Vera_Ebling_TCC_ 27_06_13 - Curso de Psicologia da FACCAT.

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1
COMORBIDADES PSIQUIÁTRICAS NA DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UMA
REVISÃO DA LITERATURA1
Vera Regina Ferreira dos Passos Ebling2
Adriana Raquel Binsfeld Hess3
RESUMO
A dependência química é uma das doenças psiquiátricas mais frequentes na atualidade
e representa um grave problema de saúde pública. O presente trabalho teve como objetivo
realizar uma revisão da literatura nacional relacionada à dependência química e as
comorbidades psiquiátricas, no período de 2006 a 2012. Os artigos foram pesquisados nas
bases de dados Pepsic e Scielo. Os artigos foram analisados através de oito categorias: l. Base
de dados; 2. Tipo de produção; 3. Método; 4. Ano de publicação; 5. População alvo;
6. Autoria dos artigos; 7. Assuntos mais abordados; 8. Principais associações entre tipo de
substância usada e doença mental. A maioria dos estudos está indexada no Scielo (91,1%), e
refere-se a estudos empíricos (66,6%). Constatou-se que há uma alta prevalência de
transtornos psiquiátricos nas pessoas que fazem uso de substâncias psicoativas. Duas
hipóteses são comumente citadas pelos autores: a da auto-medicação para alívio do
sofrimento psíquico e a outra aponta a relação direta do uso de substâncias psicoativas e o
desenvolvimento
de comorbidades psiquiátricas, sendo a depressão e os transtornos de
ansiedade os mais frequentes.
Palavras-chave: Comorbidades psiquiátricas. Dependência química. Revisão de literatura.
1
Artigo de pesquisa apresentado ao Curso de Especialização em Dependência Química das Faculdades
Integradas de Taquara (FACCAT), como requisito parcial para a aprovação no Curso de Pós Graduação em
Dependência Química.
2
Psicóloga. Coordenadora da Equipe de Saúde Mental da Fundação Hospitalar Dr. Oswaldo Diesel. Pósgraduanda em Dependência Química pelas Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT). E-mail:
[email protected]
3
Psicóloga. Mestre em Psicologia Clínica. Doutoranda em Psicologia (UFRGS). Docente das Faculdades
Integradas de Taquara (FACCAT). Orientadora do Trabalho de Conclusão. E-mail: [email protected]
2
1 INTRODUÇÃO
A dependência química se confunde com a história da humanidade e tem se
configurado em um fenômeno de massa e uma questão de saúde pública em todo mundo
(ZALESKI et al, 2006; RANGÉ & MARLATT, 2008; PRATTA et al, 2009; SOUSA et al,
2010; VARGENS et al, 2011). A dependência química é mundialmente classificada entre os
transtornos psiquiátricos, sendo uma doença de curso crônico e que acompanha o indivíduo
para o resto da vida, mas que pode ser tratada e controlada (ZALESKI et al, 2006; PRATTA
et al, 2009; RIBEIRO & LARANJEIRA, 2012).
Existem, comumente, duas formas de classificação e de critérios diagnósticos da
dependência química e dos transtornos mentais: o Manual de Diagnóstico Estatístico (DSMIV TR) da Associação Psiquiátrica Americana (APA) e a Classificação Internacional de
Doenças (CID 10). Segundo o DSM–IV TR (2002) os transtornos relacionados a substâncias
são divididos em dois grupos: transtorno por uso de uma substância (dependência de
substância e abuso de substância) e transtornos induzidos por substâncias (intoxicação,
abstinência de substâncias, transtornos do sono, do humor, ansiedade por uso de substâncias,
sintomas psicóticos induzidos por substâncias, etc.). O uso crônico destas substâncias pode
causar dependência química, consequência da relação patológica entre um indivíduo e uma
substância psicoativa. O início do consumo da substância pode se dar por vários motivos e
estes podem persistir após a instalação da dependência (APA, 2002; PIMENTEL et al, 2008;
SILVA et al, 2009; LIMA et al, 2010). A Classificação de Transtornos Mentais e de
Comportamento da CID 10 (1993) refere que o diagnóstico dos transtornos decorrentes do
uso de substância psicoativa deve ser feito, sempre que possível, de acordo com a substância
única ou classe de substâncias mais usada. A intoxicação aguda é uma condição transitória
pela administração de álcool ou outras substâncias psicoativas, resultando em perturbações no
nível da consciência, cognição, percepção, afeto ou comportamentais, bem como nas
respostas fisiológicas do indivíduo e está relacionada aos níveis de doses. A CID 10 entende
como uso nocivo o padrão de uso de substância psicoativa que está causando dano físico ou
mental.
