“A política do comunismo só pode ganhar ao expor, com toda a clareza, a verdade. A mentira pode servir para salvar as falsas autoridades, mas não para educar as massas. O que os operários necessitam como instrumento de ação revolucionária é a verdade. Vosso semanário se chama A VERDADE. Já se abusou muito dessa palavra, como aliás de todas as outras. Porém é um nome bom e honesto. A verdade é sempre revolucionária. Expor aos oprimidos a verdade sobre a situação é abrir-lhes o caminho da revolução.” Leon Trotsky A VERDADE REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E CORRESPONDÊNCIA 87, RUE DU FAUBOURG SAINT-DENIS, 75010, PARIS, FRANÇA Correspondência para todos os países e para as versões em espanhol, inglês e francês REVISTA BIMESTRAL – DIRETOR DA PUBLICAÇÃO: Daniel Gluckstein COMITÊ DE REDAÇÃO Jean-Pierre Barrois, Andreu Camps, Robert Clément, Manuel Cuso, Olivier Doriane, François Forgue, Marc Gauguelin, Lucien Gauthier, Christel Keiser, Daniel Gluckstein, Jean-Jacques Marie, Jean-Marc Schiappa, Marie-Claude Schidlower. CORRESPONDENTES: Werner Uhde (Alemanha), Arfutni Abderramán (Argélia), Lybon Mabasa (Azânia e Suazilândia), Philippe Larsimont (Bélgica), Markus Sokol (Brasil), Paul Nkunzimana (Burundi), Alifa Ngabaye Sam (Chade), Luis Mesina (Chile), José Limaico (Equador), Blas Ortega (Espanha), Alan Benjamin (Estados Unidos), Charles Charalambous (Grã-Bretanha), Pavlusko Imsirovic (Iugoslávia), Lorenzo Varaldo (Itália), Luis Vásquez (México), Aires Rodrigues (Portugal), Florin Constantin (Romênia), Michel Gindrat (Suíça), Ariel Quiroga (Uruguai). EDIÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA – SETEMBRO DE 2009 Coordenação e distribuição: Edison Cardoni. Edição e produção: Paulo Zocchi. Tradutores desta edição: Cláudio Soares, Daniel Felipe Quaresma dos Santos, Edison Cardoni, Francine Iegelski, Joaquim Pagarete (Portugal), José Pinto Pacheco, Luiz Veloso, Maria José Duarte, Paulo Zocchi, Rafael de Freitas e Souza, Renina Valejo e Regina de Sena. Capa e editoração eletrônica: Alexandre Linares. Correspondência no Brasil Corrente O TRABALHO do PT (seção brasileira da 4ª Internacional) Rua Caetano Pinto, 678 - Brás São Paulo - SP - CEP 03041-000 Telefone: 11 - 3208.8420 E-mail: [email protected] Correspondência em Portugal POUS – Partido Operário de Unidade Socialista (seção portuguesa da 4ª Internacional) Rua de Santo António da Glória, 52 B (cave C) - 1250-217 - Lisboa – Portugal A VERDADE REVISTA TEÓRICA DA QUARTA INTERNACIONAL Nº 66 Setembro DE 2009 SUMÁRIO Notas editoriais ........................................... pág. 5 O significado da reunião do G-20 ................. pág. 20 por François Forgue e Jean-Pierre Raffi Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI) .... pág. 43 por Olivier Doriane Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo .... pág. 56 O movimento operário estadunidense, a crise na indústria automobilística e a política de Obama ..................................... pág. 65 Uma entrevista com Alan Benjamin, dirigente de Socialist Organizer Qual “paz” no Sri Lanka? .......................... pág. 85 por François Forgue Documento preparatório do 47º Congresso da Secção Francesa da 4ª Internacional ...... pág. 103 Venezuela: a era Chávez .......................... pág. 147 por Julio Turra Guillermo Lora (1921-2009) .................... pág. 161 Comunicado do Secretariado Internacional da 4ª Internacional Budapeste (Hungria), 4 de abril de 2009: debate de lançamento do livro “1956, a Revolução dos Conselhos Operários” ..... pág. 166 Notas editoriais Política, institucional e economicamente, a crise de dominação do sistema capitalista não para de se agravar, em cada país, em escala internacional. É no país do imperialismo mais poderoso, os Estados Unidos, que a crise se expressa geralmente de uma forma mais espetacular. Entretanto, neste 7 de junho, é na Europa que se produziu um fato da mais elevada importância: a abstenção recorde na eleição do Parlamento Europeu em todos os países. desde a instauração do Parlamento Europeu: em 1979, votaram 62% dos eleitores ; em 2009, a participação foi em torno de 42%. Note-se que nas zonas operárias e populares as porcentagens de participação dificilmente ultrapassam os 10%, o que sublinha o caráter social maciço desta rejeição (1). A União Europeia em crise aberta Instituição maior a serviço do imperialismo estadunidense para pilhar e submeter as classes operárias e os povos da Europa, No total, a participação nesta eleição não parou de decrescer 1 – A taxa global de abstenção e de recusa ao voto situa-se, no plano nacional, abaixo de 20% em países como a Lituânia ou a Eslováquia. Na Romênia, em que a taxa de abstenção em escala nacional se aproxima de 75%, é de 90% em alguns bairros populares de Bucareste (capital). Na França, em que num período de 30 anos, a abstenção na eleição europeia passou de 40% para 60%, chega a algo entre 70% e 80% nas regiões mais populares, e a até 90% nas zonas eleitorais operárias. Notas editoriais a União Europeia foi atingida no mais alto grau. Esta crise traduz, claramente, a rejeição das classes operárias e dos povos da Europa às políticas de destruição que lhes afrontam e a aspiração da classe operária a realizar as condições de sua luta de classe para se contrapor a essa política. Ela é também a expressão da crise política de cada uma das burguesias da Europa, confrontadas à resistência das massas e às pressões desagregadoras do imperialismo estadunidense, que, desde a última cúpula do G-20 (veja o artigo de François Forgue e Jean-Pierre Raffi) não parou de acentuar a pressão sobre os imperialismos concorrentes. Ela é um passo a mais na crise de desagregação das instituições da União Europeia, golpeadas pela rejeição do projeto de Tratado Constitucional, em 2005, nos referendos na França e na Holanda. destruição da classe operária (ao mesmo tempo, destruição física e desmantelamento de tudo o que confere valor à força de trabalho), super-exploração, pilhagem dos fundos públicos para salvar a classe capitalista... que, no final das contas, são medidas brutais contra a classe operária para financiar tais projetos. General Motors: mais que um símbolo O jornal que melhor exprime a perspectiva da City (2) de Londres, “The Economist”, consagrou em sua edição de 6 de junho um artigo ao que chamou de “A América dos colarinhos azuis” (3) . Pode-se ler o seguinte: “Poucas empresas são símbolos como a General Motors (...) de modo de vida em seu conjunto. No auge de seu sucesso, a General Motors era a prova da capacidade do capitalismo de fazer o cidadão médio alcançar o sonho americano. Apenas saídos do colégio, os jovens poderiam trabalhar e viver toda Diante desta crise maior e generalizada, o imperialismo, fiel à sua natureza, só reconhece um número limitado de “remédios”: a escalada em direção à guerra e à desagregação das nações, a 2 – City de Londres é o mercado financeiro britânico (NdT). 