1 COMORBIDADES PSIQUIÁTRICAS NA DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA REVISÃO DA LITERATURA1 Vera Regina Ferreira dos Passos Ebling2 Adriana Raquel Binsfeld Hess3 RESUMO A dependência química é uma das doenças psiquiátricas mais frequentes na atualidade e representa um grave problema de saúde pública. O presente trabalho teve como objetivo realizar uma revisão da literatura nacional relacionada à dependência química e as comorbidades psiquiátricas, no período de 2006 a 2012. Os artigos foram pesquisados nas bases de dados Pepsic e Scielo. Os artigos foram analisados através de oito categorias: l. Base de dados; 2. Tipo de produção; 3. Método; 4. Ano de publicação; 5. População alvo; 6. Autoria dos artigos; 7. Assuntos mais abordados; 8. Principais associações entre tipo de substância usada e doença mental. A maioria dos estudos está indexada no Scielo (91,1%), e refere-se a estudos empíricos (66,6%). Constatou-se que há uma alta prevalência de transtornos psiquiátricos nas pessoas que fazem uso de substâncias psicoativas. Duas hipóteses são comumente citadas pelos autores: a da auto-medicação para alívio do sofrimento psíquico e a outra aponta a relação direta do uso de substâncias psicoativas e o desenvolvimento de comorbidades psiquiátricas, sendo a depressão e os transtornos de ansiedade os mais frequentes. Palavras-chave: Comorbidades psiquiátricas. Dependência química. Revisão de literatura. 1 Artigo de pesquisa apresentado ao Curso de Especialização em Dependência Química das Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT), como requisito parcial para a aprovação no Curso de Pós Graduação em Dependência Química. 2 Psicóloga. Coordenadora da Equipe de Saúde Mental da Fundação Hospitalar Dr. Oswaldo Diesel. Pósgraduanda em Dependência Química pelas Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT). E-mail: [email protected] 3 Psicóloga. Mestre em Psicologia Clínica. Doutoranda em Psicologia (UFRGS). Docente das Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT). Orientadora do Trabalho de Conclusão. E-mail: [email protected] 2 1 INTRODUÇÃO A dependência química se confunde com a história da humanidade e tem se configurado em um fenômeno de massa e uma questão de saúde pública em todo mundo (ZALESKI et al, 2006; RANGÉ & MARLATT, 2008; PRATTA et al, 2009; SOUSA et al, 2010; VARGENS et al, 2011). A dependência química é mundialmente classificada entre os transtornos psiquiátricos, sendo uma doença de curso crônico e que acompanha o indivíduo para o resto da vida, mas que pode ser tratada e controlada (ZALESKI et al, 2006; PRATTA et al, 2009; RIBEIRO & LARANJEIRA, 2012). Existem, comumente, duas formas de classificação e de critérios diagnósticos da dependência química e dos transtornos mentais: o Manual de Diagnóstico Estatístico (DSMIV TR) da Associação Psiquiátrica Americana (APA) e a Classificação Internacional de Doenças (CID 10). Segundo o DSM–IV TR (2002) os transtornos relacionados a substâncias são divididos em dois grupos: transtorno por uso de uma substância (dependência de substância e abuso de substância) e transtornos induzidos por substâncias (intoxicação, abstinência de substâncias, transtornos do sono, do humor, ansiedade por uso de substâncias, sintomas psicóticos induzidos por substâncias, etc.). O uso crônico destas substâncias pode causar dependência química, consequência da relação patológica entre um indivíduo e uma substância psicoativa. O início do consumo da substância pode se dar por vários motivos e estes podem persistir após a instalação da dependência (APA, 2002; PIMENTEL et al, 2008; SILVA et al, 2009; LIMA et al, 2010). A Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID 10 (1993) refere que o diagnóstico dos transtornos decorrentes do uso de substância psicoativa deve ser feito, sempre que possível, de acordo com a substância única ou classe de substâncias mais usada. A intoxicação aguda é uma condição transitória pela administração de álcool ou outras substâncias psicoativas, resultando em perturbações no nível da consciência, cognição, percepção, afeto ou comportamentais, bem como nas respostas fisiológicas do indivíduo e está relacionada