A síndrome de dependência
é um
conjunto
de fenômenos
fisiológicos,
comportamentais e cognitivos, no qual o uso de uma substância ou classe de substância
alcança uma forte compulsão ao uso, dificuldade em controlar o uso da substância, síndrome
de abstinência quando da interrupção do uso, aumento da tolerância necessitando sempre
maiores quantidades da droga, perda de interesse por outras atividades em detrimento do uso
3
da substância psicoativa e persistência no uso da substância com agravos à saúde (CID 10,
1993).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2001) a dependência química deve
ser tratada simultaneamente como uma doença médica crônica e como um problema social. É
necessário identificar e tratar os sintomas, porém sem esquecer e avaliar as consequências e os
motivos que levaram à mesma.
Estudos investigaram o uso de substâncias psicoativas e da dependência química em
diferentes populações com o objetivo de reconhecer fatores de risco e fatores de proteção, as
implicações econômicas e sociais nelas envolvidas (ORSI et al, 2006; OLIVEIRA et al, 2007;
DUAILIBI et al, 2008; OLIVEIRA & NAPPO, 2008; RANGÉ & MARLATT, 2008;
PRATTA et al, 2009; SILVA et al, 2009; FONTANELLA, 2010; PORTUGAL et al, 2010;
SOUSA et al, 2010) bem como estudar as mudanças ocorridas no perfil dos pacientes em
vista das dificuldades de manejo, abordagem e tratamento (ZALESKI et al, 2006; CIRIBELLI
et al, 2008).
Estudos epidemiológicos com a população em geral evidenciam um maior consumo de
substâncias psicoativas entre os homens. Eles usam mais drogas ilícitas enquanto que as
mulheres usam mais medicamentos. As diferenças fisiológicas entre homens e mulheres
determinam distintos danos à saúde, com desigualdades nas taxas de morbimortalidade (ORSI
et al, 2006; OLIVEIRA et al, 2007; CIRIBELLI et al, 2008; NÓBREGA et al, 2012). Todas
as drogas trazem prejuízos e perigos potenciais independente de serem drogas lícitas ou
ilícitas (SOUSA et al, 2010).
O II Levantamento Domiciliar sobre o uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil
(CARLINI et al, 2007) aponta para o crescente aumento de uso de drogas, sendo o álcool a
substância lícita mais utilizada. As escalas que tratam dos estágios no uso de drogas afirmam
que o individuo inicia o uso pelas drogas chamadas lícitas, como álcool e tabaco, passando
pela maconha, para progressivamente usar drogas “pesadas” como a cocaína/crack, etc. e com
a associação de múltiplas drogas (CARLINI et al, 2007; SOUSA et al, 2010). Há uma
elevação do uso entre as adolescentes o que causa maior probabilidade para o
desenvolvimento de dependência química na vida adulta (BROECKER et al, 2007; VIEIRA
et al, 2008). As drogas lícitas e os medicamentos tem o consumo estimulado pela mídia
(PIMENTEL et al, 2009; SOUSA et al, 2010), o modelo familiar também influencia o uso de
drogas e substâncias lícitas (BROECKER et al, 2007; SILVA et al, 2007; VIEIRA et al, 2008;
GARCIA et al, 2011). Há um crescente número de usuários e consequentemente de
dependentes químicos com danos a saúde (físicos, cognitivos, psicológicos, familiares e
4
sociais) além de estar muitas vezes associado a criminalidade, baixo rendimento escolar,
prejuízos nas relações interpessoais e profissionais (CHALUB & TELLES, 2006; BECK et al,
2007; CORRADI-WEBSTER et al, 2009; FONTANELLA, 2010; LIMA, 2010; RANZONI et
al, 2010).
O Relatório Brasileiro sobre Drogas (SENAD, Ministério da Saúde, 2009) aponta um
total de 138.585 internações associadas a transtornos mentais e comportamentais pelo uso de
drogas no ano de 2007, sendo álcool com 68,7% das internações; uso de múltiplas drogas com
23% das internações. Os dados epidemiológicos apontam que 6 à 8% da população
necessitam de algum cuidado decorrente do uso prejudicial de álcool e/ou outras drogas.
Transtornos por uso de substâncias são prevalentes em setor de emergência geral e
psiquiátricas, atingindo taxas de 28% das ocorrências em pronto-socorros gerais e muitas das
mortes nos setores de emergência se relacionam aos poliusuários (AMARAL et al, 2010).