3 – A expressão “colarinhos azuis” refere-se à classe operária, em alusão aos macacões dos operários da indústria (NdT). A Verdade uma existência que fazia inveja ao mundo inteiro. Podiam ganhar o suficiente para sustentar mulheres e fi-lhos. A empresa lhes garantiria um plano de saúde de primeira linha. Poderiam se aposentar com uma pensão equivalente a seus salários depois de apenas 30 anos de trabalho. Na metade dos anos 1950, Detroit alcançou a média mais elevada e a mais alta porcentagem de proprietários de imóveis de todas as cidades estadunidenses. Motors aplicar seus planos, que consistem em fechar cinco empresas suplementares e transferir outros 21 mil trabalhadores. Uma cidade que foi recentemente o símbolo da classe operária proprietária de sua casa é hoje repleta de casas abandonadas. A recessão em curso fere mais duramente os colari-nhos azuis estadunidenses do que os gênios financeiros de Wall Street. (...) Perto de seis milhões de empregos foram perdidos (nos Estados Unidos, NdE) depois que a recessão começou no final de 2007. Em torno de 70% destes empregos eram dos colarinhos azuis, (...) e isto acontece após os 30 anos mais difíceis para os trabalhadores. Os salários dos colarinhos azuis estagnaram desde a época de Jimmy Carter (4) e, para os homens, eles chegaram a diminuir. Julia Isaacs, do Brocking Institution, calculou que, entre 1974 e 2004, os salários médios para os homens de 30 Hoje, a falência da General Motors é o símbolo dos tormentos que atravessam os próprios trabalhadores. Poucos são os trabalhadores que ainda podem atender aos desejos de sua família sem que sua mulher trabalhe; menos numerosos ainda são aqueles que podem esperar se aposentar depois de 30 anos de trabalho. Detroit viu sua população diminuir de 1,85 milhão de habitantes em 1950, para 917 mil hoje. Este número vai cair ainda mais quando a General 4 – Presidente dos Estados Unidos de 1977 a 1981 (NdT). Notas editoriais anos, descontada a inflação, diminuíram em 12%, de 40 mil dólares em média, para 35 mil dólares.” 400 mil trabalhadores da indústria do automóvel dos Estados Unidos (um trabalhador em duzentos em todo o país) entraram em greve durante dois meses, de modo a bloquear os planos de redução de empregos da General Motors.” Desta descrição, “The Economist” tira duas conclusões: “A primeira é que os fundamentos da América dos colarinhos azuis desmoronaram (...). A segunda é que estes colarinhos azuis têm uma responsabilidade essencial em relação à sua própria sorte. Esta conclusão é particularmente verdadeira na indústria automobilística, que tenderia a constituir o modelo essencial para o conjunto da economia estadunidense. Os sindicatos frequentemente frearam, travaram sua própria indústria com regras que se opunham a todas as técnicas que visavam a estimular a flexibilidade e a produtividade na produção fabril (o livro das regras de trabalho da United Autoworkers – União dos Trabalhadores da Indústria Automotiva (UAW) – contém 5 mil páginas). Eles também impuseram à sua indústria custos de trabalho insuportáveis. Em 1970, Concluindo: “Mas há ainda esperança para os colarinhos azuis, com a condição de que tirem lições da calamidade da General Motors. Inúmeras empresas fa-bris, entre elas fabricantes de automóveis, desenvolveram-se na época em que a General Motors desmoronou (...). Os colarinhos azuis estadunidenses não podem mais se dar ao luxo de vi-ver ‘engordando’ como viveram seus predecessores, mas isso não significa que serão condenados a viver de bicos.” Sobre o modelo do acordo UAW... Assim, os operários estadunidenses (e, supõem-se, os do mundo inteiro), vivem no luxo, “engordando”? O desdém do registro expresso neste trecho A Verdade pelo autor em nome da classe capitalista estadunidense é sufocante. Ousar escrever tal coisa, quando a crise do capital advém primeiramente, todos sabem, da maneira pela qual os capitalistas “engordaram”, graças à desregulamentação dos direitos operários, à super-exploração e à especulação financeira de décadas... Ousar escrever tal coisa quando os capitalistas “engordam” mais ainda hoje com 18 trilhões de dólares que as instituições internacionais do capital e os governos tiraram, nestes últimos meses, dos caixas públicos (e dos empréstimos) para salvar os bancos e os especuladores (dinheiro equivalente ao PIB acumulado dos Estados Unidos e da Alemanha). São os trabalhadores que vivem no luxo, “engordando”? A direção do sindicato não hesitou em oferecer 20 bilhões de dólares dos fundos de pensão, propriedade coletiva dos trabalhadores da empresa, para salvar a empresa, no mesmo momento em que a empresa aplica um plano de 21 mil demissões e põe em questão todas as conquistas operárias em matéria de seguro saúde e de aposentadoria. “The Economist”, de uma certa maneira, tem razão: a General Motors é um símbolo. Não o símbolo de uma classe operária que “engorda” indevidamente, mas o símbolo da maneira pela qual a classe capitalista, atingida pela crise mortal inerente ao seu modo de produção, é capaz de ir até o desmantelamento dos florões de sua própria indústria, com o objetivo confesso de arruinar a classe operária organizada. Com tal atitude, a classe capitalista busca recuperar para si pedaços do valor da força de trabalho como único recurso possível para as novas margens de lucro. O desdém da classe capitalista cumpre uma função. A entrevista de Alan Benjamin, que publicamos neste número de A Verdade, reflete sobre a evolução da General Motors e a do sindicato UAW. Os redatores de “The Economist” ficarão sem dúvida satisfeitos em perceber que a direção da UAW (que eles censuraram por sua intransigência no passado) finalmente cedeu diante das exigências de Obama. Note-se que, na citação de “The Economist”, isso significa que “há ainda esperança para os colarinhos azuis, com a condição de que possam tirar lições da calamidade da General Motors”. Notas editoriais É uma maneira de dizer que o sistema capitalista é fundado na extorsão da mais-valia, que não se concretiza sem a exploração da força de trabalho do operário. Compreende-se bem que, desde que o capitalismo existe, há operários a explorar. Ao destruir a classe operária organizada da General Motors para recuperar novas margens de lucratividade sobre a base da destruição da força de trabalho do proletariado, a classe capitalista não renuncia a explorar a força de trabalho. Muito pelo contrário, pretende, por meio desta destruição em massa, restaurar (por quanto tempo ainda?) as condições de produção da mais-valia. (setembro de 2009) um “pacto mundial pelo emprego”, reivindicado, aliás, pelos dirigentes de um certo número de organizações sindicais. Pode-se ler neste número de “A Verdade” o artigo sobre a Cúpula Mundial pelo Emprego. Falando na reunião, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, citou o primeiro diretor do secretariado da OIT Albert Thomas, “que, em toda sua vida, quis superar a luta de classes”. E Sarkozy afirmou: “A regulação da globalização é a questão central.” Para chegar a esta “regulação”, convém, sublinha ele, colocar em prática o que chama de “governança mundial”, com a OIT como um de seus braços, e, por meio dela, com as organizações operárias sindicais que a OIT representa, para que estas possam ter sua “palavra a dizer junto da OMC, do FMI e do Banco Mundial”. O desafio para esta governança abertamente corporativista é a de levar o G-20 a “ganhar mais tempo diante da dimensão social da crise”. Pois, para Sarkozy, a alternativa é: “Ou teremos a razão, ou teremos a revolta”. É para fazer frente à revolta operária provocada pela destruição em massa ...a marcha à governança mundial? Existe uma relação evidente entre este acordo assinado pela General Motors e a Cúpula Mundial pelo Emprego, ocorrida em 15 de junho em Genebra, com a participação dos dirigentes do Secretariado da OIT, das organizações patronais, das organizações operárias sindicais e dos presidentes Lula e Sarkozy. O objetivo desta “Cúpula pelo Emprego” é o de preparar para a próxima cúpula do G-20 10 A Verdade da força de trabalho que a governança corporativista está na ordem do dia. acham-se nas relações das mesmas instituições ligadas às grandes potências capitalistas européias. Diretor geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique StraussKahn, em uma coletiva de imprensa em 13 de junho, na saída da reunião dos ministros das Finanças do G-8, pediu para “sermos muito prudentes” sobre as previsões concernentes à economia mundial. Strauss-Kahn prevê um “pico de desemprego no início de 2011”. Como dizem inúmeros observadores internacionais, “o pior está por vir”. É essencialmente o que declara