VIII Encontro ABCP Gramado, 1-4 de julho 2012. AT07 – Participação Política A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ COMO UM SISTEMA: O CASO DO GOVERNO ESTADUAL GAÚCHO Alfredo Alejandro Gugliano Professor do PPG em Ciência Política/UFRGS Marcelo T. Daneris Doutorando do PPG em Ciência Política/UFRGS Priscilla R. dos Santos Mestranda do PPG em Ciência Política/UFRGS Vanessa Marx Professora Colaboradora do PPG em Ciência Política/UFRGS RESUMO: Um dos temas que está gerando debate na Ciência Política é a ampliação da participação dos cidadãos na gestão pública, discussão alimentada pelo desenvolvimento de um conjunto de experiências, como os conselhos gestores e orçamentos participativos. Uma novidade dessa discussão, em termos de Brasil, é a proposta de formação de sistemas integrados de participação cidadã. No Rio Grande do Sul vem sendo colocada em prática a ideia desse sistema tendo como base novas experiências inclusivas, como o PPA participativo, o CDES-RS, o Gabinete Digital e a formulação de um novo modelo de OP estadual vinculado aos conselhos de desenvolvimento regional e consultas populares. Tendo esse quadro como ponto de partida, o trabalho pretende analisar as principais fundamentações da proposta, sua estrutura, assim como os primeiros resultados do sistema participativo gaúcho. 1. Introdução A proposta deste trabalho é iniciar a discussão sobre o sistema de participação do Rio Grande do Sul, estado com aproximadamente dez milhões de habitantes. Atualmente a região é governada pelo Governador Tarso Genro, do Partido dos Trabalhadores, vitorioso nas eleições de 2010 com 54% dos votos válidos. O Rio Grande do Sul é um estado que vem se destacando, nos últimos anos, em termos de inovação de experiências de participação popular, sendo que, de sua capital (Porto Alegre), emergiu uma das principais experiências de inclusão dos cidadãos na gestão pública em nível internacional, que é o Orçamento Participativo (OP). Conhecido como um fenômeno mundial, existem orçamentos participativos em todos os continentes com um número variável de países nos quais a proposta foi aplicada. Em nível estadual, entre 1999-2002, teve a organização do orçamento participativo pelo Governador Olívio Dutra, também do Partido dos Trabalhadores. Com a derrota deste nas eleições regionais, a proposta foi retirada pelo novo Governador Germano Rigotto (2003-2007). Com a volta do Partido dos Trabalhadores ao governo do estado, o tema da participação popular foi retomado sendo colocado na ordem do dia por diversos programas governamentais. Apesar do caráter ainda inicial da ideia, que recém está dando seus primeiros passos, pretendemos realizar algumas reflexões sobre a proposta de um sistema regional de participação popular e cidadã. 2. A participação popular como programa de governo O conceito de participação é provavelmente um dos mais abertos no campo das ciências sociais, sendo atualmente empregado numa variedade de casos e numa pluralidade de sentidos. Em termos da gestão pública, é central a percepção da forma como cada governo encara a questão em termos de seu projeto de gerenciamento. Além disso, outro elemento importante diz respeito à efetividade desta participação: se ela se restringe a uma condição de consulta, ou se, claramente, interfere nos rumos das políticas públicas. É importante sublinhar o fato de que alguns governos hoje utilizam a participação popular como sendo um dos programas de governo, não só uma ação eventual. A concepção de programa governamental aqui é considerada como uma ação estratégica, que pretende levar adiante pontos centrais das políticas governamentais, vinculados aos fundamentos do projeto político. Representa a abertura de espaços, nos quais a própria população tenha condições de apresentar demandas, prescrever propostas e deliberar soluções. A participação, portanto, vem a ocupar o espaço existente entre as demandas da sociedade civil e as decisões estatais. Abre a possibilidade de uma maior inclusão da sociedade no processo decisório, fortalecendo a ideia de que os atores sociais possuem capacidade de propor soluções para demandas e problemas locais, influenciando positivamente a gestão pública. Para além das instituições representativas, a possibilidade de inserção da sociedade civil nos processos políticos permite a emergência de novas temáticas na agenda governamental, bem como a tomada de decisões por parte do Estado com base em a consulta a determinados grupos (AVRITZER, 2000). Em especial, a perspectiva apresentada acima corresponde a um amplo processo de mudança, que não envolve só a administração pública, mas também a própria concepção de democracia, vista desde o prisma de uma democracia participativa. Por democracia participativa podemos entender um projeto político, a partir do qual