Rev Panam Infectol 2013;15(1-4):5-11 ARTIGO ORIGINAL / ARTIGO ORIGINAL Clínica e epidemiologia da paracoccidioidomicose no Estado da Paraíba Clinical and epidemiological characteristics of paracoccidioidomycosis in the State of Paraíba Benedito Bruno de Oliveira1 Dóris Amorim Pontes de Oliveira2 Walfredo Costa3 Danilo Antonio Duarte4 Caroline Amorim Pontes de Oliveira5 Bodo Wanke6 Rev Panam Infectol. 2013;15(1-4):5-11 Os autores declaram não haver conflito de interesses. Recebido em 20/6/2011 Aprovado em 10/12/2012 Coordenador da Residência Médica em Infectologia do Hospital Universitário Lauro Wanderley(HULW) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). 2 Médica Dermatologista Hospital Universitário Lauro Wanderley(HULW) da UFPB. 3 Coordenador do Núcleo de Medicina Tropical (NUMETROP) – UFPB. 4 Professor Coordenador do Programa do Mestrado em Ciências da Saúde da Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL) – São Paulo. 5 Médica Residente de Oftalmologia do IOR (Instituto de Olhos do Recife). Recife, Pernambuco. 6 Coordenador do Laboratório de Referência Nacional em Micoses do Instituto de Pesquisas Clínicas (IPEC) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Rio de Janeiro. 1 RESUMO Objetivo: analisar dados de sete pacientes procedentes de várias regiões do Estado da Paraíba nos quais foi estabelecido o diagnóstico de paracoccidioidomicose. O diagnóstico foi efetuado no período de agosto de 1986 a outubro de 2009, no Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba. Em um desses casos, o diagnóstico foi estabelecido no Estado do Rio Grande do Norte, em paciente residente e procedente da Paraíba. Métodos: os casos foram caracterizados como importados ou autóctones, considerando-se o fato de os mesmos terem sido adquiridos em outros Estados da Federação com elevada incidência da enfermidade ou, em nosso Estado, com história pregressa de baixa incidência da citada doença. Enfatizamos o polimorfismo do quadro clínico em virtude da variedade dos sintomas que a doença pode apresentar e o expressivo número de enfermidades que fazem o diagnóstico diferencial com essa micose, em particular as neoplasias, a tuberculose, outras micoses sistêmicas, as doenças inflamatórias intestinais etc. Indicamos a posição geográfica de onde os pacientes foram originariamente encaminhados. Resultados: estabelecimento de correlação das atividades laborais dos sujeitos com fatores de risco para paracoccidioidomicose e, por meio de tabelas, mostrar os sintomas e o comprometimento dos vários órgãos em cada um dos enfermos. Conclusão: necessidade de informar a comunidade, em particular médicos, dentistas e outros profissionais da saúde, sobre a importância de se incluir a paracoccidioidomicose no diagnóstico diferencial de doenças agudas e crônicas que se caracterizam, sobretudo, pelo comprometimento pulmonar e cutâneo-mucoso. Palavras-Chave: Paracoccidioidomicose; Micoses; Micologia; Epidemiologia; Paracoccidioides 5 Oliveira BB et al • Clínica e epidemiologia da paracoccidioidomicose no Estado da Paraíba ABSTRACT Objective: this study aimed to analyze the data of seven in-patients with the diagnosis of paracoccidioidomycosis, in the state of Paraiba and in the nearby state of Rio Grande do Norte, localized in the northeast of Brazil. Method: the cases were divided in autochthons and not autochthons according to the location where the patient acquired the disease, in other states of Brazil, with a recognized high incidence or with lower incidence as well as in the state of Paraiba. Results: besides it is emphasized the polymorphism of the disease, the variety of symptoms as well as the expressive number of other diseases that make differential diagnosis with this systemic mycosis difficulty, for instance: tuberculosis, neoplasia, inflammatory