O marxismo e a humana (parte 1) natureza Valério Arcary ” Se se entende que toda transgressão contra a propriedade, sem entrar em distinções, é um roubo, não será um roubo toda a propriedade privada? Acaso minha propriedade privada não exclui a todo terceiro desta propriedade? Não lesiono com isso, portanto, seu direito de propriedade?” (Karl Marx, Os debates na Dieta Renana sobre as leis castigando os roubos de lenha.) O argumento que defende a justiça da propriedade privada foi sempre a pedra angular do liberalismo. Se o direito à propriedade privada fosse ameaçado, argumentaram os liberais, a liberdade seria destruída. Se a possibilidade de acumulação ilimitada de capital fosse reduzida, ou o direito de herança condicionado, as restrições à busca do enriquecimento teriam conseqüências catastróficas: o crescimento econômico seria sacrificado, a inovação tecnológica inibida e o espírito de iniciativa amputado. A sociedade estaria condenada ao atraso, à estagnação e até à preguiça. Depois da restauração capitalista na Rússia e no Leste Europeu, inventaram-se eufemismos para garantir dignidade a valores desmoralizados diante da sociedade na etapa histórica anterior pela experiência social. Depois da derrota do nazifascismo a idéia da solidariedade humana tinha estabelecido raízes sólidas na maioria das sociedades urbanizadas. Para desqualificar os princípios mais elementares de justiça e solidariedade, a ganância foi validada como ambição legítima. A cobiça foi promovida a aspiração de aquisitividade. A rivalidade ganhou ares respeitosos como competição pela eficiência. E a ostentação foi reconhecida como exibição da prosperidade. O homem como lobo do homem Remetendo as formas econômicas da organização social contemporânea às características de uma natureza humana invariável – o homem como lobo do homem –, o liberalismo fundamentava a justificação do capitalismo na desigualdade natural. A rivalidade entre os homens e a disputa pela riqueza seriam um destino incontornável. Um impulso egoísta ou uma atitude comodista, uma ambição insaciável ou uma avareza incorrigível definiriam a nossa condição. Eis o fatalismo: o individualismo seria, finalmente, a essência da natureza humana. E a organização política e social deveria se adequar à imperfeição humana. E resignar-se. Uma humanidade dominada pela mesquinhez, pela ferocidade, ou pelo medo precisaria de uma ordem política disciplinada, portanto, repressiva, que organizasse os limites de suas lutas internas como uma forma de “redução de danos”. Resumindo e sendo brutal: o direito ao enriquecimento seria a recompensa dos mais empreendedores, ou mais corajosos, ou mais capazes e seus herdeiros. A propriedade privada não seria a causa da desigualdade, mas uma conseqüência da desigualdade natural. É porque são muito variadas as habilidades e disposições que distinguem os homens que, segundo os defensores de uma natureza humana rígida e inflexível, existe a propriedade privada, e não o inverso. A diversidade entre os indivíduos, inata ou adquirida, seria o fundamento da desigualdade social. Em consequência, o capitalismo seria o horizonte histórico possível e o limite do desejável. Porque com o capitalismo, em princípio, qualquer um poderia disputar o direito ao enriquecimento. Os liberais sempre se apressaram em admitir que nem todos o conseguirão, por certo, para mascarar sua defesa com um tempero de realidade. Esses argumentos não têm, no entanto, o mais mínimo fundamento científico. Em oposição à visão de uma natureza humana inflexível, o marxismo nunca defendeu a visão simétrica e ingênua de uma humanidade generosa e solidária. Nem fundamentou a necessidade da igualdade social em uma suposta igualdade natural. O que o marxismo afirmou é que a natureza humana tem dimensão histórica e, portanto, se transforma. O que o marxismo preservou foi a idéia de que a diversidade de capacidades não permite explicar a desigualdade social que nos divide. É a exploração de uns pelos outros a causa da desigualdade, e não o contrário. O capitalismo não é meritocrático A injustiça do mundo que nos cerca não repousa em critérios meritocráticos. A diferença de talentos e a variedade de capacidades não têm relação direta com o lugar que cada ser humano ocupa nas sociedades estratificadas em classes. Não há nenhum mérito em nascer em uma família burguesa, proletária ou de classe média. Não há nenhum valor em nascer na Nigéria ou na Noruega, na Grécia ou na Alemanha. Na sociedade contemporânea, a condição de classe é determinada pelo direito de herança, na mesma proporção em que em outras épocas era garantida pelo berço familiar. Pior, na maior parte do mundo, as oportunidades de ascensão social ou permaneceram estagnadas ou vieram diminuindo no último quarto de século. A geração mais jovem desconfia que não irá melhorar suas condições de vida, comparativamente, às de seus pais. A mobilidade social foi reduzida, tanto no centro como na periferia do capitalismo. As possibilidades de melhorar de vida pelo talento ou pelo esforço vieram sendo reduzidas. A inteligência ou a perseverança, a criatividade ou a audácia são aptidões que podem ser encontradas em todas as classes. Porém, a ironia é que será encontrada, com maior freqüência, entre os trabalhadores. Estas qualidades serão descobertas em maior número entre os filhos do trabalho manual pela mesma razão que entre eles se encontrarão, também, a maioria dos que têm gripe, a maioria dos estrábicos ou a maioria dos que têm nariz grande: porque são as maiorias. A desigualdade do mundo que nos cerca não é nem justa, nem racional. Sua explicação, para os socialistas, é o capitalismo. Ser socialista é ser um inimigo irreconciliável do direito ilimitado à propriedade privada. A causa mais elevada do tempo que nos coube viver O interesse pelo tema da natureza humana ressurgiu nos primeiros anos do século XXI provocado por novas linhas investigativas da biologia evolucionista e da antropologia cultural. Não foi a primeira vez que os caminhos da biologia se cruzaram com os da história. A tese de Darwin de que a espécie humana teria sido desenhada pelo seu passado revolucionou a biologia a partir de 1859, quando da publicação da Origem das espécies, e foi uma das maiores realizações científicas de todos os tempos. Mudou profundamente percepção que a humanidade tinha sobre si própria. a A descoberta de que a escala da vida nos remete a um processo de muitas centenas de milhões de anos não desvalorizou a humanidade; ao contrário, ofereceu-nos um sentido de proporções da responsabilidade com a nossa sobrevivência. A maioria das formas de vida que existiram na Terra já foi à extinção, e por mais de uma vez. A revelação de uma ascendência comum com os símios colocou de pernas para o ar a perspectiva de uma humanidade predestinada a ser a coroação da vida. A vida é frágil. Não há um destino à nossa espera. O amanhã nos reserva muitos perigos. Sabemos que a centelha de consciência que nos define foi o produto de uma aventura grandiosa. As espantosas sugestões da biologia evolucionista não diminuíram as perspectivas de futuro da humanidade. Ajudam a compreender a imponência das realizações humanas na história. Construímos uma civilização tecnológica e, culturalmente, complexa. Mas, podemos nos autodestruir. Se não encontrarmos soluções para os impasses do mundo contemporâneo, com suas terríveis lutas de classes, poderemos perecer. A causa mais elevada do nosso tempo é a defesa da humanidade. Nada é mais importante. Para os socialistas, a permanência do capitalismo é a principal ameaça à vida civilizada. Contra o determinismo biológico O darwinismo deixou-nos um extraordinário alerta. A vida é delicada e a extinção não é excepcional. A extinção é o padrão mais regular. Porém, o darwinismo exerceu também uma influência duradoura – e desastrosa – sobre as ciências sociais. Os nacionalismos exaltados das potências européias, no final do século XIX, apropriaram-se abusivamente da idéia de uma competição individual pela sobrevivência dos mais adaptados, para justificar a conquista de um Estado sobre outros. Não fosse isso o bastante, defenderam a idéia abjeta do domínio de uma civilização sobre outras e, no limite mais repulsivo do nazismo, de uma suposta raça superior sobre outras. Os mais desenvolvidos economicamente seriam os mais capazes. A idéia de uma seleção sexual dos mais aptos – aqueles que superaram os obstáculos e foram capazes de deixar descendência – foi transportada para a economia para justificar o mercado como forma mais eficiente, e até natural, de regulação de recursos. A desigualdade social seria, também, natural. E o que é natural, seria irremediável. No final do século XX, a biologia viveu uma nova revolução científica que coincidiu, em muitas das suas conclusões, com hipóteses sugeridas pela história. Esses avanços científicos estão ampliando as possibilidades da pesquisa histórica e são muito animadores, como alertou Hobsbawm (2004): “Para resumir, a revolução do DNA invoca um método particular, histórico, de estudo da evolução da espécie humana […] Em outros termos, a história é a continuação da evolução biológica do homo sapiens por outros meios.” O projeto Genoma enterrou as teorias racistas ao demonstrar, definitivamente, que não existem raças humanas, e as pequenas variações entre as populações de ascendência americana, européia, africana ou asiática são muito recentes. Poderia não ter sido assim, se o intervalo de separação dos grupos humanos tivesse sido mais longo, mas as poucas dezenas de milhares de anos de isolamento, interrompido há 500 anos, não foram suficientes para a fixação de diferenças significativas. As descobertas do DNA permitiram, por exemplo, por meio da marcação das mitocôndrias (uma molécula herdada em todos os seres humanos por linhagem materna), um novo método de datações. Já está sendo rediscutido que o povoamento original das Américas, pouco antes do fim da última glaciação, teria sido realizado em sucessivas vagas por populações geneticamente mais variadas do que até então se presumia. As premissas anti-históricas criacionistas de uma natureza humana invariável, e ainda por cima cruel, sinistra e malvada, embora ainda exerçam alguma influência sobre o senso comum, são inaceitáveis. A humanidade compartilhou a capacidade de amar e odiar, confiar e temer, identificar e repudiar, desejar e rejeitar, admirar e querer, sorrir e desprezar, invejar e imitar, ou seja, todo um repertório de ações e reações dos homens uns com os outros – colaboração e conflito –, impulsionadas pela necessidade de sobrevivência na natureza, que resultaram em experiências históricas, e se concretizaram em relações sociais. Transformamos valores e costumes, através da história, da mesma maneira que melhoramos nossas ferramentas, e podemos sonhar nas mudanças que ainda estão por vir. A história foi um processo cultural de readaptação da humanidade. Essa capacidade de autotransformação foi uma das constantes que oferecem coerência interna à própria história, e permitem que ela seja compreendida. Por isso, a esperança triunfará. Referências bibliográfias: HOBSBAWM, Eric. Manifesto pela renovação da História. Le Monde Diplomatique, 1 dez. 2004. A liderança norte-americana no sistema internacional de Estados está ameaçada pela China? Valério Arcary “o argumento principal deste trabalho foi que o impasse de acumulação da atual fase B diferentemente da fase B do final do século XIX, não apresenta nenhuma solução capitalista óbvia. Certamente, a atual fase B se transformará, mais cedo ou mais tarde, em uma nova fase A (…) mas a acumulação capitalista pode estar se aproximando de seus limites históricos. O próximo Kondratiev bem poderia ser o último” [1] A interpretação da época histórica contemporânea encontra-se dividida em dois grandes campos. Em um primeiro campo estão aqueles que consideram que a destruição econômica precipitada pela crise em 2008 é conjuntural. Ainda quando admitem que ela permanece longe de ter se esgotado, afirmam que será efêmera, transitória. Liberais ou keynesianos de vários matizes retiram a conclusão que o capitalismo conserva, neste início do século XXI, a capacidade de cumprir um papel progressivo, ou até dinâmico, na produção da riqueza social, pelo menos por uma etapa histórica indefinida. A conseqüência desta análise tem sido a defesa de diferentes programas de incentivo e ou regulação para garantir a retomada do crescimento econômico, uns mais intervencionistas ou desenvolvimentistas (Dilma, Kirchner, Chávez, Moralez, Correa, na América do Sul), outros menos. Diferentes fórmulas para a distribuição de renda e atenuação das desigualdades nacionais têm sido sugeridas pelo FMI e pelo Banco Mundial. Em um segundo campo, encontraremos aqueles que defendem que a crise do capitalismo demonstrou-se estrutural e, portanto, posicionam-se pela atualidade do socialismo. Os defensores da necessidade urgente de uma saída anticapitalista para a crise argumentam que os custos destrutivos gerados por uma regulação mercantil irracional ameaça a sobrevivência da civilização, pelo menos, tal como a conhecemos. Este texto se alinha neste segundo campo. Existe, entretanto, outro debate que fraciona estes dois grandes campos, e nos remete à discussão da crise da hegemonia norte-americana, tanto na esfera do mercado mundial, quanto no plano político, como potência dominante. O debate do tema não é diletante. Aqueles que lutam pela revolução mundial devem dedicar muita atenção ao estudo dos seus inimigos. A liderança norte-americana à frente da defesa da ordem mundial foi uma das constantes mais estáveis desde o final da Segunda Guerra Mundial. Não há dúvida alguma que o desastre político dos oito anos da gestão Bush enfraqueceu a posição relativa de Washington. O argumento deste artigo, contudo, é que a hipótese da crise irreversível da supremacia norte-americana, apresentada de forma pioneira e apaixonada por André GunderFrank em seu livro Reorient, há quinze anos atrás, merece ser problematizada.