os cidadãos são incorporados ao processo deliberativo do Estado, enquanto elemento decisório central na definição de determinadas questões públicas. Diferentemente de outras formas de participação política, nas democracias participativas, ao mesmo tempo em que os cidadãos mantêm sua autonomia, enquanto núcleo de composição da sociedade civil, também são empoderados na condição de um dos elementos decisivos no processo de seleção, execução e fiscalização das políticas públicas. Propostas que ampliam a participação cidadã na administração pública potencializam profundas transformações na esfera política. No modelo tradicional de democracia, a eleição é um fim em si mesma, no sentido mais preciso do termo: para os eleitores um fim, porque suas obrigações eleitorais iniciam e finalizam nelas; para os políticos profissionais, porque sua liberdade começa a partir delas (sem eleitores, sem comícios, etc.) Numa democracia participativa, as eleições são um meio e não um fim, nada termina com a eleição dos representantes parlamentares, na medida em que existe ainda um processo participativo de gerenciamento à continuação. Ademais, em termos da relação entre os cidadãos e o Estado, a existência de canais de participação fortes geram laços de compromisso entre indivíduos e instituições. No entanto, para que isto ocorra é necessário que o sistema de gerenciamento político apresente determinadas características como: a. Existência de uma pré-disposição dos governantes para compartilhar com a sociedade civil os espaços de poder que correspondem a esfera do Estado; b. Criação de espaços de comunicação, que articulem representantes da esfera estatal (governo e/ou parlamento) e da sociedade civil, nos quais seja possível estabelecer uma mediação decisória entre ambas; c. Constituição de uma agenda pública de discussões, envolvendo a cidadania enquanto um todo e/ou seus representantes eleitos; d. Reconhecimento dos acordos previamente negociados entre Estado e sociedade civil pelas estruturas estatais ou por mecanismos de cogerenciamento públicos. e. Desenvolvimento de canais alternativos de participação política explorando, por exemplo, as novas tecnologias de comunicação. Nesse sentido, a ideia de sistema de participação vem a somar nesta perspectiva na medida em que representa um canal por meio do qual as diferentes formas de participação podem ser desenvolvidas de maneira articulada. Uma perspectiva que pode ser observada muito especialmente a partir do que estão sendo os primeiros passos de organização do sistema de participação no Rio Grande do Sul. 3. O Sistema de Participação Gaúcho O sistema de participação do Rio Grande do Sul é composto por um conjunto de experiências pré-existentes na região, bem como a criação de novos espaços de participação. Isto é, não foram criados novos espaços participativos, mas sim potencializadas propostas que, ou tinham sido desestruturadas em governos anteriores, ou ainda existiam de maneira bastante precária. A reconhecida diversidade das experiências de participação popular do estado, tais como o Orçamento Participativo, a Consulta Popular, os Conselhos Setoriais de Políticas Públicas e os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDES), fornecem subsídios para a conformação do sistema proposto. Entre as diretrizes do Sistema, destacam-se a participação direta do cidadão, de forma presencial ou digital, na elaboração, monitoramento e avaliação das políticas, a transversalidade em suas execuções, e a promoção de um diálogo com a sociedade qualificado e sistemático (SEPLAG/RS, 2011). Figura 1 – Organograma do Sistema Estadual de Participação (Fonte: SEPLAG/RS, 2011) Como pode ser visualizado na figura 1, o Sistema Estadual de Participação possui um Comitê Gestor Paritário (Sociedade e Governo) e tem sua coordenação executiva na Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Cidadã (SEPLAG/RS). Seus principais eixos de atuação são: decisões orçamentas, controle social, diálogos sociais e participação digital. Em 2011, os novos mecanismos criados para compor este Sistema foram: 1. O Gabinete dos Prefeitos, enquanto uma porta para o relacionamento federativo e para as demandas locais e regionais; 2. o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, reunindo 90 representantes da sociedade civil gaúcha, que aconselham o Executivo sobre as temáticas do desenvolvimento estadual; 3. o PPA Participativo, que instaurou uma metodologia participativa para discussão do Plano Plurianual do Governo; 4. o Gabinete Digital, que por meio de ferramentas virtuais, busca o diálogo entre o Governador e a sociedade; e 5. a promoção de Encontros para o Desenvolvimento nas regiões do interior do estado. Em termos de propostas anteriores que ou estavam desarticuladas ou foram executadas por outras gestões, se