Comorbidade é a associação de outra doença em um indivíduo já portador de alguma
patologia com a potencialização recíproca entre elas. A ocorrência de um transtorno adicional
pode alterar a sintomatologia, comprometendo o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico de
ambas (OCCHINI & TEIXEIRA, 2006; ZALESKI et al, 2006; PORTUGAL et al, 2010).
Assim sendo utilizada apenas para descrever a coexistência de transtornos ou doenças e não
de sintomas.
A prevalência de comorbidades psiquiátricas em abusadores e dependentes de drogas é
elevada, variando entre 21 e 65% (CALHEIROS et al, 2006; KESSLER & DE BONI, 2006;
ZALESKI et al, 2006). A chance de indivíduos com transtorno por uso de substância
apresentar um ou mais transtornos mentais é quatro vezes maior do que nas pessoas que não
usam substância (KESSLER & DE BONI, 2006). As comorbidades psiquiátricas associadas
aos quadros de dependência química têm sido tema de vários estudos nacionais e em
diferentes populações: em adolescentes: (BROECKER et al, 2007; PAVANI et al, 2007;
CAVALCANTE et al, 2008; VIEIRA et al, 2008), em universitários (SILVA et al, 2006;
FREIRE et al, 2012; NÓBREGA et al, 2012), em homens (ORSI et al, 2006; HESS et al,
2012; RIBEIRO, 2012), em mulheres (RABELLO et al, 2007; PIMENTEL et al, 2008;
ARAGÃO et al, 2009; BITTAR et al, 2011). Os dependentes químicos que buscam
tratamento podem estar sujeitos as motivações relacionados primeiramente ao quadro
comórbido ou sintomas psicopatológico associados ao uso de drogas, e não com a
dependência ou uso nocivo de alguma substância psicoativa (FONTANELLA, 2010).
O objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão sistemática da literatura sobre a
dependência química e as comorbidades psiquiátricas relacionadas ao uso de substâncias.
5
Também objetivou averiguar quais as principais associações entre o tipo de substância
preferencial e doença mental.
2 MÉTODO
Trata-se de uma revisão da literatura que teve por objeto de estudo as comorbidades
psiquiátricas relacionadas às drogas. Na busca dos artigos a serem analisados nesta revisão
bibliográfica foram utilizados os descritores: dependência química, comorbidades
psiquiátricas e transtornos relacionados ao uso de substâncias. Os artigos foram pesquisados
nas bases de dados Pepsic e Scielo, no mês de março do ano de 2013.
Os critérios de inclusão dos artigos foram: artigos brasileiros publicados no período
2006 a 2012, em português, com enfoque na dependência química, nas comorbidades
psiquiátricas e nos transtornos relacionados ao uso de substâncias. Foram usados como
critérios de exclusão os resumos que não estivessem publicados em português, que não se
relacionavam a dependência química ou comorbidades, estudos com população gestante,
idosos, soropositivos e com enfoque religioso. Os artigos referidos em mais de uma base de
dados foram considerados apenas uma vez.
Inicialmente foram encontrados 18 artigos sobre dependência química e 5 artigos
sobre comorbidades psiquiátricas. Para o descritor transtornos relacionados ao uso de
substâncias foram encontrados 132 artigos. Foram selecionados 9 artigos sobre dependência
química, 1 artigo sobre comorbidades psiquiátricas e 35 artigos sobre transtornos relacionados
ao uso de substâncias, totalizando 45 artigos para esta revisão da literatura.
Os artigos foram analisados quanto: l. Base de dados em que a publicação estava
indexada (Pepsic ou Scielo); 2. Tipo de produção: revisão teórica, estudo empírico ou relato
de experiência. 3. Método utilizado no artigo: quantitativo e/ou qualitativo; 4. Ano de
publicação; 5. População alvo; 6. Autoria do artigo; 7. Assuntos mais abordados; 8. Tipo de
associação entre o tipo de substância preferencial e comorbidades psiquiátricas.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A produção científica sobre a dependência química é bastante vasta, porém quando
nos concentramos no tema das comorbidades psiquiátricas e nos agravos da saúde
relacionados ao uso de substâncias o número de publicações reduz-se significativamente.
6
Poucos são os estudos que exploram a associação de transtornos mentais e transtornos
decorrentes do uso de substâncias psicoativas em uma mesma pessoa, sendo relevantes os
estudos que se proponham a levantar dados sobre este tema (LEAL et al, 2012).