Erik Berglof, economista-chefe do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento, em uma coletiva ocorrida em meados de junho na Escócia: Pois, é um fato, a crise econômica se aprofunda. A cada novo anúncio, os números oficiais da destruição dos empregos são superiores às previsões precedentes. A General Motors ocupa um lugar simbólico. Mas, na realidade, todas as grandes marcas, todos os grandes nomes da indústria mundial em todos os domínios, automotivo e siderúrgico, eletrônico, informática, telefonia, construção e obras públicas, pneumáticos, todos sem exceção foram atingidos em proporções inéditas até hoje pela destruição em massa dos empregos. É impossível citar aqui uma lista, mesmo que parcial. Contentemo-nos em observar que, sob uma aparente incoerência, as previsões feitas publicamente por dirigentes agravamse cada vez mais. As conclusões da missão do FMI nos Estados Unidos (tornadas públicas em 10 de junho de 2009) destacam que “as perspectivas a curto prazo caracterizam-se por um grau de imprecisão inabitual, e os riscos de degradação crescem em relação a todos os outros”. Observações “Não penso que o pior já passou, nós ainda não vimos tudo.” Berglof explica: “Parece que nunca sabemos o que se passa em nosso sistema bancário (na Europa). É necessário não somente descobrir, mas também tornar isso público”. Brevemente, “o pior da re- comparáveis 11 Notas editoriais cessão está por vir”. É fato que ninguém sabe em quais proporções os 18 trilhões de dólares (um quarto do PIB mundial), ofertados pelos governos e pelas instituições internacionais aos grandes bancos e fundos especulativos, permitirão cobrir ou não o desmoronamento bancário e financeiro em curso. O certo é que, tanto nos Estados Unidos como na Europa, os empréstimos retornam a pleno vapor. Desde já, a moeda de papel ameaça sofrer uma grande desvalorização para salvar os cofres-fortes dos bancos. Isso não muda nada: a base material do sistema capitalista continua sendo a produção de mercadorias. Ora, a realização da mais-valia por meio desta produção está mais ameaçada do que nunca. O Banco Mundial revê, sem cessar, a baixa de suas previsões. Em junho de 2009, estimou em 3% a queda do PIB mundial para 2009, colocando em evidência “as perspectivas cada vez mais sombrias” para as economias em desenvolvimento. este ano mais do que foi estimado antes, e os países pobres continuarão a ser duramente atingidos pelas múltiplas ondas de tensões econômicas”. Somente na Alemanha, as previsões de queda do PIB ultrapassam, no momento em que escrevemos, os 6% para 2009. Esta ofensiva de destruição, que está longe de encontrar o seu ápice (em relação à França, o jornal “Le Fígaro” prevê um “setembro mortífero”), atinge sobretudo a força de trabalho, a classe operária. As previsões de desemprego para o próximo período aumentam a cada nova estatística. No momento em que escrevemos, anuncia-se que a taxa oficial de 10% de desempregados atinge ou está em vias de atingir todos os países capitalistas ou em desenvolvimento, tanto nos Estados Unidos quanto nos países europeus. Nos Estados Unidos, a taxa oficial de desemprego é a maior em 27 anos e não para de crescer a um ritmo mensal de 600 mil destruições de empregos. Na Zona do Euro (5), o desemprego está no nível mais elevado dos Para Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, “a economia mundial se contrairá 5 – Zona do Euro – Grupo de países que adotam o euro como moeda, composto pela maioria (mas não todos) dos países da União Europeia (NdT). 12 A Verdade últimos 10 anos. Em todos os lugares, o uso do seguro-desemprego explode. Só nos Estados Unidos, estima-se em mais de 6 milhões o número de empregos destruídos desde o início oficial da recessão. Significativamente, a declaração dos ministros das Finanças do G-8 reunido em Lecce, na Itália, em 13 de junho, prevê que “mesmo após o retorno do crescimento econômico, o desemprego poderia continuar a se desenvolver”, e insiste na necessidade de observar um respeito absoluto “às normas fundamentais da propriedade”, que passam notadamente pela “governança da empresa”. tas (os partidos oriundos da crise do stalinismo tiveram, em regra geral, resultados bastante medíocres). O jornal francês “Le Monde” (17 de junho), espanta-se com o fato de a “social-democracia (ser a) vítima inesperada da crise” e escreve: “Pelo crime, o teorema estaria quase perfeito. A direita é o campo do capital, portanto, do capitalismo. Quando este último entra em crise, a direita está igualmente em crise. Assim, a esquerda deveria ganhar as eleições europeias. O problema é que, em toda a União Europeia, os eleitores votaram contra a esquerda social-democrata”. Encontramos aqui os elementos da declaração do G-20 aos quais se refere o artigo de JeanPierre Raffi e François Forgue, mas também os elementos da Cúpula Mundial de Genebra, com seu Pacto Mundial pelo Emprego. À luz destes elementos, voltemos a um dos aspectos principais da eleição europeia à qual se fez referência no início destas notas editoriais: a derrota generalizada de todos os partidos que se reclamam historicamente da classe operária e do movimento operário. Foram atingidos sobretudo os partidos socialistas e sociais-democra- O paradoxo é apenas aparente. Nesta situação em que a crise coloca na ordem-do-dia para os trabalhadores de toda a Europa, como nunca antes, a necessidade de romper com a subordinação às leis do capital, os dirigentes da social-democracia europeia mantêm sua obstinação seja de participar dos governos (com maioria socialista ou de “grande coalizão”, como na Alemanha) que colocam em andamento todos os planos da União Européia, seja de recusar 13 Notas editoriais a combater os planos de desmantelamento da indústria. Por seu apoio de fato ao acompanhamento dos planos sociais e de restruturação, eles aparecem aos olhos dos trabalhadores como não oferecendo nenhuma perspectiva ao combate pela sobrevivência da classe como classe. É esta a rejeição que se expressa no caráter espantosamente convergente, quase homogêneo, da maciça abstenção operária e popular na imensa maioria dos países concernidos pelo voto do pretenso Parlamento Europeu. Marx, o genial “descobridor das leis do capital” (omitindo seu papel de organizador do movimento operário, combatente que visava o fim da exploração capitalista), tomaram muito cuidado para jamais mencionar Lenin. Pois em “O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”, Lenin prolonga a análise de Marx e mostra como, com o capitalismo alcançando o último estágio de seu desenvolvimento, o mundo inteiro é objeto de uma partilha total entre as principais potências imperialistas, elas são confrontadas a todas as contradições de um sistema econômico que chegou, diz Lenin, a seu “estágio superior”, quer dizer, aquele do “parasitismo” e da “putrefação”. Guerra e economia armamentista Estas palavras nos levam à atualidade da obra de Lenin “O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”. Agora que a crise econômica começou a se estender ao mundo inteiro, há pouco menos de um ano, inúmeros jornalistas de qualidade duvidosa e zelosos defensores do sistema capitalista resolveram redescobrir Marx. No espaço de alguns meses, tornou-se de bom tom redescobrir Marx, citá-lo a propósito do que ele jamais foi: um simples analista dos mecanismos do capital. Mas, significativamente, todos os que resolveram redescobrir Chegado a este estágio de desenvolvimento, o que marca também o início de sua decomposição (da qual vemos hoje prolongamentos consideráveis), o sistema capitalista imperialista pode somente sobreviver, diz Lenin, graças a duas condições principais: uma delas é o apoio que lhes dão os chefes operários paus-mandados da classe burguesa, que confundem seus interesses com os da própria classe 14 A