diseases of the bowels and other systemic mycosis. Conclusions: we showed the geographic position of the cases in our state, according to the city of origin of each in-patient and finally, we try to alert to our medical community the importance of diagnosis of this disease in our region. Key words: Paracoccidioidomycosis; Mycosis; Mycology; Epidemiology; Paracoccidioides INTRODUÇÃO A paracoccidioidomicose, denominação consagrada em 1971 em Medellín, após reunião de micólogos das Américas, é uma micose profunda, manifestando-se também sob formas frustras e/ou mesmo assintomáticas, de grande interesse para os países da América Latina, provocada por fungo dimórfico, ainda não conhecido em sua fase sexuada ou perfeita – o Paracoccidioides brasiliensis(1). Foi descrita, pela primeira vez no Brasil em abril de 1908 por Adolfo Lutz (1855-1940), cujos trabalhos o colocam em lugar de honra na história da medicina nacional(2). Não é doença de notificação compulsória, e a maior parte dos casos ocorre em profissionais que trabalham na agricultura e na pecuária. Estima-se que sua incidência anual em regiões endêmicas seja de três a quatro casos por 1.000.000 habitantes, até um a três novos casos por 100.000 habitantes. Informações do Ministério da Saúde do Brasil registram que ocorreram 3.181 mortes por essa enfermidade entre os anos de 1980 a 1995 e uma taxa de mortalidade de 1,45 por 1.000.000 habitantes, sendo considerada a oitava causa de mortalidade por doença crônica de natureza infecciosa no Brasil(3). Particularmente no Estado da Paraíba os resultados de um inquérito de sensibilidade cutânea à 6 paracoccidioidina, realizado em diferentes regiões fisiográficas, foram surpreendentemente elevados, uma vez que não havia até então registro de casos autóctones em nossa região(4). A literatura registra que a grande maioria dos casos ocorre em indivíduos do sexo masculino que exercem atividades agrícolas e parece claro que essa diferença entre os sexos ocorre porque os hormônios sexuais femininos interferem na transformação do micélio em levedura, impedindo a progressão da infecção para a doença. Portanto, tanto o sexo como a atividade profissional parecem ser fatores determinantes na aquisição da paracoccidioidomicose(3,7). A paracoccidioidomicose é a principal micose de caráter endêmico na América Latina e pode comprometer qualquer órgão, aparelho ou sistema, ocorrendo principalmente nos pulmões, pele, mucosas das vias aéreas superiores, nódulos linfáticos e trato gastrointestinal, podendo, inclusive, de maneira inusitada, comprometer isoladamente um órgão ou sistema e consequentemente ser confundida com várias enfermidades, tais como: tuberculose, neoplasias e outras micoses sistêmicas(3,7,13-14). Os fungos, diferentemente das bactérias, são geralmente identificados sobretudo por suas características morfológicas do que por suas características bioquímicas e moleculares. Dentre esses organismos, destaca-se o Paracoccidioides brasiliensis, fungo dimórfico, conhecido apenas em sua forma assexuada, facilmente identificada ao microscópio ótico em sua fase leveduriforme, parasitária(5). Diferentemente de outros fungos dimórficos, carece de estruturas sexuais que possam produzir esporos sexuais haploides(6). Células leveduriformes jovens medem de 2 a 10µm de diâmetro e podem atingir o tamanho de 60µm quando atingem o estágio de células maduras(7). A paracoccidioidomicose pode apresentar-se desde uma forma clínica autolimitada, geralmente com bom prognóstico, a formas agudas ou crônico-progressivas com acentuadas morbidade e mortalidade. A doença, em sua forma aguda, ocorre principalmente em crianças e adultos jovens e se caracteriza por comprometer o sistema macrocítico-fagocitário, manifestando-se sobretudo por hepato-esplenomegalia, linfoadenopatia e disfunção