CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA VOZ EDEMA DE REINKE ASPECTOS GERAIS E TRATAMENTO MARALICE HEMERLY LUSTOZA DE ABREU RIO DE JANEIRO 1999 1 CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA VOZ EDEMA DE REINKE Aspectos gerais e tratamento Monografia de conclusão do curso de especialização em Voz Orientadora: Mirian Goldenberg MARALICE HEMERLY LUSTOZA DE ABREU RIO DE JANEIRO 1999 2 "A voz revela o estado de nosso pensamento e sentimentos. Revela muito mais que as palavras". BLOCH, 1958 3 AGRADECIMENTOS A todos os amigos do curso de especialização em voz, em especial a minha amiga Angela Calvi, pela força e solidariedade quando estive desesperançosa no término deste trabalho. A todas as pessoas que possibilitaram a realização desse trabalho. 4 RESUMO Este estudo tem como objetivo verificar, através de um levantamento bibliográfico, aspectos importantes sobre o edema de Reinke, bem como suas implicações em relação ao tratamento cirúrgico ou fonoterápico. Edema de Reinke é uma patologia da laringe na qual as pregas vocais edematosas bloqueiam parcial ou totalmente as vias aéreas. De acordo com os autores estudados, existem várias etiologias e formas de tratamento O fator etiopatogênico mais importante apontado pela maioria dos autores é o fumo, associado ao uso excessivo e abusivo da voz. O tratamento pode ter várias formas de combinação, tais como: medicamentoso e fonoterápico, cirúrgico e fonoterápico, só cirúrgico, ou só fonoterápico. Conclui-se, a partir desta pesquisa, que é preciso uma conscientização maior sobre o trabalho desenvolvido nesta patologia. De acordo com os casos, a fonoaudiologia pode atuar de forma decisiva em relação ao resultado final, chegando até a evitar o uso desnecessário de medicamentos ou a realização de cirurgia. 5 ABSTRACT The ojective of this study is to verify through a bibliografic research, important aspects about the Reinke`s edema, as well as its involvements related to surgical or phono theraphy. Reinke`s edema is a larynx`s pathology in wich the oedematous vocal folds obstruct partialy or completely the airways. According to the authors researched, there are several etiologies and therapeutic methods. The most important etiopatogenic factor, mentioned by most of the authors is smoking, associated to the abusive use and misuse of voice. The treatment may have many combinations, such as: medical and phono therapeutic, surgical and phono therapeutic, only surgical or only phono therapeutic. We can conclude through this research that there must be a stronger awareness of the study developed in this pathology. Depending on the cases, the phonoaudiologist can act in a crucial way related to the final result, avoiding the unnecessary use of medicines or the performance of a surgery. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................... 08 DISCUSSÃO TEÓRICA ............................................................................ 09 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 26 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 28 7 INTRODUÇÃO A voz faz parte da existência do homem, definindo-o, fazendo-o presente quando ausente e exprimindo seus desejos, vontades e pensamentos. A voz, além de ser transmissora de palavras, é uma produtora de musicalidade, e sendo uma comunicadora de emoção, age como um espelho do "eu interior" das pessoas. Sim, a voz é um instrumento poderoso que acrescenta algo ao seu sentido. Ao aprender a entender a voz é preciso reconhecer as importantes informações que a voz transmite sobre o falante e não entender somente seu funcionamento mecânico. (Colton & Casper, 1996). Sendo assim, ouvir vozes e realizar um estudo vocal é enumerar fatores anatômicos fisiológicos, psicoemocionais, educacionais e culturais que determinam ao indivíduo uma identidade vocal única. (Behlau & Pontes, 1995). É neste momento que o fonoaudiólogo começa atuar, pois há um aumento de pacientes encaminhados com problemas neste ajuste motor, quer devido a problemas comportamentais ou orgânicos. Para uma melhor compreensão, é necessária uma discussão teórica entre diversos autores sobre uma série de características da patologia, tais como: conceito, etiologia, histopatologia e tratamento. Portanto, o trabalho a seguir tem como objetivo verificar aspectos relevantes sobre o tema edema de Reinke bem como suas implicações em relação ao tratamento cirúrgico ou fonoterápico. Espera-se que a partir deste estudo o interesse seja despertado a todos leitores e com a esperança de desenvolver cada vez mais em todos os profissionais da voz uma análise crítica do seu trabalho, tendo como foco de atenção o indivíduo com seu problema vocal. 