Terceiro Setor

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Rogério de Souza Carvalho
TERCEIRO SETOR
UMA ABORDAGEM SOCIOLÓGICA
Um auxílio para conceituar essas questões pode ser encontrado nas Ciências Sociais e
Políticas. No Brasil, em consequência do modelo econômico adotado na última década, o
princípio da soberania nacional cedeu o passo para os interesses das grandes corporações
transnacionais. Organizações multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial, passaram a impor
novas formas de conduzir as políticas públicas em campos tão diversos como os transportes, a
saúde, a educação e o meio ambiente.
A ideia de uma “sociedade civil” organizada em entidades mais ou menos autônomas
surge exatamente dessa lacuna no poder local: a crise de um Estado que é fraco para definir o
rumo de uma nação e de seu povo também é, por identidade, a crise da representatividade
pela qual o poder estatal se define.
Compreender o sentido da cidadania significa, assim, entender como se relaciona o
indivíduo com o setor público. Qual o conceito moderno de atividade de interesse público, e
como dela participa o governo nas suas múltiplas co-relações com a sociedade?
É no centro desse embate, cujo desfecho ainda não se faz ver, que tomam corpo as
formas pelas quais cada povo, em cada país, procura compensar, ou interagir, com os limites
impostos à sua soberania política, econômica e cultural decorrentes do enfraquecimento dos
Estados nacionais. Uma definição mais genérica: compreendem o terceiro setor todas as
entidades que não fazem parte da máquina estatal, não visam lucro e não se afirmam com
discurso ideológico, mas sim sobrequestões específicas da organização social.Se o aspecto
negativo da definição é claro-sabemos o que não é terceiro setor-, o lado afirmativo deve ser
particularizado.
ESTADO MÍNIMO E DISCURSO ÚNICO
A idéia de um mundo baseado na dualidade Estado-mercado, com o Estado
notoriamente enfraquecido, parece já não corresponder ao figurino ideal talhado para o
atendimento dos interesses de toda a sociedade. A realidade aí está para nos mostrar o
neoliberalismo em sua faceta mais desfavorável: de um lado, a miséria crescente que atinge
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cada vez mais pessoas e segmentos sociais. De outro, uma fração cada vez menor da sociedade
acumula um volume de riqueza incalculavelmente maior.
INTERESSE PÚBLICO E ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL
As privatizações alteraram de modo radical a distinção entre interesses públicos e
privados: ao mesmo tempo em que o poder estratégico do Estado diminuiu, constatou-se um
espargimento da esfera do interesse público.
O “cidadão do mundo” não atua apenas nas questões localizadas, mas faz parte de
redes internacionais ligadas a grandes temas como ecologia, justiça e democracia.
É preciso destacar que a organização da sociedade civil em instituições fora do
aparelho estatal resulta de uma visão participativa da cidadania. Nesse sentido, não é o
mercado, como se tenta convencer hoje em dia, que promoveu o ressurgimento da cidadania
participativa, “mas sim o movimento social que “civilizou” a economia de mercado
contribuindo ao mesmo tempo enormemente para a sua eficiência”.
ORIGENS DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL
Quando avaliamos as formas pelas quais as pessoas se agrupam, hoje, na defesa do
que consideram seus direitos, ou simplesmente do que acham “certo”, vemos que as
entidades do terceiro setor-ou da sociedade civil, do ponto de vista europeu- têm origens
diversas: algumas são herdeiras do antigo conceito de “filantropia”, outras derivam dos
movimentos sociais das décadas de 1960 e 1970. Os movimentos sociais se fundamentam em
questões de identidade coletiva. Os movimentos populares se caracterizam por um alcance
limitado a questões localizadas na vida prática da comunidade. Pesquisa realizada em 1986, no
Rio de Janeiro e em São Paulo, revelou que 90,7% das associações de moradores haviam sido
criadas na década de 1970. A partir do final dos anos 1970, o movimento sindical e as
organizações estudantis ganharam força. Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal e a
sociedade civil se organizou na luta pelas eleições diretas. O período da “transição
democrática” reafirmou o direito do cidadão de participar de eleições livres e justas. Jovens,
povos indígenas e analfabetos ganharam o direito de voto.
