O protagonismo da sociedade civil

Propaganda
Segunda parte: o protagonismo
da sociedade civil brasileira
•
•
Conceito de sociedade civil: passou por diferentes
concepções e significados. No Brasil surge, de forma
geral, em um contexto histórico, político, econômico
e social específicos - no final dos anos 1970, em que
o governo era ditatorial, nutrindo políticas públicas
que privilegiavam o grande capital e consideravam
principalmente as demandas de parcelas das
camadas médias e altas da população. (70)
Sociedade civil torna-se, então, na linguagem política
corrente, sinônimo de participação e organização da
população civil do país na luta contra o regime
militar, e pela aquisição de bens, serviços e direitos
sociopolíticos negados pela ditadura. (71)
•
•
Sociedade Civil: ideia de autonomia organização independente do Estado, evitandose alianças consideradas espúrias, para que não
houvesse reprodução de práticas autoritárias
estatais e nem práticas tradicionalmente de
esquerda consideradas, nesse momento,
superadas, como o centralismo democrático. (71)
Gohn atenta para as contradições dos
movimentos sociais nos anos 1970/80, apontando
que, apesar da postura de autodeterminação
(para fora), internamente, apesar da dinâmica de
assembléias, muitos dos grupos se apoiavam no
auxílio de assessorias externas. (71)
 “A
democracia direta e participativa,
exercitada de forma autônoma, nos locais
de moradia, trabalho, estudo etc. era tida
como o modelo ideal para a construção
de uma contra-hegemonia ao poder
dominante. Participar das práticas de
organização da sociedade civil signficava
um ato de desobediência civil e de
resistência ao regime político
predominante” (71/72)
•
Pautados nas reivindicações por liberdade
e justiça social, nos novos movimentos
sociais se tornaram os protagonistas da
sociedade civil, lutando pelo
reconhecimento de direitos sociais e
culturais relativos à raça, ao gênero, ao sexo,
à qualidade de vida, ao meio ambiente, à
segurança, aos direitos humanos etc. Eles
expressaram uma ampliação e pluralização
dos grupos organizados, que redundaram
na criação de movimentos, associações,
instituições e ONGs. (72)
 Gohn
observa que houve, no período, um
deslize conceitual, muitas vezes
apresentado como verdadeira teoria
gramsciana, na concepção de que
sociedade civil era o oposto de militar.
Tal confusão gerou, para C. N. Coutinho
(apud Gohn), o obscurecimento do
caráter contraditório das forças sociais
que formavam a sociedade civil
brasileira.
•
Os novos movimentos sociais não foram um
fenômeno isolado no Brasil. Eles tomaram boa parte
do globo, contrapondo-se à ideia de que apenas os
trabalhadores (proletariado) poderiam realizar
mudanças históricas. Outros sujeitos sociais como
mulheres, ambientalistas, homossexuais, negros já
haviam “iniciado uma trilha de lutas independente
do mundo do trabalho e se firmado como agentes de
construção de identidades e força social
organizada”, ajudando a construir novos significados
para a política, localizando-a no cotidiano, retirando
sua exclusividade do campo da representação
institucional e do poder, enquanto instância
centralizada no Estado. (vide, aqui, estudos de
Foucault, Deleuze, Guatari, Castoriadis etc.) [74]