[2] A hipótese Gunder-Frank se apóia em premissas econômicas e demográficas que procuram sustentar a idéia de que existiriam ciclos realmente muito longos, na escala de dois séculos e meio, para cada fase A, de crescimento, e uma fase B simétrica de contração.[3] Defende que a liderança norte-americana será substituída, irremediavelmente, pela chinesa. Algumas pesquisas históricas comparativas sugerem que a sociedade chinesa, pelo menos até o século XV, teria sido mais rica, mais instruída e até mais dinâmica que a Europa medieval. A fragmentação política em dezenas de Estados, entre outros fatores, favoreceu um processo de expansão das relações mercantis durante séculos e, finalmente, a partir do XVI a supremacia européia no mercado mundial em formação. Potenciada pela conquista das Américas, a escravidão africana e o acesso aos metais preciosos criaram-se condições que garantiram um papel pioneiro da Europa do noroeste na revolução industrial. Mas teria sido só depois da explosiva aceleração econômica gerada pela introdução das máquinas que a economia européia teria superado a chinesa. A liderança norte-americana no século XX teria substituído a inglesa ao final das duas guerras mundiais. Em conseqüência deste processo, de acordo com Gunder-Frank, haveria no Ocidente um vício ideológico de análise histórica, o eurocentrismo, do qual o marxismo não estaria imune. Por isso, a resistência intelectual ao prognóstico de que as vantagens comparativas da Ásia estariam abrindo o caminho para uma nova configuração do mercado mundial e do sistema internacional de Estados que teria o seu centro na China. Cinco grandes fatores que condicionaram, historicamente, a dominação imperialista O lugar de cada imperialismo no Sistema Internacional de Estados dependeu, historicamente, de um conjunto de variáveis, que poderiam ser resumidos em cinco grandes questões: (a) as dimensões de suas economias, ou seja, os estoques de capital, os recursos naturais – como o território, as reservas de terras, os recursos minerais, a auto-suficiência energética etc… – e humanos – entre estes, o peso demográfico e o estágio cultural da nação – assim como a dinâmica, maior ou menor, de desenvolvimento da indústria; (b) a estabilidade política e social, maior ou menor, dentro de cada país, ou seja, a capacidade de cada burguesia imperialista para defender o seu regime político de dominação diante de seu proletariado, e das classes populares, ou seja, a coesão social interna e o grau de identificação nacionalista que ofereça sustentação às ambições imperialistas; (c) as dimensões e a capacidade de cada um destes impérios em manter o controle de suas colônias e áreas de influência, ou seja, o nível de sua superioridade econômica e influência cultural e ideológica; (d) a força militar de cada Estado, que dependia não só do domínio da técnica militar ou da qualidade das Forças Armadas, mas do, maior ou menor, grau de coesão social da sociedade, portanto, da capacidade do Estado de convencer a maioria do povo da necessidade da guerra; (e) as alianças de longa duração dos Estados imperialistas, uns com os outros, e o equilíbrio de forças que resultavam dos blocos formais e informais etc. Se considerarmos estes cinco critérios, não parece provável que a liderança dos EUA venha ser desafiada, porque suas vantagens relativas são insuperáveis. Ela veio se exercendo no interior da Tríade (EUA, Europa Ocidental, Japão), ou seja, na colaboração de Washington com Londres, Paris, Berlim e Tóquio, há décadas, desde o final da Segunda Grande Guerra, em função das condições da coexistência pacífica com a ex-URSS. A eleição de Obama, depois de oito anos de unilateralismo de Bush, muda o tom das relações entre EUA e Europa, mas o tom não é a música. As únicas alternativas que poderiam ser potencialmente consideradas à dominação norte-americana seriam a União Européia ou o Japão. O Japão aceitou resignado, após a tragédia da II Guerra Mundial, um papel complementar à economia dos EUA, sendo um dos financiadores da dívida pública dos EUA. O Estado chinês, uma potência nuclear em uma das nações mais pobres do mundo – uma das últimas sociedades de maioria camponesa – conformou-se com um lugar complementar na relação com os EUA, porque aceita o papel econômico de semicolônia privilegiada, que na dimensão regional tem função de submetrópole. O regime ditatorial do Partido Comunista se manteve depois do massacre da Praça Tian An Men porque se apoiou, além do terror, no crescimento intenso de duas décadas, apesar da maior desigualdade social. Quando esse crescimento for bloqueado, ficará patente a baixa coesão social interna e o regime será desafiado pelo imponente novo proletariado, como aconteceu com as ditaduras sul-coreana e brasileira que fomentaram industrialização acelerada. Não é, portanto, sequer razoável imaginar que um processo dessa amplitude pudesse ser resolvido sem uma comoção que exigiria, possivelmente, uma guerra mundial, o que na atualidade não interessa a nenhum Estado. A reunião de abril de 2009 do G-20[i][12] em Londres, anunciada como o embrião de um novo Bretton Woods, não produziu as novidades esperadas. A proposta de regulação dos paraísos fiscais ou de controle sobre os mercados de derivativos ficou suspensa no ar.[ii][13] Já, a decisão de elevar as participações dos Estados no Fundo Monetário Internacional (FMI), comprometendo os Estados periféricos, como o Brasil, na solidariedade com a defesa do sistema financeiro mundial, estruturado em torno do dólar como moeda de reserva mundial, não parece muito animadora. A necessidade intransferível de uma coordenação internacional, algo que seria o mais próximo de um governo mundial, parece urgente. Mas, a montanha pariu um rato. A coordenação que foi ensaiada nas reuniões do G-20 desde 2008 se choca com as assimetrias que dividem o mundo em países centrais, rivais, e países periféricos. A União Européia não é um Estado, ou sequer uma Federação de Estados. O governo da Alemanha não parece disposto a aceitar uma redução da taxa de juros do euro para patamares negativos, como os do dólar, e prefere conviver com um crescimento do desemprego na Europa a arriscar-se em operações de keynesianismo fiscal, que poderiam turbinar uma inflação descontrolada e uma insolvência generalizada das dívidas públicas, pelo contágio da ameaça terminal das moratórias, como o perigo da Grécia. O perigo “grego” seria a abertura de uma situação revolucionária na Europa, com governos caindo “em cascata”, algo que não se vê desde a derrota do Maio de 68 e da revolução portuguesa de 1974. Mesmo um ajuste socialmente menos destrutivo exigiria uma latino-americanização da Europa. Especula-se sobre a possibilidade de uma saída mais ambiciosa, como seria um super plano Brady de resgate de Portugal, Espanha, Grécia, Irlanda e até mesmo Itália. Ainda que possível, um plano deste alcance teria custos incalculáveis. O plano Brady foi a securitização das dívidas latino-americaas, realizada no início dos anos 90, quando os títulos da dívida foram renegociados com os credores privados, salvando os bancos norte americanos do perigo de moratórias devastadoras, através de um hedge que garantia a troca dos papéis podres por novos títulos de longo prazo garantidos pelos papéis do tesouro norte-americano. O alongamento dos prazos das dívidas públicas dos países da periferia européia diminuíria o custo social regressivo das privatizações, das demissões em massa de funcionários públicos, do aumento dos impostos, da destruição dos direitos sociais e das políticas públicas de garantia de coesão social. Um plano Brady para a Europa do Mediterrâneo só seria possível com destruições apocalípticas de capital, com um engajamento do FMI, do Federal Reserve norte-americano, das reservas chinesas e asiáticas, e ainda assim seria difícil antecipar os seus resultados. Está ameaçada a supremacia dos EUA no Sistema Internacional de Estados? Não há dúvida que a indústria dos EUA diminuiu o seu peso, proporcionalmente, no mercado mundial em comparação ao período do pós-guerra. A evolução desfavorável desse indicador, entre outras variáveis, tem alimentado discussões sobre o seu declínio relativo, e a capacidade maior ou menor dos EUA manterem a posição de supremacia no sistema internacional de Estados. Wallerstein, Arrigui, e Gunder Franck, entre outros, defenderam que uma lenta decadência da hegemonia norte-americana teria se iniciado nos anos setenta.[4] No entanto, em comparação com a etapa política entre 1945-89, o papel dos EUA como defensor da ordem imperialista desde 1991, aumentou, como se verificou nas guerras dos Bálcãs, do Afeganistão e do Iraque. A responsabilidade que cabe a Washington na coordenação internacional da resposta à crise, preservando o privilégio de ser o Estado que pode emitir a moeda de reserva mundial, será colocado à prova. As vantagens relativas dos EUA, a partir de 1945, explicam a sua superioridade no sistema de Estados e Obama não deixará de defendê-la, a qualquer custo. Em primeiro lugar, os EUA ainda são, comparativamente, a maior economia nacional. Sua produção industrial deixou de corresponder a metade da capacidade mundial instalada como em 1945, mas seu PIB de estimados US$14 trilhões em relação a um PIB mundial de aproximadamente US$55 trilhões corresponde a mais de um quarto da riqueza mundial. Não obstante, esse recuo relativo foi compensado pela importância do seu capital financeiro. Ela é avassaladora: o capital financeiro dos EUA opera em escala mundial e seus fundos de investimentos controlam corporações em todos os continentes. Controlam parcelas gigantescas dos PIBs das maiores economias do mundo, em especial, na China. No entanto, a estabilidade do sistema de Estados que garante a segurança dos negócios é muito menor do que antes de 1991. A restauração capitalista na ex-URSS e na China foram derrotas do proletariado mundial – derrotas históricas, em especial, dos trabalhadores russos e chineses. Mas, paradoxalmente, o sistema de Estados era mais estável entre 1945 e 1989/91, porque os condicionamentos da coexistência pacífica induziam movimentos como a Organização pela Libertação da Palestina, a OLP, nos territórios ocupados por Israel, ou partidos leais a Moscou, como na França e na Itália, a cumprirem um papel de preservação da ordem política. Não existem, contudo, possibilidades para uma renegociação do alcance de Bretton Woods, ou seja, a refundação de um novo sistema monetário internacional.[5] Não existem, porque não interessa a Washington, e sua liderança permanece intacta. Não haverá refundação do capitalismo. Não haverá New Deal nos EUA.[6] O plano de trilhões de Obama não é senão um Proer para salvar o capital financeiro de Wall Street. Nunca houve substituição de potência dominante sem guerra Nenhum Estado, na história do capitalismo, renunciou às vantagens de sua posição dominante no sistema mundial sem imensas resistências. O caminho do poder foi sempre a guerra. Sendo improvável, nos limites em que previsões são plausíveis, uma guerra em que pequimj desfiaria Washington, o tema da liderança chinesa é um fantasma ideológico. Quando um não quer, dois não brigam. As lutas dentro do sistema europeu de Estados pela hegemonia levaram Amsterdã a entrar em guerra com Londres no século XVII, Londres com Paris no XVIII, Paris com Berlim no XIX, e Berlim com Londres no XX. As Províncias Unidas – hoje a Holanda – aceitaram um papel complementar com a Inglaterra, depois de perderem três guerras: selaram o acordo quando, depois da chamada revolução gloriosa, a última herdeira Stuart se casou com um príncipe holandês, que nem sequer sabia inglês.[7] Portugal aceitou um papel de submetrópole inglesa, desde o Tratado de Methuen, nos primeiros anos do século XVIII.[8] A orgulhosa Grã-Bretanha aceitou um papel associado aos EUA, depois das duas guerras mundiais do século XX. Assim como a desigualdade entre as classes, em uma nação, explica a luta de classes, a disparidade entre os Estados explica uma inserção mais ou menos favorável no mercado mundial. Uma luta constante dos Estados, para preservar ou ganhar posições relativas, uns em relação aos outros, e das grandes corporações, umas contra as outras, foi o centro dos conflitos internacionais dos últimos dois séculos. Uma das obras do capitalismo foi a construção do mercado mundial, a partir do século XVI. Ao longo deste processo foi se estruturando um Sistema Internacional de Estados, a partir da organização pioneira de um sistema europeu de Estados. Depois, o sistema assumiu dimensões mundiais. Um sistema é um conjunto, em que o todo é maior que a soma das partes. A medida da saúde do sistema não é, no entanto, dada pela força do capitalismo nas suas fortalezas históricas, os EUA por exemplo. Nenhum sistema é mais forte do que seu elo mais fraco. [1] . ARRIGHI, Giovanni. A ilusão Petrópolis, Vozes, 1998. p. 46-9 do desenvolvimento. [2] GUNDER FRANK, Andre. ReORIENT, Global Economy in the Asian Age. San Francisco, UCPress, 1998 [3] GUNDER FRANK, Ibidem, p.260. [4] O debate entre Arrigui e Gunder Frank pode ser encontrado em Reorientalism? The World According to Andre Gunder Frank in Review of the Fernand Braudel Center for the Study, 1999; 22 (3) que pode ser consultado in http://www.binghamton.edu/fbc O debate entre Arrighi e Robert Brenner pode ser consultado em Adam Smith em Pequim, São Paulo: Boitempo, 2008. [5] Entre os dias 1 e 22 de Julho de 1944, no calor da Segunda Guerra Mundial, em Bretton Woods, New Hampshire, nos EUA, por iniciativa de Roosevelt, reuniram-se 44 países, entre eles o Brasil, mas sem representação da URSS, em uma Conferência, sob a liderança de Keynes, que discutiu o futuro da ordem econômica internacional, decidindo-se a formação do FMI (Fundo Monetário Internacional). [6] O New Deal (em português, novo acordo), inspirado nas idéias keynesianas de regulação estatal do mercado, é o nome do programa do governo do Presidente Roosevelt com o