medular. Em adultos, a evolução da doença é geralmente crônica, acometendo mais do que 90% dos pacientes e afeta principalmente homens entre 30 e 60 anos de idade. Sua progressão é lenta e silenciosa, podendo levar anos para seu diagnóstico. Manifestações pulmonares estão presentes em 90% dos enfermos. A apresentação unifocal da doença é observada quando a micose compromete apenas um órgão. Os pulmões Rev Panam Infectol 2013;15(1-4):5-11 podem ser o único órgão afetado em mais de 25% dos casos registrados. Geralmente, a doença envolve mais de um órgão (forma multifocal) e pulmões, pele e mucosas são as estruturas mais frequentemente comprometidas pela infecção(3,8,17-18). Diferentemente de outros fungos, o P. brasiliensis é sensível a um número substancial de drogas antifúngicas inclusive aos sulfamídicos. Consequentemente, vários medicamentos podem ser utilizados na terapia desta micose e drogas como: anfotericina B, sulfadiazina, sulfametoxazol associado à trimetoprima, os azóis entre estes o fluconazol, o cetoconazol e o itraconazol. Sugere-se o itraconazol como a droga que melhor se prestaria para o tratamento das formas moderadas da doença e a anfotericina B sendo indicada para os casos mais graves. O itraconazol, apesar de sua melhor praticidade, não se encontra disponibilizado em toda a rede pública de saúde, e a associação sulfametoxazol/ trimetoprima é largamente utilizada, tanto por via oral, como endovenosamente nos casos mais graves(3). MATERIAL E MÉTODOS Trata-se de estudo descritivo de prontuários médicos, oriundos do Serviço de Arquivo Médico (SAME), de pacientes internados no Hospital Universitário da UFPB entre 1986 a 2009, com o diagnóstico confirmado de paracoccidioidomicose, assim como a descrição de um caso diagnosticado em Mossoró no Rio Grande do Norte, mas em paciente residente e procedente da cidade de Pilões no brejo paraibano. Estabelecemos correlações clínico-epidemiológicas fundamentando-nos em dados obtidos de inquérito epidérmico com a paracoccidioidina, efetuado em nossa região, e a ocorrência geográfica da enfermidade em nosso Estado(4). Descrevemos por meio de tabelas e mapas a procedência e ocupação de cada paciente, o tempo de doença, os órgãos mais comprometidos, a faixa etária de maior prevalência da doença e a diversidade dos sintomas. Utilizamos os serviços de Micologia do Departamento de Farmácia e o Laboratório de Medicina Tropical de nossa Universidade (UFPB) para identificação do agente etiológico (exame direto e cultura) nos materiais encaminhados para aqueles serviços, escarro e raspado mucoso e cutâneo de lesões suspeitas. Ainda, utilizamos o Laboratório de Referência Nacional em Micoses da Fiocruz- RJ para teste sorológico em soro sanguíneo (Imunodifusão). Os pacientes tiveram suas histórias clínicas avaliadas considerando-se a procedência de cada caso, se autóctone ou importado, o sexo, a profissão, a faixa etária e as distintas formas clínicas (aguda ou subaguda e crônico-progressiva) da doença. RESULTADOS População estudada Grupo de seis pacientes internados no Serviço de Doenças Infecciosas do HU-UFPB no período de agosto de 1986 a outubro de 2009 nos quais foi estabelecido o diagnóstico de Paracoccidioidomicose, assim como um caso diagnosticado na cidade de Mossoró-RN. Características da população estudada • Idade: nos sete casos analisados, a idade variou de 22 a 89 anos. A idade média foi de 57,1 anos com desvio padrão de +/- 22,3; • Sexo: todos os pacientes eram do sexo masculino, percentual de 100%; • Profissão: todos os pacientes trabalhavam em atividades agrícolas e dois deles, casos de números 2 e 4 tinham como relevante, do ponto de vista epidemiológico, o fato de serem caçadores de tatus, inclusive um deles mantinha-os em cativeiro; • Raça: seis pacientes eram pardos (85,7%) e um