aos níveis de doses. A CID 10 entende como uso nocivo o padrão de uso de substância psicoativa que está causando dano físico ou mental. A síndrome de dependência é um conjunto de fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos, no qual o uso de uma substância ou classe de substância alcança uma forte compulsão ao uso, dificuldade em controlar o uso da substância, síndrome de abstinência quando da interrupção do uso, aumento da tolerância necessitando sempre maiores quantidades da droga, perda de interesse por outras atividades em detrimento do uso 3 da substância psicoativa e persistência no uso da substância com agravos à saúde (CID 10, 1993). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2001) a dependência química deve ser tratada simultaneamente como uma doença médica crônica e como um problema social. É necessário identificar e tratar os sintomas, porém sem esquecer e avaliar as consequências e os motivos que levaram à mesma. Estudos investigaram o uso de substâncias psicoativas e da dependência química em diferentes populações com o objetivo de reconhecer fatores de risco e fatores de proteção, as implicações econômicas e sociais nelas envolvidas (ORSI et al, 2006; OLIVEIRA et al, 2007; DUAILIBI et al, 2008; OLIVEIRA & NAPPO, 2008; RANGÉ & MARLATT, 2008; PRATTA et al, 2009; SILVA et al, 2009; FONTANELLA, 2010; PORTUGAL et al, 2010; SOUSA et al, 2010) bem como estudar as mudanças ocorridas no perfil dos pacientes em vista das dificuldades de manejo, abordagem e tratamento (ZALESKI et al, 2006; CIRIBELLI et al, 2008). Estudos epidemiológicos com a população em geral evidenciam um maior consumo de substâncias psicoativas entre os homens. Eles usam mais drogas ilícitas enquanto que as mulheres usam mais medicamentos. As diferenças fisiológicas entre homens e mulheres determinam distintos danos à saúde, com desigualdades nas taxas de morbimortalidade (ORSI et al, 2006; OLIVEIRA et al, 2007; CIRIBELLI et al, 2008; NÓBREGA et al, 2012). Todas as drogas trazem prejuízos e perigos potenciais independente de serem drogas lícitas ou ilícitas (SOUSA et al, 2010). O II Levantamento Domiciliar sobre o uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil (CARLINI et al, 2007) aponta para o crescente aumento de uso de drogas, sendo o álcool a substância lícita mais utilizada. As escalas que tratam dos estágios no uso de drogas afirmam que o individuo inicia o uso pelas drogas chamadas lícitas, como álcool e tabaco, passando pela maconha, para progressivamente usar drogas “pesadas” como a cocaína/crack, etc. e com a associação de múltiplas drogas (CARLINI et al, 2007; SOUSA et al, 2010). Há uma elevação do uso entre as adolescentes o que causa maior probabilidade para o desenvolvimento de dependência química na vida adulta (BROECKER et al, 2007; VIEIRA et al, 2008). As drogas lícitas e os medicamentos tem o consumo estimulado pela mídia (PIMENTEL et al, 2009; SOUSA et al, 2010), o modelo familiar também influencia o uso de drogas e substâncias lícitas (BROECKER et al, 2007; SILVA et al, 2007; VIEIRA et al, 2008; GARCIA et al, 2011). Há um crescente número de usuários e consequentemente de dependentes químicos com danos a saúde (físicos, cognitivos, psicológicos, familiares e 4 sociais) além de estar muitas vezes associado a criminalidade, baixo rendimento escolar, prejuízos nas relações interpessoais e profissionais (CHALUB & TELLES, 2006; BECK et al, 2007; CORRADI-WEBSTER et al, 2009; FONTANELLA, 2010; LIMA, 2010; RANZONI et al, 2010). O Relatório Brasileiro sobre Drogas (SENAD, Ministério da Saúde, 2009) aponta um total de 138.585 internações associadas a transtornos mentais e comportamentais pelo uso de drogas no ano de 2007, sendo álcool com 68,7% das internações; uso de múltiplas drogas com 23% das internações. Os dados epidemiológicos apontam que 6 à 8% da população necessitam de algum cuidado decorrente do uso prejudicial de álcool e/ou outras drogas. Transtornos por uso de substâncias são prevalentes em setor de emergência geral e psiquiátricas, atingindo taxas de 28% das ocorrências em pronto-socorros gerais e muitas das mortes nos setores de emergência se relacionam aos poliusuários (AMARAL