objetivo de recuperar a economia norte-americana durante a depressão dos anos trinta. Entre 1933 e 1937 os investimentos do Estado agigantaram-se, provocando grandes déficits públicos, e a economia dos EUA voltou a crescer, mas a depressão só foi superada durante a II Guerra Mundial. [7] William e Mary, o casal da revolução gloriosa de 1688 pertencem à dinastia Stuart, cujo último representante é a Rainha Ana, filha de James II, que lhes sucedeu. A ela segue- se George I, eleitor de Brunswick, coroado em 1714, e fundador da dinastia chamada “hanoveriana” que se mantém até hoje, mas mudou de nome. A dinastia chamada de Windsor começa com George V, coroado em 1910. A mudança de nome – que remete ao Castelo que é residência oficial – se deveu à inconveniência de a monarquia inglesa ser, durante a I Guerra Mundial, de origem germânica. [8] O Tratado de Methuen de 1703 foi um acordo diplomático entre a Grã-Bretanha e Portugal. O nome do célebre acordo remete a John Methuen que representou os ingleses. Os portugueses se comprometeram a consumir os têxteis britânicos e, em contrapartida, os britânicos, os vinhos de Portugal. Desde o século XVIII, Lisboa aceitou as condições da aliança estratégica com Londres, que reduziram sua autonomia à condição de submetrópole para compensar as pressões de Madri. A ameaça espanhola permaneceu muito intensa, mesmo depois da restauração de 1640 que levou ao poder a dinastia de Bragança, quando se dissolveu a União Ibérica (1580/1640), período em que o Rei de Espanha assumiu a Coroa portuguesa. Um reformismo quase sem reformas: o governo Lula dez anos depois Valerio Arcary “Quem a si próprio elogia não merece crédito.” (Sabedoria popular chinesa.) “Não se deve elogiar o dia antes da noite.” (Sabedoria popular alemã.) “Se você está em uma mesa de pôker e não sabe quem é o otário, é porque o otário é você.” (Sabedoria popular brasileira.) A análise crítica do significado do governo Lula é complexa, principalmente, por três razões. Primeiro, porque o governo Lula é história recente, e a ausência de distanciamento dificulta a perspectiva. O governo Lula, apesar do mensalão em 2005, cumpriu dois mandatos, foi capaz de eleger a sua sucessora e, ao final de 2012, uma candidatura do PT apresenta-se como favorita para a sucessão de 2014. Ou seja, eleitoralmente, foi um sucesso. Mas vitórias eleitorais não devem ser confundidas com vitórias políticas. Ser vitorioso nas urnas apropriando-se do programa dos outros é uma armadilha política: o feitiço se voltará, inexoravelmente, contra o feiticeiro. O tempo ajuda a decantar o sentido de experiências históricas novas, e diminuir as pressões da luta política mais imediata. Segundo, porque a eleição de um líder de origem operária foi uma experiência inusitada na história do Brasil. Embora não tenha sido uma surpresa, foi uma anomalia. Não foi uma surpresa porque, desde 1989, a possível vitória eleitoral do PT era mais do que um dos cenários possíveis: era provável, e tinha sido assimilada pela classe dominante. Ninguém ameaçou mudar para a Florida, como aconteceu em 1989. Ainda assim, foi uma excepcionalidade para a dominação burguesa. Um operário na presidência era algo impensável, ainda nos anos setenta do século XX. Em outra dimensão, o governo da Frente Popular dirigido pelo PT, uma coalizão com partidos burgueses liberais, foi uma anormalidade, porque foi o mais estável dos vinte e cinco anos de regime democrático-eleitoral. Terceiro, porque o governo Lula se encerrou com elevadíssima popularidade, tanto dentro do país como na esfera internacional, o que foi excepcional na história do Brasil. Sarney, Collor e Fernando Henrique Cardoso estavam desacreditados quando deixaram o Palácio do Planalto, depois de terem gozado, alegremente, de uma popularidade igual, senão maior do que a de Lula, por uns poucos anos. O governo Lula foi muito beneficiado pela conjuntura econômica internacional favorável à exportação de commodities, pela abundância de investimentos externos, pela disponibilidade de crédito internacional a custos baixos, pela quase ausência de uma oposição de direita, e pela fragilidade da oposição de esquerda. Existem em debate, grosso modo, duas interpretações históricas do significado do governo Lula. A primeira afirma que ele deve ser qualificado pela redução da miséria absoluta e pela diminuição da desigualdade social. Teria sido aberto um novo ciclo de crescimento sustentável da economia brasileira, uma nova inserção mais forte do país no mercado mundial e, portanto, um posicionamento mais soberano no sistema internacional de Estados. Mais importante, teria acontecido a ascensão de uma parcela do proletariado ao padrão de vida de classe média. A hipótese deste texto é que, contrariando a percepção dominante no tempo presente, o trabalho de investigação histórica irá diminuir o balanço do governo Lula, e revelar que houve muito mais continuidades do que rupturas com os governos anteriores. Se considerarmos a evolução política da América Latina, na primeira metade da última década, parece incontroverso que os regimes democráticos viram as suas instituições questionadas pelas mobilizações de massas, seriamente, pelo menos em alguns dos mais importantes países vizinhos. Dez presidentes não completaram seus mandatos. Entre 2001 e 2005, quatro países da América do Sul estiveram em situações revolucionárias. Os governos cúmplices do ajuste recolonizador na América Latina dos anos noventa se desgastaram até à queda, ao ponto de vários ex-presidentes – Salinas do Mexico, Menem da Argentina, Cubas do Paraguai, Fujimori do Peru, e Gonzalo de Losada da Bolívia, além dos golpistas da Venezuela – terem sido presos, se encontrem foragidos, ou à espera de julgamento. O governo Lula sucumbiu diante do imperialismo e da burguesia brasileira como produto de uma estratégia política consciente. Lula foi um interlocutor do governo norte-americano para os governos venezuelano, boliviano e equatoriano, elogiado pela sua responsabilidade por ninguém menos do que Bush. Sua influência moderadora sobre Chávez, Evo Moralez e Correa foi reconhecida por Washington, pelos governos europeus e até pelas burguesias locais. O PT beneficiou-se, em 2002, de um crescente mal estar social que vinha se acumulando desde o início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Lula não foi, contudo, um improviso histórico como a eleição de Kirchner na Argentina depois da insurreição de 2001. O governo Lula é história recente, ou história do tempo presente, é preciso distinguir o que foi o governo Lula das percepções que ele deixou. A sua popularidade oculta mais do que revela sobre a sua verdadeira natureza. O crescimento econômico entre 2004 e 2008, interrompido em 2009, porém, recuperado com exuberância em 2010, foi inferior à média do crescimento dos países vizinhos, mas a inflação foi, também, menor. A média do crescimento do PIB durante os anos do governo Lula foi de 4% ao ano, inferior ao crescimento da Argentina ou da Venezuela no mesmo período, mas a inflação abaixo dos 5% ao ano foi, também, menor. [1] O crescimento econômico teve duas dimensões: foi favorecido pelo aumento da demanda mundial de commodities, e pelo aumento interno do consumo. Associado à expansão do crédito, e à recuperação salarial ofereceram ao país uma sensação de alívio. Esta foi a chave de explicação do sucesso popular do governo Lula: reduziu o desemprego a taxas menores que a metade daquelas que o país conheceu ao longo dos anos noventa; permitiu a recuperação do salário médio que atingiu, finalmente, em 2011, o valor de 1990; aumentou a mobilidade social, tanto a distribuição pessoal quanto a distribuição funcional da renda, ainda que recuperando os patamares de 1990, que eram, escandalosamente, injustos; garantiu uma elevação real do salário mínimo acima da inflação; e permitiu a ampliação dos benefícios do Bolsa-Família. A redução da desigualdade social remete ao tema da mobilidade social. Consideram-se duas taxas de mobilidade social, a absoluta e a relativa, para avaliar a maior ou menor coesão social em um país. A taxa absoluta compara a última ocupação do pai e a primeira do filho, por exemplo. A taxa de mobilidade relativa confere em que medida os obstáculos de acesso a posições de emprego – ou oportunidades de estudo – que favorecem a ascensão social, puderam ou não ser superados pelos que estavam em posição social inferior. Compara, portanto, jovens de origem social diferentes, mas da mesma geração. O período histórico do pós-guerra (1945/1973) favoreceu a mobilidade social absoluta no Brasil. No entanto, parece ter ficado, irremediavelmente, no passado.[2] É verdade que a distribuição pessoal da renda é menos desigual do que era no início do governo Lula. Mas este indicador compara somente a renda daqueles que vivem do trabalho. E a redução da desigualdade se explica tanto porque o salário médio do trabalho manual subiu, quanto pela queda do salário médio de escolaridade superior. A evolução da distribuição funcional da renda tampouco é animadora. Embora a participação da massa salarial sobre a riqueza nacional tenha se recuperado, ainda é menor que 50% e atingiu em 2011 o patamar de 1990. Lula foi muito diferente de Arbenz na Guatemala entre 1951/54, de Siles Suazo e Paz Estenssoro na Bolívia depois da revolução de 1952, dos militares associados a Velasco Alvarado no Peru no início dos anos setenta, de Allende no Chile entre 1970/73. No contexto internacional da guerra fria, todos foram derrubados por golpes de Estado articulados pelas Forças Armadas com apoio do imperialismo. Tampouco é possível a comparação com o governo da Frente Sandinista na Nicarágua, em 1979, que liderou uma revolução, e teve que enfrentar uma invasão militar financiada por Washington e uma guerra devastadora durante anos. Lula teve a vantagem histórica de ter chegado a Brasília dez anos depois da dissolução da União Soviética, mas não fez sequer reformas semelhantes às que a social democracia européia inspirou no pós-guerra, depois de 1945. Não confrontou o rentismo, não enfrentou o latifúndio, não elevou os impostos sobre a riqueza, não cercou a negociata da educação privada, não diminuiu a privatização da saúde, não desafiou as Forças Armadas, não ameaçou os monopólios da mídia, e um longo etc. Em resumo, é preciso considerar que a classe trabalhadora esperou vinte anos para ver Lula na presidência, e constatar que ele foi muito favorável para o mundo dos negócios. O governo liderado pelo PT foi um governo amigável para os capitalistas. Não surpreendeu, portanto, o generoso financiamento eleitoral que recebeu da classe dominante em 2006, 2010 e 2012. O sistema financeiro, ou seja, os rentistas, como o próprio Lula reivindicou, não tiveram razões para queixas. Os oito anos do governo Lula se distinguem por terem sido o período de maior estabilização social do regime político que surgiu no Brasil em 1985 com o fim da ditadura militar. O paradoxo é que a forma presidencialista arcaica que a democracia liberal assumiu foi, essencialmente, consolidada durante o governo liderado pelo PT. Notas: [1] Os dados mais significativos tanto econômicos como sociais estão disponíveis on line no site do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: http://www.ibge.gov.br/home/. Informações sobre o censo de 2010 podem ser encontrados no site: http://www.ibge.gov.br/censo2010/primeiros_dados_divulga dos/index.php. Consulta em novembro 2012 [2] O tema da redução da desigualdade social está envolvido em grande polêmica. Uma excelente referência é Reinaldo Gonçalves do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro): http://www.ie.ufrj.br/hpp/intranet/pdfs/reducao_da_d esigualdade_da_renda_governo_lula_analise_comparativa_reinaldo _goncalves_20_junho.pdf. Consulta em novembro de 2012. Uma crítica a Kurz: objetivismo teórico, catastrofismo econômico e impotência política Valério Arcary “Duas luvas da mão esquerda não perfazem um par de luvas. Duas meias verdades não perfazem uma verdade.” (Eduard Douwes Dekker, alias, Multatuli — 1820-1887) A elaboração de Robert Kurz chegou a ter alguma repercussão no Brasil nos anos 1990, e ainda hoje mantém uma pequena influência em círculos universitários e, curiosamente, em Fortaleza. Os seus argumentos merecem ser considerados e submetidos à crítica. Argumentamos em outros textos que, no século XX, revoluções foram mais freqüentes que em qualquer outra época histórica. E continuam sendo cada vez mais prováveis. Em contrapartida, concluímos, também, que as transições ao socialismo revelaramse muito mais difíceis do que foi elaborado na tradição marxista. Em outras palavras, ocorreram no que diz respeito à elaboração do marxismo clássico sobre a teoria da revolução, duas surpresas históricas. Surpresas não são acidentes históricos.