Verdade guerras no Iraque e no Afeganistão custaram 903 bilhões de dólares de despesas militares suplementares, só para os Estados Unidos’, revela o pesquisador. Os Estados Unidos são de longe o principal país na classificação do Sipri e representou, sozinho, em 2008, perto de 41% do total mundial das despesas militares, ou seja, mais do que a soma dos gastos dos 14 outros principais países, uma herança dos anos Bush.” capitalista; e a outra é a guerra, à qual se liga este pulmão artificial da economia capitalista que é a economia armamentista. É um fato muito significativo que, 20 anos após a queda do muro de Berlim, as despesas com armamentos tiveram em escala planetária um desenvolvimento sem precedentes. Lê-se em um dos textos da agência noticiosa France Presse (8 de junho de 2009), intitulado “Recorde das despesas militares mundiais”: “As despesas militares no mundo atingiram um recorde no ano passado (...). Em 2008, foram gastos 1,464 trilhão de dólares, uma alta de 45% em dez anos. Comentando estas informações, “Le Monde” explica que “desde 2000, a despesa anual global do Departamento de Defesa dos Estados Unidos mais do que dobrou, passando de 294 bilhões de dólares para 675 bilhões”, e que este “crescimento das despesas com a defesa” durante os oito últimos anos “foi o mais forte registrado desde o fim da 2ª Guerra Mundial”. “Le Monde” acrescenta: “Financiado sobretudo por créditos excepcionais e por empréstimos, o gasto contribuiu para a deterioração das finanças públicas estadunidenses. O país passou em oito ‘A introdução da ideia de uma guerra contra o terrorismo, empurrou inúmeros países a ver seus problemas através de uma perspectiva fortemente militarizada’, analisa o dirigente de estudos do Sipri (6) sobre despesas militares, Sam Perlo-Freeman, na apresentação de sua pesquisa. ‘Ao mesmo tempo, as 6 – Sipri – Organização sueca, Instituto Internacional de Pesquisa pela Paz de Estocolmo (NdT). 15 Notas editoriais anos de um excedente financeiro de 236 bilhões de dólares no ano para um déficit previsto de 407 bilhões em 2009.” Seria preciso ainda evocar o Sri Lanka (veja o artigo a respeito de François de Massot) ou o que se desenvolve hoje no Iraque e as ameaças em relação à Índia? A marcha para a guerra é uma consequência intrínseca à sobrevida do capitalismo, que entrou na fase de decomposição imperialista. A marcha para a guerra como resposta maior do imperialismo a suas próprias contradições, como meio de pilhar novos mercados e como meio de inflar a economia armamentista revela-se em toda a sua amplitude. O desenvolvimento sem precedentes da economia armamentista avança com a marchar para a guerra. Uma ofensiva redobrada contra a classe operária... Mas mesmo este arrebatamento militarista não será suficiente para debelar a crise do capital. A ofensiva contra a classe operária não pode diminuir de forma nenhuma. No Iraque, permanecem 135 mil soldados estadunidenses, sem que o calendário para a retirada seja sequer estabelecido; no Afeganistão, o conjunto das potências capitalistas são encorajadas pelo governo de Obama a se engajar cada vez mais, sob a égide da Otan (7), para suprir as dificuldades do exército estadunidense; no Paquistão, que entrou numa espiral de guerras e de decomposição, com mais de dois milhões de refugiados nas estradas, enquanto o estadomaior militar dos EUA chama somente de Afpak o Afeganistão e o Paquistão, como uma única zona de guerra. A classe capitalista prepara, aliás, sua nova fase. O mote é que, após a crise atual (que, já vimos, não para de se agravar), já se prepara a crise seguinte. “The Economist”, em sua edição de 13 de junho, consagrou um artigo à “maior dívida de toda a história”: “Uma outra nuvem começa a fazer sombra, a ameaçar o horizonte financeiro: a dívida pública.” 7 – Otan – Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar sob direção do imperialismo dos Estados Unidos (NdT). 16 A Verdade e especuladores, mas é claro que isto terá um preço – “The Economist” não o esconde mais: o de fabricar moeda falsa (“o Federal Reserve (8) , tal como o Banco da Inglaterra, imprime papelmoeda para comprar as obrigações do governo”). Eis aí uma fonte maior de inflação. Como agir diante destes riscos de inflação? “Uma cura súbita de austeridade fiscal hoje seria um erro”. Para “The Economist”, os governos não podem fazer nada agora, mas devem assumir compromissos para o futuro. Em particular, “os governos deveriam se engajar para aliviar as finanças públicas, cortando no futuro um certo número de despesas, mais do que aumentando os impostos”. Uma das prioridades propostas “é a de elevar a idade para a aposentadoria, o que estimularia entradas fiscais, pois as pessoas trabalhariam mais tempo, o que reduziria as futuras despesas na aposentadoria. Inúmeros países ricos já Segundo “The Economist”, retomando as análises dos especialistas do FMI, “a dívida pública dos dez países mais ricos do mundo passará de 78% do produto nacional bruto em 2007 para 114% em 2014”. “The Economist” comenta: “Jamais se viu, desde a 2ª Guerra Mundial, tantos governos fazerem empréstimos de somas tão grandes em um espaço de tempo tão curto (...), e a atual explosão da dívida – diferentemente do que ocorre em períodos de guerra – não será temporária.” “The Economist” descreve em seus termos a contradição na qual se encontra colocada a classe capitalista: “A curto prazo, os empréstimos governamentais são um antídoto essencial”, pois, qualquer um pode compreender, “sem a salvação dos bancos, a quebra financeira seria ainda mais catastrófica etc. etc.” Assim, é preciso que os governos continuem a salvar, salvar, salvar e salvar banqueiros 8 – Federal Reserve Bank – Banco Central dos Estados Unidos (NdT). 17 Notas editoriais estão engajados nesta via, mas é preciso fazer mais ainda e mais rápido. Uma outra questão maior é o seguro saúde”. o objetivo de que, não retomando as reivindicações e as palavras de ordem da classe operária, eles acompanhem os planos destruidores da classe capitalista. É este o problema colocado aos Estados Unidos, conforme já vimos, com a assinatura do acordo da UAW. Mas, como indica Alan Benjamin em seu artigo, a assinatura deste acordo coloca, no próprio seio do movimento operário, inúmeros problemas e provoca muitos processos de resistência. Mas estes problemas não estão colocados somente nos Estados Unidos. Sob diversas formas, os trabalhadores estão confrontados com eles em todos os países. Qualquer um pode entender: todas as propostas têm o sentido de preparar as condições das futuras ofensivas contra a classe operária. ...que alimenta e reforça os movimentos de resistência Mas os golpes redobrados reforçam a resistência das massas, que é a fonte da crise de dominação política do imperialismo (incluindo a crise que se expressa na eleição europeia). Encurralado, resta ao imperialismo somente a possibilidade de apelar para a união sagrada, para a associação capital-trabalho. A Cúpula Mundial pelo Emprego exprime, em escala mundial, a política que o imperialismo tenta desenvolver em cada país. Em direção ao 7º Congresso Mundial Por este motivo, o 7º Congresso Mundial da 4ª Internacional, convocado para o outono de 2009 (no Brasil, primavera – NdT), terá que aprofundar a discussão sobre os meios que devem adotar as seções da 4ª Internacional para ajudar a classe operária a superar os obstáculos levantados pelas direções das organizações, em particular no plano político. Esta ofensiva se traduz, em particular, nas pressões consideráveis exercidas sobre os dirigentes das organizações sindicais, mas também sobre os dirigentes dos partidos que pretendem falar em nome dos trabalhadores e da democracia, com Como ajudar a classe operária a realizar sua unidade para im18 A Verdade pedir os planos destruidores? Sob quais formas