MARTHA

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Fator de
descarte 2
MARTHA
MEDEIROS
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/marthamattosmedeiros
A
nos atrás, escrevi uma
crônica chamada Fator
de descarte, em que eu
perguntava qual seria
o deslize fatal que desmotivaria o prosseguimento de uma
relação. Na época, dei o exemplo de
uma amiga que estava no carro com
o rolo novo e que o dispensou assim
que ele, ao ouvir uma canção do
Tom Jobim, disse que não suportava
“aquele xarope”.
Amor não é coisa que tem dado sopa por aí, então, mesmo o cara tendo
péssimo gosto musical, convém dar
mais uma chance a ele – eu daria. Porém, nem todos são tão complacentes.
Um amigo me disse, outro dia, que
estava começando a trocar mensagens
com uma garota, até que ela escreveu
que adorava percorrer a orla de bisci-
Já me apaixonei por quem escrevia feito um poeta, mas
também por quem escrevia “quizer” e “denovo”. Meu fator de
descarte, nestes casos, é a boa ou a má vontade em aprender
cleta. Biscicleta com sc foi o fator de
descarte dele.
De fato, é grave, mas nestes tempos
em que todo mundo tem iniciado relações através das redes sociais, sendo
obrigado à escrita, é bom reduzir o
grau de exigência, senão adeus cobertor de orelha para atravessar o inverno.
Erros clássicos proliferam: “despretencioso”, “encomodar”, “excessão”.
Recentemente, uma escritora escreveu de forma errada a palavra exceção em seu Facebook: quem nunca?
Na pressa em digitar um post contra
a bandalheira do país, escapou um
erro ortográfico sem revisão. Pelo
mesmo motivo (a política), um músico escreveu que estávamos no fundo
do posso. Ó, céus. Se até com eles,
que dominam o português, acontece,
imagine com quem não tem o hábito
38 DONNA ZH 25 E 26 DE JUNHO DE 2016
de ler livros, que é a maioria.
Muitos leitores me mandam e-mails
bacanas e, ao final, pedem desculpas
antecipadas por alguma eventual
mancada na digitação. Quase sempre,
são justamente eles que não cometem
mancada alguma. Digo para relaxarem, pois costumo ficar mais ligada no
conteúdo do que na forma. Eu mesma,
em mensagens ligeiras, escorrego. E
inclusive nas nem tão ligeiras: outro
dia, numa crônica, troquei “sobre” por
“sob” e não me conformo, como deixei
passar? Vacilei. Não me descartem por
isso, tenho defeitos piores.
Escrever corretamente é uma obrigação. Nada causa melhor impressão
do que um texto limpo, claro e bem
escrito, mas diante da falência da
nossa educação e do lamentável índice de leitura do país, melhor ampliar
nosso crédito amoroso para com os
descuidados. Já me apaixonei por
quem escrevia feito um poeta, mas
também por quem escrevia “quizer”
e “denovo”, assim, tudo junto. Meu
fator de descarte, nestes casos, é a boa
ou a má vontade em aprender. Se a
pessoa aceita e agradece quando é carinhosamente corrigida, está salva, é
sinal de que é inteligente. Mas se fica
ofendida, aí o problema não é o erro
gramatical, e sim a falta de humildade
e a tacanhice em não querer melhorar. Pra essas, condescendência zero
– agora sim, com sc.
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