[1] São desenvolvimentos inesperados que contrariam prognósticos e exigem atualização teórica, mas confirmam uma tendência, revelam uma constante, sugerem um padrão. A atualização de uma teoria não diminui a sua força explicativa, apenas confirma a sua vigência. Teorias que não se renovam, dogmatizam-se. Nenhuma teoria com ambição científica permanece válida se não incorpora revisões impostas pelas transformações da realidade. Todavia, sempre que foram necessárias atualizações teóricas, o grau de dispersão política se eleva à enésima potência. Este texto defende duas teses programáticas fortes do marxismo que julgamos serem vitais: a centralidade da luta política marxista pela direção do proletariado, e a necessidade da conquista pelo proletariado da direção da luta de todos os oprimidos. Esta é a dimensão subjetiva do desafio porque remete ao processo de formação da consciência de classe. Em outras palavras, ser marxista no início do século XXI é uma aposta estratégica que tem dois alicerces: a confiança histórica de que enquanto o proletariado existe e luta poderá redescobrir a grandeza social de sua força; e a confiança de que a luta política dos revolucionários pela direção do proletariado poderá abrir o caminho da revolução socialista. Quarenta anos de revoluções interrompidas Consideremos, primeiro, o curso inesperado da “longa marcha” da revolução mundial e, em seguida, as hipóteses de Kurz. A primeira surpresa foi o grau elevadíssimo de substitucionismo social nas revoluções do século XX. A maioria das revoluções proletárias foi derrotada (França/1871; Alemanha/1923; Espanha/1936; Grécia/1945; Bolívia/1952; Portugal/1975, entre outras) e a maioria das revoluções vitoriosas não teve como sujeito social a classe operária (Yugoslávia/1945; China 1949; Cuba 1959/1961; Vietnam 1975). O bloco de classes disposto a ações revolucionárias foi muito mais amplo do que a hipótese formulada por Léon Trotsky. E ele foi, entre os marxistas revolucionários da primeira metade do século XX, aquele que com maior audácia atualizou a formulação do marxismo do século XIX, na sua teoria da revolução permanente. Em outras palavras, em sociedades agrárias ou muito pouco urbanizadas, os camponeses e massas populares não proletárias, empurrados pelas sequelas de crises e guerras devastadoras, cumpriram um papel revolucionário inesperado que o marxismo não tinha previsto. Mas, se o protagonismo social revolucionário das classes oprimidas não proletárias significou que o bloco social revolucionário poderia ser mais amplo – e, portanto, mais forte – demonstrou, também, os limites de processos revolucionários liderados por movimentos nacionalistas. Todas as experiências de transição ao socialismo foram, em poucas décadas, bloqueadas. As restaurações capitalistas foram lideradas, invariavelmente, pelos aparelhos burocráticos estatais. As vitórias nacionais revolucionárias dos anos do pós-guerra deram lugar a derrotas que enlamearam a bandeira do socialismo. Um processo tão complexo de dialética de vitórias e derrotas não poderia deixar de provocar perplexidades. O paradoxo da história foi que não faltaram revoluções nos últimos cem anos, mas em nenhuma sociedade transformada por processos revolucionários se abriu e se manteve uma transição ao socialismo. As revoluções do século XX foram, em sua maioria, revoluções políticas que não transbordaram em revoluções sociais. Dialeticamente, foram revoluções sociais interrompidas. Revoluções políticas transformam a forma da dominação do Estado, mas não deslocam o controle do Estado das mãos da classe dominante, porque não desafiam o fundamento histórico da dominação. Revoluções sociais são aquelas que alteram as relações econômico-sociais porque desafiam as relações de propriedade. Em outras palavras, o século XX foi o século mais revolucionário da história, mas só excepcionalmente as revoluções se radicalizaram até o limite do rubicão do assalto ao capitalismo. A maioria das situações revolucionárias evoluiu até à queda de regimes tirânicos, ditaduras odiadas ou governos execrados, entretanto, pouparam a burguesia que protegia seus interesses com esses regimes. Portanto, o intervalo histórico entre as revoluções democráticas e as revoluções anticapitalistas, ou entre os Fevereiros e os Outubros, por analogia com a revolução russa de 1917, não deixou de aumentar. A tentação catastrofista da iminência da crise final O que nos diz Kurz? Em nossa opinião, a fuga em frente preferida de todas as análises de inclinação objetivista na história do marxismo, incluindo uma parte da tradição trotskista. O centro da questão metodológica foi desviar o foco para a análise da crise do capitalismo, para afastar-se da espinhosa análise da crise do movimento operário. Defende que o novo quadro histórico se definiria pela tendência ao esgotamento da forma mercadoria e pela anulação do valor, quase simultaneamente a conclusões semelhantes, neste tema, desenvolvidas por Mészáros: “Se, no início do século XX, a transformação do modo de produção capitalista (…) (imperialismo, economia de guerra, taylorismo, ideologização das massas, etc.), (…) talvez a ruptura de época, no final do século XX, exija uma transformação ainda mais ampla. (…) Só agora, passado o período de incubação dos anos 80, as novas forças produtivas pós-fordistas da microeletrônica e seus conceitos correlatos de racionalização (descritos em seu conjunto, de acordo com o referencial teórico escolhido, como segunda ou terceira revolução industrial) mostram seu verdadeiro potencial de crise: pela primeira vez, a riqueza material (e também ecologicamente destrutiva) é produzida antes pelo emprego tecnológico da ciência que pelo dispêndio trabalho humano abstrato. O capital começa a perder sua capacidade de valorização absoluta e alcança com isso aquele estágio, extrapolado logicamente por Marx, no qual a forma de socialização do sistema produtor de mercadorias – que ‘repousa no valor’ – esbarra em seus limites históricos.” [2] A hipótese de Kurz é instigante, mas flerta com o catastrofismo, porque sugere a possibilidade de que uma crise sem saída estaria em gestação. A premissa implícita por trás desta hipótese é que as crises do passado foram insuficientes para colocar na ordem do dia a estratégia da revolução mundial. Nessa perspectiva as revoluções do século XX foram prematuras. Por um lado, defende que o capitalismo já teria mergulhado a civilização na barbárie. Contudo, por outro, concentra-se na análise das mudanças trazidas pelas inovações tecnológicas da micro-eletrônica, exaltadas como um terceira revolução industrial, sem se perguntar qual o grau de coerência entre os dois postulados. Kurz não parece dar importância aos desdobramentos destas duas linhas de interpretação. Primeiro, não parece difícil admitir que o capitalismo ameaça a vida civilizada. A questão é precisar, rigorosamente, se a barbárie já abriu o caminho ou não. A hipótese sempre foi cara para todos os marxistas, desde Engels e Rosa Luxemburgo. Se isso aconteceu, correspondeu a uma mudança de época. Consiste em afirmar que o capitalismo do final do século XX, em algum momento, deu um salto de qualidade regresssivo, irreversível. e impôs uma derrota histórica Segundo, se o capitalismo ainda estava desenvolvendo forças produtivas e não forças destrutivas, e os computadores e a telemática já permitem ir além do valor e garantir a socialização imediata, significa que aconteceu um importante progresso material e cultural e, portanto, parece exagerado caracterizar a sociedade contemporânea como um estágio de barbárie. A análise de Kurz anuncia os limites históricos do modo de produção capitalista, mas quase nada sobre as perspectivas da revolução: “A crise da forma-mercadoria é, no entanto, filtrada pelo movimento do mercado mundial (…) luta essa que possibilita (e domina) as próprias forças produtivas que serão responsáveis pela desvalorização da força de trabalho. Os capitais mais produtivos abatem concorrencialmente aqueles que não podem mais acompanhar o elevado padrão de produtividade, mobilizando para tanto vultosas somas de capital fixo. Os velhos perdedores e os novos retardatários só podem continuar no páreo à custa de baixos salários (ou ainda trabalho forçado ou escravo) (…) Podia parecer, à primeira vista, que o processo de crise transcorreria de maneira escalonada(…) e deixaria por último as nações mais fortes do ponto de vista do capital, capazes de sustentar por mais tempo o processo de simulação monetária através do endividamento do Estado e do sistema de crédito. Primeiro sucumbiram as economias do Terceiro Mundo e do socialismo de Estado, que passaram a ser exemplo de uma ‘modernização tardia’, fadada desde então ao fracasso no interior do horizonte burguês. Nos anos 90, porém, a crise parece avançar a passos largos em direção às economias nacionais estabelecidas.” [3] Estamos diante de uma análise que identifica nas novas forças produtivas a capacidade de abrir uma época histórica em que mudam os fundamentos do processo de acumulação do capital. Inaugura-se uma fase de desenvolvimento que se definiria, tendencialmente, pela anulação histórica do valor. A nova época histórica teria como traços constituintes a crescente barbarização das relações sociais, como expressão dos limites do trabalho com a forma mercadoria. Em outras palavras, a proporção de valor agregado pelo trabalho vivo seria cada vez mais irrelevante, na medida em que a ciência e a tecnologia se emancipam como a principal força produtiva, e a queda da taxa média de lucro atingiria tal nível, que o horizonte histórico dos limites da acumulação estariam cada vez mais próximos. Decorre desta análise, de uma radicalidade objetivista que surpreende, uma nova compreensão do papel dos sujeitos sociais na luta anticapitalista. Kurz desenvolve a crítica da esquerda a partir da ótica da necessidade de superar o politicismo. A crítica do politicismo é compreendida com uma superação da política. Mas a política não deve ser reduzida pela crítica marxista à sua dimensão mais cenográfica, mesquinha, ritualizada, espectacularizada. A fórmula antipolítica de Kurz propagandista. não consegue esconder a tentação A disputa pela direção do proletariado contra os aparelhos reformistas sempre foi o beabá do marxismo. Aqueles que estão em minoria e querem lutar para ser maioria não podem se permitir o luxo de escolher o terreno da disputa, porque a relação de forças não o permite. O terreno da política- as eleições nos sindicatos, as campanhas salariais, a organização de marchas, a participação nas eleições – é imposto aos revolucionários por essa necessidade. As ilusões da classe operária nas possibilidades de regulação do capitalismo não se explicam sem a presença ativa, esmagadora e opressiva de aparelhos burocráticos que dependem destas ilusões, e parasitam a insegurança dos trabalhadores sobre sua capacidade de luta. Estes aparelhos não podem ser derrotados sem ser confrontados. A alternativa seria uma opção de auto-exclusão de tipo “anarquismo” tardio, uma versão pós-moderna dos falanstérios de Fourier. O enfoque anti-político leva a desaparecer da análise uma história centrada nos sujeitos sociais e na luta de classes. Kurz não procurou esconder o seu propagandismo, não há mediações, e o derrotismo se manifesta nas entrelinhas. Portanto, um pouco à maneira luckásciana, mas por um outro ângulo, menospreza os elementos subjetivos. A impotência política revela-se de forma desinibida. Crise de direção ou aburguesamento do proletariado? A segunda surpresa histórica foi a imaturidade do proletariado em afirmar a sua independência política e manter a vigilância e controle sobre as suas organizações. O grau de dificuldade do proletariado remete à sua condição economicamente, explorada, socialmente de classe, oprimida e politicamente dominada. Muito maior do que o previsto pelo marxismo do século XIX, a debilidade subjetiva da classe operária se expressou na longevidade da influência da social democracia e do estalinismo, de longe os dois maiores aparelhos burocráticos que parasitaram a representação política dos trabalhadores no século XX. O substitucionismo social e, em conseqüência, o papel de organizações nacionalistas foi uma das pressões que levou uma parte do marxismo a dizer “adeus” ao proletariado. Outro aspecto da análise de Kurz é o deslocamento do protagonismo revolucionário das mãos do proletariado: “Os remanescentes do velho radicalismo chegam a ponto de denunciar os prognósticos de uma transição iminente para a barbárie global como ‘falsa certeza’(…) Os náufragos críticos da sociedade foram de tal modo arruinados pela política e imbecilizados pela agitação, que só pode lhes parecer amalucada a tentativa de analisar uma revolução industrial (a microeletrônica), lançando mão de conceitos teóricos de crise. Eles tomam por supérfluas tanto uma definição de época, quanto uma nova historização do desenvolvimento interno do capitalismo, pois este, concebido em conceitos escolares, nunca deixou de ser o mal de sempre, imutável (…) Eles não ousam mesmo acusar de ‘objetivismo’, precisamente, a análise e a crítica das estruturas (realmente) objetivadas, por terem desde sempre operado com conceitos burgueses irrefletidos de sujeito e vontade. Não chega a espantar, assim, que a demanda por uma supressão da forma-mercadoria e da forma-política, que no atual estágio da crise do sistema mundial plenamente desenvolvido deve ser formulada de maneira muito distinta que no passado, seja vista como reformismo ou fundamentalismo. “[4] Segundo Kurz, o proletariado se integrou de forma irreversível: uma nova atualização das teses “soixantehuitards” vaticinando o aburguesamento dos trabalhadores. Mas uma classe que é explorada não pode renunciar à luta. Pode, simplesmente, escolher quando sente confiança em si mesma para lutar. Esta disposição de luta foi sabotada durante décadas pelos aparelhos reformistas, em especial o estalinista, que semearam entre os trabalhadores a ilusão das negociações, pactos e concertações para evitar situações de confronto, enquanto faziam a gestão do mal menor. Mas há um limite histórico para a eficácia dos aparelhos como última linha de defesa do sistema. Todas as grandes revoluções políticas da nossa época foram, também, revoluções sociais em processo, porque só a mobilização de massas em grande escala pôde garantir a vitória das revoluções democráticas. Mesmo quando classificadas como democráticas, pelas tarefas colocadas, as revoluções políticas merecem caracterizadas como revoluções sociais incompletas, ou interrompidas, pelos sujeitos sociais que foram convocados para o seu triunfo. A armadilha da história é que as revoluções democráticas são processos em disputa cujo desenlace é incerto. Não eram vermelhas as bandeiras dos jovens que saíram às ruas de Túnis, do Cairo, da Líbia, do Bahrein, do Yemen, e de Aleppo na Síria. Inexistem organizações marxistas revolucionárias importantes no mundo árabe. A revolução voltou à primeira cena da arena mundial, porém, as massas populares em luta contra as ditaduras como as de Ben Ali, Mubarak, Gadhafi, Assad e os outros califas não fizeram reivindicações