devem-se organizar as seções da 4ª Internacional? Elas podem ajudar a constituir órgãos políticos de combate que permitirão a classe salvar-se como classe e, salvando-se como classe, salvar a humanidade? Esta é em particular a discussão que se desenvolve na seção francesa (veja na pág. 67) a propósito do significado da palavra-de-ordem de proibição das demissões e da campanha a este respeito levada pelo Partido Operário Independente (ao qual pertencem os membros da Corrente Comunista Internacionalista, seção francesa da 4ª Internacional). É portanto uma discussão engajada sobre o combate político concreto pela proibição das demissões, as formas que ele deve tomar e as iniciativas adotadas neste sentido. Como, ajudando a classe a combater pela proibição das demissões, ajudando-a a realizar a unidade de sua luta de classe com este objetivo, contribuir para constituir os elementos da construção de um autêntico Partido Operário Independente, compreendendo em seio uma corrente da 4ª Internacional? Retornaremos a estas questões no próximo número de “A Verdade. A Verdade 19 O significado da reunião do G-20 por François Forgue e Jean-Pierre Raffi Em 2 de abril de 2009, ocorreu em Londres, ao redor de Barack Obama, novo presidente dos Estados Unidos, uma reunião do G-20, seguida por uma reunião de cúpula da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), na qual se reencontraram, mais uma vez em torno de Obama, muitos dos que haviam participado da reunião precedente. O que é o G-20? É a reunião dos chefes de Estado ou de governo dos 20 países considerados os mais importantes do planeta, pois estima-se que controlem cerca de 90% das riquezas e da produção mundiais. É uma instituição criada em 1999, nos anos que se seguiram ao desabamento da URSS (União Soviética) e à primeira invasão do Iraque por uma coalizão sob direção estadunidense. O G-20 reúne, ao lado das grandes potências imperialistas (que formavam antes o que se chamava de G-7), a Federação Russa e os países ditos emergentes, como o Brasil, a África do Sul, a Índia e a China. 20 François Forgue e Jean-Pierre Raffi A reunião do G-20 ocorreu enquanto a crise mundial, iniciada nos Estados Unidos, caía como uma tempestade sobre todos os países e todos os continentes, desestabilizando os próprios fundamentos da ordem capitalista mundial; crise que, no entanto, está apenas em suas primeiras etapas... Coube, portanto, a Obama exprimir a necessidade de manter – e de restabelecer em todos os terrenos – a estratégia de supremacia e de dominação indispensável à sobrevivência do imperialismo estadunidense, e consequentemente do imperialismo mundial. Isso em condições, nos próprios Estados Unidos, nas quais a eleição de Obama é uma das expressões da crise política profunda que estraçalha os Estados Unidos, que fragiliza o conjunto de suas instituições. Essa reunião marcou igualmente a entrada em cena mundial do novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Tratava-se apenas de uma simples mudança de pessoas. A presidência de Bush terminou nas condições de crise citadas acima, enquanto o imperialismo estadunidense se chocava em todas as partes com as consequências do desabamento do sistema capitalista mundial, do qual ele é a peça principal. O lodaçal sangrento no Iraque e a acentuação da guerra no Afeganistão se combinam com a situação de conjunto para minar a posição mundial dos Estados Unidos – não como resultado do questionamento de sua posição dominante em relação aos outros imperialismos, mas como a própria expressão da luta de classes internacional e do aprofundamento da decomposição do sistema capitalista. Em outros termos, a reunião do G-20 visava empreender a reorganização do conjunto do dispositivo mundial da dominação imperialista desestabilizado pela crise em torno de seu pivô, o imperialismo estadunidense, e isso, precisamente, nas condições criadas pela crise. O novo presidente estadunidense deveria, portanto, reafirmar e fazer com que todos aceitassem a supremacia do imperialismo estadunidense, assim como o fato de que, mais ainda do que no passado, tudo deve ser subordinado a suas necessidades. É a serviço desse objetivo que foram colocados em prática os efeitos de estilo pelos quais 21 O significado da reunião do G-20 Obama dedicou-se a dar aos Estados Unidos uma imagem mais aberta, mais inclinada ao diálogo, ao “multilateralismo” e à consulta. sa. As cúpulas da social-democracia internacional estão diretamente associadas a essa tomada de posição, principalmente em virtude de sua participação – ou sua direção – em alguns governos participantes do G-20. A social-democracia alemã está comprometida com uma “grande coalizão” com a CDU da chanceler Merkel (1) ; quem preside o governo espanhol é Zapatero, dirigente do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol); e Gordon Brown, dirigente do Partido Trabalhista britânico, foi o anfitrião dessa reunião. Na realidade, a reunião do G-20 constituiu uma declaração de guerra contra os trabalhadores e os povos do mundo. Uma declaração de guerra contra os trabalhadores e os povos do mundo Os 20 chefes de Estado e de governo afirmaram em comum, e por unanimidade, em sua declaração final: A consequência do alívio dado ao imperialismo pelas cúpulas burocratizadas do movimento operário só pode ser a tentativa, sob formas múltiplas, de subordinar e de associar as organizações operárias, em particular as organizações sindicais, ao quadro fixado pelo G-20. “Estamos convencidos de que o único fundamento para uma globalização durável é uma economia mundial aberta baseada nos princípios do mercado.” Essa declaração foi ratificada, portanto, não apenas pelos dirigentes das grandes potências imperialistas, mas também por todas as cúpulas de países como o Brasil e a Índia, pelo russo Putin e pelos dirigentes da burocracia chine- Quaisquer que sejam as contradições entre os diferentes componentes do G-20, houve um acordo final no sentido de que tudo o que conduziu à crise atual deve ser mantido. Em outros termos, um acordo de que 1 – CDU: sigla em alemão da União Democrata-Cristã, partido burguês do qual faz parte a chanceler Angela Merkel (NdT). 22 François Forgue e Jean-Pierre Raffi o sistema mundial baseado na propriedade privada dos meios de produção, cuja manutenção conduziu à crise atual, deve ser preservado a qualquer custo, e que isso só pode ocorrer sob a condução do imperialismo estadunidense, elemento central dessa ordem mundial. O plano de reestruturação da indústria automobilística, a colocação sob concordata “cirúrgica” da Chrysler, e depois da General Motors, não significam apenas a liquidação de dezenas de milhares de empregos nos próximos meses e uma ameaça sobre centenas de milhares de empregos direta ou indiretamente dependentes da indústria automobilística nos Estados Unidos. Nesta medida, repetimos, as decisões do G-20 e seus prolongamentos na reunião da Otan constituem uma verdadeira declaração de guerra contra os trabalhadores e contra os povos do mundo. Elas não tardaram a mostrar seus efeitos. Para a realização desse plano, o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Automobilística, cuja sigla em inglês é UAW, foi intimado a transformar-se em síndico de massa falida das grandes empresas da indústria automobilística e a associar-se diretamente aos planos de demissões e de destruição das vantagens conquistadas pelas lutas passadas. A direção do sindicato UAW aceitou esse acordo, e, como dizem seus porta-vozes, “chegamos a um acordo com a direção da General Motors e com o Ministério das Finanças dos Estados Unidos para tornar a General Motors mais competitiva e para cancelar uma parte da dívida da General Motors com o fundo de aposentadoria”. Primeira consequência: o ataque contra os trabalhadores da indústria automobilística nos EUA A primeira consequência é uma ofensiva generalizada contra os trabalhadores, seus empregos, seus direitos e suas organizações. Ela começou a ser posta em prática por meio do ataque contra os trabalhadores da indústria automobilística dos Estados Unidos. 