A partir de meados da década de 1980, surgiram, os movimentos ecológicos, que
transcendiam a divisão política entre direita e esquerda e, também o movimento em defesa
dos direitos do consumidor.
SURGEM AS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS (ONGs)
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Enquanto muitos movimentos sociais das décadas de 1970 e 1980 não dispunham de
apoio financeiro, as ONGs dos anos 90 vão encontrar na cooperação internacional o veículo
adequado para financiar o apoio à luta pela cidadania.
As ONGs levaram para a esfera do trabalho social elementos significativos da livre
iniciativa, como maior agilidade e eficiência. Tornaram-se centros de recursos humanos a
serviço de associações comunitárias e movimentos sociais, articulando, num circuito esterno
ao governo, iniciativas originadas nos vários planos da sociedade civil.
Hoje, há ONGs voltadas para os mais variados problemas: fornecer apoio a vítimas de
calamidades e refugiados, crianças carentes, idosos ou inválidos, questões do meio ambiente,
saúde pública, prevenção da AIDS, direitos humanos etc.
Seja no voluntariado de cunho assistencialista, seja na mobilização em ONGs, o
interesse pelas questões sociais reflete uma tendência mundial.
A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
O exercício da responsabilidade social agrega valor à marca: o consumidor de hoje,
envolvido com a cidadania, identifica-se mais facilmente com produtos fabricados por
empresas que tenham, assim como ele, preocupação social e ambiental.
Mas não é apenas a imagem corporativa que dá origem a tais parcerias: seria injusto
omitir a consciência social sincera de muitos empresários.
Além das parcerias com ONGs, muitas empresas se preocuparam em desenvolver
ações diferenciadas da filantropia tradicional, com soluções variadas: fundações, institutos,
associações ou a execução direta da política de responsabilidade social.
A valorização da chamada “responsabilidade social” das empresas fez que com estas
passassem a publicar o balanço das atividades desenvolvidas nesta área.
A tendência é que, cada vez mais, o balanço das empresas contenha, além dos
investimentos em ações sociais e na preservação do meio ambiente, dados sobre a diversidade
dos seus funcionários (mulheres, negros, portadores de deficiências), sobre o código de ética e
o serviço de atendimento ao consumidor.
UMA DEFINIÇÃO DE TERCEIRO SETOR
Conforme vimos, são basicamente três as fontes originárias do terceiro setor: a
filantropia e os movimentos sociais, aos quais somaram-se as ONGs.
A evolução da informática e a constituição de redes de informação, por sua vez,
possibilitaram a formação de entidades e debates em escala planetária. Na medida em que se
articulam em redes, as organizações ganham eficácia.
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QUEM FAZ O TERCEIRO SETOR
O terceiro setor incorpora atividades que envolvem diferentes atores: os
governantes, que contam com o apoio da “sociedade civil organizada” para a implementação
de projetos de alcance local (parcerias); as ONGs, que competem com instituições públicas ou
privadas por contratos governamentais para a realização de pesquisa e coordenação e
implementação de projetos; as agências internacionais.
Um exemplo de entidade do terceiro setor sem fins lucrativos, ligada a uma rede
internacional, é a Transparência Brasil. A Associação Brasileira de Organizações não
Governamentais (Abong) foi criada em 1991 para representar a coletividade das ONGs.
Exemplo de entidade ligada ao meio empresarial é a Fundação Abrinq pelos Direitos da
Criança, criada no final da década de 1980 pela Associação Brasileira de Fabricantes de
Brinquedos.
PERSPECTIVAS DO TERCEIRO SETOR
Diante da incapacidade do Estado brasileiro em propor estratégias, programas e
metas para superar as profundas desigualdades sociais, as perspectivas de crescimento para o
terceiro setor tornam-se evidentes. Por outro lado, sua participação na implementação de
políticas públicas se vê ameaçada pela ausência de credibilidade de muitas entidades, pela
falta de apoio da mídia e de um marco legal satisfatório.