destaca o orçamento participativo estadual, que foi desestruturado pelo Governo Rigotto, em 2003. Retomado em 2012, o orçamento participativo estadual pretende ser desenvolvido na totalidade dos municípios gaúchos. Outro importante espaço participativo do sistema de participação são os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDES). Os COREDES foram criados em 1991, pelo Governador Alceu Colares com o objetivo de estabelecer uma maior integração regional. Os COREDES atualmente estão integrados por 28 regiões. De acordo com a Constituição do Rio Grande do Sul, os COREDES teriam os seguintes objetivos: a. Formular e executar estratégias regionais, consolidando-as em planos estratégicos de desenvolvimento regional; b. avançar a participação social e cidadã, combinando múltiplas formas de democracia direta com representação pública; c. regionalização das estratégias e das ações do Executivo, Legislativo e Judicial do Rio Grande do Sul, conforme estabelece a Constituição do Estado; d. avanço em a construção de espaços públicos de controle social dos mercados e dos mais diversos aparelhos do Estado; e. conquistar e estimular a crescente participação social e cidadã em a definição dos rumos do processo de desenvolvimento gaúcho; f. intensificar o processo de construção de uma organização social em favor do desenvolvimento regional; e g. difundir a filosofia e a prática cooperativa de pensar e fazer o desenvolvimento regional em associação. Entre os diferentes espaços participativos estaduais, uma das experiências que vem se destacando neste inicio do sistema de participação é o CDES/RS, tema que passaremos a analisar a seguir. 4. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) As experiências de Conselhos Econômicos e Sociais datam a partir da Segunda Guerra Mundial e tem como origem os países europeus de maior tradição corporativa. Em os países europeus, o desenvolvimento das práticas de concertação revelou uma tentativa de compatibilização entre a democracia liberal e o sistema capitalista. Tendo como contexto as políticas consolidadas do Welfare State, os mecanismos de concertação social trataram do conflito capital/trabalho sem contestar o modo de organização da produção. Ao invés, almejavam contribuir para um acordo entre os detentores do capital e os trabalhadores, como no caso das concertações sobre preços e salários. As tensões entre opostos emergiram na esfera de discussão, mas com o objetivo de construir propostas de consenso que beneficiassem ambos os lados. Pode ser afirmado que é expressiva a polaridade na composição dos Conselhos Econômicos e Sociais entre participantes detentores de alto capital financeiro e aqueles conectados à representação de interesses trabalhistas, como no caso das centrais sindicais. Nessa perspectiva, para que o bom funcionamento do ciclo de produção seja garantido, é necessário que tenha uma negociação entre empresários e trabalhadores, evitando, assim, momentos de instabilidade na relação entre ambos. Considera-se que Jurgen Habermas está na base conceitual da formação dos conselhos de desenvolvimento, particularmente os formados a partir da terceira onda democrática. A integração do Estado com as esferas públicas, bem como a incorporação de atores sociais relevantes nos processos de democratização do gerenciamento público, são premissas da formação do CDES nacional e estadual. Diferentemente do que frequentemente se afirma, a sociedade civil não sofre um processo de institucionalização em órgãos como os conselhos de desenvolvimento. O que sim ocorre é a institucionalização de espaços democráticos de diálogos sociais, envolvendo Estado e sociedade. Primeiro, porque nenhuma experiência é capaz de totalizar a presença da representação da sociedade civil em um espaço público, institucional ou não; segundo, porque a integração não se dá de forma subordinada. O resgate das experiências mundiais dos conselhos, particularmente os modelos europeus, revela em que espaço histórico se inscreve o caso brasileiro, definitivamente mais identificado com as experiências pós 1970 na Espanha e Portugal. Também é possível destacar características diferentes relevantes do CDES, em relação aos modelos europeus da última geração: o caráter pluralista, não classista da experiência brasileira; e a emergência socioeconômica e não político-institucional na gênese de sua criação. De modo geral, pode ser afirmado que os Conselhos se caracterizam pelo caráter consultivo aos poderes constituídos, tendo a tarefa de emitir opiniões diante de decisões que remetam às questões sociais e econômicas. Os destinatários de tais recomendações são os poderes Executivo e Legislativo, os quais se reservam a prerrogativa da consulta. Apesar da literatura afirmar que historicamente tais conselhos não desempenham protagonismo