anticapitalistas. Entretanto, as situações revolucionárias abertas nesses países ainda não se encerraram. Aonde os ditaduras foram derrubadas, a revolução democrática foi uma antessala de combates de classe cuja dinâmica histórica será, objetivamente, anticapitalista, porque a contra-revolução da nossa época histórica foi, invariavelmente, burguesa. Mas este terrível aprendizado de que as revoluções democráticas foram revoluções inacabadas terá que ser feito no calor das lutas que virão, ou seja, com uma margem de improviso político elevado. Notas: [1] Acidente histórico é uma fórmula que remete, entre outros temas, a formas estatais ou regimes políticos que foram bloqueados, destruídos ou derrotados. Tenta explicar, em elevado grau de abstração, processos muito singulares, como as Missões Jesuíticas no Cone sul da América Latina no final do século XVII e início do XVIII, por exemplo. Pode ser considerado um acidente histórico uma evolução temporária, porém insustentável ou até mesmo anacrônica, de uma sociedade (ou de uma nação). O conceito surgiu nas Lições sobre a filosofia da história de Hegel, e foi usado, também, por alguns marxistas. Uma das polêmicas sobre o tipo de sociedade que surgiu na URSS com o regime estalinista é se aquela seria ou não um acidente histórico. O texto de Hegel pode ser encontrado em: http://pt.scribd.com/doc/57456425/HEGEL-Em-Licoes-de-filosofia -da-Historia. Consulta em 13/12/2012 [2] KURZ, Robert. Os últimos combates. Petrópolis, Vozes, 1998. p.67-68. [3] Idem. [4] Idem, p.75-76. A revolução perguntes por sinos dobram Síria: não quem os os Valerio Arcary “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo (…) E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.” (John Donne) “Será necessário que se reúnam condições completamente excepcionais, independentes da vontade dos homens ou dos partidos, para libertar o descontentamento das cadeias do conservadorismo e levar as massas à insurreição. Portanto, essas mudanças rápidas que as idéias e o estado de espírito das massas vivem nas épocas revolucionárias não são um produto da elasticidade e mobilidade da psíque humana, mas, ao contrário, de seu profundo conservadorismo(…) As distintas etapas do processo revolucionário, consolidadas pelo deslocamento de uns partidos por outros, cada vez más radicais, sinalizam a pressão crescente das massas para a esquerda, até que o impulso adquirido pelo movimento tropeça com obstáculos objetivos. Então começa a reação: decepção de certos setores da classe revolucionária, difusão da apatia.” (Leon Trotski) O ano de 2011 inaugurou uma nova situação internacional com a onda de revoluções políticas no Magreb, transbordando em poucos meses para os países de língua árabe do Oriente Médio. Quando uma ordem econômica, social e política revela incapacidade para realizar mudanças por métodos de negociação, concertação ou reformas, as forças sociais interessadas em resolver a crise de forma progressiva recorrem aos métodos da revolução para impôr a satisfação de suas reivindicações. Essa foi a forma que assumiu a defesa de interesses de classe na história contemporânea. Duas conclusões se impõem de forma irrefutável ao final de quase dois anos. Primeiro, o que aconteceu nas ruas de Túnis e Cairo, depois na Líbia, Bahrein, Yemen, e Síria, merece ser considerado como revolução no sentido pleno do conceito: uma irrupção representativa da vontade popular, com o objetivo de derrubar ditaduras corrompidas, regimes monstruosos de frações degeneradas de burguesias nacionais instaladas no poder há décadas. Segundo, o processo revolucionário se estendeu na forma de uma vaga sincronizada que foi contaminando, em maior ou menor medida, a maioria dos países da região, pelo efeito arrebatador do exemplo das vitórias fulminantes na Tunísia e Egito. Que na Líbia e Síria a dinâmica do processo tenha evoluído para uma guerra civil nos diz mais sobre a contrarevolução do que sobre a revolução. Uma revolução que luta com armas nas mãos não é menos legítima, é mais heroica. Na Síria não está somente em disputa o destino da ditadura do clã Assad. Nas ruas de Damasco estão se dando neste momento combates cruciais para o futuro da revolução mundial. Uma contra-revolução mundial Já se disse que as próximas revoluções serão sempre mais difíceis que as últimas, porque a contra-revolução aprende depressa. A contra-revolução burguesa foi um dos fenômenos de dimensão mundial do século XX. As revoluções contemporâneas manifestam-se como revoluções na esfera nacional, mas esta aparência é uma ilusão de ótica que remete à centralidade da luta política imediata contra o Estado. As revoluções do século XX não enfrentaram somente os seus inimigos nacionais imediatos, mas a contra-revolução à escala internacional. As do século XXI terão desafios ainda mais complexos, e o primeiro deles é a necessidade do internacionalismo. Os Estados se definem pela vigência das fronteiras nacionais, todavia a dominação mundial capitalista foi se estruturando, crescentemente, sobre uma institucionalidade mundial: o sistema internacional de Estados, ou seja, ONU, a Tríade (Estados Unidos, União Européia, Japão), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o G-8, o G-20, o Banco Mundial, o Banco de Compensações Internacionais de Basileia, etc. As revoluções contemporâneas estiveram inseridas, desde o fim da Primeira Guerra Mundial, em contextos, pelo menos, regionais, ou semi-continentais, e assumiram a forma de ondas de expansão que cruzaram mais ou menos rapidamente as fonteiras nacionais. Por isso as revoluções contemporâneas merecem ser caracterizadas como processos de refração da revolução mundial. A revolução mais recente pode ser interpretada, portanto, como “o futuro de um passado”, e começa onde a última foi interrompida. O ano de 2012 foi o ano em que a revolução na Síria chegou à sua hora decisiva. Combates se travam diariamente nas ruas de Damasco. Esta revolução incompreendida pela maioria da esquerda brasileira vive as suas horas decisivas. A solidariedade maior a Gaza durante as duas últimas semanas de novembro de 2012 demonstrou que está aumentando o isolamento político de Israel, e potencializando a resistência palestina. Os governos da França e Reino Unido se apressam a compreender a nova relação de forças e sinalizam a disposição de votar a favor de um novo estatuto para a Autoridade Palestina na ONU, contrariando o alinhamento incondicional dos Estados Unidos com Israel. A queda de Kadafi, portanto, não diminuiu a disposição de apoio à causa palestina na Líbia, ao contrário, aumentou. Não será diferente na Síria. Fevereiros heróicos, mas intervalos mais longos até Outubros Mas afirmar que têm sido revoluções políticas democráticas significa dizer, também, que não só não realizaram rupturas anticapitalistas, como destacar que a participação política dos trabalhadores não ocorreu ainda, predominantemente, de forma independente. Ou seja, remetendo a uma metáfora histórica ancorada na experiência da revolução russa, estamos diante de Fevereiros muito difíceis que sugerem ainda um longo intervalo antes que possam ocorrer Outubros. Estas formas da revolução árabe não foram, historicamente, incomuns. As ditaduras do Cone Sul da América Latina – Argentina, Uruguay e Brasil – foram, também, desafiadas por mobilizações de massas entre 1982/1984. Estes processos sugerem que existe um padrão recorrente, se analisarmos a dinâmica política da época contemporânea. Parecem corresponder a duas regularidades: (a) regimes ditatoriais em países periféricos em processo de urbanização podem se manter no poder, até por algumas décadas, mas serão derrubados por revoluções democráticas, mais cedo ou mais tarde, pelo surgimento de um bloco social muito mais poderoso do que a oligarquia arcaica que os sustentou: um proletariado e uma classe média asssalariada plebéia massiva. A questão decisiva é se este bloco é dirigido pelo proletariado ou por frações burguesas dissidentes e seus aliados internacionais; (b) o efeito exemplo do triunfo de uma revolução democrática, em uma época histórica em que a informação circula quase instantaneamente, acelerou a experiência política de massas, e funcionou como um gatilho que incendiou os países da região vizinha, produzindo uma internacionalização rápida da revolução. A urgência da revolução A história, contudo, não é sujeito, mas processo. O seu conteúdo é uma luta. Essa luta assume variadas intensidades. A revolução política é uma dessas formas, e a frequência maior ou menor em que ela se manifesta é um indicador do período histórico. Todas as revoluções contemporâneas tiveram uma dinâmica anticapitalista, maior ou menor, mas não foram todas elas revoluções, socialmente, proletárias. Todas as revoluções socialistas da história começaram como revoluções políticas, ou como revoluções democráticas, mas nem todas as revoluções democráticas transbordaram em revoluções sociais. Estará em disputa a possibilidade da revolução no norte da África e do Oriente Médio abrir o caminho para segundas independências, com todas as sequelas que teria a perda de controle do imperialismo sobre as maiores fontes de abastecimento de petróleo, mas, também, a destruição das políticas públicas de bem estar social que ainda estão de pé na Europa Ocidental, ou a redução da Grécia, Portugal e, talvez, até da Espanha à condição de semi-colônias do eixo franco-alemão na União Européia. O que condicionou, historicamente, a possibilidade de revoluções foi a pressão objetiva de crises de dimensões catastróficas. Mas, só a existência de crises nunca foi o bastante para que se iniciassem processos revolucionários. Foi indispensável, igualmente, que a mentalidade de milhões de pessoas fosse sacudida pela experiência terrível de que não existiria mais esperança em saídas individuais. Somente quando a nova geração acordou para a inescapável constatação de que teria que aceitar condições de sobrevivência inferiores às dos seus pais, ou seja, somente quando o que era inacreditável em condições normais se impôs de forma incontornável, se precipitaram situações revolucionárias. A urgência da revolução voltou a ter significado político imediato. Mas não autoriza a conclusão de que o socialismo está mais perto. A luta pelo socialismo requer mais do que ações revolucionários contra o governo e regime no poder: exige protagonismo proletário independente e projeto internacionalista. 14 N: o dia em que o internacionalismo ressurge como força social e política Valerio Arcary, professor do IFSP O dia de greve geral unificada de 14 de novembro de 2012 em Portugal, Grécia e Estado Espanhol, com ações simultâneas como a greve metalúrgica na Itália e outras, seja qual for a sua dimensão e repercussão imediata, entrará para a história como um novo momento do internacionalismo. Nada remotamente semelhante já aconteceu, e isso diz tudo. Esta greve é uma resposta em terreno novo e muito animador. Será um acontecimento extraordinário, mesmo que venha a ser somente um ensaio geral. O internacionalismo proletário poderá renascer, nesta quarta feira, como uma força social e política capaz de derrotar a Troika. Se a união do movimento operário e sindical com os movimentos sociais de juventude vier a se consolidar estará aberta uma nova situação política no Mediterrâneo. Estarão começando a serem reunidas, quiçá, as condições para impor aos governos uma nova relação de forças, ameaçando todos os planos de austeridade. O capitalismo está se confrontando, a cada crise (1990/92; 2000/2001; 2008/12), com seus limites históricos. A perspectiva de situações revolucionárias nos países mediterrânicos da Europa está mais próxima. Contudo, paradoxalmente, as duas premissas anteriores não permitem ainda concluir que o socialismo está mais perto. Porque o futuro do socialismo depende da afirmação de um sujeito social com disposição de luta, consciência anticapitalista, e organização independente capaz de atrair para o seu projeto a maioria dos oprimidos. Esta afirmação só será possível com uma capacidade de ação internacionalista. Por isso a greve geral de 14 de novembro será um momento magnífico de resistência, ou seja, uma demonstração de que há energias no proletariado da Europa, aquele que tem maior tradição histórica no mundo. Estamos diante de um impasse histórico, um período transitório, que poderá mergulhar a sociedade em um abismo regressivo. Abismos regressivos já vitimaram sociedades contemporâneas, desde o final da Segunda Guerra Mundial, incontáveis vezes, e das mais diferentes e terríveis formas. Na forma de limpezas étnicas, por exemplo, quando da fundação do Estado de Israel, a nakba palestina em 1948 ; ou na forma de genocídios, como no Ruanda, em 1994, ou na Bósnia, entre 1992/95. Mas ocorreram, tragicamente, outras formas de regressão histórica, como as ditaduras no cone sul da América Latina nos anos setenta, ou as sequelas da restauração capitalista na Rússia nos anos noventa. A perspectiva de uma estagnação econômica internacional, por uma década, como tem sido admitida por analistas da mais diversas tendências, merece ser caracterizada, também, como uma regressão, pelas consequências sociais e políticas imprevisíveis que provocará. Uma das mais plausíveis é a confirmação da tendência a uma queda acentuada do salário médio nos países centrais (EUA, União Européia e Japão). Pela primeira vez, desde o pós-guerra, a geração mais jovem será mais pobre que a mais velha. Outra, também, provável, é a revogação das políticas públicas do chamado bem estar social, sendo a previdência dos mais velhos, o salário desemprego dos ativos, e o acesso à educação gratuita dos mais jovens, três dos alvos prioritários dos ajustes. As relações entre o centro e a periferia do capitalismo deverão conhecer, também, transformações reacionárias como reprimarização, desnacionalização e recolonização. Estes são os planos da Troika para salvar o capitalismo. Conseguirão ou não aplicálos? O 14 de novembro será um dia em que se medirão