o uso de antidepressivos

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EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA
O uso de antidepressivos na profilaxia da enxaqueca
(migrânea). Por que só alguns?
The use of antidepressants in migraine prophylaxis. Why just some of them?
Getúlio Daré Rabello
Ambulatório de Cefaléias da Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina da USP
RESUMO
Introdução: A enxaqueca é uma doença de sintomas recorrentes ou
crônicos, cuja profilaxia freqüentemente se faz necessária. Apesar da
grande quantidade de informações acumuladas nesta área, é sabido
que a prescrição de profiláticos para enxaqueca por vezes carece de
sistematização. Objetivos: Revisar a farmacologia clínica dos
antidepressivos e discutir seu uso não apenas na profilaxia da enxaqueca como também nas possíveis condições psiquiátricas associadas. Métodos: A literatura pertinente foi revisada, e a informação foi
organizada e condensada pelo autor, visando oferecer uma fonte
prática de consulta. Conclusões: Diversos antidepressivos parecem
ter efeito profilático na enxaqueca, através de mecanismos variados,
sendo os tricíclicos aqueles mais bem estudados. É opinião do autor
que a resolução dos sintomas psiquiátricos associados é igualmente
importante na prevenção da enxaqueca.
PALAVRAS-CHAVES
Enxaqueca; migrânea; profilaxia; antidepressivos; co-morbidade.
INTRODUÇÃO
A enxaqueca é doença que afeta significativo percentual da população. O tratamento envolve medidas gerais (mudança de estilo de vida, controle de fatores
desencadeantes, avaliação de utilização de drogas eventualmente utilizadas pelo paciente), tratamento de ataque
(tratamento da crise aguda de enxaqueca) e tratamento
profilático (no sentido de evitar ou pelo menos diminuir a
freqüência das crises agudas de enxaqueca). No último
item temos medidas não-farmacológicas (acupuntura e
biofeedback) e farmacológicas. O uso de antidepressivos
se insere no último item, sendo cada vez mais utilizados
com essa finalidade.
116
Profilaxia é um vocábulo que se refere à parte da
medicina que tem por objeto as medidas preventivas contra as enfermidades.
A enxaqueca é uma doença que apresenta um caráter
genético, com ampla difusão na população e sem um impacto na sobrevida de seus portadores. Nesse contexto,
profilaxia não significa evitar o surgimento da doença mas
contribuir para que, uma vez presente, seu impacto seja
menor na vida do indivíduo. Gervil et al1 (1999), analisando gêmeos com enxaqueca sem aura, verificaram que ela
é causada por fatores genéticos e ambientais. A taxa de
concordância é maior em gêmeos monozigóticos que
dizigóticos (0,43% e 0,31%, respectivamente). A predisposição para enxaqueca sem aura depende de fatores genéticos (61%, IC95% 49-71%) e fatores ambientais específicos para o indivíduo (39%, IC95% 29-51%). Aproximadamente a metade da variação fenotípica na enxaqueca sem
aura é devida a fatores ambientais. Os autores admitem
que vários dos fatores ambientais, desencadeadores de
crises de enxaqueca sem aura, agem aumentando a chance
de expressão da predisposição genética. Assim, a medicação profilática tenta atuar sobre essa predisposição genética aos estímulos ambientais.
A profilaxia da enxaqueca envolve vários objetivos:
diminuir a freqüência, intensidade e duração das crises;
melhorar a eficiência das medicações de ataque; melhorar
a funcionalidade do paciente; reduzir a incapacidade
provocada pela doença.2 A profilaxia da enxaqueca não
teve o mesmo desenvolvimento dos assim chamados
tratamentos de ataque, que são aqueles que visam o tratamento sintomático da crise aguda da mesma. Apenas
mais recentemente houve certo incremento de procedimentos farmacológicos e não farmacológicos com esse
intento. Uma série de drogas é utilizada com essa finaliMigrâneas cefaléias, v.8, n.4, p.116-123, out./nov./dez. 2005
O USO DE ANTIDEPRESSIVOS NA PROFILAXIA DA ENXAQUECA (MIGRÂNEA). POR QUE SÓ ALGUNS?
dade, porém faltam estudos amplos e controlados que
comprovem a eficácia de tais terapêuticas. A utilização
dessas drogas, na maior parte das vezes, baseia-se em
opiniões pessoais e em séries pequenas, geralmente obtidas a partir de estudos abertos.