Com a saída dos militares do governo (1985), os
movimentos sociais (especialmente os populares)
perderam paulatinamente a centralidade que tinham nos
discursos sobre a participação da sociedade civil,
passando a haver uma fragmentação do que se
denominou como “sujeito social histórico”, centrado nos
setores populares, fruto de aliança entre o movimento
sindical e o movimento popular de bairro. Surge uma
pluralidade de novos atores e de novas formas de
associativismo, e a autonomia dos membros da sociedade
civil deixa de ser o eixo estruturante fundamental para a
construção de uma sociedade democrática porque, com o
retorno dos processos eleitorais, a sociedade política
(traduzida por parcelas do poder institucionalizado no
Estado) passa a ser objeto de desejo das forças políticas
•
•
Então, novos e antigos atores sociais fixarão suas
metas de lutas e conquistas na sociedade política,
especialmente nas políticas públicas. 75)
O conceito de cidadania, questão que já estava posta
nos anos 80 - na qual se destaca a busca pela
conquista de direitos civis e políticos, naquele
momento focados nos direitos e primeira e de
segunda geração - agora, nos anos 90, é forjado no
contexto do descentramento do sujeito e da
emergência de uma pluralidade de atores e passa a
ser incorporado nos discursos oficiais e
ressignificado na direção próxima à ideia de
participação civil, de exercício da civilidade, de
responsabilidade social dos cidadãos, por se tratar
não apenas de direitos, mas, também, de deveres.
(75)
•
•
•
Nesse sentido, os atores sociais passam a ser
homogeneizados, sendo envolvidos por deveres
que os responsabilizam em arenas públicas, via
parcerias nas políticas sociais governamentais.
(75)
Há um retorno ao atendimento da população a
partir de critérios da idade, gênero e etnia. (76)
De um lado, isso expressa uma conquista dos
movimentos sociais organizados, garantindo, de
certo modo, a auto-estima e o sentido de
pertencimento de indivíduos a uma certa
comunidade, o que pode ser denominado como
“empoderamento”. (76)
•
De outro lado, por estarem “congelados” por
políticas públicas, tais novos direitos demandam,
para expressarem, de fato, a realização da
democracia, a existência de “espaços públicos
novos para operacionalizar as políticas de forma
diferente, que seja realmente representativos,
com participação efetiva da comunidade, tais
como diferentes tipos de conselhos, audiências
públicas, redes jurídicas locais articuladas a
outras de caráter regional, nacional ou
internacional, fóruns temáticos ou participação
popular. Se isso não ocorrer, estas políticas
levarão à quebra da unidade na questão da
igualdade à medida que elas são elaboradas
fracionando a sociedade.” (76)
•
As contradições em relação à efetivação da
cidadania nos termos da real participação dos atores
sociais na construção das políticas sociais e públicas
são: a) o fato de que o atendimento das demandas
sociais passam, nos anos 90, a ser ordenadas, pelo
Estado, segundo critérios da administração pública
(instâncias inacessíveis à participação da sociedade
civil), a maioria elaborados em instâncias federais
que priorizam os acordos internacionais de
pagamento da dívida, ajustes fiscais acertados com o
FMI etc.; b) a ameaça da fragmentação do problema
social, da individualização de problemas como o da
pobreza ou da miséria, a quebra da unidade e da
força da mobilização em termos de direitos sociais e
políticos. (77)
 “Os
novos atores que emergiram na cena
política necessitam de espaços na
sociedade civil – instituições próprias,
para participarem de novos pactos
políticos que redirecionem o modelo
político vigente.” (78)
 Divisão do protagonismo dos
movimentos sociais no Brasil: de 1990-95;
de 1995 a 2000; de 2000 – (...)
1990-1995 = houve um refreamento nos
movimentos populares urbanos, o que se deveu
a fatos novos, a saber:
a) O país saía de uma etapa de conquista de novos
direitos constitucionais, a maioria dos quais
precisava ser regulamentada;
b) A volta das eleições diretas em todos os níveis
governamentais também alterou a dinâmica das
lutas sociais porque se tratava, agora, de
democratizar os espaços públicos estatais;
c) A necessidade de atuação no plano institucional
e governamental aumentou;




O governo federal passou a implementar as políticas neoliberais,
as quais geraram desemprego, aumento da pobreza e da violência
urbana e rural. (79)
A “crise do movimento social urbano” veio acompanhada, no
início dos anos 1990, pelo fortalecimento do MST. Paralelo a isso,
novos atores sociais emergem com força, como ONGs e outras
entidades do Terceiro Setor. (80)
Na “crise do movimento social urbano” observa-se tensões entre
lideranças na condução dos movimentos sociais, principalmente
em relação a pontos como: institucionalização, participação ou não
em conselhos propostos ou criados pelo poder público,
participação em programas governamentais etc.(80)


Com lideranças ascendendo a cargos no poder
público, criou-se a necessidade de articulações e a
maioria dos movimentos rurais e urbanos passou a
atuar em redes e a construir agendas anuais de
congressos e manifestações públicas, a exemplo do
Grito dos Excluídos. (81)
Tal crise dos movimentos sociais expressava:
a) o desmonte de políticas sociais pelas políticas
neoliberais e sua substituição por outras políticas, em
parceria com ONGs e outras entidades do Terceiro
Setor;
b) a fragmentação da sociedade pela desorganização
ou flexibilização do mercado de trabalho levando ao
crescimento do setor informal;
c) a defasagem na qualificação do mercado de trabalho
face à era da tecnologia, comunicações e informação,
levando a novas exigências no campo da educação
formal e não formal, face ao mundo globalizado.
 2ª. Metade dos anos 1990 = maior alteração nos
movimentos sociais, a saber:
a) crises econômicas internas, em movimentos
populares e ONGs “cidadãs” que os levaram a
repensar seus planos de ação. Algumas entidades
sucumbiram, outras se fundiram com parceiras, outras,
ainda, mudaram sua área da atuação para setores
específicos, dentro do leque dos programas sociais
institucionalizados, governamentais ou de apoio
advindo da cooperação internacional;
b) introdução de novas pautas como a de se trabalhar com
os excluídos sobre questões de gênero, etnia, idade etc.;
c) desmotivação da população necessitada para participar
de reuniões e demais atividades do movimento em razão do
desemprego e do aumento da violência urbana, como o
tráfico de drogas;
d) a “ideologia” de que os programas devem ser
propositivos e não apenas reivindicativos, na perspectiva de
política de distribuição e gestão de fundos públicos em
parceria com a sociedade organizada por projetos
pontualizados como as crianças, os jovens, as mulheres etc.
(mobilizar passou a ser sinônimo de arregimentar e
organizar a população para participar de programas e
projetos sociais. (82, 83)
Gohn observa que o panorama dos movimentos sociais
nos anos 2000 pode ser descrito em torno de 13 eixos
temáticos, quais sejam:
1) Movimentos sociais ao redor da questão urbana, pela
inclusão social e por condições de habitabilidade na
cidade = redes compostas por intelectuais de centroesquerda e movimentos populares (como o MTST), os
quais participaram da construção do Estatuto da
Cidade; movimentos de camadas médias contra a
violência urbana e pela paz; movimentos pela
recuperação de estruturas ambientais e de
equipamentos e serviços públicos (83/84)