Alguns artigos se sobrepuseram nas duas bases de dados consultadas (Scielo e Pepsic),
contudo, entre os artigos selecionados pode-se observar que a maioria destes encontram-se no
Scielo totalizando 91,1%, conforme tabela abaixo.
Descritor
Dependência
química
Comorbidades
Psiquiátricas
Transtornos
relacionados ao uso
de substâncias
%
Scielo
07
0
34
91,1%
Pepsic
02
01
01
8,9%
Total
09
01
35
100%
Base
de dados
Tabela 1. Porcentagem dos artigos segundo descritores por base de dados
Em relação ao tipo de produção encontrada, é possível observar que a maior parte dos
artigos são estudos empíricos (66,6%) seguidos de artigos de revisão teórica (28,9 %) e relato
de caso (4,4%). Estes dados podem ser observados na Tabela 2.
Tipo de
produção
Dependência
química
Comorbidades
Psiquiátricas
Transtornos
relacionados ao uso
de substâncias
%
Revisão da
literatura
04
01
08
28,9%
Estudos empíricos
05
0
25
66,6%
Relato de Caso
0
0
02
4,4%
Total
09
01
35
100%
Descritor
Tabela 2. Porcentagem dos artigos por descritor e tipo de produção
Quanto ao método, verificou-se que a maioria dos estudos utilizou o método
qualitativo (62,2%), seguido pelo método qualitativo/quantitativo (26,7%) e quantitativo
(11,1%), conforme tabela abaixo. Nem todos os estudos informaram no resumo claramente o
método utilizado. Estes dados podem ser observados na Tabela 3.
7
Método
Total
%
Qualitativo
28
62,2%
Quantitativo/ Qualitativo
12
26,7%
Quantitativo
05
11,1%
Total
45
100%
Tabela 3. Porcentagem dos artigos quanto ao método
A Tabela 4 mostra a distribuição das publicações por ano, evidenciando que houve
maior número de publicações em 2010, totalizando 22,2%. O número de publicações que
trataram dos transtornos relacionados ao uso de substâncias foi maior.
Ano da Publicação
Assunto
Dependência
química
Comorbidades
Transtornos
relacionados ao uso
de substâncias
%
2006
01
01
05
15,5%
2007
01
0
05
13,3%
2008
02
0
02
8,9%
2009
01
0
04
11,1%
2010
02
0
08
22,2%
2011
01
0
06
15,5%
2012
01
0
05
13,3%
Total
09
01
35
100%
Tabela 4. Porcentagem das publicações por ano e descritor
Os artigos analisados para este trabalho tiveram como alvo diferentes populações,
conforme tabela 5. Há consenso na literatura de que a população usuária de drogas e com
comorbidades psiquiátricas é heterogênea quanto à faixa etária, sexo, tipo de substância
utilizada, gravidade do uso de substâncias e do quadro psiquiátrico associado. Apontam ainda
a necessidade de se conhecer esta população com o objetivo de ofertar um tratamento mais
eficaz (CALHEIROS et al, 2006; SILVA et al,2006; ZALESKI et al, 2006; CARLINI et al,
2007; RONZANI et al, 2010; NÓBREGA et al, 2012).
Em relação a população alvo o maior percentual de estudos trataram da população de
usuários em geral (33,3%), 15,5% estudaram a população de adolescentes e 15,5% referiramse aos profissionais de saúde que trabalham com os usuários de drogas, conforme pode-se
observar na Tabela 5, a seguir.
8
População Alvo
Dependência
Química
Comorbidade
Psiquiátricas
Transtornos
relacionados ao uso
de Substâncias
%
População em geral
(usuários de
substâncias)
05
01
09
33,3%
Adolescentes
Estudantes
01
0
06
15,5%
Profissionais de
Saúde
0
0
07
15,5%
Mulheres
02
0
03
11,1%
Usuários de drogas
que frequentam
serviços da Saúde
Mental
01
0
04
11,1%
Universitários
0
0
02
4,4%
Homens
0
0
01
2,2%
Pacientes das
Emergências
0
0
01
2,2%
Famílias de
usuários
0
0
01
2,2%
Pesquisa com
animais
0
0
01
2,2%
Total
09
01
35
100%
Tabela 5. Distribuição dos estudos por descritor e população alvo
Com respeito à autoria dos artigos, 14 áreas profissionais foram encontradas,
verificando-se uma predominância de artigos escritos por equipes multidisciplinares. Nas
equipes multidisciplinares há prevalência de profissionais da área médica/psiquiatria (34,7%),
de enfermeiros (29,2%) e de psicólogos (20,1%), embora profissionais de diferentes áreas
estejam se engajando nos estudos sobre o tema da dependência química e os agravos à saúde
nesta clientela. Apenas dois artigos não foram escritos por equipes multidisciplinares, sendo
estes da autoria de profissionais da enfermagem. Pode-se inferir que apesar de ser um
problema de saúde pública o enfoque e os estudos ainda estão centrados na questão curativa e
não na prevenção e promoção da saúde (PRATTA et al, 2009). Estes dados podem ser
observados na Tabela 6.