et al, 2010). Comorbidade é a associação de outra doença em um indivíduo já portador de alguma patologia com a potencialização recíproca entre elas. A ocorrência de um transtorno adicional pode alterar a sintomatologia, comprometendo o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico de ambas (OCCHINI & TEIXEIRA, 2006; ZALESKI et al, 2006; PORTUGAL et al, 2010). Assim sendo utilizada apenas para descrever a coexistência de transtornos ou doenças e não de sintomas. A prevalência de comorbidades psiquiátricas em abusadores e dependentes de drogas é elevada, variando entre 21 e 65% (CALHEIROS et al, 2006; KESSLER & DE BONI, 2006; ZALESKI et al, 2006). A chance de indivíduos com transtorno por uso de substância apresentar um ou mais transtornos mentais é quatro vezes maior do que nas pessoas que não usam substância (KESSLER & DE BONI, 2006). As comorbidades psiquiátricas associadas aos quadros de dependência química têm sido tema de vários estudos nacionais e em diferentes populações: em adolescentes: (BROECKER et al, 2007; PAVANI et al, 2007; CAVALCANTE et al, 2008; VIEIRA et al, 2008), em universitários (SILVA et al, 2006; FREIRE et al, 2012; NÓBREGA et al, 2012), em homens (ORSI et al, 2006; HESS et al, 2012; RIBEIRO, 2012), em mulheres (RABELLO et al, 2007; PIMENTEL et al, 2008; ARAGÃO et al, 2009; BITTAR et al, 2011). Os dependentes químicos que buscam tratamento podem estar sujeitos as motivações relacionados primeiramente ao quadro comórbido ou sintomas psicopatológico associados ao uso de drogas, e não com a dependência ou uso nocivo de alguma substância psicoativa (FONTANELLA, 2010). O objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão sistemática da literatura sobre a dependência química e as comorbidades psiquiátricas relacionadas ao uso de substâncias. 5 Também objetivou averiguar quais as principais associações entre o tipo de substância preferencial e doença mental. 2 MÉTODO Trata-se de uma revisão da literatura que teve por objeto de estudo as comorbidades psiquiátricas relacionadas às drogas. Na busca dos artigos a serem analisados nesta revisão bibliográfica foram utilizados os descritores: dependência química, comorbidades psiquiátricas e transtornos relacionados ao uso de substâncias. Os artigos foram pesquisados nas bases de dados Pepsic e Scielo, no mês de março do ano de 2013. Os critérios de inclusão dos artigos foram: artigos brasileiros publicados no período 2006 a 2012, em português, com enfoque na dependência química, nas comorbidades psiquiátricas e nos transtornos relacionados ao uso de substâncias. Foram usados como critérios de exclusão os resumos que não estivessem publicados em português, que não se relacionavam a dependência química ou comorbidades, estudos com população gestante, idosos, soropositivos e com enfoque religioso. Os artigos referidos em mais de uma base de dados foram considerados apenas uma vez. Inicialmente foram encontrados 18 artigos sobre dependência química e 5 artigos sobre comorbidades psiquiátricas. Para o descritor transtornos relacionados ao uso de substâncias foram encontrados 132 artigos. Foram selecionados 9 artigos sobre dependência química, 1 artigo sobre comorbidades psiquiátricas e 35 artigos sobre transtornos relacionados ao uso de substâncias, totalizando 45 artigos para esta revisão da literatura. Os artigos foram analisados quanto: l. Base de dados em que a publicação estava indexada (Pepsic ou Scielo); 2. Tipo de produção: revisão teórica, estudo empírico ou relato de experiência. 3. Método utilizado no artigo: quantitativo e/ou qualitativo; 4. Ano de publicação; 5. População alvo; 6. Autoria do artigo; 7. Assuntos mais abordados; 8. Tipo de associação entre o tipo de substância preferencial e comorbidades psiquiátricas. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS A produção científica sobre a dependência química é bastante vasta, porém quando nos concentramos no tema das comorbidades psiquiátricas e nos agravos da saúde relacionados ao uso de substâncias o número de publicações reduz-se significativamente. 