Scarani e cols,3 em 1987, estudando 500 pacientes
portadores de cefaléia vascular (11%), cefaléia tipo tensão (39%), cefaléias mistas (48%), observaram que era
utilizada uma enorme variedade de drogas. Em relação às
drogas classicamente indicadas na profilaxia da enxaqueca, as mais utilizadas foram: flunarizina, pizotifeno,
amitriptilina, metisergida, cinarizina e ciproheptadina.
Nesse estudo ficou claro a pouca utilização de betabloqueadores e o uso extremamente freqüente de benzodiazepínicos, os quais são drogas hoje consideradas de
pouca eficácia no tratamento da dor de forma geral e da
cefaléia em particular, além de serem fatores responsáveis pela eclosão da cefaléia crônica diária. Embora este
estudo já tenha mais de 20 anos, a falta de informação
entre os profissionais da área médica pouco se modificou, reforçando as conclusões do mesmo:
"Em conclusão, nosso levantamento mostra que o tratamento da cefaléia é bem menos esquemático e eficaz que
o esperado da literatura. Dados coletados de documentos
que refletem prática clínica podem ser considerados reflexo da percepção acumulada pelos médicos dos achados de
pesquisa e o uso prático dos critérios de eficiência das
drogas. Nossos dados indicam os defeitos dos métodos tradicionais para avaliação das drogas utilizadas no tratamento das cefaléias. Pacientes portadores de cefaléia parecem ser expostos à prescrição errônea e particularmente
"casual", que é associada com discreta eficácia. Para
avaliar melhor se e por quanto tempo esses pacientes "órfãos" podem esperar por um futuro terapêutico mais feliz,
devem ser preparados ensaios clínicos mais apropriados,
incluindo grandes grupos de pacientes não selecionados,
de forma aleatória, com avaliações por tempo superior
aos existentes na literatura, e fazendo análises estratificadas
no sentido de identificar subgrupos potencialmente diferentes em suas respostas."
Em 2002, a Sociedade Brasileira de Cefaléia reuniu
uma gama de especialistas e elaborou documento denominado "Recomendações para o tratamento profilático da
migrânea".4 Muitas das orientações abaixo explicitadas referem-se a esse documento.
Ao preconizarmos o tratamento profilático para enxaqueca, algumas regras são fundamentais:
1) Indicações:
• freqüência de crises superior a 2-3 crises/mês;
• crises intensas que interferem com a vida normal,
mesmo que com freqüência de crises inferior à anteriormente referida;
Migrâneas cefaléias, v.8, n.4, p.116-123, out./nov./dez. 2005
• incapacidade psicológica de conviver com as crises;
• medicações de ataque contra-indicadas ou ineficientes;
• crises de enxaqueca com características especiais:
enxaqueca basilar, hemiplégica, com aura prolongada, com
auras freqüentes e atípicas e infarto enxaquecoso.
2) Regras gerais:
• devemos avaliar se existe abuso de analgésico/cafeína associado. No caso de crises muito freqüentes, superiores a oito crises/mês, devemos pesquisar e tratar conjuntamente o quadro de abuso de analgésico, já que a eficácia
das drogas profiláticas diminui significantemente com este
fator associado;
• o uso de múltiplas medicações deve ser evitado,
premiando-se a monoterapia;
• a escolha da droga deve ter alta taxa benefício/
risco;
• aumento gradual das doses das medicações escolhidas, até que os efeitos terapêuticos ou tóxicos apareçam, ou a dose máxima seja atingida (eventualmente seis
meses podem ser necessários);
• informe o paciente sobre efeitos colaterais;
• avaliação sistemática de outras medicações em uso;
• tempo de tratamento: seis meses no mínimo, porém
com duração ideal de pelo menos um ano. Deve-se tentar
retirar a droga, mesmo que tenha havido sucesso;
• uso prolongado eventualmente necessário;
• mudança de medicação apenas com oito semanas
de observação da droga;
• dar atenção especial a situações particulares como
gravidez, intenção de engravidar, amamentação, alergias e
idade (crianças e idosos).
Ao optarmos por uma medicação profilática, devemos levar em consideração uma série de fatores:
a) perfil clínico do paciente: evidentemente um paciente portador de asma brônquica não deve ter o propranolol
ou qualquer outro betabloqueador como opção para
profilaxia;
b) efeitos colaterais previsíveis: em paciente obeso, o
uso de drogas que aumentem o peso deve ser desaconselhado (pizotifeno, ciproheptadina, antidepressivo tricíclico, flunarizina). Nessa situação, os betabloquadores e o
topiramato são boas opções. Portanto, é fundamental uma
correta avaliação clínica e o conhecimento de todos os
potenciais efeitos colaterais das drogas utilizadas;
c) morbidade associada: freqüentemente pacientes
portadores de enxaqueca apresentam outras patologias
associadas (hipertensão arterial, depressão, transtorno
obsessivo-compulsivo, vestibulopatia, epilepsia, pânico).