8 DISCUSSÃO TEÓRICA O tema central, ou seja, edema de Reinke, apresenta um conjunto de aspectos importantes e específicos que vale a pena salientar para uma melhor compreensão, pois a voz depende do bom funcionamento das pregas vocais, uma vez que qualquer alteração nestas poderá resultar em presença de patologia. Belhau & Pontes (1995) conceituaram edema de Reinke como edemas generalizados e bilaterais que traduzem a presença de uma laringite crônica. Recebe este nome por se localizar no espaço anatômico com o nome do anatomista. Kleinsasser (1997) cita também que Hajeck propôs tal denominação para edema, devido ao anatomista Reinke ter sido o primeiro a investigar a anatomia das pregas vocais. Ele descreveu a frouxa camada subepitelial das pregas vocais. Camada esta limitada acima pela linha arqueada superior e abaixo pela linha arqueada inferior na junção do epitélio cilíndrico com o escamoso. Alguns autores descreveram como uma lesão inflamatória, tendo como resultado final uma irritação crônica da laringe. (Paparella & Shumrick, 1982; Bento & Miniti, 1997). Navas & Dias (1998) referem como uma lesão de aspecto edematoso e por vezes polipóide, por isso chamado de degeneração polipóide, ou ainda, pólipo edematoso de pregas vocais Steffen & Moussalle (1996) acrescentam também cordite crônica polipóide e prega vocal polipóide. Na maioria dos casos, estende-se ao longo de toda a borda livre das pregas vocais. Como cresce 9 progressivamente, pode obstruir completamente a glote com conseqüente asfixia num estágio mais avançado. O edema de Reinke caracteriza-se pela expansão, aumento e inchaço das pregas vocais. Em geral, o inchaço das pregas vocais pode aumentar consideravelmente com o passar dos meses e até anos. (Filiaci F. et al, 1993). O fator etiopatogênico mais importante é o fumo, mas pode-se apresentar também trauma vocal, sem contudo apresentar outro fator etiopatogênico, como sinusite ou infecção do trato respiratório superior. (Kleinsasser, 1997). Entretanto, Dansté & Lerman, citados por Greene (1989), afirmam que não há evidência de que a alergia seja um fator causal cooperante, mas que o edema pode estar associado à sinusite. Hocevar et al (1997) após um estudo mostraram que a alergia é um fator importante na etiopatogênese das lesões da mucosa laríngea. Parece que a hipersensibilidade a diferentes alergenos inalantes e nutricionais tornam a mucosa laríngea mais susceptível para a ação adversa de outros fatores: mau uso vocal, refluxo gastro-esofágico (RGE), fumo, fatores irritantes climáticos, desordens endócrinas, etc. Paparella & Shumrick (1982) cita ainda excesso do consumo de álcool, obstrução nasal, infecção das vias aéreas superiores, como também os fatores constitucionais. Agindo juntos, todos esses fatores causam o desenvolvimento das lesões da mucosa laríngea. Portanto a alergia (IgE mediada e IgE não mediada) deve ser considerada como apenas um dos fatores etiopatogênicos. O espaço de Reinke pode ser preenchido por um fluido quando sofre uma laringite aguda e uso indevido da voz. (Greene, 1989). Sonniensen et 10 al, citados por Greene (1989), sugerem ainda que o uso indevido da voz não é apenas por fricção entre as superfícies opostas das cordas, mas também pelo estiramento dos músculos nos ligamentos, tanto lateral quanto longitudinal. Conforme Behlau (1998), a ação irritativa de algumas substâncias inaladas cronicamente pode provocar reações inflamatórias que impliquem aumento da permeabilidade capilar dos vasos do espaço de Reinke com conseqüente extravasamento de líquido para os tecidos, resultando edema e uma hiperflacidez deste tecido o que confere um aspecto gelatinoso à prega vocal. Grande parte dos autores consideram o edema de Reinke como resultado da agressão do cigarro, associado ao uso excessivo e abusivo da voz. (Behlau & Pontes, 1995; Lopes Filho, 1997; Behlau, 1998; Zeitets et al, 1997). Colton & Casper (1996) acrescentam apenas que isto é possível quando o processo é crônico. Existem os que alegam ser de etiologia desconhecida o edema de Reinke. (Lehman W; Pidoux JP; Widmann JJ, 1981; Zeitets et al, 1997), mas que geralmente se desenvolve em fumantes com mais idade e mais velhos. (Hirano & Bless, 1997). Aronson (1980) associou o fumo a outros fatores como o álcool. Todavia, existem casos descritos de portadores em hipotireoidismo e síndrome de Down com edema de Reinke, embora seja extremamente raro o aparecimento desta doença em indivíduos não fumantes (Behlau, 1998). Navas & Dias (1998) acrescentam ainda como outro fator o refluxo gastroesofágico. 