ênfase importante na consideração da forma pela qual dever-se-ia financiar o déficit do Tesouro, captando necessariamente recursos do setor privado, sem afetar o nível de investimentos. A estratégia adotada para reduzir a pressão inflacionária sem prejuízo da taxa de crescimento apoiava-se num conjunto de medidas de ação convergente, que incluíam: a) elevação da carga fiscal; b) redução do dispêndio público programado; c) captação de recursos do setor privado no mercado de capitais; e d) mobilização de recursos monetários. A conjugação de todos esses fatores viria a dar coerência às políticas fiscal, monetária, cambial e salarial. Porém, avaliava-se que a existência de um banco central e de instituições bancárias distintas era essencial, de sorte que se propunha a realização de reformas bancária e administrativa. Além 5 dessas, propunha-se as reformas administrativas, fiscal e agrária, o que gerou um capítulo de diretrizes das reformas. “A análise do desenvolvimento recente, apresentada no Cap. 1, indica que a pressão inflacionária e o conseqüente alto custo social do desenvolvimento de nossa economia decorrem de tensões estruturais que poderiam ser evitadas, em grande parte, mediante um adequado planejamento. Contudo, deve-se ter em conta que a eficácia do planejamento é função de um certo número de condições institucionais básicas. As autênticas modificações qualitativas nos processos econômicos pressupõem reformas que podem ser preparadas pelo planejamento, mas que estão acima do seu alcance direto. Essas reformas são principalmente de dois tipos: i) racionalização da ação do governo, em cujo campo, no Brasil, destacam-se as reformas administrativas e bancárias; ii) eliminação de entraves institucionais à utilização ótima dos fatores de produção, destacando-se as reformas fiscal e agrária. Tratando-se de matéria, toda ela, a ser apreciada pelo Congresso Nacional, apenas cabe neste documento a indicação de diretrizes básicas que, admitidas, possam tornar as reformas previstas em efetivos instrumentos de política de desenvolvimento.” (Plano Trienal, pág. 189) itens anos 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 total (1) -5,8 7,8 13,4 5,9 12,9 4,1 5,1 3,1 -2,8 2,5 -2,6 Tabela I-1 FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO Taxas reais de crescimento (%) governo (2) -13,2 7,3 8,6 23,3 20,2 0,4 12,0 9,4 -0,1 -3,5 -8,6 (1) 0,0 -5,2 64,2 17,2 13,2 21,5 -1,8 3,3 6,9 11,5 14,5 (2) -8,3 2,8 57,2 29,8 -3,4 20,9 -6,3 11,2 -7,9 5,2 7,9 empresas federais (1) (2) -8,6 -0,3 -36,4 -34,7 138,6 128,4 32,6 46,9 41,5 57,5 25,8 21,2 34,0 40,0 -5,2 2,0 -17,3 -15,6 -15,4 -20,3 70,4 60,1 setor privado (1) --10,1 -3,6 6,9 13,8 -4,6 6,1 2,6 4,4 2,2 -19,8 Fonte: Contas Nacionais da FGV ("Total" e "Governo"), Werneck (1969) ("Empresas Federais"). O privado foi calculado por resíduo. Compilado de Serra (1982:30). (1) deflator implícito de formação bruta de capital fixo. (2) deflator do PIB. (2) --12,9 -7,7 18,6 26,6 -8,3 11,0 10,5 6,5 -3,6 -24,7 setor 6 Tabela I-2 TAXAS ANUAIS DE INFLAÇÃO (dezembro a dezembro) Ano IPA-OG IPA agric. IPA indúst. ICV-RJ ICC IGP-OG 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 32,3 49,9 50,4 82,1 93,3 28,3 37,4 22,5 25,0 21,8 19,3 20,2 17,5 32,2 53,0 44,0 90,0 86,5 25,2 42,7 21,1 16,7 31,7 20,3 24,7 22,3 33,4 46,0 46,9 86,1 101,3 31,5 32,0 23,1 34,6 15,1 18,9 16,7 15,4 23,8 42,9 55,8 80,2 86,6 45,5 41,2 24,1 24,5 24,3 20,9 18,1 14,0 40,8 42,9 55,3 64,4 104,2 43,4 35,1 41,3 32,7 12,3 18,7 12,7 19,8 30,5 47,7 51,3 81,3 91,9 34,5 38,8 24,3 25,4 20,2 19,2 19,8 15,5 Fonte: Fundação Getúlio Vargas. Compilado de Simonsen (1979:80) “Feitas estas observações quanto à parte do diagnóstico apresentado pelo Plano Trienal, procurar-se-á, em seguida, levantar algumas hipóteses quanto às causas do fracasso de sua implementação. Pela simples associação do Plano Trienal com o Governo Goulart, seria de sugerir que o Plano Trienal sucumbiu com o governo de que era diretriz quando este foi derrubado em 1964. Na verdade, entretanto, o Plano Trienal fora superado um pouco antes. De fato, se comparadas as metas estabelecidas pelo referido plano para o ano de 1963 com os resultados que esse ano apresentou ao encerramento, pode-se ver que o fracasso foi enorme, tanto no que se refere ao incentivo ao desenvolvimento econômico como na parte concernente ao combate ao processo inflacionário. Assim, a elevação de preços programada para 1963 era de 25% e o IGP apresentou no referido ano um crescimento de 78%. A taxa de crescimento do PIB foi a mais baixa já conhecida desde que estimativas regulares deste agregado passaram a ser realizadas pela FGV, a partir de 1947: apenas 1,6%, enquanto a programação estabelecida pelo Plano visava um crescimento de 7%. O déficit de caixa do Tesouro Nacional atingiu 500 bilhões de cruzeiros antigos, praticamente o dobro do valor programado: 300 bilhões. Os meios de pagamento, cuja expansão era prevista em 34%, cresceram de 65%, alimentados pela expansão do déficit do Tesouro e do crédito ao setor privado, cuja expansão também foi notável, crescendo de 54% os empréstimos do Banco do Brasil ao setor privado não-bancário.” (Macedo, 1975:61) Desta forma, fica claro que o Plano Trienal não obteve sucesso nos seus propósitos: estabilização e retomada do crescimento. Estes são objetivos permanentes de qualquer política econômica. Isto não quer dizer 7 que não tenha sido bem elaborado. Nossa perspectiva é que a política econômica só pode ser implementada em condições de sustentação política da mesma pelas forças sociais que dominam o poder político. Isto evidentemente não havia no início dos anos 1960 e determinaram o resultado do Plano. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA FILHO, N. (1994) Os Limites Estruturais à Política Econômica Brasileira nos Anos 80/90. Tese de Doutorado. Campinas: IE/UNICAMP, 1994. 285p. VASCONCELOS, M. A.S.; GREMAUD, A.P.; e TONETO JÚNIOR, R. (1999) Economia Brasileira Contemporânea. 3ª. Edição; São Paulo: Atlas. LACERDA, A.C.; BOCCHI, J.I.; REGO, J.M.; BORGES, M.A.; e MARQUES, R.M. (2000) Economia Brasileira. São Paulo: Saraiva.. MACEDO, R.B.M. (1975) “Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (19631965)”. In MINDLIN LAFER, B. Planejamento no Brasil. São Paulo: Perspectiva. PLANO TRIENAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – 1963-1965 (SÍNTESE) – Presidência da República, Brasília, dezembro de 1962.