Nesses casos, a escolha do medicamento deve levar em
consideração estes aspectos, a fim de que um mesmo
117
GETÚLIO DARÉ RABELLO
fármaco atue nos vários aspectos patológicos do paciente.
O QUE SÃO ANTIDEPRESSIVOS
A progressiva modificação do paradigma de tratamento
das doenças mentais que ocorreu na segunda metade do
século passado determinou, no final da década de 50, a
síntese de drogas psicotrópicas que agiriam sobre os quadros depressivos, os assim chamados antidepressivos.5
Embora amplamente usadas em psiquiatria, mais da
metade das prescrições de antidepressivos é feita por médicos não psiquiatras.5,6 Paoli e cols foram os primeiros a
demonstrar a eficácia dos antidepressivos no tratamento
dos estados dolorosos crônicos.5,7 Necessário ressaltar que
quando a depressão precede ou coincide com a instalação
da dor crônica, a melhora com antidepressivos é mais expressiva do que quando a depressão instala-se após o início da dor.5,8
QUAIS SÃO OS ANTIDEPRESSIVOS
Os antidepressivos podem ser classificados pela sua
estrutura química e pelas suas propriedades farmacológicas: inibidores não-seletivos da recaptura de monoaminas, inibidores de monoaminooxidase (IMAOs), inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs),
inibidores seletivos de recaptação de noradrenalina
(ISRNas), inibidores seletivos de recaptação de serotonina
e noradrenalina (ISRSNs), antidepressivos noradrenérgicos e serotoninérgicos específicos, inibidores de
recaptação de serotonina e antagonista alfa2, inibidores
seletivos de recaptação de dopamina, estimuladores da
recaptação da serotonina.5
• Inibidores não-seletivos da recaptura de monoaminas – Incluem os antidepressivos tricíclicos, que são
os mais utilizados no tratamento das dores crônicas. Sua
característica básica é ter estrutura molecular com três
anéis, daí o seu nome. Eles se dividem em dois grandes
grupos: aminas terciárias (imipramina, amitriptilina,
doxepina) e as aminas secundárias (desipramina, nortriptilina, protriptilina, amoxapina, maprotilina).
• Inibidores de monoaminooxidase (IMAOs) – A
monoaminooxidase é uma enzima encontrada nos neurônios
que atua sobre várias moléculas neurotransmissoras (noradrenalina, dopamina, serotonina). Existem dois tipos de
MAO, a saber, tipo A (atuando na serotonina, noradrenalina,
dopamina e tiramina) e tipo B (atuando na benzilamida,
fenilitilamida, dopamina e tiramina). Existem IMAOs não
seletivos e irreversíveis contra as isoenzimas A e B (fenelzina
e tranilcipromina), IMAOs seletivos e reversíveis contra
118
isoenzima A (moclobemina) e IMAOs seletivos e reversíveis contra isoenzima B (selegiline, com uso na Doença de
Parkinson).
• Inibidores seletivos de recaptação de serotonina
(ISRSs) – Essas drogas bloqueiam seletivamente a recaptação de serotonina, mantendo esse neurotransmissor por
mais tempo na fenda sináptica. Incluem a fluoxetina,
paroxetina, sertralina, citalopran, escitalopran.
• Inibidores seletivos de recaptação da noradrenalina
(IRNas) – Inclui a reboxetina
• Inibidores seletivos de recaptação de serotonina e
noradrenalina (ISRSNs) – Essas drogas inibem seletivamente a recaptação da serotonina e noradrenalina. Esse
grupo inclui a venlafaxina e o milnaciprano.
• Antidepressivos noradrenérgicos e serotoninérgicos específicos – O único antidepressivo desse grupo é a mirtazapina e ela aumenta a neurotransmissão noradrenérgica e serotoninérgica, porem sem interferir na
recaptação das aminas. É antagonista alfa2, provoca desinibição de neurônios noradrenérgicos e serotoninérgicos,
aumenta a neurotransmissão mediada pela noradrenalina
e serotonina nos receptores 5HT1A, e bloqueia receptores
5HT2 e 5HT3.
• Inibidores de recaptação de serotonina e antagonista alfa2 – Incluem a nefazodona e a trazodona.
• Inibidores seletivos de recaptação de dopamina –
O único antidepressivo dessa classe é a bupropiona.
• Estimuladores da recaptação da serotonina – Inclui a tianeptina.