11 Koufman (1998) afirma que a degeneração polipóide, além de estar freqüentemente associada ao hábito de fumar, é provavelmente a causa mais comum de rouquidão em mulheres com mais de 50 anos. De qualquer forma, os médicos sempre deveram investigar outros fatores etiológicos, tais como: hipotireoidismo, refluxo gastro-esofágico e mau uso da voz. Assim, como no caso de pacientes mais velhos, a degeneração polipóide em pacientes menores de cinqüenta anos é geralmente o resultado de hipotireoidismo ou alguma forma de irritação crônica da laringe. Se o paciente passou por um significativo ganho de peso ou não teve nenhuma identificação de irritação das pregas vocais, então testes da função tireóide devem fazer parte da avaliação clínica. Laringite e refluxo gastro-esofágico devem ser considerados como causa, mesmo se o paciente nega sintomas gastrointestinais típicos, tais como azia; a monitorização do pH por 24 horas em ambulatório é geralmente importante para o diagnóstico. A incidência é maior em homens e pouco freqüente antes dos 40 anos (Oskar Kleinsasser 1997). Enquanto para Colton & Casper (1996) a incidência parece ocorrer mais em mulheres, especialmente quando são fumantes de longa data. Steffen & Moussalle (1996) relacionam o edema de Reinke com a menopausa por acharem mais comum em mulheres fumantes com aproximadamente 40 anos. Shumrick & Shumrick (1998) enquadram o edema de Reinke num grupo de patologias com características etiológicas e histopatológicas semelhantes juntamente com o nódulo e o pólipo. Estas três lesões representam edema do espaço de Reinke causado por um conjunto de fatores irritativos e traumáticos. O nódulo está ligado ao abuso vocal e tem um infiltrado celular inflamatório intenso ocupando uma pequena região da 12 prega vocal. O edema de Reinke é extenso, com pouquíssima celularidade, e está muito mais associado a fatores irritativos. O pólipo estaria numa situação intermediária entre os dois primeiros. Bento & Miniti (1997) também consideram tanto os pólipos como o edema de Reinke como resultado de edema crônico no espaço de Reinke. O edema é localizado no caso de pólipos e difuso no do edema de Reinke. Relatam ainda que embora o edema freqüentemente regrida com o repouso vocal e a fonoterapia, a doença pode evoluir para a formação de pólipo. O pólipo tipo mucoso geralmente reflete um processo inflamatório localizado no espaço de Reinke. De acordo com Oskar Kleinsasser (1997), a lesão revela fluido gelatinoso em uma fina rede em forma de colméia por entre o epitélio escamoso. Nos estágios iniciais a secreção é clara e relativamente fina, mas em casos mais antigos, a secreção é viscosa e amarelada, semelhante à da cola, macroscopicamente. Microscopicamente a mucosa das pregas vocais em pacientes com edema de Reinke revelou espaços fissurados altamente ramificados no tecido sub-epielial que foram geralmente alinhados com células chatas. A ultra-estrutura das células parietais assemelhavam-se a fibroblastos cujas extensões citoplasmáticas se superpunham em duas a três camadas em alguns lugares. Não foram observados contatos de células. Nem a microscopia elétron nem o teste imuno-histoquímico com anticorpo contra lâmina demostraram uma membrana basal. Foi possível distinguir nas espécies examinadas células claras e escuras. O citoplasma das células claras continha filamentos intermediários, mitocôndrias, lisossomos, vesículas revestidas, cisternas caveolar e amplas de retículo endoplasmático 13 bruto. As células escuras eram mais numerosas e exibiam um retículo endoplasmático bem desenvolvido e ribossomos livres. As células parietais não mostraram imuno-reação alguma contra as células endoteliais vasculares humanas. A demonstração imuno-histoquímica dos filamentos mesênquimas intermediários utilizando anticorpos contra "vimentin" cedem lugar para uma reação positiva para algumas das células nas paredes dos tecidos com fendas e sub-epitelial. Também