nos processos de tomada de decisões, já que se inserem em o papel de instituições não majoritárias (AVILÉS, 1992), é preciso atentar para os efeitos produzidos pelo Conselho em termos das relações com os poderes constituídos. Além disso, é necessário atentar para o papel que possuem de intermediários entre o poder político e as forças sociais que o integram. Segundo Fleury (2003), o surgimento dos Conselhos Econômicos e Sociais está relacionado: a um ciclo crescente da economia, gerando as condições materiais necessárias para o consenso sobre como melhor distribuir o excedente na sociedade; ou a um contexto em que há um acordo sobre a necessidade da consolidação dos valores democráticos. No entanto, a não existência de uma base material para fornecer o consentimento não serve de impedimento para a atuação de um Conselho. Sua eficácia em contextos recessivos dependeria do grau de adesão dos indivíduos aos valores democráticos, de modo a possibilitar a geração de consensos sobre como distribuir. A constituição do CDES, no Brasil, tem um enorme valor democrático, principalmente considerar o passado colonial e oligárquico, os vários regimes militares, a democracia recente, a falta de tradição em processos participativos, a cultura política de clientelismo e assistencialismo e a incipiente organização da sociedade civil em as esferas públicas. Inserindo em uma proposta de convite à representação de interesses sociais diversos, para além das instituições representativas, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República inaugura, sob os moldes democráticos, a prática da concertação entre os gestores públicos e os segmentos sociais para o planejamento de políticas nacionais de médio e longo prazo. O CDES revela-se uma inovação institucional, que busca debater reformas estruturais, ampliando as discussões a respeito do desenvolvimento econômico e social. O pacto social proposto dá ênfase à necessidade de mudanças para superar as desigualdades, sendo que a discussão de reformas institucionais se fez pauta prioritária da agenda do Conselho em seus primeiros anos de funcionamento. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES – é um órgão de assessoramento do Presidente da República para a formulação de políticas e diretrizes específicas, voltas ao desenvolvimento econômico e social, produzindo indicações normativas, propostas políticas e acordos de procedimento. Regulamentado pela Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, o Conselho caracteriza-se como um foro consultivo, que visa criar uma esfera institucional de diálogo entre o governo e os representantes da sociedade civil organizada. Segundo Trindade (2003), a criação do CDES insere-se em uma proposta de “novo contrato social”, com a eleição de primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula de Silva, em que emerge a discussão sobre novos espaços de deliberação sobre a temática do desenvolvimento nacional, por meio da interlocução com setores estratégicos da sociedade civil (TRINDADE, 2003). Dentro da estrutura institucional, o Conselho possui um caráter consultivo ao Executivo federal, tendo a tarefa de emitir indicações sobre temas que remetam às questões sociais e econômicas. Nesse caso, o Estado assume a iniciativa em convocar representantes sociais para o diálogo de um projeto de desenvolvimento nacional que atenda aos anseios e às expectativas sociais de crescimento econômico, aliado à redução das desigualdades e à promoção de qualidade de vida para a população. Ao compartilhem suas experiências e suas informações a respeito do que está em questão para resolução, os conselheiros possibilitam a construção de uma proposta mais inclusiva que atenda às demandas dos setores sociais representados. O componente da participação compreende o princípio da deliberação, por meio do qual é estruturado o consenso. Pelo diálogo entre representantes da sociedade civil e os gestores públicos, há uma apropriação dos temas para deliberação, de modo que os documentos oficiais aprovados nas reuniões plenárias buscam refletir a tentativa de construção de consensos. Com base em a experiência de diálogo e concertação iniciados em o CDES da Presidência da República, o modelo inspirou a criação de colegiados análogos nos níveis regionais e municipais, em variadas regiões do país, congregando gestores públicos e representantes da sociedade civil. Estão atualmente em funcionamento os Conselhos de Pernambuco (CEDES criado em 2007), da Bahia (CODES – criado em 2008), do Rio Grande do Sul (CDES/RS – criado em 2011) e do Distrito Federal (CDES/DF – criado em 2011). Estão previstos em legislação estadual, mas não estão em funcionamento os Conselhos de Desenvolvimento Econômico e Sociais dos estados de Alagoas (criado em 2007), do Maranhão (criado em 2007) e