2) Mobilização e organização popular em torno de
estruturas institucionais de participação na gestão
político-administrativa da cidade, como o Orçamento
Participativo e os Conselhos Gestores (Saúde,
Educação etc.); como os Conselhos de Populações
Afrodecendentes, da Condição Feminina etc.
3) Movimentos pela educação, no setor da educação
formal e na área da educação não formal (84/85)
4) Movimentos em torno da questão da saúde
5)Movimentos de demandas nas áreas de direitos
humanos e culturais
6) Mobilizações e movimentos sindicais contra o
desemprego (86)
7) Movimentos decorrentes de questões religiosas de
diferentes crenças, seitas e tradições religiosas
8) Mobilizações e movimentos dos sem-terra, na área
rural e suas redes de articulações com as cidades via
participação de desempregados e moradores de ruas
9) Movimentos contra as políticas neoliberais por
reformas estatais, políticas e sociais e reformas dos
aparelhos estatais
10) Grandes fóruns de mobilização da sociedade civil
organizada contra a globalização, como o Fórum Social
Mundial, Fóruns Culturais, da Educação (Mundial) etc.
(87)
11) Movimento das cooperativas populares,
fundamentados na economia solidária,
organizado em redes autogestionárias e
solidárias
12) Mobilizações do Movimento Nacional de
Atingidos pelas Barragens, hidroelétricas,
implantação de áreas de fronteiras de
exploração mineral ou vegetal etc.
13) Movimentos sociais no setor das
comunicações, como o Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação (88)
 As
ONGS:
 Nos anos 1970/80 as ONGs funcionaram como
instituições de apoio aos movimentos sociais e
populares (89)
 Nos anos 1990 surgem entidades
autodenomiadas como terceiro setor, mais
articuladas às empresas e fundações, ao lado
de ONGs cidadãs, que militam junto aos
movimentos sociais e populares, as quais
passam a assumir postura mais intervencionista
junto a tais movimentos (89)
 As
ONGs cidadãs passam a se especializar e
trabalhar em redes temáticas de abrangência
local, regional, nacional e trasnacional. (90)
 O terceiro setor, por sua vez, cresceu em
perspectiva pouco politizada, preocupado
basicamente com a inclusão social em termos
de integração social ao status quo vigente,
trabalhando com projetos e programas
focalizados para clientelas específicas,
desconsiderando a possibilidade de
universalização das demandas. (91)
 As
ONGs cidadãs passaram a qualificar
seus agentes, e se voltar a clientelas das
políticas em parceria, promovendo
cursos, seminários, capacitações e até
treinamentos, dentro da lógica dos
critérios impostos pelos organismos
internacionais. Nesse sentido suas
práticas são muito parecidas com as do
terceiro setor. Não fosse o seu vetor
cidadão, não se distinguiria deste. (92)
 As
ONGs cidadãs, também, mudaram seu
referencial de trabalho: se antes se
preocupavam com a transmissão de saberes
(no modelo do educador social), nos anos 90
passaram a se preocupar com práticas
comunicacionais em termos de interatividade,
levando em consideração a pluralidade de seu
público. Não importa, mais, a ideologia política,
mas a criação de sujeitos políticos ativos com
capacidade de intervir na economia (informal)
para melhorar a sua qualidade de vida e de sua
família. (93)
 Terceiro
Setor: é organizado sob diferentes
lógicas, que vão da ótica do mercado a
entidades com projetos emancipatórios. Seus
paradigmas de abordagem podem ser:
a) Utilitarista – pautada na lógica racional;
b) Assistencial/integradora – fundada no
voluntariado e voltada para eliminar tensões
e conflitos sociais;
c) Ator social emergente – busca-se desenvolver
as noções de pertencimento e de
empoderamento (95/96)


As ONGs que desenvolvem serviço de caráter educativo,
por oposição ao assistencialismo, não seguem a lógica do
mercado, mas a da cooperação e da solidariedade,
recolocando o tema da igualdade, embora não consigam
desenvolver conhecimentos universalizantes, ficando reféns
do trabalho com projetos localizados e focalizados. (97)
Gohn demonstra uma expectativa em relação às ONGs
cidadãs de que criem condições para vincularem-se mais a
processos do que a projetos: para vincularem-se com os
movimentos sociais e populares, com as associações de
moradores, com todos os grupos organizados que lutaram e
lutam pelos direitos sociais no Brasil. (106)
Download