foi possível demostrar algumas células com anticorpos monoclonais contra macrófagos. (Tillmann, B. et al, 1995). O edema é encontrado principalmente na camada superficial da lâmina própria. Não é degeneração, inflamação nem hipertrofia. A prega vocal membranosa mostra-se edematosa e inchada ao longo de toda sua extensão, pois qualquer agressão às pregas vocais, leva ao acúmulo de líquido neste espaço pela difícil drenagem da região glótica (Bento & Miniti, 1997). O edema é em geral bilateral e assimétrico. (Colton & Casper, 1996). Steffen e Moussalle (1996) afirmam que há um transudato na camada superficial da lâmina própria em graus variados na qual se observa à laringoscopia uma imagem característica de edema translúcido na face superior da prega vocal localizado em toda a extensão da prega vocal membranosa ântero-posterior permitindo ver por transparência os vasos. Kleinsasser (1997) menciona que ambas as pregas vocais estão freqüentemente acometidas, quando vistas no microscópio, porém em diferentes estágios. O estágio inicial consiste em edema fusiforme da prega vocal, estendendo-se da comissura anterior ao ápice do processo vocal. Mais tarde, edemas espessos se desenvolvem podendo ser translúcidos. 14 Utilizando-se do critério morfológico, dividiu-se o edema de Reinke em um tipo pálido (transparente) e em um tipo lívido. O último é mais difícil de se tratar devido à sua prolongada recuperação pós-operatória. (Vecerina et al, 1996). Navas & Dias (1998) mostram à laringoscopia o edema submucoso localizado ao longo de toda a prega vocal bilateralmente, com aproximação de pregas ventriculares e, mais raramente, constrição supra-glótica ânteroposterior parcial ou ainda fechamento supra-glótico dos esfíncteres. "As almofadas" de edema são freqüentemente tão volumosas que não podem ser acomodadas no espaço glótico, com tendência de uma se posicionar sobre a outra. Pequenas áreas de ceratose ou defeitos epiteliais superficiais cobertos por fibrina podem ser observados em áreas nas quais as superfícies edematosas se atritam entre si. Conseqüentemente, a massa da cobertura aumenta, enquanto sua rigidez diminui, e tal redução da rigidez permite maiores amplitudes de vibração. As camadas de transição e o corpo não são afetados no edema de Reinke. O aumento na intensidade e redução da rigidez contribuem para uma freqüência fundamental de vibração reduzida. (Colton & Casper, 1996). Geralmente durante a vibração, a glote fica completamente fechada. Os movimentos das pregas vocais bilaterais são assimétricos e as vibrações sucessivas são aperiódicas. A amplitude da excursão horizontal é com freqüência pequena, mas a onda mucosa é em geral acentuadamente grande. (Hirano & Bless, 1997). O problema vocal geralmente é de longa duração e estável, predominantemente no sexo feminino. Os principais sintomas associados são alterações ressonantais, fadiga vocal, extensão vocal reduzida. A 15 qualidade vocal apresenta características de rouquidão, sonoridade pobre, pitch grave e "quebras vocais". (Navas & Dias 1998). 16 TRATAMENTO O tratamento consiste em afastar a causa, e, quando o edema for pequeno, pode ser tratado com medicamentos e fonoterapia e, quando grande, ser removido por cirurgia seguido de reabilitação (Behlau & Pontes, 1995). Até pouco tempo, a cirurgia era o único tratamento indicado para os pacientes com edema de Reinke. Mas nos últimos anos os pacientes sem alterações displásticas ou degeneração polipóide são submetidos à reabilitação vocal com resultados satisfatórios. (Lopes Filho, 1997). Navas & Dias (1998), reafirmam que a fonoterapia isolada pode regredir a lesão, como melhorar a qualidade vocal, principalmente nos casos com edemas menores. Entretanto, o encaminhamento posterior para tratamento cirúrgico é necessário. Repouso vocal, ou seja, uso limitado da voz - o que não quer dizer repouso total em silêncio - e fonoterapia, além da necessidade imperiosa de abandonar o vício de fumar, são também recomendados. (Greene, 1989). Kleinsasser (1997) relata em sua experiência que o edema de Reinke não responde à interrupção do fumo ou à fonoterapia. O método terapêutico mais efetivo é através de cirurgia. No entanto, Bouchayer & Cornut (1991) frisam que a indicação cirúrgica depende muito mais dos sintomas apresentados pelo paciente e de quanto sua má qualidade vocal o perturba social e/ou profissionalmente do que