23 O significado da reunião do G-20 O plano que o presidente Obama pôs em prática, com a concordância da direção do sindicato UAW, resume-se ao que disse a respeito um operário da Chrysler: “É um roubo a mão armada”. De fato, o que foi feito na Chrysler e o que está em curso na General Motors é a “recapitalização” das empresas da indústria automobilística por meio da injeção de recursos dos fundos de pensão, que asseguram as aposentadorias e a cobertura de saúde dos trabalhadores da indústria automobilística. O que está na ordem-do-dia é, portanto, a destruição de algumas das conquistas sociais mais avançadas da classe operária estadunidense que existiam nesse setor e que valiam como ponto de apoio e referência para toda a classe operária. Mais do que nunca, a classe operária, por sua ação para salvaguardar suas conquistas, seus direitos, seus empregos, é a força social determinante que pode salvar a civilização do aniquilamento. Mais do que nunca, em cada uma de suas lutas, os trabalhadores se chocam com o sistema de exploração capitalista, baseado na propriedade privada dos meios de produção, e são levados a questioná-lo. Mais do que nunca, para conduzir e desenvolver sua ação, a classe operária, em cada país e em escala internacional, tem necessidade de suas organizações independentes, de suas organizações sindicais. Em sua resistência, em condições difíceis, contra os planos destrutivos do capital, a classe operária coloca a questão de uma política independente, ou seja, que rompa efetivamente com o sistema capitalista, e recoloca a questão do instrumento de tal política: a questão do partido, a questão da Internacional. Essa ofensiva lançada contra os trabalhadores da indústria automobilística é uma ofensiva contra todos os trabalhadores dos Estados Unidos, e, além disso, contra os trabalhadores do mundo inteiro, bem como contra a independência de suas organizações. Ela indica com clareza o futuro que o imperialismo, acuado pelas consequências de sua crise, vai procurar impor em escala mundial. Outra consequência: golpe de força na OIT Contraditoriamente a todas as tradições e ao funcionamento da OIT (Organização Internacio24 François Forgue e Jean-Pierre Raffi nal do Trabalho), alguns dias antes da sessão anual para reunir, de 3 a 19 de junho, centenas de “delegados dos trabalhadores” representantes de organizações operárias do mundo (bem como os representantes dos patrões e dos Estados), anuncia-se uma mudança radical da ordem-dodia. Anuncia-se a organização de uma “cúpula da OIT sobre a crise mundial”, que “reunirá não apenas as representações dos Estados e dos governos, as organizações patronais e sindicais, mas também os ‘decididores’ em escala internacional, representantes da sociedade civil, representantes das multinacionais. Durante essas jornadas, será discutido um projeto de ‘Pacto Mundial pelo Emprego’”. que ela seja assumida pelas cúpulas do movimento operário. Nessa via, em escala internacional como em cada país, os aparatos de origem stalinista e as organizações ligadas ao Secretariado Unificado (2) desempenham um papel central. O conteúdo desse golpe de força são os ataques sofridos pelos trabalhadores dos Estados Unidos e suas organizações. A OIT é uma instituição internacional que procede da colaboração de classes (foi constituída há 90 anos como uma tentativa de conter a onda crescente da revolução mundial iniciada em outubro de 1917), mas reconhecia em sua forma e em sua própria composição a divisão da sociedade em classes, e, portanto, a presença de representantes da classe operária como tal. Isso é pura e simplesmente decidir a morte da OIT como organismo tripartite, baseado no estabelecimento de normais sociais e no reconhecimento de organizações sindicais operárias independentes, para substituíla por um quadro de integração corporativista dos sindicatos. A aplicação dessa política exige Diante da crise mundial do sistema imperialista, trata-se, pelo próprio questionamento da OIT, de uma expressão da modificação de todas as relações entre as classes. Nessa situação, a OIT não tem mais razão de ser, porque “resolver a crise” – que era o objetivo proclamado do 2 – Secretariado Unificado (SU): organização que se reivindica fraudulentamente da 4ª Internacional (NdT). 25 O significado da reunião do G-20 G-20 – é destruir as organizações operárias por meio de sua integração aos planos do G-20. Ele lhes indicou que seus países constituíam a “nova fronteira” da luta contra o terrorismo. Em outros termos, o presidente dos Estados Unidos retomou a seu modo a terminologia empregada pelo Estado-maior estadunidense, para o qual o Afeganistão e o Paquistão constituem a mesma zona de operações militares: o Afpak. A guerra sem fim A realização do G-20 conduziu a uma ofensiva crescente contra a soberania das nações, contra os direitos dos povos, contra a democracia. As guerras se intensificam, se multiplicam. No mesmo momento em que Obama formulava suas consignas diante de Karzai e Zardari, mais de cem habitantes de uma vila afegane morriam sob as bombas estadunidenses. O governo Obama acaba de aumentar o orçamento do Pentágono, que atinge agora 664 bilhões de dólares (ou seja, 21 bilhões de dólares a mais que o último orçamento militar de Bush). O jornal britânico “Financial Times” (30 de abril) assinalou que, “ao procurar reduzir a quantidade de forças estadunidenses diretamente engajadas no Iraque, reforçando ao mesmo tempo a intervenção no Afeganistão, Obama segue, no essencial, a rota traçada por Bush”. Esse foi apenas um episódio, entre outros, que mostra o que significa, para a população afegane, a ocupação pelas tropas da Otan sob direção estadunidense. A guerra no Afeganistão estendeu-se plenamente ao Paquistão, país diretamente ameaçado de destruição. As bombas e mísseis estadunidenses alvejam hoje vilas paquistanesas, como ontem atingiam vilas afeganes. Essa rota é a da “guerra sem fim”. Não se trata da “guerra contra o terrorismo”, mas sim da guerra contra os povos. De forma despudorada, Washington intimou o governo paquistanês a empreender uma ofensiva militar contra as regiões nas quais os talibãs estariam enraizados. O resultado é Obama teve recentemente uma reunião com os chefes de governo afegane e paquistanês, Hamid Karzai e Asif Ali Zardari. 26 François Forgue e Jean-Pierre Raffi um desastre sangrento. Há atualmente mais de dois milhões de paquistaneses jogados pelas estradas, exilados em seu próprio país, expulsos de suas cidades e de suas vilas. chamados a aplicar a política de acordo com as necessidades do imperialismo, a mesma política aplicada hoje na Ásia, que deve ser a regra para todos os continentes e para todos os países. Mergulhado no caos, o Paquistão está ameaçado de destruição. Quem pode pensar que as consequências do caos sangrento no qual a “ordem estadunidense” mergulha hoje o Paquistão se deterão nas fronteiras desse país? É toda a Ásia que está diretamente ameaçada: a Índia, que não poderá se isolar da desestabilização de todo o subcontinente; a China, que vê se fechar em torno de si um verdadeiro círculo. Trinta e três primeirosministros e chefes de Estado das Américas participaram dessa cúpula. O único ausente foi o governo cubano, excluído da OEA (Organização dos Estados Americanos) desde que, em 1962, o imperialismo estadunidense começou a impor o bloqueio a Cuba. O novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, certamente quis aparecer aí também sob uma nova imagem, ao declarar: No Oriente Médio, enquanto as ameaças se acentuam contra o Irã, em