O poder do exemplo
Para multiplicar suas ações, as organizações com maior destaque e credibilidade
trabalham cada vez mais na linha da exemplaridade.
Profissionalização
Pelo fato de desenvolver atividades tão heterogêneas e de se relacionar com
públicos diversos, o terceiro setor tem enorme necessidade de profissionalização técnica e
administrativa. Parte significativa do trabalho das ONGs está direcionado para áreas onde o
Estado não está presente.
O marco legal
No ano de 1999, foi publicada a Lei 9.790/99, denominada Marco legal do Terceiro
Setor, criada graças ao empenho e à experiência acumulada pelo Conselho da Comunidade
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Solidária. Esta lei disciplina, entre outros aspectos, os requisitos para que uma entidade sem
fins lucrativos (associação ou fundação) possa receber do Governo Federal a qualificação de
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). No entanto, a grande novidade é
que essa legislação delimita o perfil desejável para entidades do terceiro setor.
Apesar dos avanços, as leis que disciplinam, fomentam e controlam a atuação das
entidades do terceiro setor-seu marco legal-, são ainda incipientes no Brasil.
Articulação
A tendência é o fortalecimento do papel articulador das instituições do terceiro
setor, em âmbito nacional e internacional: a consolidação de uma agenda voltada para o
social, o aperfeiçoamento das entidades (em especial no que diz respeito à melhoria de sua
gestão), a institucionalização das redes de comunicação e o amadurecimento de propostas
para políticas públicas alternativas.
Interação com o Estado
A interação do terceiro setor com o Estado se dá em três níveis principais: prestação
de serviços, pressão política sobre os Estado, e apoio, com sugestões e exemplos alternativos
de ação.
Na prestação de serviços, as ONGs levam vantagem aos olhos da administração
pública.
O terceiro setor pode e deve aumentar sua capacidade de exercer pressão sobre o
poder instituído: na execução de determinadas ações, na implementação dos direitos da
cidadania e na definição das prioridades orçamentárias.
Avaliação dos Resultados
Talvez seja este o principal desafio do terceiro setor nos próximos anos: combater o
desperdício de recursos e a sobreposição de atividades. É preciso, portanto, questionar a
gestão das ONGs no sentido de capacitá-las, sob pena de os recursos não serem mais
canalizados.
O ESTADO ESTRATÉGICO
As privatizações limitaram o poder estratégico do Estado-e a crise do setor elétrico
no Brasil em 2001 revelou essa dolorosa verdade.
O Estado estratégico se estabelece por duas vias. A primeira, dos direitos políticos,
no aperfeiçoamento do sistema partidário. Aqui as ONGs vinculadas à cidadania poderão
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exercer sua pressão sobre o orçamento público, aperfeiçoar a democracia e combater a
corrupção.
CONCLUSÃO
A questão que se coloca, então, é a da autonomia do terceiro setor: até que ponto
depende do Estado e das empresas? Até que ponto as ONGs podem reeditar a história, já
conhecida, das instituições que usam da coisa pública em benefício de pequenos grupos de
poder? A crise da confiabilidade também é a da representação: as ONGs podem ser
consideradas representantes legítimas dos anseios da sociedade civil? Por outro lado, a
questão também é política: em que medida as ONGs, tornadas “parceiras” do Estado, podem
exercer um controle social sobre a ação do poder público?
É chegado o momento de dar um salto qualitativo e atacar não apenas os reflexos da
pobreza, mas principalmente suas causas.
Nos próximos anos, o poder público será pressionado a atender à demanda dos
direitos sociais e econômicos.
É esperado que as ONGs cumpram um papel transformador, propondo novas formas
de tornar as políticas públicas mais eficientes e capazes de abarcar os direitos de todos os
brasileiros.
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