Na tabela 1 temos os principais dados referentes aos
diferentes antidepressivos e na tabela II os efeitos colaterais
dos principais tipos.
COMO AGEM OS ANTIDEPRESSIVOS NO
TRATAMENTO DA DOR
O efeito dos antidepressivos no tratamento da dor
aparentemente independe de seus efeitos nos transtornos
do humor. Isso porque o efeito analgésico já começa a
ocorrer durante a primeira semana. Por sua vez, o efeito
antidepressivo ocorre em torno da terceira semana.5,9
Atualmente se admite que a atuação dos antidepressivos
advenha de sua ação nos vários sistemas de neurotransmissores. Isso adveio da hipótese das aminas biogênicas
para a depressão. No início da década de 50 foi observado
que o uso do anti-hipertensivo reserpina (que depleta o
sistema nervoso central de catecolaminas) causava enorme depressão. Por sua vez, a droga antituberculosa iproniazida (com ação na enzima MAO) e as anfetaminas poderiam determinar elevação do humor. A reserpina depleta
os estoques de noradrenalina, dopamina e serotonina do
Migrâneas cefaléias, v.8, n.4, p.116-123, out./nov./dez. 2005
O USO DE ANTIDEPRESSIVOS NA PROFILAXIA DA ENXAQUECA (MIGRÂNEA). POR QUE SÓ ALGUNS?
Tabela 1
Principais Antidepressivos
Nome
Farmacológico
Nome
Comercial
Dose na
Dor
Dose
Máxima
Tryptanol
Amytril
10-25 mg
300 mg
25-100 mg
300 mg
25-100 mg
250 mg
Pamelor
10-50 mg
150 mg
Ludiomil
25-50 mg
300 mg
Tolvon
30-90 mg
200 mg
Parnate
Stelapar
(+ trifluoperazina)
10-20 mg
45 mg
Moclobemida
ISRS
Aurorix
100 mg
600 mg
Amineptina
Survector
200 mg
Fluoxetina
Prozac
Daforin
Eufor
Verotina
Cipramil
Denyl
Alcytan
Luvox
Aminas Terciárias
Amitriptilina
Imipramina
Clomipramina
Aminas Secundárias
Nortriptilina
Tofranil
Tofranil pamoato
Imipra
Anafranil
Anafranil SR
Heterocíclicos
Maprotilin
Tetracíclicos
Mianserina
Iinibidores de MAO
Tranilcipromina
5-20 mg
80 mg
20 mg
60 mg
50 mg
300 mg
25 mg
200 mg
20 mg
60 mg
Prolift
4-10 mg
10 mg
Efexor
Venlift
37,5 mg
375 mg
Milnaciprano
Antidepressivos noradrenérgicos e
serotoninérgicos específicos
Ixel
25 mg
100 mg
Mirtazapina
Remeron
15 mg
45 mg
Citalopran
Fluvoxamina
Sertralina
Paroxetina
Zoloft
Tolrest
Serenata
Aropax
Pondera
Cebrilin
IRNa
Reboxetina
ISRSNs
Venlafaxina
Inibidores de recaptação de
serotonina e antagonista alfa2
Nefazodona
Serzone
200 mg
600 mg
Trazodona
Inibidores seletivos de
recaptação de dopamina
Bupropiona
Donaren
50 mg
400 mg
Wellbutrin
Zyban
Zetron
150 mg
300 mg
Stablon
50 mg
200 mg
Estimulantes da
recaptação de serotonina
Tianeptina
Migrâneas cefaléias, v.8, n.4, p.116-123, out./nov./dez. 2005
sistema nervoso central. Por sua vez, as
catecolaminas aumentam os níveis teciduais
de noradrenalina e dopamina. Assim, reforçou-se a hipótese catecolaminérgica. Por sua
vez, a hipótese indolaminérgica também foi
reforçada, pois a reserpina depleta a serotonina e a iproniazida eleva os níveis de
serotonina.10
Uma discussão é como a deficiência
noradrenérgica e serotoninérgica determinaria a síndrome depressiva. Admite-se que
as projeções corticais do locus coeruleus
(noradrenalina) e dos núcleos da rafe
(serotonina) teriam ação moduladora sobre
o córtex, difusamente, mantendo o estado
de humor normal. Esses mesmos mecanismos sobre vias noradrenérgicas e serotoninérgicas determinariam modulação sobre os mecanismos de dor.