forças. A última crise do capitalismo e a teoria da crise última As últimas crises econômicas confirmam que os limites históricos do capitalismo estão mais estreitos. É verdade que estes limites nunca foram fixos, mas o fato de serem móveis não quer dizer que não existam. Eles resultam de uma luta política e social. Vivemos em uma época histórica em que os destinos políticos e econômicos da civilização se decidem na arena mundial, ainda que a luta política se desenvolva, aparentemente, em marcos nacionais. Do futuro desta luta de classes internacional dependerá a longevidade do capitalismo. O que, no entanto, é previsível, é que a senilidade do sistema exigirá mudanças regressivas, ou seja, reacionárias, historicamente, até em relação ao passado do capitalismo. O futuro deste passado será cada vez mais próximo ao prognóstico de barbárie crescente. Em alguns períodos, os horizontes histórico-sociais do capital se contraíram (depois da vitória da revolução russa; depois da crise de 1929; depois da revolução chinesa; depois da revolução cubana; depois do Maio 1968; depois da revolução portuguesa), e em outros se expandiram (depois do New Deal de Roosevelt; depois do acordo de Yalta/Potsdam, ao final da II Guerra Mundial; depois de Reagan/Thatcher nos anos 80). O capitalismo não terá “morte natural”, o que não é o mesmo que dizer que não se manifestou na história uma tendência ao desmoronamento, isto é, uma tendência a crises cada vez mais sérias e destrutivas, que ficou conhecida na tradição marxista como a teoria do colapso. Os últimos cento e cinqüenta anos já foram um intervalo histórico suficiente para se concluir que o capitalismo não morre de “morte natural”: suas crises convulsivas, por mais terríveis, não resultam em processos revolucionários, a não ser quando surgem sujeitos sociais com disposição revolucionária. Os critérios objetivistas que diminuem a centralidade do protagonismo do proletariado e das classes oprimidas foram refutados pela história. Os vaticínios políticos catastrofistas neles inspirados, se aproximaram perigosamente de uma versão marxista de um novo milenarismo. Ainda nos Grundrisse, Marx deteve-se no comentário das contratendências que poderiam neutralizar e até, em determinadas circunstâncias histórico-sociais, inverter de maneira transitória a ação dos fatores que pressionam no sentido da queda da taxa média de lucro e, portanto, da precipitação da crise, como se pode perceber a partir deste fragmento: “No movimento desenvolvido do capital existem fatores que detêm este movimento mediante outros recursos que não as crises, como, por exemplo: a contínua desvalorização de uma parte do capital existente; a transformação de uma grande parte do capital em capital fixo, o qual não presta serviços como agente da produção direta; improdutivo desperdício de uma grande parte do capital, etc. […] Que ademais se possa conter a queda na taxa de lucro, por exemplo, reduzindo os impostos, diminuindo a renda do solo, etc., não é assunto que devamos considerar aqui, por maior que seja sua importância prática, já que se trata de partes do lucro chamadas por outro nome e das quais se apropriaram pessoas que não são o capitalista mesmo. […] A diminuição é contrabalançada, da mesma forma, mediante a criação de novos setores de produção, nos quais se requer mais trabalho imediato em proporção ao capital, ou naqueles em que ainda não está desenvolvida a força produtiva do trabalho, isto é, a força produtiva do capital (também os monopólios).” (tradução nossa) O conceito de crise final revelou-se, históricamente, sem fundamento, portanto, politicamente estéril. As crises econômicas do capitalismo continuaram a se manifestar com uma intensidade destrutiva que não deve ser subestimada. Mas da regularidade da crise não se pode retirar outra conclusão que não seja que a sociedade estará condenada a sofrer, convulsivamente, as dores do parto de uma transição que vem se revelando muito mais longa do que eram os prognósticos de Marx. Marx apostava na hipótese de que o peso crescente do maquinismo, ou seja, da ciência objetivada como tecnologia, como uma força produtiva aplicada em larga escala, exigiria uma tal imobilização de capital, que a tendência à queda da taxa média de lucro seria irrefreável, donde o prognóstico da precipitação de crises mais destrutivas e devastadoras. Como se pode conferir adiante: “Na mesma proporção, portanto, que no processo de produção o capital enquanto capital ocupe um espaço maior em relação ao trabalho imediato, quanto mais cresça a mais-valia relativa – a força criativa própria capital – tanto maior será a queda a taxa de lucro (…) Esta é, em todos os aspectos, a lei mais importante da economia política moderna e a essencial para compreender as relações mais difíceis. É, do ponto de vista histórico, a lei mais importante. É uma lei que, apesar de sua simplicidade, nunca foi compreendida.” (tradução nossa). O próprio Engels interveio no debate preocupado com ênfases excessivas ou deformadamente deterministas que eram feitas em nome de Marx. Na conhecida carta a Kugelmann apresenta a fórmula do paralelograma de forças, um esforço de reequilibrar/reordenar a articulação das causalidades, sugerindo que Marx utilizava diferentes níveis de abstração quando buscava o estudo de cortes de temporalidades ou esferas distintas de análise. A necessidade do desenvolvimento histórico colocava a possibilidade da revolução social. Necessidade e possibilidade se definem assim em uma unidade dialética que não se confunde com fatalismo. O 14 de novembro de 2012 será um dia de celebração do internacionalismo. Porque é possível, porque é necessário. Nakba é uma palavra árabe que significa “catástrofe” ou “desastre” e designa o êxodo palestino de 1948 quando pelo menos mais de 700.000 árabes palestinos, segundo dados da ONU, fugiram ou foram expulsos de seus lares, em razão da guerra civil de 1947-1948 e da Guerra Árabe-Israelense de 1948. Limpezas étnicas são remoções forçadas de populações com o uso de violência estatal que resultam em migrações forçadas. Há um debate interessante sobre o tema conhecido como a discussão sobre a Zusammenbruchstheorie,ou teoria do colapso ou desmoronamento. Uma referência útil pode ser encontrada no livro organizado por Lucio Colletti: El marxismo y el “derrumbe” del capitalismo. 3 Editores, 1985. ª ed. México, SigloVeintiuno São caracterizados por uma parte da historiografia como milenaristas alguns movimentos populares europeus de inspiração mística e, algumas vezes, messiânicas, da Idade Média e Moderna que acreditavam no advento de um novo mundo com a inauguração de um novo milênio. O livro de Norman Cohn é uma das eferências para este tema. Na senda do Milênio: milenaristas revolucionários e anarquistas místicos da Idade Média. Lisboa: Editorial Presença, 1970. MARX. Grundisse. Mexico, Siglo XXI p. 637, 1997. MARX, Karl. Grundisse. Siglo XXI, p. 634. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich Obras escolhidas. São Paulo, Alfa-omega, [s/d]. (vol. I, II e III). Outros Outubros virão Valério Arcary Hoje celebramos noventa e cinco anos da revolução russa. A efeméride oferece a ocasião para o ressurgimento da interpretação liberal sobre o seu significado: seus arautos nos recordarão, em um exercício manipulado de história contrafactual, que o século XX teria sido o palco de uma luta titânica da democracia contra os totalitarismos comunista e fascista. Esquecerão, convenientemente, que sem a revolução de outubro e, portanto, a existência da URSS, seria pelo menos duvidoso a introdução de regulações no capitalismo como a experiência do New Deal de Roosevelt nos EUA na sequência da crise de 1929, ou a seguridade social na Escandinávia nos anos trinta. A vitória da luta contra o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial teria sido imensamente mais difícil. Argumentarão, pomposos e solenes, que as revoluções seriam processos de transformação, historicamente, superados: teriam sido, afinal, terremotos convulsivos característicos de nações com baixos níveis de instrução. O que não permitiria explicar o Maio de 1968 na França: um dos países centrais com escolaridade média mais elevada do mundo. Descuidarão, portanto, que a história é um processo em aberto. Ininterrupta, a história voltou a nos surpreender com revoluções políticas, como nos recordam os últimos dois anos na Tunísia, Egito, Líbia, Síria, enfim, no Magreb e Oriente Médio. O século do encontro da revolução com a história A revolução política e social foi o fenômeno decisivo da história contemporânea, deslocando o lugar que, no passado, era ocupado pela guerra. A desigualdade social foi e continua sendo o maior problema da civilização. Revoluções aconteceram e continuarão acontecendo porque há injustiça e tirania no mundo. A disparidade de condições materiais e culturais de existência humana precipitaram, recorrentemente, crises sociais que transbordaram em crises políticas. Quando as crises políticas não encontram uma solução no limite das relações sociais dominantes, abre-se uma situação revolucionária. A revolução russa de outubro não foi uma excepção. Ao contrário, a revolução bolchevique estabeleceu um dos paradigmas mais longevos do século XX e inspirou várias das gerações de socialistas que vieram depois. Mudanças eram – e continuam – sendo necessárias. Nenhuma sociedade permanece imune à pressão por mudanças. Mas, as forças da inércia histórica são proporcionais à força social reacionária de cada época. Um atraso significativo e, muitas vezes, terrível, é inevitável entre o momento da manifestação de uma crise social, e o tempo que a sociedade precisa para que seja capaz de enfrentar as mudanças que são indispensáveis. Revoluções não acontecem quando são necessárias, mas quando a pressão pela transformação se demonstrou inadiável. A história confirmou que as transformações podem ocorrer por via de reformas, ou seja, por lutas que resultam em negociações e acordos transitórios que mantém, na essência, a ordem econômica, social e política, ou por via de revoluções. Significado das derrotas históricas A velha máxima que assegura que as revoluções tardias são as mais radicais não deixou de se confirmar. Ao final da Primeira Guerra Mundial ruíram na Europa Central e Oriental três Impérios – o russo, o austro-húngaro e o prussiano – que tinham atravessado, incólumes, o século XIX, desde a Santa Aliança anti-republicana e o Tratado de Viena de 1815. As formas monárquicas mais ou menos arcaicas de cada um deles – expressão de uma transição burguesa negociada sob as cinzas da derrota das revoluções democráticas de 1848 – foram destruídas pelo desenlace da guerra, mas, também, pela maior vaga revolucionária que a história tinha até então conhecido: de Petrogrado a Budapeste, de Viena a Berlim, milhões de homens e mulheres, trabalhadores e soldados, atraíram para o seu lado setores das camadas médias, artistas, intelectuais e professores, e lançaram-se na obra de destruir os velhos regimes de opressão que os tinham mergulhado no turbilhão do genocídio que acabou consumindo algo próximo a dez milhões de vidas. Aonde as revoluções democráticas de 1848 foram derrotadas pelas velhas monarquias – fortalecidas na época da restauração depois de 1815- como na Alemanha prussiana e no Império dos Habsburgos, a tarefa de pôr fim à guerra uniu-se à proclamação da República, mas as forças sociais que impuseram, pelos métodos da revolução, a derrota do governo – o proletariado e os camponeses arruinados que constituíam a maioria do exército – não se contentaram somente com as liberdades democráticas, e lançaram-se na vertigem da conquista do poder com suas esperanças socialistas. As revoluções atrasadas da Europa Central e Oriental transformaram-se em revoluções proletárias pioneiras ao final da Primeira Guerra Mundial, mas, à excepção da Rússia, foram desbaratadas. Derrotas históricas, contudo, têm conseqüências trágicas e duradouras. O custo histórico, para os alemães, da derrota de seus jacobinos em 1848 foi o militarismo nacionalista do II Reich, o imperialismo do Kaiser, e a Primeira Guerra Mundial. O preço que a nação alemã pagou pela derrota do seu proletariado – o triunfo do nazismo, a Segunda Guerra e os seis milhões de vidas da juventude alemã – foi ainda maior. Ditadura do proletariado ou ditadura fascista Aonde as formas tirânicas do Estado revelaram-se mais rígidas, como na Rússia, a revolução democrática radicalizou-se, muito rapidamente, em revolução socialista, confirmando que revoluções não podem ser compreendidas somente pelas tarefas que se propõem resolver, e menos ainda pelos seus resultados, mas, sobretudo, pelos sujeitos sociais, ou classes, que tiveram a audácia de fazê-las, e pelos sujeitos políticos, ou partidos, que foram capazes de dirigi-las. O substitucionismo histórico – de uma classe por outra – e a centralidade da política – com a redução das margens de improviso da liderança – demonstraram-se as chaves de explicação dos processos revolucionários contemporâneos. Não foi a burguesia russa que se lançou à insurreição para derrubar o Estado semi-feudal dos Romanov em fevereiro de 1917, mas foi ela quem impediu o governo provisório do Príncipe Lvov de fazer a paz em separado com a Alemanha: os capitalistas russos demonstraram-se demasiado frágeis para, por um lado, romper com seus parceiros europeus, e por outro, para garantir a sua dominação através de métodos eleitorais na República que nascia pelas mãos da insurreição proletária e popular. Não foi a burguesia quem mandou os seus filhos para as trincheiras da guerra serem massacrados, mas era ela quem apoiava Kerensky, quando este insistia em lançar os camponeses fardados em ofensivas suicidas sobre o exército alemão. A pressão de Londres e Paris exigia a manutenção da frente oriental, mas a pressão de um proletariado poderoso e combativo – proporcionalmente a uma burguesia com pouco “instinto de poder” pela submissão à monarquia – exigia o fim da