branco (14,2%); • Tempo de doença: cinco pacientes tinham a doença com duração de um ano ou mais, enfermidade de natureza crônica, casos de números 1, 2, 4, 5 e 7 – (71,4%) e dois, terceiro e sexto casos de nossa série, apresentavam doença de natureza aguda e/ ou subaguda com duração de mais ou menos 40 dias (28,5%); • Casos autóctones: foram considerados autóctones os casos de número 1, 2, 3, 4 e 5 (71,4%), pois esses pacientes não referiam viagens passadas ou recentes para regiões de maior endemicidade. Estes pacientes procediam de zona litorânea, brejo e agreste paraibanos. Ver mapa na figura 4, zonas azul e vermelha, respectivamente. • Casos importados: foram considerados não autóctones os casos de número 6 e 7, porque os pacientes trabalharam, viajaram e/ou tiveram residência fixa em locais de elevada endemicidade – São Paulo e Pará, respectivamente, 28,5%. Ver mapas (figura 4). Círculos azuis-zona amarela. • Odinofagia: dor de garganta foi sintomatologia referida nos casos de número 1, 2 e 3. Inclusive o paciente de número 3 apresentava lesão fagedênica de uma das amígdalas palatinas - 42,8%; • Tosse: foi queixa presente nos casos de número 1, 2, 4, 5 e 6 – 71,4%; • Perda ponderal: foi sintomatologia observada por todos os pacientes –100%; • Febre: observou-se febre em seis pacientes – 85,7%; • Tratamento empírico para tuberculose: dois pacientes tiveram suspeita de tuberculose pulmonar 7 Oliveira BB et al • Clínica e epidemiologia da paracoccidioidomicose no Estado da Paraíba e foram medicados empiricamente, durante o curso de suas doenças, em outros serviços – 28,5%; • Cinco pacientes vieram ao nosso serviço encaminhados pelo Hospital do Câncer. Este fato demonstra que um percentual importante de pacientes não tiveram em seus primeiros atendimentos a suspeita de uma causa infecciosa de natureza fúngica e foram encaminhados ao Hospital do Câncer (Napoleão Laureano) onde, por meio de exames histopatológicos, foi observada na intimidade dos tecidos, a presença do fungo ou afastada a hipótese de neoplasia. Percentual de 71,4%; • Lesões de mucosa bucal: quatro pacientes tiveram lesões na mucosa bucal – 57,1%. • Lesões pulmonares: quatro dos sete pacientes apresentavam lesões pulmonares – 57,1%. • Vozes nasaladas: dois pacientes tiveram alteração da voz – 28,5%. • Lesões cutâneas: três pacientes apresentaram lesões cutâneas – 42,8%. • Disfagia: quatro pacientes queixavam-se de disfagia – 57,1%. • Adenomegalia: todos os pacientes apresentavam adenomegalias – 100%. • Lesão ocular: um paciente teve comprometimento ocular – 14,2%. • Tabagismo: três pacientes tinham o hábito de fumar – 42,8%. • Alcoolismo: cinco enfermos reportaram o hábito de ingerir bebida alcoólica – 71,4%. • Localização geográfica dos casos: quatro casos eram oriundos da zona do brejo paraibano (círculos vermelhos do mapa), um de zona próxima ao litoral (círculo vermelho) e dois do sertão do estado (círculos azuis). • Confirmação diagnóstica: o diagnóstico foi estabelecido em todos os casos através de resultados, conforme descrição abaixo. C1: a)Pesquisa direta para fungos em raspado de lesões da orofaringe e no escarro: presença de numerosas células leveduriformes multibrotantes características de P. brasiliensis; b)Histopatologia de biópsia do palato duro: processo granulomatoso específico com presença de numerosos elementos leveduriformes multibrotantes no interior de histiócitos e células gigantes; c)Cultivo do escarro em meio próprio para fungos (Sabouraud): crescimento de colônias pequenas e cotonosas a partir do 23º dia. Observamos que essas colônias apresentavam filamentos segmentados com clamidiosporos intercalares e terminais e ainda mantiveram-se pequenas e não foi 8 observada passagem para a forma leveduriforme, em incubação a 37ºC. Imunodifusão dupla: positiva para