propriamente da severidade das alterações anatômicas encontradas. Behlau (1998) afirma que ao afastar o fator irritativo causal (fumo) pode haver discreta redução do 17 edema, mas ele não regride espontaneamente. Enumera ainda algumas alternativas terapêuticas que podem ser empregadas, mas sem êxito efetivo. Antiinflamatórios não hormonais e aplicações tópicas de corticóide aerosol podem ser relativamente úteis, e a fonoterapia pode promover uma higiene vocal capaz de melhorar a produção vocal. Mas as alterações submucosas persistem, bem como os sintomas. Por isso o tratamento é essencialmente cirúrgico. Steffen & Moussalle (1996) determinam que é imperativo abolir terminantemente o tabagismo, e ao realizar a microcirurgia da laringe, abrir superiormente a prega vocal e aspirar o conteúdo líquido que é semelhante a um "glue". Havendo mucosa redundante, deve-se remover somente o necessário de tal forma que o bordo livre da prega vocal permaneça indene. Não se faz mais decorticação como outrora, cujo aspecto à laringoscopia indireta era bom e a qualidade vocal pós-operatória era péssima. Para Sataloff (1997), o tratamento do edema de Reinke começa eliminando-se os abusos etiológicos, caso não exista suspeita de câncer de laringe. Se o paciente estiver insatisfeito com a sua voz e a disfonia persistir, então a cirurgia é apropriada. O edema deve ser esvaziado através de uma incisão na superfície superior das pregas vocais. Mesmo com esta técnica pouca invasora, é aconselhável geralmente fazer apenas um lado de cada vez. Paparella (1982) considera que o tratamento é cirúrgico, e consiste numa raspagem das pregas vocais com a técnica de Loré. Com a mesma opinião de Sataloff (1997), Paparella (1982) acrescenta que só se deve ressecar uma corda de cada vez em cada sessão para que não se forme uma membrana anterior. O diagnóstico patológico é muito importante para 18 afastar a hipótese de uma lesão maligna incipiente. Em muitos casos encontra-se leucoplasia, carcinoma in situ ou alterações invasivas iniciais. Quando o edema apresenta uma dispersão muito lenta, é necessário uma drenagem através de uma incisão e raspagem das pregas vocais. Para evitar que as superfícies sem epitélio se juntem, uma tira do epitélio é removida da superfície superior de uma corda e da parte inferior da outra. A cicatrização se completa em três semanas e as funções hormonais da laringe são estabelecidas. (Greene, 1989). Bento & Miniti (1997) e Behlau (1998) relatam que o tratamento cirúrgico consiste numa incisão da mucosa ao longo da prega vocal e aspirado o conteúdo gelatinoso, preserva-se o epitélio do bordo livre da prega vocal. Conforme Bento & Miniti (1997) o "ideal" é deixar uma pequena quantidade deste conteúdo para promover o deslizamento da superfície da prega vocal sobre o espaço de Reinke. A seguir, deve-se ressecar o excesso de mucosa para reepitalização mais rápida. A preservação da mucosa é a chave para o bom resultado cirúrgico. Outra técnica cirúrgica descrita por Kleinsasser (1997) é conhecida como stripping, pela qual se remove o excesso de tecido em conjunto com o muco. Esta descrição é confusa, porque é incorreto apreender o epitélio com a micropinça e simplesmente arrancá-lo da prega vocal. O correto é elevar o processo edematoso e seccioná-lo levemente nos limites supra e infraglóticos entre o epitélio escamoso e respiratório. Para que não haja sinéquias é essencial preservar uns poucos milímetros de mucosa nos dois lados da comissura anterior, no qual a formação de edema é menos pronunciada. A remoção do excesso de mucosa edematoso com a pinça, pode apenas causar, na maioria das vezes, margens irregulares de mucosa que 19 numa fase posterior poderão evoluir para formação de projeções edematosas polipóides, o que irá resultar numa voz extremamente pobre. O defeito epitelial sobre a prega vocal deve ser o menor possível para que a reepitalização ocorra no espaço de tempo o mais curto possível. Contudo, não é correta a remoção de quantidade pequena de epitélio, já que o epitélio e edemas remanescentes produzem juntos irregularidades na superfície da prega vocal, levando assim a resultados funcionais insatisfatórios. A sucção do fluido através da confecção de pequeno orifício é inadequada pela loculação do espaço submucoso. O uso de cola orgânica para fixar também era recomendado, porém até mesmo o espaço de Reinke está obliterado