9
Área Profissional
Nº de profissionais
%
Medicina/ Psiquiatria
50
34,7%
Enfermagem
42
29,2%
Psicologia
29
20,1%
Pesquisador
09
6,25%
Fonoaudiologia
03
2,08%
Serviço Social
02
1,39%
Odontologia
02
1,39%
Neurociência
01
0,69%
Educação Física
01
0,69%
Matemática
01
0,69%
Farmacologia
01
0,69%
Biomedicina
01
0,69%
Administração
01
0,69%
Antropologia
01
0,69%
Total: 14 profissões
144
100%
Tabela 6. Porcentagem de autoria de artigos por área profissional
Os assuntos mais abordados estão relacionados na Tabela 7, porém, é consenso entre
os autores que a dependência química é um problema de saúde pública em todo mundo, uma
das doenças psiquiátricas mais frequentes na atualidade, com curso crônico e que necessita de
tratamento pelos agravos a saúde física e mental e pelas implicações sociais e econômicas que
causam (ORSI et al, 2006; ZALESKI et al, 2006; CIRIBELLI et al, 2008). O tratamento e os
agravos da saúde foram os assuntos mais discutidos, com 14,13% e 13,0% respectivamente.
10
Assuntos mais abordados
Nº de vezes
%
Problema de Saúde Pública
45
24,4%
Tratamento
26
14,13%
Transtornos Associados
(físicos, psíquicos,
comorbidades)
24
13,0%
Fatores de Proteção
16
8,69%
Fatores de Riscos
10
5,43%
10
5,43%
Educação e Qualidade de
Vida
10
5,43%
Aspectos
Sociodemográficos
08
4,35%
Aspectos Epidemiológicos
08
4,35%
Auto-medicação
07
3,80%
Políticas Públicas
07
3,80%.
Avaliação Diagnóstica
05
2,71%
Questão de Gênero
03
1,63%
Uso de Múltiplas Drogas
03
1,63%
Validação de Testes,
Aplicação de Testes
02
1,09%
Total
184
100%
Violência e Criminalidade
Tabela 7. Porcentagem de assuntos mais abordados nos artigos
Diferentes autores relacionam a associação de substâncias psicoativas com os agravos
de saúde física e mental e o impacto que a droga tem na vida destes indivíduos. O abuso de
substâncias está relacionado à comorbidades psiquiátricas (CALHEIROS et al, 2006;
ZALESKI et al, 2006; LEAL et al, 2012) comportamentos de risco (OLIVEIRA & NAPPO,
2008; CORRADI - WEBSTER et al, 2009; COSTA et al, 2012); violência e criminalidade
(CHALUB & TELLES, 2006; ALMEIDA Fº et al, 2007; OLIVEIRA et al, 2008; BITTAR et
al, 2011); acidentes de trânsito (BECK et al, 2007; RABELLO et al, 2007; CASSOL et al,
2012); rebaixamento na aprendizagem, evasão e reprovação escolar (BROECKER et al, 2007;
CORRADI-WEBSTER et al, 2009; COSTA et al, 2012) elevando os índices de morbidade e
mortalidade (CHALUB & TELLES; 2006; RONZANI et al, 2006; SILVA et al, 2006; BECK
et al, 2007; RABELLO et al, 2007; ZALAF et al, 2010; BITTAR et al, 2011; FREIRE et al,
11
2012; NÓBREGA et al, 2012).
Na literatura estudada duas hipóteses são levantadas sobre a associação do uso abusivo
e a dependência de substâncias com as comorbidades psiquiátricas. Alguns autores sugerem a
existência de transtornos psiquiátricos anteriores ao uso de drogas e que levariam ao uso de
substâncias psicoativas como forma de alivio dos sintomas do sofrimento psíquico enquanto
outros autores afirmam que há relação direta do uso de substância psicoativas com o
desenvolvimento de comorbidades psiquiátricas (ZALESKI et al, 2006; ZALAF &
FONSECA, 2009; DIEHL et al, 2010).