Paracoccidioidis brasiliensis. C2: a) Pesquisa direta para fungos em escarro e pus de linfonodos evidenciou elementos leveduriformes característicos de P. brasiliensis; b) A imunodifusão dupla em ágar gel mostrou-se positiva frente a antígeno de P. brasiliensis. Biópsia de linfonodo: processo inflamatório crônico inespecífico com reação exsudativa aguda; C3: a) Nesse paciente, o diagnóstico foi firmado tão somente pela imunodifusão em ágar gel, porque, devido a odinofagia intensa que o mesmo apresentava, não foi possível colher material da orofaringe para pesquisa direta do fungo. C4: a)Submetido à biópsia de ferida labial que demonstrou processo inflamatório granulomatoso crônico contendo elementos leveduriformes multibrotantes (HE e PRATA) compatíveis com Paracoccidioidis brasiliensis. C5: a) Exame micológico de secreção ocular e pulmonar revelaram a presença de células leveduriformes multibrotantes diagnósticas de P. brasiliensis; b)Exame histopatológico de gânglio cervical: processo granulomatoso crônico com abundantes estruturas fúngicas no citoplasma de células gigantes multinucleadas e histiócitos; c)Imunodifusão dupla para paracoccidioidomicose: soro reagente. C6: a)Histologia de biópsia de gânglio axilar revelou a presença de elementos parasitários de provável natureza fúngica; b)Exame micológico de raspado de lesões cutâneas: células leveduriformes sugestivas de P. brasiliensis; c)Imunodifusão: positividade no soro para P. brasiliensis. C7: a)Exame direto de raspado de lesão labial assim como de secreção de linfonodo axilar evidenciaram a presença do P. brasiliensis; b)Imunodifusão: positividade no soro para P. brasiliensis. Rev Panam Infectol 2013;15(1-4):5-11 DISCUSSÃO Como se observa no mapa, os casos de paracoccidioidomicose, em nosso Estado, considerados autóctones, ocorreram, em sua grande maioria, em cidades do brejo paraibano e apenas um, o primeiro da série, próximo ao litoral. Em ambos os casos considerados importados os pacientes residiam na região do sertão, e tinham história pregressa de terem residido ou ter viajado para regiões de elevada endemicidade (Tabela 1). A distância de cada cidade de onde os pacientes procederam, tomando-se como referência a capital do estado, João Pessoa, localizada no litoral do Estado, foi: 4, 76, 103, 117 e 120km, respectivamente. A Paraíba apresenta extensas áreas que reúnem a maioria das condições geoclimáticas relacionadas à “reservárea” do P. brasiliensis principalmente o litoral, zona da mata e brejo. Nessas regiões, observa-se índice pluviométrico anual médio de 1400mm, temperatura média anual de 25ºC e altitudes de até 600m acima do nível do mar, além do que, intensa atividade agrícola propiciando um solo rico em substâncias orgânicas(9-12,15). No Estado da Paraiba, a descrição da ocorrência de casos da doença considerados autóctones é recente, mas, a partir da primeira observação, a descrição de outros casos tornou-se relativamente frequente. Inclusive, podemos inferir com os dados coletados por nós que a região do brejo possa se constituir em um nicho ecológico do fungo. Como na maioria dos trabalhos científicos, nossa casuística registra que a grande maioria dos casos ocorreu em indivíduos do sexo masculino que exercem atividades agrícolas. Em todos os pacientes, o diagnóstico foi estabelecido por exame direto de secreção da orofaringe, raspado de lesões cutâneas e/ou da pele, por imunodifusão ou por exame histopatológico. Em nenhuma situação obteve-se, em cultura, o isolamento do agente etiológico. A associação de tuberculose com paracoccidioidomicose é amplamente registrada(14). Em dois de nossos pacientes (C5) e (C1), houve relato de tratamento recente, de maneira empírica, para a primeira enfermidade. Como se observa nos casos C1, C2, C5, C6 e C7 os encaminhamentos para o Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário foram efetuados pelo Hospital do Câncer, onde o exame histopatológico evidenciou a presença de parasitas na intimidade dos tecidos, algumas vezes com características morfológicas diagnósticas do P. brasiliensis. É interessante ressaltar, a exemplo do que ocorre na literatura médica, o polimorfismo do quadro clínico observado em nossos pacientes: odinofagia, lesões da mucosa bucal, adenomegalia cervical, febre, rouquidão, perda de peso e lesões nodulares nos pulmões no primeiro (C1), segundo (C2), terceiro (C3), quarto (C4) e quinto (C5) casos; amigdalite, adenomegalia cervical e lesões pulmonares no terceiro caso; lesões labiais, odinofagia, microstomia, perda de peso, rouquidão, lesões nodulares nos pulmões, adenomegalia cervical, febre no quarto caso; lesão ocular, lesões nodulares nos pulmões, adenomegalia cervical, lesões mucosas e cutâneas e febre no quinto caso (C5); lesões cutâneas, adenomegalia cervical, perda de peso, esplenomegalia, febre e ausência de comprometimento pulmonar, no sexto caso (C6); adenomegalias, lesão de mucosa bucal e pele, no sétimo caso (C7). Estes dois últimos C6 e C7, provavelmente importados, teriam adquirido a doença em outros estados, São Paulo e Pará, respectivamente. (Figuras 1,2 e 3). Constitui-se, a nosso ver, fato de maior importância a divulgação em nosso meio da ocorrência de paracoccidioidomicose entre nós, particularmente, os casos autóctones no sentido de alertar a comunidade científica com o propósito de que os mesmos possam ser diagnosticados o mais precocemente possível, evitando-se as sequelas dessa enfermidade (Tabela 2). Tabela 1: Positividade à paracoccidioidina em distintas regiões do Estado da Paraíba(4) Município Testados Positivos % Alhandra (litoral) 723 415 57,4 Serraria (brejo) 769 150 19,5 Aguiar (sertão) 465 161 34,6 9 Oliveira BB et al • Clínica e epidemiologia da paracoccidioidomicose no Estado da Paraíba Tabela 2: Dados clínicos e epidemiológicos dos pacientes do estudo Idade (anos) 50 89 87 51 42 22 59 Caso 1 Caso 2 Caso 3 Caso 4 Caso 5 Caso 6 Caso 7 Litoral Brejo Brejo Brejo Brejo Sertão Sertão Sexo m m m m m m m Raça branca parda parda parda parda parda parda agricultor agricultor agricultor agricultor agricultor agricultor agricultor Tempo doença 3 anos 1 ano 40 dias 1 ano 1 ano 40 dias 10 anos Perda de peso + + + + + + + Febre + + + + + + Tosse + + + + + Odinofagia + + Tratamento prévio para tuberculose + Procedentes do Hospital câncer + Disfagia + Voz nasalada + Lesões bucais + + + Lesões pulmões + + + Procedência Profissão Lesões cutâneas Adenomegalias + + + + + + + + + Lesão ocular + + + + + + + + + Tabagismo Alcoolismo + + + + + + + + + + + + + Figuras 1 e 2 Secreção purulenta e sinais de flogose no olho direito. Gengivite, hiperceratose em comissuras labiais, região peribucal e perinasal. Paciente EPM, 42 anos, (C5) 10 Rev Panam Infectol 2013;15(1-4):5-11 REFERÊNCIAS Figura 3 Tomografia do tórax do paciente EPM, 42 anos, (C5) com lesões nodulares difusamente distribuídas em ambos os pulmões, mais evidentes em terço médio. Cavitações e bronquiectasias Observação: Cavitações pulmonares não costumam ocorrer na paracoccidioidomicose e podem ser devido a lesões cicatriciais de tuberculose ou coinfecção. 1. Lacaz CS. Evolução dos Conhecimentos sobre a Paracoccidioidomicose. Um pouco da sua história. Em: Del Negro G, Lacaz CS, Fiorillo AM. Paracoccidioidomicose. São Paulo: Sarvier-EDUSP. 1982. 2. Marques SA. Paracoccidioidomicose: centenário do primeiro relato de caso. An. Bras Dermatol. 2007;83:271-3. 3. Shikanai-Yasuda MA. et al. Consenso em Paracoccidioidomicose. Ver Soc Bras Med Trop. 2006;39(3):297310. 4. Costa W, Wanke B, Barros MA. Paracoccidioidomicose e Histoplasmose. 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