guerra; as forças mais fortes da esquerda socialista – mencheviques e esseristas – se recusavam a assumir o poder sozinhos, porque não queriam romper com a burguesia, porém os bolcheviques, minoritários até setembro, recusavam a integração no governo de colaboração de classes, porque não admitiam romper com as reivindicações populares. Quando Kerensky perdeu o apoio nas classes populares, a burguesia russa apelou ao general Kornilov para resolver com as armas, o que não podia ser resolvido com argumentos. A hora das eleições para a Constituinte tinha passado. A burguesia russa perdeu a paciência com Kerensky e rompeu com a democracia, dois meses antes de o proletariado perder a paciência com os seus líderes, e recorrer a uma segunda insurreição para terminar com a guerra. O fracasso do putsch selou o destino da burguesia russa. O proletariado e os soldados encontraram nos bolcheviques, nas horas terríveis de agosto, o partido disposto a defender com a vida as liberdades conquistadas em fevereiro. Sem o apoio da burguesia e sem o apoio das massas, suspenso no ar, o governo de Kerensky – e seus aliados reformistas – procurou socorro no pré-parlamento, mas a legitimidade da democracia direta dos sovietes superava a representação indireta de qualquer assembléia: o tempo para as negociações com a Entente tinha se esgotado, a oportunidade histórica para a república burguesa tinha sido perdida. Era tarde demais. A engrenagem da revolução permanente empurrava os sujeitos sociais interessados no fim imediato da guerra – a maioria do Exército e dos trabalhadores – para uma segunda revolução e operava a favor dos bolcheviques que, no espaço de poucos meses, viam sua influência se agigantar. O proletariado e os camponeses pobres precisaram dos meses que separaram fevereiro de outubro para perderem as ilusões no governo provisório, onde os partidos em que depositavam suas esperanças, mencheviques e esseristas, eram incapazes de garantir a paz, a terra e o pão, e entregar sua confiança aos sovietes onde a liderança de Lênin e Trotsky se afirmava. Martov, líder dos mencheviques internacionalistas e Kautsky, líder da social-democracia alemã, insistiram, nos anos seguintes, que Outubro teria sido uma aventura voluntarista. Acusaram os bolcheviques de golpistas por terem feito a revolução: queriam que os bolcheviques construíssem o regime democrático-liberal quando a burguesia russa tinha apoiado os métodos da guerra civil para defender a propriedade privada. Quis a ironia da história que, na Rússia de 1917 – antecipando um movimento histórico que depois se generalizou à Europa – os partidos menchevique e SR, que nasceram como organizações operárias e populares, transfiguraram-se nos porta-vozes da pequena-burguesia e das incipientes classes médias urbanas: um colchão de amortecimento da luta de classes entre o Capital e o Trabalho, e os últimos advogados de um regime democráticoliberal, mesmo depois que a burguesia tinha abraçado o plano da ditadura fascista, que poderia ser adornada com uma coroa monárquica. Mais razoável, entretanto, seria concluir que uma hesitação bolchevique em outubro, ou a sua derrota na guerra civil entre 1918/1920, teria levado ao poder – apoiado pelas democracias de Washington e Londres – um fascismo russo, e ninguém deveria querer imaginar o que poderia ter sido um “Hitler” no Kremlin. A alternativa de outubro: capitalismo ou socialismo O balanço que a história deixou parece irrefutável: se até a Alemanha, a mais desenvolvida e educada das nações européias não escapou da ditadura nazista, seria superficial e até, talvez, ingênuo, imaginar que a atrasada Rússia semi-asiática poderia ter consolidado um regime democrático-liberal ao final da Primeira Guerra Mundial. São variadas as razões que explicam essa impossibilidade na Rússia, ao contrário do que aconteceu, posteriormente, na Europa do Mediterrâneo em 1945, em Portugal e Espanha entre 1975 e 1978, ou na América Latina entre 1982 e 1985. Nas condições da Rússia depois da queda do Czar, em fevereiro, a burguesia não estava disposta a romper suas relações com Londres e Paris e iniciar um processo de paz em separado com Berlim, porém, sem a paz, a burguesia não poderia imaginar a convocação das eleições para a Constituinte. Ao chegar mais de meio século atrasada ao processo de industrialização, e ao ter se inserido no sistema internacional como potência semiperiférica – imperialista em relação às suas colônias no Cáucaso e na Ásia, mas sub-metrópole em relação à França e à Inglaterra – a burguesia russa tinha se associado aos capitais estrangeiros para financiar a implantação de seu parque industrial. A consolidação de uma democracia-liberal pressupunha a convocação de eleições em uma situação em que a legitimidade da vontade popular tinha encontrado representação nos sovietes, onde o principal partido burguês, o Kadete, não tinha expressão. A força do proletariado em movimento impunha uma forte presença dos partidos socialistas moderados, mencheviques e esseristas, nos variados Governos provisórios, mas, assim como Miliukov não estava disposto a romper com a Entente, estes partidos não estavam dispostos a romper com a burguesia, levando primeiro o Príncipe Lvov, e depois Kerensky, ao impasse crônico. Ao exigir das massas que fizeram a revolução contra o Czar para se libertar da guerra, que prolongassem a guerra para conseguir a Constituinte (e a promessa secular de terra e libertação nacional para ucranianos, bálticos, caucasianos e asiáticos) sucessivas crises políticas foram se precipitando em vertigem até à crise revolucionária, depois da derrota do golpe de Kornilov. Referências bibliográficas COLLETTI, Lucio. El marxismo y el derrumbe del capitalismo. México: Siglo XXI, 1985. DRAPER, Hal. Karl Marx’s theory of revolution. v. 2. Nova York: Monthly Review Press, 1978. FURET, François. Siciliano, 1995. O passado de uma ilusão. São Paulo: HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. XX, TROTSKY, Leon. Historia de la revolución rusa. Bogotá: Pluma, 1982. Entrevista de Valério Arcary à revista Caros Amigos Outubro de 2012 1. Na sua opinião, em que medida a divulgação dos escândalos do “mensalão” afetaram a política brasileira, em 2005, e durante o julgamento em 2012? Qual a importância deste caso para a história da política no país? A importância foi e permanece devastadora. A crise do “mensalão” tem duas dimensões em perspectiva histórica. Em primeiro lugar, o episódio é desmoralizador para o PT, em toda a linha, e as suas seqüelas foram e serão inescapáveis. Não será mais possível ao PT atrair para uma militância despojada os ativistas honestos como antes. A relação do PT com os movimentos sociais, em especial, os movimentos sindical, estudantil, popular de luta pela moradia, camponês de luta pela reforma agrária, de mulheres, e negro não poderá ser a mesma que existia antes da eleição de Lula e da crise do “mensalão”: uma hegemonia incontestável. Em segundo lugar, a direção política do PT foi decapitada em 2005 para preservar Lula e, a rigor, salvar o próprio governo de coalizão que o PT dirigia, senão o próprio partido. Zé Dirceu cumpria o papel de “primeiro ministro” dentro de um regime presidencialista e podia, eventualmente, ser um futuro candidato à presidência. Foi destruído, politicamente, como figura pública pela repercussão da denúncia e, internamente, muito atingido, mas salvou Lula. Formar uma nova direção para o PT será, imensamente, mais complicado que improvisar um candidato à prefeitura de São Paulo. Uma direção individual de Lula, de tipo caudilhista, é um anacronismo arcaico. Não creio que a esquerda brasileira seja tão atrasada assim. Um Bonaparte que se impõe sobre os líderes regionais só pode se manter enquanto houver vitórias. A experiência histórica sugere que a hora decisiva em que uma direção demonstra sua força é na hora das derrotas. 2. Alguns órgãos de imprensa chegaram a caracterizar o caso do “mensalão” como o maior caso de corrupção da história brasileira. Você concorda com essa teoria? Por quê? Não. Quando a imprensa comercial burguesa faz estas avaliações, tenho náuseas. Sei que a mensagem nas entrelinhas é o veneno de classe: “tá aí, olhem os dirigentes da classe operária se lambuzando com o mel, não confiem nunca mais em trabalhadores, votem nos ricos que eles roubam menos”. Mas não tenho, tampouco, qualquer solidariedade com a direção do PT. Simplesmente, não estou de acordo com este ranking ou “corruptômetro” que busca hierarquizar quem desviou mais verbas públicas para financiamento eleitoral. Isso foi sempre “feijão com arroz” na política burguesa no Brasil. Maluf, entre tantos outros, deve achar estas esgrimas retóricas divertidas. Na verdade, são desprezíveis. O que há de novo no episódio é que a rede foi feita pelo PT. Já se sabia que o PT era um partido de reformas do capitalismo financiado pelas grandes corporações desde 1994. O que se descobriu foi que era tudo muito mais grave. A denúncia do “mensalão” revelou publicamente a existência de um sofisticado esquema de desvio de verbas, e compra de votos de frações parlamentares que são uma praga de um regime político que alimentou, com o apoio da burguesia em uníssono, a inflação do custo das campanhas eleitorais brasileiras para patamares estratosféricos. Não há nada de novo neste episódio, a não ser que veio a público. O governo do PSDB de FHC já tinha comprado votos para garantir a emenda constitucional que introduziu a reeleição. Esse tem sido um custo colateral do regime presidencial de coalizão muito reacionário que temos. 3. Com polêmicas de tamanha profundidade envolvendo um dos partidos mais importantes da tradição de esquerda brasileira, é possível pensar em “respingos” para toda a esquerda e para a própria política em geral? Sim, em alguma medida isso é assim, o que é triste e, evidentemente, injusto. A direção do PT não só foi obrigada a admitir como financiava a si mesma, mas como ajudava a financiar os partidos de aluguel que atraiu para ter governabilidade no Congresso Nacional. O dinheiro, ainda por cima dinheiro público, substituía o papel da mobilização e organização popular. E foi assim porque era impossível mobilizar fosse quem fosse para fazer reformas reacionárias que retiravam direitos, como a Reforma da Previdência. A desmoralização do PT atinge, ainda que parcialmente, a esquerda de conjunto e diminui a autoridade de quem se apresenta perante a nação como porta-voz dos interesses do proletariado. Se é verdade que a oposição de direita, com boa parte da imprensa e das TV’s e rádios a tiracolo, explora politicamente o julgamento do “mensalão”, também é verdade que o próprio PT cavou o escândalo com as próprias mãos ao se apropriar da política e dos métodos dos partidos burgueses. A crise do PT veio para ficar, mas ainda será necessária uma etapa em que o mais central será a luta política para que possa nascer o novo. Porque o que há de velho e decadente não desaparece por si mesmo. Resiste. Abriu-se uma nova etapa político-histórica com o início do fim da hegemonia petista sobre os setores organizados da classe trabalhadora. Tem sido um processo lento, por muitas razões. Porque, por exemplo, ainda não vimos uma nova onda de lutas nacionais, algo como semelhante a 1979/81, 1983/84, 1987/89, ou 1992. Esta transformação tem sido lenta, Mas já se iniciou, porque a experiência em setores de vanguarda já começou. Não acredito em um matrimônio indissolúvel da classe operária com Lula. 4. Apesar do “mensalão” ter abalado a imagem do PT, a de Lula permaneceu forte. A que se deve isso em sua opinião? Lula foi salvo em primeiro lugar porque não houve impeachment, ou seja, porque não foi a julgamento pelo Congresso Nacional. Tão simples como isso, porque a política tem os tempos de uma luta e, como estamos em 2012, e sabemos o que aconteceu, podemos nos deixar cegar por uma ilusão de ótica. No campo de possibilidades de 2005 estava ou não colocada a possibilidade de outro desfecho? Lula conseguiu ganhar tempo, completar o primeiro mandato, e se reeleger. Se tivesse sido derrubado pela oposição de direita no Congresso ou no STF teria acontecido uma solução muito reacionária da crise. Heloísa Helena chegou a defender impedimento, com apoio de uma parte do Psol, talvez a maioria, um grave erro de tática. A oposição de esquerda não deve se unir à oposição de direita contra um governo Lula. O PT e Lula tinham ainda a confiança dos setores organizados do povo. Nossas contas com o PT e o lulismo têm que saldadas dentro do movimento de massas. Isto posto, para salvar Lula em agosto de 2005 foi necessária uma operação política complexa. Em primeiro lugar, foi preciso entregar a cabeça de Zé Dirceu. Na época, Cesar Maia chegou a bradar pelo impedimento. Mas foi uma voz isolada na oposição burguesa. A maioria dos partidos burgueses, o PSDB à frente, foi contra. Ficaram com medo da desestabilização que poderia vir em seguida. O próprio Bush enviou um representante do governo norte-americano para acalmar os ânimos e mostrar a necessidade estratégica de manter Lula. Como sabemos, Lula não os decepcionou. Como ele mesmo admitiu os capitalistas nunca ganharam tanto dinheiro como nos seus oito anos em Brasília, e em ambiente social e política de paz social, com poucas greves, protestos, mobilizações, uma alegria para a burguesia que voltou a dormir tranquilíssima. 5. Temos visto, na mídia e nas redes sociais, uma dicotomia ao se avaliar o papel dos ministros do STF neste julgamento. Alguns setores os glorificam como salvação da democracia brasileira, outros os apontam como partidários e manipuladores. Em sua opinião, qual papel cumpriu o STF neste caso? A operação de financiamento eleitoral foi herdada, sem tirar ou por nada, do “valerioduto” articulado para beneficiar Eduardo Azeredo (presidente nacional do PSDB em 2005, só isso) ao governo de Minas, em 1998. Até o organizador da operação era a mesma pessoa, o que foi sinistro e, especialmente, bizarro. Uma solução “técnica” típica para a defesa da estabilidade do regime de presidencialismo de coalizão que surgiu no Brasil depois do fim da ditadura militar. Que o STF tenha feito um julgamento separado do outro é incrível. Mas, em resumo, o episódio não confirmou os prognósticos feitos pela maioria dos analistas que publicam na grande mídia. Não significou um deslocamento na relação de forças que tenha aberto o caminho para a oposição de direita, liderada pelo PSDB. Serra amargou a derrota presidencial em 2010 e agora, nas prefeituras das capitais, o PSDB saiu diminuído. 