Estudos apontam uma alta prevalência de transtornos psiquiátricos nas pessoas que
fazem uso de substâncias psicoativas, mostram diferentes prevalências e variações das taxas,
pois depende da amostra (clínica ou populacional), dos critérios diagnósticos, da rede de
apoio, etc. (SILVA et al, 2006; ZALESKI et al, 2006). A prevalência do uso de drogas em
populações portadores de transtornos psiquiátricos é mais elevada do que na população em
geral, sendo necessária a avaliação de comorbidades nesta população (ZALESKI et al, 2006;
SILVA et al, 2009). A presença de transtornos psiquiátricos (quadro comórbido) em
dependentes químicos torna mais provável a busca por tratamento e não a dependência
química propriamente dita (FONTANELLA, 2010). Especialistas referem à importância de
diferenciar pacientes com transtornos mentais graves que abusam de substâncias daqueles que
apresentam quadros de dependência química.
A co-ocorrência de transtornos psiquiátricos e de transtornos devido ao uso de
substâncias psicoativas cada vez mais tem sido reconhecida na clínica psiquiátrica. Os estudos
estimam que entre 23% e 70% dos pacientes dependentes de álcool e outras drogas sofrem de
transtornos ansiosos ou depressivos, com maior prevalência entre as mulheres. Os homens
tendem a desenvolver comorbidades relacionadas aos transtornos de personalidade
(CALHEIROS et al, 2006; ZALESKI et al, 2006). Entre os adolescentes as comorbidades
psiquiátricas mais associadas relacionam-se ao transtorno do déficit de atenção e
hiperatividade (TDAH), o transtorno de conduta e o transtorno desafiador opositor, sendo a
maior prevalência no sexo masculino (ZALESKI et al, 2006; VENDRUSCULO et al, 2010;
LEAL et al, 2012).
Um estudo do Epidemiologic Catchment Area Study (ECA, 2006) citado por Zaleski et
al (2006) apontou que metade dos indivíduos diagnosticados com dependência química ou
abuso por substâncias pelo DSM IV- TR (2002) apresentam um diagnóstico adicional (26%
apresentam transtornos de humor, 28% transtornos de ansiedade, 18% transtornos de
personalidade antissocial e 7% esquizofrenia). Vendruscolo et al (2010) em estudos com
12
ratos afirma que o TDAH com transtornos relacionados ao abuso e dependência de álcool e
outras drogas é uma das mais prevalentes entre adolescentes e persiste na vida adulta.
Em relação ao tipo de substância preferencial e a associação de comorbidades
psiquiátricas, estudos mostram que o uso abusivo de álcool e outras drogas tende a
comprometer a atenção, a memória, as funções executivas e as viso-espaciais, provoca
alterações do comportamento, acidentes de trânsito e suicídios com custos sociais
incalculáveis (ZALESKI et al, 2006; RABELLO et al, 2007), e pode agravar quadros
psiquiátricos severos: transtornos de ansiedade, de humor, de conduta e psicóticos (ZALESKI
et al, 2006). Quando o álcool está associado à outra substância a chance de ocorrer situações
de agressão aumenta em 29% e eleva o número de casos de desestrutura familiar segundo
estudo de Rabello & Caldas Jr (2007) e de violência/crime (CHALUB & TELLES, 2006).
O alcoolismo é classificado como terceira causa de absenteísmo no trabalho, aumento
de aposentadorias precoces (SILVA et al, 2007). O uso abusivo de substâncias psicoativas
associados a transtornos depressivos eleva as taxas de suicídio. No transtorno bipolar, o álcool
agrava os sintomas maníacos e associação de outras drogas (ZALESKI et al, 2006;
CALHEIROS et al, 2006; RABELLO et al, 2007).
Nos pacientes com transtorno de ansiedade 20 a 45% relatam dependência de álcool e
muitas vezes que fazem uso do álcool para aliviar o sofrimento psíquico-hipótese de
automedicação (SILVA et al, 2006; NÓBREGA et al, 2012). Nos quadros de transtorno do
pânico, 31% destes pacientes apresentam quadros de abuso ou dependência de álcool e outras
drogas. O abuso de estimulantes, bem como a abstinência de depressores do sistema nervoso
central deve ser avaliado como possíveis responsáveis pelos ataques de pânico.