em alguma extensão (Kleinsasser, 1997). Outros tipos de tratamentos são utilizados, como o do laser CO2, no qual a margem das pregas vocais fica tatuada pelo tecido carbonizado no ponto de impacto do raio laser (Kleinsasser, 1997). Atualmente, o laser é uma boa opção devido à hemostasia mais eficiente. O material removido deve ser sempre enviado ao anátomo-patológico (Bento & Miniti, 1997). Koufman (1998) acredita que a seleção apropriada de pacientes para a cirurgia depende muito da evolução da terapia dirigida às causas prováveis do edema de Reinke. Conseqüentemente, a hora certa para a intervenção cirúrgica (bem como a técnica a ser aplicada) gera ainda um pouco de controvérsia. Três outras importantes considerações devem ser levadas em conta pelo laringologista antes de se sugerir a cirurgia para pacientes com degeneração polipóide. Primeiro, se a lesão produz uma qualidade vocal característica (pitch baixo, freqüência fundamental com instabilidade de pitch), que alguns pacientes identificam como sendo uma importante e 20 desejável parte de sua personalidade, a cirurgia pode ser contra-indicada, já que a mudança na "qualidade vocal" seria vista pelo paciente como indesejável. Segundo: há uma significante incidência de carcinoma laríngeo "oculto" em fumantes com edema de Reinke. Quando o laringologista suspeitar desta possibilidade, um exame microlaringológico, com ou sem biópsia, ou um reparo cirúrgico podem ser indicados. Terceiro: muitos pacientes com degeneração polipóide desenvolveram padrões de mau uso e abuso da voz. Com isso, antes de considerar uma cirurgia, cada paciente deve ser avaliado, receber conselhos e, quando indicado, ser tratado por um fonoaudiólogo especializado em voz. Por último, o paciente deve ser orientado no pré-operatório quanto ao uso abusivo da voz no período pós-operatório. (Koufman, 1998). O uso indevido da voz é uma possível causa do edema em determinados pacientes, por isso deve ser aconselhável a contribuição de fonoterapia após a cirurgia, ou mesmo antes da operação (Greene, 1989). Greene (1989) acrescenta ainda que apesar da microcirurgia endolaringológica garantir uma imagem da laringe extremamente clara, ampliada muitas vezes, tornando pouco provável um desvio do bisturi, o sucesso da cirurgia varia e depende muito da evolução individual. Isto é explicado, por exemplo, porque a recuperação total da voz muitas vezes não acontece com a cicatrização completa do epitélio. Bento & Miniti (1997) recomendam repouso vocal completo no pósoperatório, por uma semana, e parcial na segunda semana, seguido de fonoterapia. A voz retorna entre três e quatro semanas. Inicialmente, deve ser prescrita uma dieta leve (primeira semana) e tratamento para refluxo 21 gastro-esofágico, se necessário. Não é preciso o uso de antibiótico e a utilização de drogas que tenham como efeito colateral "secura na boca", como os anti-H2. Após a cirurgia, pacientes com edema de Reinke bilateral acentuado permanecem afônicos por várias semanas e iniciam fonação com alguma dificuldade. Remove-se a maior parte de edema de Reinke de uma vez e por isso não se tem observado sinequia na comissura anterior. Entretanto, nos edemas de Reinke volumosos associados à hiperplasia de prega vestibular, o que se tem feito é o procedimento em duas etapas com intervalos de dois meses entre elas, a fim de facilitar a reabilitação fonatória. Nestes casos em que há hiperplasia de pregas vestibulares devido ao edema de Reinke, reduz-se o tamanho das pregas vestibulares por excisão de um fuso de mucosa. É freqüentemente indicado fonoterapia no pós-operatório de edema de Reinke (Kleinsasser, 1997). Muitas vezes um paciente com edema de Reinke não quer mudar sua qualidade vocal, pois a psicodinâmica associada a uma voz grave em fonação fluida é sensualidade, sedução e charme, o que é considerado positivo para ambos os sexos (Lopes Filho, 1997). Considera-se ainda que as dificuldades começam quando ocorre a restrição respiratória, o que faz com que o paciente fique limitado em seu diaa-dia ou quando mulheres passam a ser confundidas com homens ao telefone, por apresentarem freqüência fundamental grave em função da massa do edema. É consenso entre todos os autores a interrupção do fumo, pois este irrita as pregas vocais que edemaciadas produzem entre si maior atrito durante a fonação causando, assim, um aumento do processo inflamatório e, 22 