da Paraíba (criado em 2009). Nos municípios, há a atuação de Conselhos de Desenvolvimento Econômico e Social em Goiânia (GO), Canoas (RS), Erechim (RS), Diadema (SP) e São Carlos (SP). Os Conselhos regionais e municipais possuem sua estrutura vinculada ao Gabinete do Executivo e seu funcionamento é similar ao CDES da Presidência da República, com atividades permanentes de acompanhamento de projetos estratégicos e subdivisões em grupos de trabalho sobre temáticas do desenvolvimento. Enquanto um colegiado de assessoramento direto dos chefes do poder Executivo, a eleição dos conselheiros é dada em função da eleição destes, buscando garantir a representatividade social. O número de conselheiros representantes da sociedade civil muda, mas nunca em minoria à presença dos representantes do governo. O CDES RS é composto por 90 conselheiros(as) da sociedade civil e 12 Secretários de Estado. Para mapeamento dos setores sociais dos Conselhos, construíram-se três categorias: de organizações da sociedade civil (entidades, ONGs, movimentos sociais, Academia); setores industrial e empresarial (federações, grandes e médios empresários); e setor do trabalho (centrais sindicais, federações e associações de trabalhadores urbanos e rurais). Conforme consta abaixo, no gráfico 1, afirma-se que é expressiva a participação de conselheiros representantes de organizações da sociedade civil na composição do CDES RS. Dentre as temáticas abrangidas, destacam-se a representação de movimentos sociais, ONGs, entidades, Academia e associações diversas que não estão relacionadas à economia e ao trabalho. A sociedade civil é representada por conselheiros que atuam e militam em áreas como: educação, direito, saúde, segurança pública, comunicação, meio ambiente, esporte, religião e ciência e tecnologia. Também a participação de conselheiros provenientes da relação capital/trabalho merece destaque, pois totaliza um percentual de 52%. Os representantes do capital, empresários e grandes industriais, figuram como participantes estratégicos, que trazem ao Conselho a pluralidade dos setores que compõem a matriz produtiva do estado. Os setores representados por estes são: agropecuária, indústria, comércio, setor financeiro, infraestrutura e logística. O setor composto por representantes sindicais totaliza 17 conselheiros, provenientes de associações de servidores, cooperativas e sindicatos do estado. Destacam-se a CUT, a Força Sindical, a CGTB e a FETAG. Gráfico 1 CDES - RS Distribuição dos Conselheiros por setores representados 33% 48% 19% Organizações da sociedade civil Industrial e empresarial Trabalho (Fonte: elaboração própria) Utilizando-se das mesmas categorias de setores representados, em comparação com a distribuição de conselheiros do CDES da Presidência da República, em seu ano de formação, evidencia-se certa similaridade com a composição do CDES RS, conforme gráfico 2, abaixo. Entretanto, apesar de possuírem o mesmo número de conselheiros, totalizando 90, os percentuais relativos às organizações da sociedade civil e ao setor industrial e empresarial possuem variações. A criação do CDES RS foi inspirada na experiência do CDES da Presidência da República, como já referido anteriormente, mas o Conselho gaúcho foi capaz de agregar uma maior participação de conselheiros provenientes de organizações e movimentos sociais, totalizando 48%, em contraste com 36% do Conselho Nacional. A participação do setor industrial e empresarial neste último é também expressiva no ano de 2003, com 50% da composição total do quadro. No caso gaúcho, esse percentual reduz para 33%. O setor do trabalho também possui maior percentual no CDES RS, com 19%. Gráfico 2 CDES da Presidência da República Distribuição dos conselheiros por setores representados - ano 2003 14% 36% 50% Organizações da sociedade civil Industrial e empresarial Trabalho (Fonte: elaboração própria) Diferentemente do CDES nacional, que completou oito anos de existência, em 2011, a experiência do CDES do Estado do Rio Grande do Sul ainda é muito recente; o exercício do diálogo para concertação político-social não possui resultados mais amplos. Nesse período de funcionamento do CDES RS, pode ser afirmado que a experiência tem sido muito desafiadora, especialmente por se tratar de constituição de um espaço público institucional, que se propõe a promover uma nova cultura, de amplo debate e concertação social, em um Estado marcado por quase dois séculos de relações políticas polarizadas. Segundo Ladislau Dowbor (2010, p. 14), referindo-se a estratégia de criação desses conselhos em Brasil: “a construção de consensos e a compatibilização de interesses diferenciados que os conselhos permitem [...] já deram provas de seu papel importante na construção de processos mais democráticos de governo”. Este seria o caso do CDES gaúcho