O tabagismo apresenta alta prevalência de transtornos psiquiátricos, 7,1%
apresentaram comorbidades psiquiátricas. O tabagismo está associado a maioria dos
transtornos mentais, sendo a depressão a comorbidade mais frequente (CALHEIROS et al,
2006). Entre os pacientes bipolares o tabagismo está associado em 55,1%; ocorre alta
prevalência entre transtornos de ansiedade, sendo o transtorno de pânico o mais frequente
(CALHEIROS et al, 2006).
Em pacientes com transtornos psiquiátricos como esquizofrenia, transtorno afetivo
bipolar, depressão maior e ansiedade há maior incidência do abuso de maconha (ZALESKI et
al, 2006; SENAD, 2012) havendo exacerbação dos sintomas destes transtornos psiquiátricos.
Pacientes com esquizofrenia são prováveis consumidores de maconha, com um aumento de
risco em 10,1%; nos pacientes em episódio maníaco a taxa pode chegar a 14,5%, a ocorrência
em sujeitos com depressão maior pode alcançar 4,1%; para os transtornos de pânico pode
13
chegar a 4,3 % e 2,4% em portadores de fobia (ZALESKI, et al, 2006). Estudos apontam que
o uso pesado e regular de maconha ocorre com maior frequência na depressão (DIEHL et al,
2010). Os transtornos ansiosos são relatados como uma reação adversa ao consumo de
maconha tanto na intoxicação aguda quanto na abstinência (DSM IV - TR, 2002; ZUARDI et
al, 2008; DIEHL, CORDEIRO & LARANJEIRA, 2010; SENAD, 2012).
Os transtornos de personalidade antissocial e o transtorno por uso de substâncias
foram identificados em parcela significativa da população em geral, clínica e penitenciária e
evidenciam fortes associações entre comportamentos de agressividade, impulsividade,
delinquência, criminalidade, inabilidade de enfrentamento de situações problemas, baixa
tolerância à frustração, início precoce do uso de drogas (cocaína, crack). A antissocialidade
prediz múltiplos tipos de dependência química e que traços de personalidade severos foram
relacionados à sintomatologia de álcool, tabaco e drogas ilícitas. Crianças que convivem com
pais
dependentes
químicos
evidenciam
maior
vulnerabilidade
a
agressividade
e
comportamentos antissociais, consumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas as mulheres estão
mais expostas a riscos de transtornos de afetividade e ansiedade. Estes pacientes buscam
tratamento (BROECKER et al, 2007; KAPLAN- SADOCK, 2007; GARCIA et al, 2011;
ALVAREZ et al, 2012). Os homens envolvem-se mais com a criminalidade e violência e para
o uso de substâncias sem reconhecer ou demonstrar interesse em tratar o transtorno de
personalidade (APA, 2002).
A cocaína é a substância ilícita mais utilizada entre aqueles que buscam atendimento
de emergência, sendo responsável por 30 a 40% das admissões relacionadas a drogas ilícitas
(MARQUES et al, 2006), produzindo uma variedade de sintomas psiquiátricos tanto durante
o uso quanto na abstinência da droga (ALMEIDA Fº et al, 2007; LEAL et al, 2012;
NÓBREGA et al, 2012). Estudos apontam que a depressão influencia o uso de cocaína, porém
há dificuldade de diferenciar os sintomas depressivos causados pela abstinência da droga ou
por um transtorno de humor (KESSLER & DE BONI, 2006; SILVA et al, 2007).
Estudos referem como característica dos usuários de crack a dificuldade de lidar com
as emoções o que aumenta a probabilidade de uso de múltiplas drogas e o desenvolvimento de
quadros psiquiátricos (ARAÚJO et al, 2008; OLIVEIRA et al, 2008). Os quadros
psiquiátricos mais frequentes são os transtornos de personalidade, quadros depressivos,
quadros ansiosos, instabilidade de humor, ideias paranóides ou mesmo quadros psicóticos
francos com delírios e alucinações, transtornos de pânico. A literatura aponta a depressão e a
ansiedade como os transtornos mentais mais comuns e prevalentes nos usuários de crack
(CIRIBELLI et al, 2008; OLIVEIRA & NAPPO, 2008). No Brasil a principal causa de morte
14
entre os usuários de crack é por homicídio pelo envolvimento e associações a elementos do
tráfico que também estavam associadas a mais sintomas de ansiedade, de depressão, fissura
(ARAÚJO et al, 2008). O crack tem sido considerado um fenômeno de saúde pública
(OLIVEIRA & NAPPO, 2008) por suas consequências e impactos para o indivíduo e para a
sociedade como um todo, pelo número elevado de dependentes e pelos danos físicos, mentais
e sociais que tem causado (OLIVEIRA & NAPPO, 2008; VARGENS et al, 2011).