conseqüentemente, do edema. Cria-se desta forma um ciclo vicioso que concorre para a manutenção de edema de Reinke indefinidamente. Mas diante deste ciclo "edema-trauma-edema", o fumo já não é mais essencial para sua etiopatogenia, e mesmo com a sua retirada, o processo se mantém. Por outro lado, se forem atacados os pilares fundamentais deste ciclo, há a chance de se quebrar o ciclo e resolver o problema. O edema submucoso pode ser resolvido cirurgicamente e é nisso que se fundamenta o bom resultado do tratamento cirúrgico. O repouso vocal hipoteticamente também pode ser capaz de quebrar este ciclo (Behlau, 1998). Kleinsasser (1997) afirma que após a remoção do edema de Reinke, o espaço móvel de Reinke é perdido e o epitélio adere diretamente à prega vocal. Sendo assim, 90% dos casos de pacientes com edema de Reinke revelam que estão em condições de produzir uma boa qualidade vocal e apresentam melhora considerável da voz após a cirurgia. Em 5% não apresentam melhora, e em 5% apresentam piora da voz. Relata que nunca testemunhou recidiva após a utilização de sua técnica cirúrgica, mesmo porque quando o espaço de Reinke não existe mais, não é esperada uma recidiva. 23 TRATAMENTO FONOTERÁPICO Sabe-se que os sons produzidos pelas pregas vocais resultam da complexa interação entre fluxo de ar, pressão subglótica e atividade muscular, que regulam o comprimento, a massa e a tensão das pregas vocais. A variação desses parâmetros afetará a freqüência fundamental, a intensidade e a qualidade vocal (Colton & Casper, 1996). Geralmente pacientes com edema de Reinke apresentam freqüência fundamental e intensidade alteradas, qualidade vocal ruim, fadiga vocal devido tensão músculo-esquelética excessiva e relação fonte/filtro alterada. A terapia consiste em conscientizar sobre a anatomia e fisiologia da fonação, além de apresentar objetivos terapêuticos como restauração da mucosa e recuperação da função vocal. Alguns padrões estabelecidos são aplicados, ou seja, eliminação dos comportamentos abusivos, a hidratação, as mudanças alimentares, as instruções sobre higiene vocal e a atuação em hábitos vocais mais adequados. São aplicadas provas terapêuticas e selecionadas de acordo com a melhora vocal. Uma das técnicas utilizadas é a vibração de língua, pois esta promove uma intensa vibração reflexa em todo o esqueleto cartilaginoso, aumentando o movimento muco-ondulatório das pregas vocais com uma hiperestimulação e a produção de muco laríngeo. Os mecanismos para controle da intensidade vocal envolvem uma combinação de fluxos de ar de pressões. Quando a pressão de ar subglótica aumenta, a intensidade também aumenta, mas o mecanismo do controle da 24 intensidade vocal não é a pressão subglótica, mas sim o grau e o tempo de fechamento das pregas vocais. Sendo assim, o fator resistência é muito importante para o controle da intensidade. Portanto, para aumentar a pressão do ar, faz-se a mucosa das pregas vocais vibrarem no maior tempo possível de fechamento glótico (Behlau, 1998). O método mastigatório e técnicas de equilíbrio ressonantal também são empregados para liberar tensões excessivas no trato vocal e na laringe, além de distribuir harmoniosamente som na cabeça. 25 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir desse levantamento teórico sobre edema de Reinke é que finalmente consegui entender melhor alguns pontos que acredito estarem um pouco obscuros para todos nós fonoaudiólogos. Considero positivo o tema escolhido pelo interesse que me foi despertado e pela oportunidade de mergulhar inteiramente no assunto. Atualmente com novas descobertas, no campo da medicina, a fonoaudiologia ganha espaço e assume um papel importantíssimo para o sucesso desta patologia e de outras. O fonoaudiólogo vai em busca de conhecimentos e procura trabalhar em equipe com outros profissionais. Mas devemos também estar conscientes dos nossos limites. Até que ponto podemos atuar? O fonoaudiólogo deve exercer sua função de reabilitador, ou seja, tentar melhorar a qualidade vocal do paciente com edema de Reinke e conseqüentemente preparar a prega vocal para uma possível cirurgia posterior ou até mesmo evitar o ato cirúrgico. O que fica claro é que uma grande porcentagem dos pesquisadores prioriza o procedimento cirúrgico para o tratamento de edema de Reinke, desde que sejam tomados todos os cuidados no ato cirúrgico, ou seja, evitese qualquer procedimento