que, no decorrer do ano de sua fundação, vem organizando boa parte dos principais debates sobre as políticas e estratégias de desenvolvimento do Estado. De um modo geral, os conselhos de desenvolvimento propõem-se a este exercício: promover um ambiente de diálogo que reúna atores sociais num esforço comum na busca de alternativas para temas complexos e, muitas vezes, polêmicos, sem gerar derrotados ou vitoriosos, provocando assim uma ruptura de paradigmas com os defensores de um realismo político baseado na imposição de maiorias. As experiências de fóruns com deliberação exclusivamente por consenso, como as que são tomadas nos espaços de articulação do Fórum Social Mundial, os COREDES, ou ainda os movimentos via redes sociais, acompanhados no ano de 2011 em parte de Europa, com suas ações decididas sem votação, desafiam os modelos democráticos tradicionais. A validade e a possibilidade de ampliação deste método de decisão, bem como a atualidade do debate imposto pelas novas dinâmicas sociais, exigem um estudo rigoroso sobre práticas que podem significar uma nova tendência do fazer democrático. Cabe, ainda, destacar que espaços institucionais democráticos de amplo diálogo e concertação social não dificultam a ação executiva governamental, ou mesmo movimentos reivindicativos dos atores envolvidos. De qualquer modo, o crescimento de novas formas de comunicação, o papel desempenhado pelas redes sociais no confronto a regimes autoritários, ou em defesa de direitos sociais contra o avanço de políticas neoliberais, o crescimento das organizações sociais e a incapacidade dos Estados de responder, sozinhos, à crise econômica mundial, desafiam as democracias. Da atual crise econômica do capitalismo emerge uma nova ética de responsabilidade coletiva, tão evidenciada nos movimentos de resistência política originários das redes sociais, ou, ainda, no trabalho realizado em ambientes de concertação social. Em artigo escrito durante a criação do CDES, o então Ministro das Relações Institucionais e Secretário Executivo do Conselho do Presidente Lula, Tarso Genro, afirmava que tinha, [...] a necessidade de criação de um novo bloco social dirigente, não excludente, que não pede atestado ideológico, nem político, nem partidário para ninguém, mas que informe uma coesão social que dê sustentabilidade ao processo de transição, de um modelo econômico perverso para um modelo econômico de inclusão e de redução das desigualdades (GENRO, 2003, p. 98). As forças progressistas, herdeiras das lutas libertárias das organizações sociais, estão desafiadas a traduzir os novos processos de democratização, participação e interação das esferas públicas e redes sociais institucionais ou não, numa nova revolução democrática, portadora de futuro transformador das relações entre sociedade e Estado. Uma revolução capaz de inaugurar novas formas de fazer política e exercer a cidadania, através de um pacto social que ative as modernas formas democráticas, produzindo o amplo diálogo social em direção à concertação para o desenvolvimento econômico, com inclusão social e sustentabilidade ambiental. 5. Considerações Finais Neste trabalho fizemos algumas considerações gerais sobre o desenvolvimento do sistema de participação no Rio Grande do Sul, experiência que inicia a dar seus passos a partir do ano de 2012. De um modo geral ainda não existem dados específicos a partir dos quais a proposta possa ser analisada, porém consideramos importante sua apresentação como uma maneira de aprofundar o debate não só em termos de uma política que começa a ser desenvolvida no sul do Brasil, mas por considerar que a ideia de sistema de participação representa uma importante inovação em termos do que vem sendo realizado no campo das políticas participativas na região. Pensamos que a proposta de articular diferentes espaços participativos, num campo comum, potencializa a realização de avanços importantes em termos das diferentes forças que compõe a sociedade civil, além de também criam canais para que regiões que sem encontram em etapas diferenciadas em termos de participação política da cidadania possam fazer parte desse projeto. 6. Bibliografia ALBUQUERQUE, Esther. Novas tecnologias para a democracia participativa consultas e orçamento participativo na era digital: governo e redes sociais. Ciclo de Debates Diálogos RS. Fundação Perseu Abramo (org.) Porto Alegre, 2010. ALMOND, Gabriel.: “A functional approach to comparative politics” in: ALMOND, G; COLEMAN, J. The Politics in the developing areas. Princenton: Princenton University Press, 1960 ARATO, A.; COHEN, J. Sociedade civil e teoria social. In: AVRITZER, L. (Org.). Sociedade civil e democratização. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. AVRITZER, L.; COSTA, S. 2004. 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