todos os continentes, é a marcha à guerra que se inscreve na esteira da política do imperialismo. “Temos muitas diferenças em relação a muitas questões, mas, na medida em que respeitamos as regras democráticas, podemos definir o que temos em comum.” A Cúpula das Américas A 5ª Cúpula das Américas, que ocorreu em Port of Spain, capital de Trinidad e Tobago, de 17 a 19 de abril de 2009, ilustrou a profundidade da crise, assinalou as condições difíceis nas quais Obama e seu governo são Mas a declaração apresentada para assinatura havia sido preparada há muito tempo e foi simplesmente submetida a ratificação. Continha em seu centro duas expressões fortes da continuidade da política estadunidense 27 O significado da reunião do G-20 para o continente: a recusa ao fim do terrível bloqueio imposto há mais de 40 anos contra Cuba e a pressão mais forte do que nunca visando a impor a assinatura dos “tratados de livre comércio”. Seria a crise atual, como se repete à exaustão, um “acidente” devido a excessos financeiros, à “irresponsabilidade dos bancos”, à ausência de “regulamentação”? Para a 4ª Internacional, essa crise não surgiu como uma surpresa – prova disso, aliás, são os elementos sucessivos de análise sobre a evolução da economia mundial que vêm compondo a elaboração política da 4ª Internacional –, nem como um acontecimento inexplicável. Bem ao contrário, ela procede da evolução do capitalismo, de suas contradições, das quais o marxismo dá conta. Resultado: toda uma série de governos recusou-se a assinar a declaração final, principalmente a Venezuela, a Bolívia, o Equador, a Nicarágua e Dominica, e outros expressaram reservas, como a Argentina, Honduras e mesmo o Brasil. E, apesar do apoio de Lula, principalmente, que Obama saudou calorosamente, coube apenas ao primeiro-ministro de Trinidad Tobago, Patrick Manning, ratificar a declaração, na qualidade de “potência anfitriã”. A elaboração política da 4ª Internacional a esse respeito se inscreve na linha direta das análises feitas por Lênin, e depois por Trotsky. Mas o imperialismo não dispõe, aí também, de nenhuma margem de manobra, e precisa de uma maneira ou de outra chegar aos seus objetivos. Por isso, o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, apressouse, tão logo a cúpula terminou, a convocar uma reunião dos ministros de Finanças do continente para 3 de julho. Trotsky, em seu prefácio à edição francesa de “A Revolução Traída”, escreveu: “A irresistível expansão que as crises permanentes e internas do capitalismo engendram constitui sua força progressiva, antes de tornar-se mortal para ele.” Quando, no período que antecedeu a 1ª Guerra Mundial, as relações de produção capi- Nas origens da crise atual 28 François Forgue e Jean-Pierre Raffi da humanidade se reduz à crise da direção revolucionária”. talistas dominaram o mundo inteiro, e o capitalismo atingiu ao mesmo tempo seu estágio supremo, as grandes potências terminaram de dividir o mundo e os monopólios substituíram a livre concorrência. Como escreveu Lênin no prefácio de “O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”, esse estágio do capitalismo é caracterizado antes de tudo pelo “parasitismo e pela putrefação”. As forças produtivas, desenvolvidas pelo capitalismo, são sufocadas no quadro das relações de propriedade burguesas e nos limites das fronteiras nacionais. A primeira guerra imperialista é a expressão desse fato. A manutenção do sistema capitalista conduziu à sua putrefação. Como escreveu Lênin em “O imperialismo...”: “As relações provenientes da economia privada formam um invólucro sem a menor relação com seu conteúdo, e que deve necessariamente entrar em putrefação caso se busque retardar artificialmente a sua eliminação.” Essa putrefação conduziu à situação analisada pelo programa de fundação da 4ª Internacional: “As forças produtivas pararam de crescer”. Diante de um sistema que conduz a humanidade ao desastre, a Revolução de Outubro de 1917, empreendendo a expropriação dos exploradores no território do antigo império dos czares, como primeiro elo da revolução proletária internacional, abriu o caminho para uma saída a toda a humanidade. A manutenção do sistema imperialista após a 2ª Guerra Mundial, graças à ação política do stalinismo e da social-democracia, apesar da poderosa onda revolucionária que se espalha então em escala mundial, só pôde ocorrer ao preço não apenas da estagnação das forças produtivas, mas de sua destruição, de uma aceleração generalizada rumo ao parasitismo (economia de armamentos e especulação), em proporções qualitativamente novas. A época histórica que então se iniciou é feita de guerras, de revoluções e de contrarrevoluções. Ela colocou em primeiro plano a realidade essencial resgatada pelo programa de fundação da 4ª Internacional: “A crise 29 O significado da reunião do G-20 gaja em uma política que visa a impor seu curso forçado, ou seja, a via de uma subordinação estreita das outras burguesias (alemã, japonesa, francesa, inglesa etc.) aos interesses exclusivos da burguesia estadunidense (...). Ao suspender a conversibilidade do dólar (...), o imperialismo estadunidense e seu presidente, Nixon, fazem saber que os outros países devem aceitar as condições necessárias à estabilidade da ordem econômica e social estadunidense.” Foi em particular com base em um fantástico crescimento das despesas de armamentos que a economia capitalista pôde continuar seu curso; mas, a longo prazo, os próprios meios que lhe asseguraram uma prorrogação constituem fatores explosivos de agravamento. É isso que significou a decisão de Nixon (3) de 1971 de desvincular o dólar de qualquer referência ao ouro e de fazer da preponderância do imperialismo estadunidense sobre todos os seus rivais e parceiros a condição de sobrevivência do sistema imperialista em seu conjunto. O período que se abriu em 1971 foi marcado por imensos desenvolvimentos da luta de classes, pelo enfrentamento entre a revolução e a contrarrevolução, combinados a abalos sucessivos da economia mundial, engendrados pelos próprios meios utilizados para permitir o seu funcionamento. A declaração de agosto de 1971 do Birô Político da OCI (4) dá uma dimensão histórica dessa decisão: “Com o dólar não mais podendo desempenhar livremente seu papel de moeda de pagamento internacional, o imperialismo estadunidense se en- Em seguida ao desmembramento da URSS e à primeira 3 – Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos entre 1969 e 1974 (NdT). 4 – OCI (Organização Comunista Internacionalista): organização dos trotsquistas franceses, que na época lutavam pela reconstrução da 4ª Internacional. É a antecessora da atual CCI (Corrente Comunista Internacionalista do Partido Operário Independente), seção francesa da 4ª Internacional (NdT). 