6 Poucos são os estudos que exploram a associação de transtornos mentais e transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas em uma mesma pessoa, sendo relevantes os estudos que se proponham a levantar dados sobre este tema (LEAL et al, 2012). Alguns artigos se sobrepuseram nas duas bases de dados consultadas (Scielo e Pepsic), contudo, entre os artigos selecionados pode-se observar que a maioria destes encontram-se no Scielo totalizando 91,1%, conforme tabela abaixo. Descritor Dependência química Comorbidades Psiquiátricas Transtornos relacionados ao uso de substâncias % Scielo 07 0 34 91,1% Pepsic 02 01 01 8,9% Total 09 01 35 100% Base de dados Tabela 1. Porcentagem dos artigos segundo descritores por base de dados Em relação ao tipo de produção encontrada, é possível observar que a maior parte dos artigos são estudos empíricos (66,6%) seguidos de artigos de revisão teórica (28,9 %) e relato de caso (4,4%). Estes dados podem ser observados na Tabela 2. Tipo de produção Dependência química Comorbidades Psiquiátricas Transtornos relacionados ao uso de substâncias % Revisão da literatura 04 01 08 28,9% Estudos empíricos 05 0 25 66,6% Relato de Caso 0 0 02 4,4% Total 09 01 35 100% Descritor Tabela 2. Porcentagem dos artigos por descritor e tipo de produção Quanto ao método, verificou-se que a maioria dos estudos utilizou o método qualitativo (62,2%), seguido pelo método qualitativo/quantitativo (26,7%) e quantitativo (11,1%), conforme tabela abaixo. Nem todos os estudos informaram no resumo claramente o método utilizado. Estes dados podem ser observados na Tabela 3. 7 Método Total % Qualitativo 28 62,2% Quantitativo/ Qualitativo 12 26,7% Quantitativo 05 11,1% Total 45 100% Tabela 3. Porcentagem dos artigos quanto ao método A Tabela 4 mostra a distribuição das publicações por ano, evidenciando que houve maior número de publicações em 2010, totalizando 22,2%. O número de publicações que trataram dos transtornos relacionados ao uso de substâncias foi maior. Ano da Publicação Assunto Dependência química Comorbidades Transtornos relacionados ao uso de substâncias % 2006 01 01 05 15,5% 2007 01 0 05 13,3% 2008 02 0 02 8,9% 2009 01 0 04 11,1% 2010 02 0 08 22,2% 2011 01 0 06 15,5% 2012 01 0 05 13,3% Total 09 01 35 100% Tabela 4. Porcentagem das publicações por ano e descritor Os artigos analisados para este trabalho tiveram como alvo diferentes populações, conforme tabela 5. Há consenso na literatura de que a população usuária de drogas e com comorbidades psiquiátricas é heterogênea quanto à faixa etária, sexo, tipo de substância utilizada, gravidade do uso de substâncias e do quadro psiquiátrico associado. Apontam ainda a necessidade de se conhecer esta população com o objetivo de ofertar um tratamento mais eficaz (CALHEIROS et al, 2006; SILVA et al,2006; ZALESKI et al, 2006; CARLINI et al, 2007; RONZANI et al, 2010; NÓBREGA et al, 2012). Em relação a população alvo o maior percentual de estudos trataram da população de usuários em geral (33,3%), 15,5% estudaram a população de adolescentes e 15,5% referiramse aos profissionais de saúde que trabalham com os usuários de drogas, conforme pode-se observar na Tabela 5, a seguir. 8 População Alvo Dependência Química Comorbidade Psiquiátricas Transtornos relacionados ao uso de Substâncias % População em geral (usuários de substâncias) 05 01 09 33,3% Adolescentes Estudantes 01 0 06 15,5% Profissionais de Saúde 0 0 07 15,5% Mulheres 02 0 03 11,1% Usuários de drogas que frequentam serviços da Saúde Mental 01 0 04 11,1% Universitários 0 0 02 4,4% Homens 0 0 01 2,2% Pacientes das Emergências 0 0 01 2,2% Famílias de usuários 0 0 01 2,2% Pesquisa com animais 0 0 01 2,2% Total 09 01 35 100% Tabela 5. Distribuição dos estudos por descritor e população alvo Com respeito à autoria dos artigos, 14 áreas profissionais foram encontradas, verificando-se uma predominância de artigos escritos por equipes multidisciplinares. Nas equipes multidisciplinares há prevalência de profissionais da área médica/psiquiatria (34,7%), de enfermeiros (29,2%) e de psicólogos (20,1%), embora profissionais de diferentes áreas estejam se engajando nos estudos sobre o tema da dependência química e os agravos à saúde nesta clientela. Apenas dois artigos não foram escritos por equipes multidisciplinares, sendo estes da autoria de profissionais da enfermagem. Pode-se inferir que apesar de ser um problema de saúde pública o enfoque e os estudos ainda estão centrados na questão curativa e não na prevenção e promoção da saúde (PRATTA et al, 2009). Estes dados podem ser observados na Tabela 6. 