Os fenômenos dolorosos crônicos determinam uma série de modificações nos sistemas de condução sensitiva, que denominamos fenômenos de sensibilização periférica e central. O controle dos fenômenos de
sensibilização central e periférica é, aliado à
atuação sobre o sistema modulador central
de dor proveniente da substância cinzenta
periaquedutal, o mecanismo que explica a
eficácia dos antidepressivos.11
I) Sensibilização Periférica. É devida
principalmente à diminuição do limiar dos
receptores nociceptivos, a descargas ectópicas e ao acúmulo anormal de canais de
sódio. Daí o uso de moduladores de canais
de sódio no sentido de diminuir a sensibilização periférica. Os antidepressivos tricíclicos têm ação nesses mecanismos, além
de ter ação nos mecanismos centrais de
controle de dor provenientes da substância
cinzenta periaquedutal.
II) Sensibilização Central. É devida ao
contínuo bombardeio dos neurônios do núcleo trigeminal pelos estímulos provenientes dos neurônios periféricos. Isso determina através da ação desses neurotransmissores (glutamato, aspartato, substância
P, neurocinina), agindo em receptores
NMDA e NK1, entrada de cálcio no interior das células do corno posterior da medula espinal. O cálcio, como segundo men119
GETÚLIO DARÉ RABELLO
aquedutal e que tem como principal
neurotransmissor a serotonina;
I-MAO
b) sistema proveniente do locus coeruleus, na
Hipotensão ortostática
+++
++
-+++ / - região pontina, e que tem como principal
Efeitos cardíacos muscarínicos
+++
++
--neurotransmissor a noradrenalina.
Efeito semelhante a quinidina
++
+
--Esses sistemas se projetam sobre neurônios
Efeito tiramina
---+++ / - Efeitos antimuscarínicos (boca
inibitórios
gabaérgicos que controlam a neuroseca, retenção urinária,
+++
++
--obstipação, distúrbios de
transmissão dolorosa nos núcleos trigeminais e
movimento, fadiga, mioclonia,
corno posterior da medula espinal. A maior parte
déficit de memória, delírio)
Efeito "switch"
+++
+/--dos antidepressivos age diminuindo o re-uptake
Sedação
+++
++
-+/-dessas neurotransmissores e mantendo sua ativiDiminuição do limiar
+
++
--dade sobre os neurônios gabaérgicos e mantendo
convulsígeno
Náusea e vômitos
+
+
++
+
a inibição descendente.
Tremor
++
++
++
++
Existem três tipos de antidepressivos que atuGanho de peso
++
+
+
-am sobre esse sistema:
Hepatotoxicidade
---++ / - a)- antidepressivos tricíclicos: em que temos
a
significantemente menor para os IMAO-R; b não se aplica para os IMAO-R; c
d
e
os
grupos
das aminas terciárias (como a
insônia com ISRS e IMAO-R; exclusivamente com IMAO hidrazina; capacidade
da droga de induzir mudanças bruscas de humor, da depressão para a mania.
imipramina, clomipramina, amitriptilina, doxepina,
-- = observação ausente;
que diminuem a recaptação da noradrenalina e
+/- = observação rara;
menos da serotonina aminas terciárias) e aminas
+ = observação infreqüente;
secundárias (desipramina, nortriptilina, protriptilina,
++ = observação freqüente;
amoxapina, maprotilina, que são mais seletivas no
+++ = observação muito freqüente;
bloqueio da recaptação da noradrenalina);
IRSS - Inibidores de recaptação seletivos de serotonina
b)- inibidores seletivos de recaptação de serotonina: como a fluoxetina, paroxetina, citalopran,
sageiro, determina ativação da NO-sintase, aumenta a expressão dos gens precoces imediatos (c-fos e c-jun) e
sertralina, escitalopran, que não tem atuação na modulação
dos canais de sódio.
determina fosforilação de receptores ao nível do corno
posterior (receptores NMDA), com diminuição do limiar
c)- inibidores seletivos de recaptação de noradrenalina
e menos de serotonina: como a venlafaxina, mas diferentede ativação dos neurônios sensitivos secundários e aparecimento de descargas ectópicas. Esses fenômenos demente dos tricíclicos não tem ação sobre os canais de sódio.
terminam o fenômeno da alodinia, por exemplo, bastante
comum nas crises de enxaqueca (alodinia é a percepção
MORBIDADE ASSOCIADA ENTRE DEPRESSÃO E
como dor e sensação desagradável de estímulo não nociENXAQUECA
ceptivo, como o dolorimento pelo mero roçar de mãos na
cabeça durante crise de enxaqueca). Em contraste com
A utilização de drogas antidepressivas no tratamento
os modulares de canais de sódio na sensibilização periféda
enxaqueca
independe, como já frisamos, do quadro
rica, agentes bloqueadores de receptores NMDA,
psicopatológico
do paciente. Existem, porém, vários estubloqueadores de receptores NK1 e moduladores canais
dos
na
literatura
mostrando morbidade associada entre
de cálcio, são importantes na sensibilização central.