que deixe cicatrizes na prega vocal. Sendo assim, é interessante que haja uma visão de cooperativismo entre profissionais, tendo em mente que a evidência de uma indicação cirúrgica determinada pela equipe não deve impedir que seja realizado um período experimental de terapia vocal, pois, não comprometeria a opção para o ato cirúrgico. Ao contrario, só traria benefícios pós-operatórios, pois o 26 paciente ficaria consciente sobre uma série de fatores, bem como sobre a importância de eliminar hábitos inadequados. Felizmente verifico que a maioria dos autores também apóiam a importância de um tratamento combinado, podendo ele ser cirúrgico acompanhado de fonoterapia. Compartilhando a mesma opinião, acredito realmente na importância de se fazer um tratamento conjunto, pois juntos fonoaudiólogos e otorrinolaringologistas, conseguirão perceber melhor seus pacientes, analisando a real necessidade de um procedimento cirúrgico. Portanto, em função de tudo que foi mencionado, o que fica evidente para mim é que para se conseguir fazer uma pesquisa ou até mesmo atender um paciente, é preciso muita dedicação e objetividade. Muitas vezes o que é certo para mim, não é para o outro, porque afinal o ser humano é muito complexo. Por isso não podemos trabalhar isoladamente, pois estamos sempre procurando o melhor, não apenas para o paciente, mas para todos nós que crescemos em busca de uma visão mais aprofundada de cada caso. 27 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARONSON, A.E. – Clinical Voice Disorders: An Interdisciplinary Approach. Thiene Stratton, Inc. New York, 1980, 67p. BEHLAU, M. - O melhor que Vi e Ouvi – Atualização em Laringe e Voz. Rio de Janeiro: Reventir. 1998 51-63p. BEHLAU, M., PONTES, P. – Avaliação e Tratamento das Disfonias. São Paulo: Ed. Lovise, 1995. 164p.. BENTO, R.F. MINITI, A. - Doenças Benignas da Laringe e Alterações da Voz e Fonocirurgias – São Paulo: Revistas Seminários em Otorrinolaringologias, Ano 3, no. 7 . 1997, 5p. BOUCHAYER, M. ,CORNUT, G. – Instrumental Microsurgery of benign Lesions of the vocal Folds. In: FORD, CM BLESS, DM. Phonosurgery: Assessment and surgical managemennt of Voice Disorders. New York: Raven Press, 1991 153 – 5 p. COLTON, R. H., CASPER, J. K. - Compreendendo os Problemas de Voz. Uma Perspectiva Fisiológica ao Diagnóstico e ao Tratamento Porto Alegre: artes médicas, 1996, 109-111 p. 28 FILIACI, F.; VECCHIO, A.; ZAMBETTI, G.; LUCE, M.; ROMEO, R. - The nonespecific hypersensitivity of the upper and lower airways in Reinke`s edema: preminary results. In: Allergol-Immunopathol-Madr. 1997 18-22 p. GREENE, M.C.L. - Distúrbios da Voz - São Paulo: Manole.1989, 134 - 135 p. HIRANO, M. ,BLESS, D. M. - Exame Videoestroboscópico da Laringe. Porto Alegre: Artes médicas, 1997, 156 p. HOCEVAR; BOLTEZAR, I.; RADSEL, Z.; ZARGI, M. – The role of allergy in the etiopathogenisis of laryngeal mucosal lesions . In: ActaOtolaryngol-Suppl-Stockh. 1997. 134-7 p. KLEINSASSER, O. - Microlaringoscopia e Microcirurgia da Laringe - 2a ed. São Paulo: Manole, 1997 - 54 – 56 p. KOUFMAN, J. – Vocal Cord “Polyps” (Reinke`s edema or Polypoid degeneration) - in: http:// www.bgsm.edu/voice LEHMANN. W.; PIDOUX. Microlaryngoscopie et J. P.; WIDMANN. Histopathologie. Publications. Cadempino, 1981. p. 18-27. 29 In: J. J. - tnpharzam Larynx: Medical LOPES FILHO, O. - Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 1997. 615 p. NAVAS, D.M.; DIAS, P.R. – Fundamentos em Fonoaudiologia: Tratando os distúrbios da voz. In: PINHO, S.M.R. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1995. p.76. PAPARELLA, M.M.; SHUMRICK, D.A - Otorrinolaringologia -Cabeza y CueIlo – 2ª ed. Buenos Ares: Panamericana, 1982, 2453 p. SATALOFF, R. T.; HAWKSHAW, M.; ROSEN, D.C.; SPIEGEL, J. R. – Reinke’s edema. In: Ear-Nose-Throat-J, 1997, p. 70. SHUMRICK, K. A.; SHUMRICK, D. A. – Inflamatory diseases of the larynx. In: FRIED, M. P. The Larynx: A Multidisciplinary approach. Boston: Little, Brown & Co. 1988, p. 2724. STEFFEN, N.; MOUSSALLE, S. - Laringites. In: Pinho, S.M.R. Comp. São Paulo, Plexus edit. Virtual:Sholar Pack, 1996, p.177-178. TILLMANN, B.; RUDERT, H.; SCHUNKE, M.; WERNER, J. A. In: Eur-archOtorhinolaryngol, 1995, p. 469-74. VECERINA, S.; KIRINCIC, N.; MARKOV, D. In: Acta- Otolaryngol-Stockh, 1996, p. 322-4. ZEITELS, S.M.; HILLMAN, R.E.; BUNTING, G. W.; VAUGHN, T. In: AnnOtol-Rhinol-Laryngol, 1997, p. 533-43. 30