9 Área Profissional Nº de profissionais % Medicina/ Psiquiatria 50 34,7% Enfermagem 42 29,2% Psicologia 29 20,1% Pesquisador 09 6,25% Fonoaudiologia 03 2,08% Serviço Social 02 1,39% Odontologia 02 1,39% Neurociência 01 0,69% Educação Física 01 0,69% Matemática 01 0,69% Farmacologia 01 0,69% Biomedicina 01 0,69% Administração 01 0,69% Antropologia 01 0,69% Total: 14 profissões 144 100% Tabela 6. Porcentagem de autoria de artigos por área profissional Os assuntos mais abordados estão relacionados na Tabela 7, porém, é consenso entre os autores que a dependência química é um problema de saúde pública em todo mundo, uma das doenças psiquiátricas mais frequentes na atualidade, com curso crônico e que necessita de tratamento pelos agravos a saúde física e mental e pelas implicações sociais e econômicas que causam (ORSI et al, 2006; ZALESKI et al, 2006; CIRIBELLI et al, 2008). O tratamento e os agravos da saúde foram os assuntos mais discutidos, com 14,13% e 13,0% respectivamente. 10 Assuntos mais abordados Nº de vezes % Problema de Saúde Pública 45 24,4% Tratamento 26 14,13% Transtornos Associados (físicos, psíquicos, comorbidades) 24 13,0% Fatores de Proteção 16 8,69% Fatores de Riscos 10 5,43% 10 5,43% Educação e Qualidade de Vida 10 5,43% Aspectos Sociodemográficos 08 4,35% Aspectos Epidemiológicos 08 4,35% Auto-medicação 07 3,80% Políticas Públicas 07 3,80%. Avaliação Diagnóstica 05 2,71% Questão de Gênero 03 1,63% Uso de Múltiplas Drogas 03 1,63% Validação de Testes, Aplicação de Testes 02 1,09% Total 184 100% Violência e Criminalidade Tabela 7. Porcentagem de assuntos mais abordados nos artigos Diferentes autores relacionam a associação de substâncias psicoativas com os agravos de saúde física e mental e o impacto que a droga tem na vida destes indivíduos. O abuso de substâncias está relacionado à comorbidades psiquiátricas (CALHEIROS et al, 2006; ZALESKI et al, 2006; LEAL et al, 2012) comportamentos de risco (OLIVEIRA & NAPPO, 2008; CORRADI - WEBSTER et al, 2009; COSTA et al, 2012); violência e criminalidade (CHALUB & TELLES, 2006; ALMEIDA Fº et al, 2007; OLIVEIRA et al, 2008; BITTAR et al, 2011); acidentes de trânsito (BECK et al, 2007; RABELLO et al, 2007; CASSOL et al, 2012); rebaixamento na aprendizagem, evasão e reprovação escolar (BROECKER et al, 2007; CORRADI-WEBSTER et al, 2009; COSTA et al, 2012) elevando os índices de morbidade e mortalidade (CHALUB & TELLES; 2006; RONZANI et al, 2006; SILVA et al, 2006; BECK et al, 2007; RABELLO et al, 2007; ZALAF et al, 2010; BITTAR et al, 2011; FREIRE et al, 11 2012; NÓBREGA et al, 2012). Na literatura estudada duas hipóteses são levantadas sobre a associação do uso abusivo e a dependência de substâncias com as comorbidades psiquiátricas. Alguns autores sugerem a existência de transtornos psiquiátricos anteriores ao uso de drogas e que levariam ao uso de substâncias psicoativas como forma de alivio dos sintomas do sofrimento psíquico enquanto outros autores afirmam que há relação direta do uso de substância psicoativas com o desenvolvimento de comorbidades psiquiátricas (ZALESKI et al, 2006; ZALAF & FONSECA, 2009; DIEHL et al, 2010). Estudos apontam uma alta prevalência de transtornos psiquiátricos nas pessoas que fazem uso de substâncias psicoativas, mostram diferentes prevalências e variações das taxas, pois depende da amostra (clínica ou populacional), dos critérios diagnósticos, da rede de apoio, etc. (SILVA et al, 2006; ZALESKI et al, 2006). A prevalência do uso de drogas em populações portadores de transtornos psiquiátricos é mais elevada do que na população em geral, sendo necessária a avaliação de comorbidades nesta população (ZALESKI et al, 2006; SILVA et al, 2009). A presença de transtornos psiquiátricos (quadro comórbido) em dependentes químicos torna mais provável a busca por tratamento e não a dependência química propriamente dita (FONTANELLA, 2010). Especialistas referem à