6. Por fim, a questão da reforma política e do Estado inevitavelmente volta à tona com este caso. Corrupção, caixa 2, etc., são inerentes à política institucional brasileira no presente momento ou é questão de opção política? Não há e nunca houve em país algum um regime político de defesa do capitalismo que não estivesse deformado e degenerado pela corrupção. Não creio que seja provável que o Brasil venha a ser uma exceção. Novos escândalos nos aguardam. Crise econômica e governo Dilma: aula pública de Valério Arcary (Vídeo) Aula Pública de Valério Arcary no IFRS campus Bento Gonçalves promovida pelo SINASEFE Seção Bento Gonçalves no dia 29 de junho de 2012 durante greve da categoria. Colóquio internacional discute o colapso das ditaduras em uma perspectiva marxista Quarta, quinta e sexta da próxima semana, no IFCS-UFRJ Colóquio Internacional O Colapso das Ditaduras Programação geral 24/10 (Quarta-feira) 8:30 -09:00 – Credenciamento 09:00 -09:30 – Abertura oficial · Renato Lemos (Brasil) · Fábio Lessa (Diretor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro). · Mônica Grin (Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em História Social História da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Raquel Varela (Portugal) 10:00 -12:00 – Mesa-redonda/ Roundtable – O colapso das ditaduras (com tradução simultânea) · · · · Theotônio dos Santos (Brasil) Valério Arcary (Brasil) Tamás Krauz (Hungria) Coord. António Paço 12:00 -14:00 – Almoço 14:00 -16:00 – Apresentações de trabalhos O golpe de 1964 no Brasil – Coord. Rômulo Mattos · O empresariado e as relações Brasil-Estados Unidos no caminho do golpe de 1964 – Martina Spohr · A ditadura desenhada – prós e contras diante do golpe – André Gustavo Ubinski · O terror de Estado em São Luís: uma análise construída pelo jornal O Imparcial – Rafael Ferreira Cutrim · Reflexões sobre a profissionalização militar e o golpe burguês-militar de 1964 – Camila Fernandes Bravo Forças Armadas e regimes políticos – Coord. Aloysio Carvalho · Guerrilha de Caparaó (1966-1967): esquerda militar em resistência à ditadura militar – Márcio Francisco Carvalho · Os oficiais brasileiros da reserva e a defesa da memória institucional do 31 de março de 1964 – Fernando da Silva Rodrigues Da ditadura militar nacionalista à ditadura civil- militar neoliberal: Forças Armadas e participação política no Peru (1968-1993) – Vanderlei Vazelesk Ditadura e política na Argentina – Coord. Rachel Cardoso · Da “Ttriple A” ao terrorismo de Estado: o terror ampliado na ditadura civil-militar argentina de 1976 – Marcos Vinicius Ribeiro La recomposición del movimiento obrero durante la última dictadura militar argentina bajo el liderazgo de Saúl Ubaldini (1980-1983) – Carla Sangrilli Argentina em conflito: as disputas entre a Central Geral do Trabalho (CGT) e a ditadura de Juan Carlos Onganía – Manoel Afonso Ferreira Cunha Ditadura e memória no Brasil – Coord. Gilberto Calil A quem interessa? Um debate sobre a memória construída em torno da ditadura brasileira (1964-1985) – Cláudio B. de Vasconcelos Pode a vítima falar? O testemunho como recipiente de memórias traumáticas – Lucas Amaral de Oliveira História e memória: na busca pelo direito à AnistiaGEUAr (1994-2002) – Esther Itaborahy Costa Ditadura e transição política no Brasil Hoeveler – Coord. Rejane Ditadura: um programa saindo do ar – Paulo Roberto de Azevedo Maia Transição democrática no Brasil e a Assembleia Nacional Constituinte 1987-1988: permanências e rupturas – Heloísa Fernandes Câmara A redemocratização na proposta do Partido dos Trabalhadores – Amanda Cristine Cezar Segura 16:00-16:30 – Coffee break 16:30 – 18:30 – Debate: Crise económica, Estado Social e resistência dos trabalhadores Promoção: revistas Outubro e História & Luta de Classes Moderadores: Felipe Demier (historiador, revista Outubro) e Gilberto Calil, historiador (revista História & Luta de Classes) Hungria. Do liberalismo ao neofascismo – Tamás Krausz, historiador, revista Eszmélet, Hungria Possibilidades e limites do reformismo no Brasil contemporâneo – Valério Arcary, historiador, revista Outubro, Brasil Quem paga o Estado Social? – Raquel Varela, historiadora, revista Rubra, Portugal Marikana: as armadilhas da libertação nacional – Claire Ceruti, historiadora, revista Socialism from Below, África do Sul 19:00 – 21:00 – Mesa-redonda mudança de regimes políticos · · · · – A dimensão internacional na Serge Wolikow (França) António Paço (Portugal) Encarnación Lemus (Espanha) Coord. Marcelo Badaró 25/10 (Quinta-feira) 9:00 -11:00 – Apresentações de trabalhos Ditadura e revolução em Portugal – Coord. Gilberto Calil · As contribuições do intelectual exilado Vítor Ramos para o colapso do salazarismo: sua presença no jornal Portugal Democrático (1955-1974) – Fábio Ruela de Oliveira · A edição política e a denúncia da ditadura em Portugal (1968-1977) – Flamarion Maués · Comissões de Trabalhadores e o movimento operário no Portugal pós-25 de Abril – Miguel Angel Pérez Suárez Ditaduras no Cone Sul – Coord. Fernando Rodrigues · A ditadura brasileira em relação aos seus pares latino-americanos – Janaína de Almeida Teles · A denúncia nas telas: cinema e representações políticas dos colapsos das ditaduras e das transições democráticas na Europa e na América Latina (décadas de 1970 – 1980) – Wagner Pinheiro Pereira · Ditadura militar na fronteira sul do país: resistência, repressão e rotas de exílio – Marília Brandão Amaro da Silveira Ditadura e movimentos sociais no Brasil – Coord. Camila Bravo · A Diocese de Nova Iguaçu: uma Igreja nova, pobre e de periferia em tempos de repressão política (1974-1980) – Gabriel do Nascimento · A comunidade de informação e segurança no processo de abertura política no Brasil e a visão sobre a atuação do Movimento Amigos de Bairros (MAB) em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro (1974-1985) – Abner Sotenos · Movimentos Comunitários. Experiências de participação em Juiz de Fora, MG – 1974-1988 – Luciana Verônica Silva Moreira 11:00 -13:00 – Mesa-redonda – O colapso das ditaduras e os conflitos sociais (com tradução simultânea) · · · · Marcelo Badaró Mattos (Brasil) Raquel Varela (Portugal) Ricardo Antunes (Brasil) Coord. Felipe Demier 13:00 -14:30 – Almoço 14:30 -16:30 – Apresentações de trabalhos Ditadura e coerção no Brasil – Coord. Fernando Rodrigues · A contradição eleitoral: da realização ao cancelamento das eleições diretas na ditadura militar – Priscila Oliveira Pereira · O terror de Estado no Maranhão: quem eram os perseguidos pelo DOPS? – Sarah Fernanda Moraes Gomes · Assessoria de Segurança e Informação – ASI/UFF no espaço de significação universitário: uma célula do poder do Serviço Nacional de Informação de 1964 a 1985 – Rosale de Mattos Souza Fascismo, Nazismo e Integralismo – Coord. Enrique Padrós · Plínio Salgado em Portugal: a difícil atualização do fascismo no contexto de pós-guerra – Gilberto Grassi Calil · O Estado Novo e o Movimento Integralista. A atuação de Raymundo Padilha na reorganização da AIB durante o período de exílio de Plínio Salgado – Alexandre Luís de Oliveira · Liberdade e resistência no Grupo Rosa Branca – Maria Visconti Sales Ditadura e mudança política no Brasil – Coord. Aloysio Carvalho · Samuel Huntington e a transição gradualista no Brasil (1972-1974) – Rejane Carolina Hoeveler · As propostas militares não “esguianas” para transição brasileira (1977-1983) – Tiago Monteiro · A contrarrevolução de 1964: colapso ou transição? – Roziane Ferreira da Silva Cerqueira / Rogério Fernandes Macedo 16:30-17:00 – Coffee break 17:00 -19:00 – Apresentações de trabalhos O fim do Franquismo – Coord. Felipe Demier · The anti-francoist social movements in Barcelona: social and political victims becoming the founders of a new democratic civil society under dictatorial rule – Florian Musil · La memoria es de ayer, pero sirve para mañana”: as tensões entre história e memória à luz da historiografia recente sobre a Guerra Civil Espanhola (1936-39) – Marco Antônio Pereira · La democracia (no) es el mercado. El mundo de los negocios ante el colapso de las dictaduras en la Península Ibérica – Ángeles González Fernández Ditadura e coerção no Brasil – Coord. Enrique Padrós · As ditaduras de segurança nacional e o uso político do silêncio – Silvania Rubert · Terror de estado no Brasil: repressão e censura através da imprensa no Maranhão (1964-1974) – Mariana Pinheiro de Sousa · “Meu filme não é extremista”: Roberto Farias e “Pra frente Brasil!”. Censura e posicionamento político – Wallace Andrioli Guedes Anistia e processo político no Brasil – Coord. Tiago Monteiro · O Comitê Brasileiro pela Anistia e a descompressão política (1978-1980) – Cristina Monteiro de Andrada Luna · Algumas reflexões sobre a transição política no Brasil e a anistia enquanto instrumento de autoproteção do Regime – Alessandra Gasparotto / Renato Della Vechia · Anistia e conciliação na ditadura civil-militar brasileira – Carla Simone Rodeghero Constituição e crise do mundo socialista Mattos – Coord. Rômulo Herdeiros do Muro: análise comparada da reação pública de cinco partidos comunistas sul-europeus aos acontecimentos históricos de 1989/1991 – Álvaro Cúria “Arcana Imperii” pós-1989: A política de abertura dos arquivos policiais na transição Búlgara – Elitza Bachvarova The collapse of traditional culture as perceived dictatorship: Russia, a case study – Anna Geifman 19:00 – 21:00 – Mesa-redonda – Mudanças de regime na América Latina · · · · Enrique Serra Padrós (Brasil/Uruguai) Manuel Garretón (Chile) Renato Lemos (Brasil) Coord. Demian Melo 26/10 (Sexta-feira ) 9:00 – 11:00 – Apresentações de trabalhos Historiografia da ditadura brasileira – Coord. Demian Melo · O regime ditatorial brasileiro em foco: balanço da produção historiográfica na pós-graduação (1995-2010) – Carine Muguet · Revendo a “hegemonia cultural de esquerda”: a visão da produção das ciências sociais sobre a atuação dos artistas de esquerda da década de 1960 – Larissa Costard · Historicizando um conceito: a “ditabranda” – Carla Silva Ditadura e mudança política no Brasil – Coord. Tiago Monteiro · Liberalização e regime autoritário no Brasil – Aloysio Henrique Castelo de Carvalho · Projetos editoriais de esquerda e o processo de redemocratização brasileiro – Andréa Lemos Xavier Galucio · A Folha de São Paulo, a memória histórica e o acontecimento: passado e o futuro presentes em tempos de Diretas-Já – Tâmyta Fávero Ditadura e processo político no Chile – Coord. Rachel Cardoso · A luta pela democracia: olhares brasileiros sobre as jornadas nacionais de protesto no chile (1983-1984) – Carlos Domínguez Avila · La crisis del régimen de Pinochet y sus partidarios civiles: la Unión Demócrata Independiente (UDI) y Renovación Nacional (RN), 1988-1990 – Pablo Rubio Apiolaza · “El sentido de la transición”: discursos políticos da direita chilena nos anos 1980 – Eric Assis dos Santos 11:00 -13:00 – Mesa-redonda – As transições incompletas · Claire Ceruti (África do Sul) · Procopis Papastratis (Grécia) · Coord. Raquel Varela 13:00 -14:30 – Almoço 14:30 -16:30 – Apresentações de trabalhos História e teoria: como definir os regimes?– Coord. Carla Nascimento · Totalitarianism, authoritarianism, dictatorship: Juan Linz’s concept revisited – Jean-William Dereymez · Bonapartismo e ditadura militar: algumas interpretações do Brasil pós-Golpe de 1964 – Felipe Demier · “Ditadura civil-militar”? Os impasses de uma discussão conceitual – Demian Bezerra de Melo Ditaduras e políticas de Estado/ Dictatorships and State policies – Coord. Camila Bravo · O regime do apartheid e seu programa nuclear – Edson Perosa · Diretrizes da política econômica da ditadura civilmilitar: fundamentos para o projeto privatista brasileiro dos anos 1990 – Monica Piccolo Almeida · Reforma agrária, instrumento de governos militares? – Daniel Polatto Ditadura e oposição no Brasil – Coord. Carla Silva · Música e ditadura no Maranhão: canções como elementos de contestação a partir do AI-5 – Wilson Pinheiro Araújo Neto · Imprensa e oposições políticas na década de 1970: a experiência dos jornais Opinião e Movimento – Hugo Bellucco · O futebol brasileiro em clima de “Diretas Já” – Romulo Mattos Memória e justiça do passado – Coord. Cristina Luna Justiça de Transição no Brasil e na Argentina: normas internacionais de direitos humanos, ativismo transnacional e mudança política – Emerson Maione de Souza Um novo lugar para o testemunho a partir dos processos sobre terrorismo de Estado no Cone Sul – Roberta Cunha de Oliveira La situación de los archivos de la represión después del fin de las dictaduras: una comparación Europa oriental / America Latina – Bruno Groppo Arte colectivo e instituciones artísticas en las ciudades de Buenos Aires, Lima y São Paulo. Una perspectiva comparada 1997-2007 – Cecilia Vazquez Ditadura e processo político no Chile Cardoso – Coord. Rachel “Ley Maldita’: A Ley de Defensa Permanente de La Democracia de Videla e o desvio para ‘La Vía Chilena’ – Mariana Sulidade / Romario Basilio Ariel Dorfman e o longo adeus a Pinochet – Cláudio Pereira Elmir 16:30 -17:00 – Coffee break 17:00 -19:00 – Mesa-redonda – Transições políticas e memória · · · · Constantin Iordachi (Hungria) Fernando Rosas (Portugal) Jessie Jane Vieira de Souza (Brasil) Coord. Renato Lemos 19:00 – 21:00 – Sessão de encerramento – Palestra Fernando Rosas – Do golpe militar à revolução de 1974/75: singularidades históricas da “transição” em Portugal