Nos fatores de vulnerabilidade ao uso abusivo de substâncias encontram-se a
disfuncionalidade das famílias e a fragilidade de fatores de proteção (SILVA et al, 2009). Em
relação aos comportamentos de risco associados ao uso de substâncias os autores referem que
na avaliação devem ser consideradas as vivências e a subjetividade de cada indivíduo, sua
constituição física e psíquica (PRATTA et al, 2009). Entretanto há consenso que a exposição
crônica ao uso de drogas pode acarretar uma série de consequências físicas, psicológicas e
sociais e que a intoxicação aguda aumenta consideravelmente a incidência de
comportamentos de risco (sexuais, de violência e criminalidade, acidentes de trânsito,
homicídio e suicídio). Outro aspecto apontado nos estudos com a população jovem e de
adolescentes é que a idade precoce do uso pode desempenhar papel importante no
desenvolvimento de transtornos de adição e das consequências associadas ao uso de drogas
(CALHEIRO et al, 2006; ZALESKI et al, 2006), acarretando em muitos casos a evasão
escolar tanto pelos déficits cognitivos como por reprovações e desmotivação.
Em relação aos vínculos afetivos todos os estudos apontam um empobrecimento na
forma de vinculação entre os usuários e dependentes químicos, pois tudo gira em torno do
consumo das drogas (CID 10, 1993; DSM IV-TR, 2002), há um afastamento social, familiar,
abandono dos vínculos escolares. A grande maioria dos dependentes químicos são solteiros o
que confirma a dificuldade de manter relacionamentos e há muitos casos de separações devido
à violência familiar na população usuária de drogas (RABELLO & CALDAS JUNIOR, 2007,
ARAÚJO et al, 2008).
Em relação ao tratamento não há uma terapêutica por excelência (medicamentosa e/ou
psicoterápica), embora alguns estudos apontam a terapia cognitiva comportamental como
aquela que tem tido resultados significativos junto aos dependentes químicos, devendo ser
avaliados aspectos individuais e biopsicossociais, bem como focar em tratamentos
transdisciplinares e de intersetorialidade (RANGÉ & MARLATT, 2008; SOUZA et al, 2008;
PRATTA et al, 2009). Como há uma incidência alta entre adolescentes do uso abusivo de
substâncias (CARLINI et al, 2007), a efetividade e eficácia está em ações de prevenção,
promoção de saúde e políticas públicas que contemplem esta população e assim possam ser
15
evitados os agravos de saúde física e mental, as altas taxas de envolvimento com a
criminalidade e mortalidade (entre elas os suicídios e homicídios).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES
O objetivo principal deste trabalho foi realizar uma revisão da literatura sobre a
dependência química e as comorbidades psiquiátricas, pois este assunto é complexo e carente
ainda de estudos que possibilitem generalizações. A expectativa é de que esse conhecimento
avance, através da consolidação da importância do tema tanto em termos de ações de
implementação e implantação de estratégias de prevenção e de promoção de saúde bem como
da elaboração de políticas públicas adequadas a esta população. Ainda hoje a dependência
química e os transtornos psiquiátricos são enfocados sob o paradigma saúde/doença e a
sociedade ainda encara o problema com estigma social, este enfoque deve ser ampliado e o
individuo portador destes transtornos visto em sua integralidade (enfoque biopsicossocial). Há
carência de profissionais e serviços especializados na linha de cuidado desta clientela o que
interfere na resolutividade de casos e na escolha de tratamentos mais efetivos e eficazes. Os
profissionais de saúde tem um importante papel na detecção precoce do abuso de substâncias
psicoativas, embora haja controvérsias sobre origem, de o que é causa e efeito nesta relação
existente entre dependência química e comorbidades, é fundamental o diagnóstico preciso a
cada caso (ZALESKY et al, 2006). O tratamento deve seguir as orientações para cada quadro
psiquiátrico (ZALESKI et al, 2006). Todo o desafio reside em desenvolver atividades
educativas e de conscientização, que recobrem, principalmente, a valorização do sentido da
vida por esta população e sem dúvida a prevenção é a melhor alternativa. O custo da
prevenção e promoção da saúde é muito menor do que os gastos com o tratamento dos
agravos.
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