importância de diferenciar pacientes com transtornos mentais graves que abusam de substâncias daqueles que apresentam quadros de dependência química. A co-ocorrência de transtornos psiquiátricos e de transtornos devido ao uso de substâncias psicoativas cada vez mais tem sido reconhecida na clínica psiquiátrica. Os estudos estimam que entre 23% e 70% dos pacientes dependentes de álcool e outras drogas sofrem de transtornos ansiosos ou depressivos, com maior prevalência entre as mulheres. Os homens tendem a desenvolver comorbidades relacionadas aos transtornos de personalidade (CALHEIROS et al, 2006; ZALESKI et al, 2006). Entre os adolescentes as comorbidades psiquiátricas mais associadas relacionam-se ao transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), o transtorno de conduta e o transtorno desafiador opositor, sendo a maior prevalência no sexo masculino (ZALESKI et al, 2006; VENDRUSCULO et al, 2010; LEAL et al, 2012). Um estudo do Epidemiologic Catchment Area Study (ECA, 2006) citado por Zaleski et al (2006) apontou que metade dos indivíduos diagnosticados com dependência química ou abuso por substâncias pelo DSM IV- TR (2002) apresentam um diagnóstico adicional (26% apresentam transtornos de humor, 28% transtornos de ansiedade, 18% transtornos de personalidade antissocial e 7% esquizofrenia). Vendruscolo et al (2010) em estudos com 12 ratos afirma que o TDAH com transtornos relacionados ao abuso e dependência de álcool e outras drogas é uma das mais prevalentes entre adolescentes e persiste na vida adulta. Em relação ao tipo de substância preferencial e a associação de comorbidades psiquiátricas, estudos mostram que o uso abusivo de álcool e outras drogas tende a comprometer a atenção, a memória, as funções executivas e as viso-espaciais, provoca alterações do comportamento, acidentes de trânsito e suicídios com custos sociais incalculáveis (ZALESKI et al, 2006; RABELLO et al, 2007), e pode agravar quadros psiquiátricos severos: transtornos de ansiedade, de humor, de conduta e psicóticos (ZALESKI et al, 2006). Quando o álcool está associado à outra substância a chance de ocorrer situações de agressão aumenta em 29% e eleva o número de casos de desestrutura familiar segundo estudo de Rabello & Caldas Jr (2007) e de violência/crime (CHALUB & TELLES, 2006). O alcoolismo é classificado como terceira causa de absenteísmo no trabalho, aumento de aposentadorias precoces (SILVA et al, 2007). O uso abusivo de substâncias psicoativas associados a transtornos depressivos eleva as taxas de suicídio. No transtorno bipolar, o álcool agrava os sintomas maníacos e associação de outras drogas (ZALESKI et al, 2006; CALHEIROS et al, 2006; RABELLO et al, 2007). Nos pacientes com transtorno de ansiedade 20 a 45% relatam dependência de álcool e muitas vezes que fazem uso do álcool para aliviar o sofrimento psíquico-hipótese de automedicação (SILVA et al, 2006; NÓBREGA et al, 2012). Nos quadros de transtorno do pânico, 31% destes pacientes apresentam quadros de abuso ou dependência de álcool e outras drogas. O abuso de estimulantes, bem como a abstinência de depressores do sistema nervoso central deve ser avaliado como possíveis responsáveis pelos ataques de pânico. O tabagismo apresenta alta prevalência de transtornos psiquiátricos, 7,1% apresentaram comorbidades psiquiátricas. O tabagismo está associado a maioria dos transtornos mentais, sendo a depressão a comorbidade mais frequente (CALHEIROS et al, 2006). Entre os pacientes bipolares o tabagismo está associado em 55,1%; ocorre alta prevalência entre transtornos de ansiedade, sendo o transtorno de pânico o mais frequente (CALHEIROS et al, 2006). Em pacientes com transtornos psiquiátricos como esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, depressão maior e ansiedade há maior incidência do abuso de maconha (ZALESKI et al, 2006; SENAD, 2012) havendo exacerbação dos sintomas destes transtornos psiquiátricos. Pacientes com esquizofrenia são prováveis consumidores de maconha, com um aumento de risco em 10,1%; nos pacientes em episódio maníaco a taxa pode chegar a 14,5%, a ocorrência em sujeitos com depressão maior pode alcançar 4,1%; para os transtornos de