enxaqueca e distúrbios mentais. Na tabela 3 mostramos os
As drogas que agem na sensibilização central são:
resultados de um estudo feito na área de Detroit, citado
a) antagonistas de receptores NMDA: dextrometorfan,
por Breslau e col.12
ketamina e metadona;
Como vemos, existe uma morbidade associada imb) antagonistas de canais de cálcio N e P: gabapentina,
portante
com distúrbios depressivos. Nesta situação, a utilamotrigina, oxcarbazepina e levetiracetan;
lização
de drogas com melhor ação nos distúrbios
c) antagonistas de receptores NK1: ainda não temos
psicopatológicos,
principalmente se tiverem também uma
antagonistas desses receptores na prática clínica.
ação na enxaqueca, deve ser preconizada. Stewart e col13
observaram morbidade associada com distúrbios do pâniIII) Vias Inibitórias Descendentes. Existem dois granco. Neste caso, valproato, por exemplo, que tem ação nas
des sistemas descendentes de vias que se projetam do
duas entidades, pode ser utilizado.
encéfalo para os núcleos trigeminais e medula espinal e
No Ambulatório de Cefaléias da Clínica Neurológica
modulam os sistemas de neurotransmissão dolorosa:
da
Faculdade
de Medicina da USP, durante o período de
a) sistema proveniente da substância cinzenta periTabela 2
Efeitos colaterais das 4 classes de antidepressivos
Antidepressivos
Atípicos
Efeito Adverso
IRSS
Tricíclicos
(não IRSS)
a
b
e
c
c
d
120
Migrâneas cefaléias, v.8, n.4, p.116-123, out./nov./dez. 2005
O USO DE ANTIDEPRESSIVOS NA PROFILAXIA DA ENXAQUECA (MIGRÂNEA). POR QUE SÓ ALGUNS?
Tabela 3
The Detroit Area Study
Idade=21 a 30 anos; Amostra inicial=1.200 pacientes; Pacientes
entrevistados=1.007; Prevalência de enxaqueca = 128/1.007 (12,8%)
- Mulheres=16,3%; Homens=7%; Prevalência (%) durante a vida de
distúrbios afetivos em pessoas com e sem enxaqueca
Enxaqueca
(n=128)
Controle
(n=879)
Odds ratio
(95% CI)
Depressão maior*
26,6%
9%
3.7 (2.3-5.8)
Distimia
9,4%
2,3%
4.4 (2.1-9.3)
Episódio maníaco
4,7%
0,9%
5.4 (1.8-15,7)
Doença bipolar
3,9%
0,8%
5.1 (1.5-16.2)
*73,4% dos pacientes com depressão maior e enxaqueca preencheram
critérios para um ou mais distúrbios ansiosos (pânico, distúrbio
obsessivo-compulsivo, distúrbio ansioso generalizado, fobia). Nos
pacientes sem enxaqueca esta proporção foi de 63,1%.
Tabela 4
Morbidade psiquiátrica em pacientes portadores
de enxaqueca transformada (n= 602*)
Idade
41,6 + 13,1 (14 - 80)
N
%
80
522
13,3
86,7
146
69
34,3
16,2
Transtorno do humor
Depressão
Distimia)
133
29
31,2
6,8
Transtorno somatoforme
48
11,3
Gênero
Masculino
Feminino
Diagnósticos psiquiátricos
Transtorno ansioso
Retardo mental
Outros
* Pacientes avaliados: n=369; Diagnósticos psiquiátricos: n=425
2/2000 a 5/2005 foram atendidas 1.723 pacientes. Desses, 812 (47,1%) apresentaram cefaléia crônica diária. A
forma mais comum de cefaléia crônica diária foi a assim
chamada enxaqueca transformada (602/812, 74%). Foi
observada morbidade psiquiátrica associada significativa, a qual encontra-se apresentada na tabela 4.
Assim, evidentemente, a opção de medicação que possa agir no fenômeno doloroso e na psicopatologia associada é paradigma racional.
OS ANTIDEPRESSIVOS NO TRATAMENTO DA
ENXAQUECA
Embora tenhamos uma grande variedade de drogas
antidepressivas, apenas algumas delas foram adequadamente
estudadas no tratamento da enxaqueca.
Migrâneas cefaléias, v.8, n.4, p.116-123, out./nov./dez. 2005
Amitriptilina. Trata-se da única droga bem estudada.