pânico pode 13 chegar a 4,3 % e 2,4% em portadores de fobia (ZALESKI, et al, 2006). Estudos apontam que o uso pesado e regular de maconha ocorre com maior frequência na depressão (DIEHL et al, 2010). Os transtornos ansiosos são relatados como uma reação adversa ao consumo de maconha tanto na intoxicação aguda quanto na abstinência (DSM IV - TR, 2002; ZUARDI et al, 2008; DIEHL, CORDEIRO & LARANJEIRA, 2010; SENAD, 2012). Os transtornos de personalidade antissocial e o transtorno por uso de substâncias foram identificados em parcela significativa da população em geral, clínica e penitenciária e evidenciam fortes associações entre comportamentos de agressividade, impulsividade, delinquência, criminalidade, inabilidade de enfrentamento de situações problemas, baixa tolerância à frustração, início precoce do uso de drogas (cocaína, crack). A antissocialidade prediz múltiplos tipos de dependência química e que traços de personalidade severos foram relacionados à sintomatologia de álcool, tabaco e drogas ilícitas. Crianças que convivem com pais dependentes químicos evidenciam maior vulnerabilidade a agressividade e comportamentos antissociais, consumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas as mulheres estão mais expostas a riscos de transtornos de afetividade e ansiedade. Estes pacientes buscam tratamento (BROECKER et al, 2007; KAPLAN- SADOCK, 2007; GARCIA et al, 2011; ALVAREZ et al, 2012). Os homens envolvem-se mais com a criminalidade e violência e para o uso de substâncias sem reconhecer ou demonstrar interesse em tratar o transtorno de personalidade (APA, 2002). A cocaína é a substância ilícita mais utilizada entre aqueles que buscam atendimento de emergência, sendo responsável por 30 a 40% das admissões relacionadas a drogas ilícitas (MARQUES et al, 2006), produzindo uma variedade de sintomas psiquiátricos tanto durante o uso quanto na abstinência da droga (ALMEIDA Fº et al, 2007; LEAL et al, 2012; NÓBREGA et al, 2012). Estudos apontam que a depressão influencia o uso de cocaína, porém há dificuldade de diferenciar os sintomas depressivos causados pela abstinência da droga ou por um transtorno de humor (KESSLER & DE BONI, 2006; SILVA et al, 2007). Estudos referem como característica dos usuários de crack a dificuldade de lidar com as emoções o que aumenta a probabilidade de uso de múltiplas drogas e o desenvolvimento de quadros psiquiátricos (ARAÚJO et al, 2008; OLIVEIRA et al, 2008). Os quadros psiquiátricos mais frequentes são os transtornos de personalidade, quadros depressivos, quadros ansiosos, instabilidade de humor, ideias paranóides ou mesmo quadros psicóticos francos com delírios e alucinações, transtornos de pânico. A literatura aponta a depressão e a ansiedade como os transtornos mentais mais comuns e prevalentes nos usuários de crack (CIRIBELLI et al, 2008; OLIVEIRA & NAPPO, 2008). No Brasil a principal causa de morte 14 entre os usuários de crack é por homicídio pelo envolvimento e associações a elementos do tráfico que também estavam associadas a mais sintomas de ansiedade, de depressão, fissura (ARAÚJO et al, 2008). O crack tem sido considerado um fenômeno de saúde pública (OLIVEIRA & NAPPO, 2008) por suas consequências e impactos para o indivíduo e para a sociedade como um todo, pelo número elevado de dependentes e pelos danos físicos, mentais e sociais que tem causado (OLIVEIRA & NAPPO, 2008; VARGENS et al, 2011). Nos fatores de vulnerabilidade ao uso abusivo de substâncias encontram-se a disfuncionalidade das famílias e a fragilidade de fatores de proteção (SILVA et al, 2009). Em relação aos comportamentos de risco associados ao uso de substâncias os autores referem que na avaliação devem ser consideradas as vivências e a subjetividade de cada indivíduo, sua constituição física e psíquica (PRATTA et al, 2009). Entretanto há consenso que a exposição crônica ao uso de drogas pode acarretar uma série de consequências físicas, psicológicas e sociais e que a intoxicação aguda aumenta consideravelmente a incidência de comportamentos de risco (sexuais, de violência e criminalidade, acidentes de trânsito, homicídio e suicídio). Outro aspecto apontado nos estudos com a população jovem e de adolescentes é que a idade precoce do uso pode desempenhar papel importante no desenvolvimento de transtornos de adição e das consequências associadas ao uso de drogas (CALHEIRO et al, 2006; ZALESKI et al, 2006), acarretando em muitos casos a evasão escolar tanto pelos déficits cognitivos como por reprovações e desmotivação. Em relação aos vínculos afetivos todos os estudos apontam um empobrecimento na forma de vinculação entre os usuários e dependentes químicos, pois tudo gira em torno do consumo das drogas (CID 10, 1993; DSM IV-TR, 2002), há um afastamento social, familiar, abandono dos vínculos escolares. A grande maioria dos dependentes químicos são solteiros o que confirma a dificuldade de manter relacionamentos e há muitos casos de separações devido à violência familiar na população usuária de drogas (RABELLO & CALDAS JUNIOR, 2007, ARAÚJO et al, 2008). Em relação ao tratamento não há uma terapêutica por excelência (medicamentosa e/ou psicoterápica), embora alguns estudos apontam a terapia cognitiva comportamental como aquela que tem tido resultados significativos junto aos dependentes químicos, devendo ser avaliados aspectos individuais e biopsicossociais, bem como focar em tratamentos transdisciplinares e de intersetorialidade (RANGÉ & MARLATT, 2008; SOUZA et al, 2008; PRATTA et al, 2009). Como há uma incidência alta entre adolescentes do uso abusivo de substâncias (CARLINI et al, 2007), a efetividade e eficácia está em ações de prevenção, promoção de saúde e políticas públicas que contemplem esta população e assim possam ser 15 evitados os agravos de saúde física e mental, as altas taxas de envolvimento com a criminalidade e mortalidade (entre elas os suicídios e homicídios). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES O objetivo principal deste trabalho foi realizar uma revisão da literatura sobre a dependência química e as comorbidades psiquiátricas, pois este assunto é complexo e carente ainda de estudos que possibilitem generalizações. A expectativa é de que esse conhecimento avance, através da consolidação da importância do tema tanto em termos de ações de implementação e implantação de estratégias de prevenção e de promoção de saúde bem como da elaboração de políticas públicas adequadas a esta população. Ainda hoje a dependência química e os transtornos psiquiátricos são enfocados sob o paradigma saúde/doença e a sociedade ainda encara o problema com estigma social, este enfoque deve ser ampliado e o individuo portador destes transtornos visto em sua integralidade (enfoque biopsicossocial). Há carência de profissionais e serviços especializados na linha de cuidado desta clientela o que interfere na resolutividade de casos e na escolha de tratamentos mais efetivos e eficazes. Os profissionais de saúde tem um importante papel na detecção precoce do abuso de substâncias psicoativas, embora haja controvérsias sobre origem, de o que é causa e efeito nesta relação existente entre dependência química e comorbidades, é fundamental o diagnóstico preciso a cada caso (ZALESKY et al, 2006). O tratamento deve seguir as orientações para cada quadro psiquiátrico (ZALESKI et al, 2006). Todo o desafio reside em desenvolver atividades educativas e de conscientização, que recobrem, principalmente, a valorização do sentido da vida por esta população e sem dúvida a prevenção é a melhor alternativa. O custo da prevenção e promoção da saúde é muito menor do que os gastos com o tratamento dos agravos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, P. P. de & MONTEIRO, M.F. (2011). Neuropsicologia e Dependência Química. In DIEHL, D. C. & CORDEIRO, R. & LARANJEIRA, R.(orgs) Dependência Química: Prevenção, Tratamento e Políticas Públicas, Porto Alegre: Artmed, (pp.98-105). ALMEIDA, R.M.M. de; PASA, G.G; SCHEFFER, M. (2009) Álcool e violência em homens e mulheres. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, vol.22, n.2. pp.252-260. 16 ALMEIDA Fº, A.J. de; FERREIRA, M de A.; GOMES, M. de L.B; SILVA, R.C. & SANTOS, T.C.F. (2007) O adolescente e as drogas: consequências para a saúde. Escola Anna Nery, vol 11, nº4, p.605-610 dez. 2007 ISSN 1414-8145. 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