Aparentemente seu efeito não se relaciona com sua ação
antidepressiva, já que é eficaz em doses bem inferiores
àquelas usadas nos distúrbios do humor.14,15 Além disso,
sua ação inicia-se em torno do 4º ao 5º dia, diferentemente
da ação antidepressiva, que se inicia apenas após a 3ª semana.
A amitriptilina tem uma potência como inibidora da
recaptação da 5-HT um pouco superior à sua capacidade
de inibir a recaptação da noradrenalina. Seus mecanismos
de ação são variados:
• ação antagonista em receptores 5-HT2;
• ação inibidora sobre o aumento da atividade
neuronal da alça que une o córtex órbito- frontal e o tálamo,
potencial mecanismo de desencadeamento das crises de
enxaqueca.
Welch16 sugeriu que as crises de enxaqueca se devem à alteração vascular secundária a processo que se
origina no córtex frontal. Esta teoria, biocomportamental,
explica porque fatores como estresse, menstruações, idade, podem desencadear as crises. O córtex órbito-frontal
ativado desinibe o tálamo, que facilita nova ativação do
córtex frontal. Isto vai levando à progressiva ativação da
área, até que, a partir desta, existe ativação de centros no
tronco encefálico (locus ceruleus), determinando a liberação de noradrenalina no manto cortical, pelas projeções
difusas desse sistema. Esta liberação induz uma onda de
despolarização no manto cortical, especialmente no córtex
occipital (depressão alastrante de Leão). Esta despolarização pode ser produto do aumento de K+ extracelular,
causada pela redução da recaptação de K+ pela glia mediada por receptores β-adrenérgicos.
Os efeitos colaterais mais importantes da amitriptilina
são: sonolência, boca seca, ganho de peso, reações cutâneas, hipotensão ortostática, náusea, obstipação. Excepcionalmente pode causar insônia. Contra-indicações são:
glaucoma de ângulo fechado, retenção urinária, gravidez,
amamentação, uso concomitante de IMAO.
Devemos iniciar com doses baixas (10 a 12,5 mg/
noite), com aumento gradual da dose. Doses acima de
100 mg/dia normalmente não são úteis no tratamento da
enxaqueca. Não existe vantagem no uso associado com
outras drogas profiláticas. Apenas no caso de enxaqueca
associada à cefaléia tipo tensão, a associação amitriptilina
e propranolol parece ser eficiente.
A melhor indicação para a amitriptilina é em pacientes
portadores de enxaqueca e cefaléia tipo-tensão (eventualmente com o uso associado de propranolol), em pacientes
com psicopatologia e em pacientes portadores de enxaqueca transformada com abuso de analgésicos.17 Neste
último caso, estes autores utilizaram associadamente, por
duas semanas, dexametasona.
121
GETÚLIO DARÉ RABELLO
OUTROS ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS E
ANTIDEPRESSIVOS ATÍPICOS (NÃO IRSS)
Não existem estudos adequados destas drogas em
enxaqueca. Podem eventualmente ser utilizados, quando
os efeitos colaterais da amitriptilina são importantes. A
imipramina e a nortriptilina são as mais utilizadas.
Inibidores de monoaminooxidase (IMAO)
Existem vários grupos dessas drogas:
1) Inibidores irreversíveis da MAO-A: neste grupo se
incluem a fenelzina e a tranilcipromina. Existem alguns
estudos mostrando eficácia desta medicação. Devido aos
efeitos colaterais só devem ser utilizadas em casos extremamente resistentes.
2) Inibidores irreversíveis da MAO-B: neste grupo
existe a selegiline, utilizada no tratamento da Doença de
Parkinson. Provavelmente devido à sua ação predominantemente em vias dopaminérgicas, ativando-as, não tem ação
na enxaqueca.
3) Inibidores reversíveis da MAO: neste grupo existe
a moclobemida. Não existem estudos controlados sobre
sua eficácia na enxaqueca.
Inibidores de recaptação seletivos de serotonina
(IRSS)
Desse grupo farmacológico, a fluoxetina é a que tem
alguns estudos controlados. Os resultados são controversos, com alguns estudos mostrando eficácia e outros
não, em doses em torno de 20 a 40 mg/dia. Recente revisão18 demonstrou que o uso dessas drogas acima de dois
meses de tratamento, não demonstra eficácia superior a
placebo em pacientes com enxaqueca. Nos pacientes portadores de cefaléia tipo tensão, os IRSS são menos eficazes que os antidepressivos tricíclicos. Por outro lado, os
antidepressivos tricíclicos têm maior incidência de efeitos colaterais, em relação aos IRSS. Esses dados não podem ser extrapolados para tratamentos de longo prazo.
É importante frisar que: "Os IRSS podem ser úteis
para cefaléia em alguns pacientes. Porém, podem desencadear cefaléia em alguns pacientes e agravar o quadro
em outros. Em pacientes com cefaléia de difícil controle e
uso desses inibidores de recaptação seletiva de serotonina,
devemos ter isto em mente".
Fraqueza, hiperreflexia, falta de coordenação, tremores, hemibalismo, ansiedade, taquicardia, sudorese,
febre têm ocorrido em alguns pacientes utilizando sumatriptan e IRSS. Esta síndrome é denominada síndrome
serotoninérgica. Em um paciente foi observado aumento
da freqüência das crises de enxaqueca e diminuição da
eficácia do sumatriptan, quando do uso associado com
122
fluoxetina. Por outro lado, existem vários ensaios em que
houve utilização simultânea, sem nenhuma alteração clínica.
Além disso, têm sido realizados trabalhos associando
tricíclicos (amitriptilina) com IRSS (citalopram), sem efeitos colaterais tipo serotoninérgicos e com eficácia terapêutica.19
Desta forma, a utilização associada pode ser feita, pela
raridade das complicações, porém sempre com observação atenta do paciente.
Inibidores seletivos de recaptação de serotonina
e noradrenalina
Dentre os novos antidepressivos, a venlafaxina tem
sido bastante estudada. Em recente estudo,20 diferença significativa foi observada entre venlafaxina 150 mg e grupo
placebo no número de crises de cefaléia. A análise da satisfação dos pacientes mostrou-se favorável à venlafaxina.
Cerca de 80% dos pacientes no grupo 75 mg e 88,2% no
grupo de 150 mg mostraram benefício bom ou muito bom.
Antidepressivos noradrenérgicos e serotoninérgicos
específicos
A mirtazapina mostrou-se eficiente na prevenção da
enxaqueca em baixas doses. Porém em altas doses existiu
piora do quadro.21
Carbonato de Lítio
A utilização do carbonato de Lítio no tratamento da
enxaqueca tem sido preconizada nas assim chamadas enxaquecas cíclicas.22 Nesses casos, crises de enxaqueca
quase diárias ocorrem por uma média de seis semanas e
então desaparecem por várias semanas. Os ciclos se repetem em torno de cinco vezes ao ano. Em estudo de
Medina e Diamont, 22/27 pacientes responderam ao carbonato de Lítio.
EXPERIÊNCIA PESSOAL COM O USO DE
ANTIDEPRESSIVOS NO TRATAMENTO PROFILÁTICO
DA ENXAQUECA
Ao revisarmos a literatura, existe evidentemente uma
falta de grandes estudos utilizando as várias drogas antidepressivas descritas previamente. A cada trabalho realizado nota-se que os novos antidepressivos podem ter ação
como profiláticos da enxaqueca.
O grande problema é que a enorme morbidade associada entre os transtornos psicopatológicos e a enxaqueca
torna qualquer avaliação bastante prejudicada. Ao tratarmos paciente com enxaqueca, notadamente os casos em
que a profilaxia se faz necessária, notamos que a psicoMigrâneas cefaléias, v.8, n.4, p.116-123, out./nov./dez. 2005
O USO DE ANTIDEPRESSIVOS NA PROFILAXIA DA ENXAQUECA (MIGRÂNEA). POR QUE SÓ ALGUNS?
patologia é elemento fundamental na transformação de uma
enxaqueca episódica para uma enxaqueca freqüente ou
crônica. Dessa forma, as drogas que interferem na psicopatologia terão eficácia na enxaqueca.
Em nosso ambulatório, pacientes com formas refratárias de enxaqueca são avaliados por psiquiatra com experiência em dor. A opção da melhor droga para o tratamento da psicopatologia nos orienta no antidepressivo que
eventualmente usaremos para a enxaqueca. Essa forma
pragmática de opção pelo melhor antidepressivo tem mostrado significativa vantagem em relação à escolha de
antidepressivos meramente citados como de eficácia no
tratamento da enxaqueca.
Dessa forma, termino minha exposição com uma nova
pergunta: "O uso de antidepressivos na profilaxia da enxaqueca. Por que não todos?"
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Recebido em 31/10/2005
Aprovado em 29/11/2005
Endereço para correspondência
Dr. Getúlio Daré Rabello
R. Dr. Amâncio de Carvalho, 479/21
Vila Mariana
04012-090 – São Paulo/SP
[email protected]
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