30 François Forgue e Jean-Pierre Raffi guerra no Iraque, o imperialismo estadunidense – e depois todas as burguesias – se engajou em uma ofensiva contra os povos, conduzindo ao desmembramento das nações, e contra a classe operária, em escala internacional e em cada país, contra o conjunto de seus direitos e de suas conquistas, contra a própria existência de organizações independentes da classe operária. Nas mais difíceis condições, apesar do obstáculo constituído pela política dos aparelhos que buscavam sujeitar as organizações às necessidades do imperialismo putrefato, os trabalhadores e os povos resistiram. Essa resistência, ou seja, a luta de classes, mantém-se como o fator determinante da situação. Hoje, o resultado do conjunto dos meios empregados, em particular desde 1971, para salvar o sistema imperialista encontra sua expressão na crise mundial, que ninguém, nem mesmo os participantes do G-20 e o mais poderoso dentre eles, controla. A destruição das forças produtivas, que se tornou indispensável à própria manutenção do sistema imperialista mundial, significava antes de tudo a tentativa de destruir a “principal força produtiva, a própria classe revolucionária” (Marx). Mais do que nunca, o futuro da humanidade se identifica com a resistência da “classe revolucionária” erguendo-se contra a sua destruição. A ofensiva imperialista foi acompanhada de um curso ainda mais frenético no aumento das despesas de armamentos, na especulação e no parasitismo. O significado e as consequências dessa evolução foram particularmente analisados por nossa corrente em “Luta de Classes e Globalização” (5). A questão que não foi colocada Quando a crise atual começou a varrer o mundo, muitos bajuladores do sistema capitalista procuraram se tranquilizar explicando que a Ásia seria poupada. Os fatos rapidamente desmentiram essa esperança. As consequências da política desenvolvida pela burocracia dirigente na China, em nome da “abertura”, se manifestaram antes de tudo no fato de que a 5 – Livro de Daniel Gluckstein, editado na França, ainda sem tradução para o português. Título original: “Lutte des Classes et Mondialisation” (NdT). 31 O significado da reunião do G-20 crise mundial atingiu em cheio a China. Em particular, o lugar ocupado na indústria chinesa pelos setores exportadores, amplamente controlados pelos grandes monopólios imperialistas, levou a um recuo brutal da produção, provocando demissões aos milhões: 30 milhões de trabalhadores chineses “migrantes” perderam seu emprego nos últimos meses. para que esse “custo do trabalho”, extremamente baixo e mantido dessa forma pela burocracia, que proíbe aos trabalhadores chineses a possibilidade de se organizar livremente, e portanto de se defender, constitui uma verdadeira variável de ajuste utilizada pela classe capitalista em escala internacional, e, mais particularmente, pelo imperialismo estadunidense, para acelerar a destruição das forças produtivas em escala mundial. A China era o único Estado presente ao G-20 que se apoia em relações de propriedade antagônicas às que estruturam o mercado mundial. A base da economia chinesa, apesar dos golpes que lhe foram desferidos pela política da burocracia chinesa, que se subordina ao imperialismo, continuam ainda a ser as relações de propriedade que procedem da expropriação do capital estrangeiro e nacional pela revolução de 1949. Convém assinalar que aquilo que foi apresentado como um desenvolvimento impetuoso, sem precedentes, da economia mundial graças ao “milagre chinês”, apoiou-se de fato sobre a destruição em massa – e em proporções gigantescas – das forças produtivas, antes de tudo da principal dentre elas, a classe operária. Na própria China, o desenvolvimento desequilibrado de um setor exportador, controlado majoritariamente pelas multinacionais, levando milhões de trabalhadores chineses a serem empregados delas, causou distorções em toda a economia chinesa, ameaçando as suas próprias bases. O que ocorreu nos últimos vinte anos, mais precisamente depois da queda da URSS, e depois que a burocracia chinesa pôde liquidar temporariamente as consequências do grande movimento de 1989? A política de abertura e de privatizações criou as condições 32 François Forgue e Jean-Pierre Raffi Mesmo esse desenvolvimento momentâneo, garantido pelo mercado de trabalho chinês, necessita da existência de um mercado capaz de absorver as mercadorias produzidas, e, portanto, de realizar a mais-valia. É o que explica o fato de que, antes da reunião do G-20, representantes oficiais do governo chinês tenham avançado a possibilidade de estabelecimento de uma moeda de referência que não fosse o dólar. Proposta cujo significado é central, porque, tomada a sério, equivaleria a um questionamento direto do lugar mundial ocupado pelo imperialismo estadunidense. Tão grande é também a capitulação da burocracia chinesa nesse ponto que ela se recusou a colocar a questão durante a reunião do G-20. O desabamento da economia mundial iniciado em 2007 conduziu, no caso da China, a uma crise que ameaça suas bases sociais, ou seja, as próprias bases da propriedade social, e a principal componente desta, que é o proletariado chinês. A maneira pela qual a China foi integrada ao mercado mundial – graças às relocalizações e à superexploração do proletariado chinês – conduziu também a que a China seja o primeiro detentor da dívida estadunidense, acumulada pelo governo chinês sob a forma de bônus do Tesouro dos EUA. Na China, o poder da camada burocrática dirigente apoia-se no parasitismo da propriedade social. Está, portanto, em contradição com a ação e a organização independentes da classe operária chinesa, única força social capaz de defender, restabelecer e estender as conquistas sociais da Revolução Chinesa no quadro do combate internacional da classe operária mundial por sua emancipação. Nas condições explosivas criadas pelo desenvolvimento da crise mundial, a burocracia chinesa é hoje levada, até certo ponto, para preservar seu poder, a procurar contrapor-se, ou em todo caso a frear o processo de desmantelamento da propriedade social, e, portanto, da própria China. Mas, como ela se apoia no parasitismo das conquistas arrancadas pela Revolução de 1949 (propriedade do Esta-do dos meios de produção), a crise atual mina as próprias bases desse poder e conduz inexo33 O significado da reunião do G-20 ravelmente a burocracia a se despedaçar, com algumas de suas frações procurando limitar o desmantelamento em curso. coletiva, e, portanto, do Estado que é ligado a essa propriedade. A camada burocrática dirigente em seu conjunto, entretanto, não tem nenhuma independência verdadeira diante do imperialismo: para assegurar os meios de uma política independente, seria necessário que se apoiasse nos interesses da classe operária e do campesinato, o que é contraditório com a própria natureza de seu poder político. Antes do G-20, houve muitos discursos sobre “a refundação do capitalismo”, e até mesmo sobre a instauração de uma nova ordem mundial. A esse respeito, evocou-se a possibilidade de um novo Bretton Woods. Isso é puro falatório, mas que tem a função de ajudar a semear a ilusão de que haveria soluções favoráveis às massas trabalhadoras no quadro de aceitação e de acompanhamento das decisões do G-20. Um novo Bretton Woods? É precisamente por isso que a questão não poderia ser colocada no G-20, e a burocracia chinesa, ligada e subordinada à manutenção em escala mundial do sistema imperialista, não poderia colocá-la. Lembremos que os acordos de Bretton Woods (1944) exprimiram, nas condições da liquidação do segundo conflito mundial, a predominância do imperialismo estadunidense. Tratava-se então, antes de tudo, de erguer uma barreira à revolução proletária. Com o concurso decisivo da burocracia stalinista, o objetivo era reconstruir as bases de uma estabilidade temporária para os diferentes Estados burgueses da Europa. Do mesmo modo, se esses acordos exprimiam a predominância indiscutível do imperialismo estadunidense, A própria existência da classe operária chinesa está ligada às relações de propriedade pelas quais ela se desenvolveu. Sua resistência – que se manifesta em todos os terrenos, apesar da repressão – coloca a questão da democracia operária, da conquista do poder político, e, portanto, da revolução política, único meio em definitivo de se opor à liquidação da propriedade 34 François Forgue e Jean-Pierre Raffi o faziam enquanto era ainda possível reconstruir um quadro para a economia mundial no qual se mantinha um lugar para os imperialismos secundários. Os acordos de Bretton Woods tinham como objetivo explícito fixar as grandes linhas do sistema financeiro internacional e consagraram, portanto, a supremacia do dólar, mas em condições em que este continuava indexado ao ouro. pagar, isso é indispensável à sua própria sobrevivência como classe dominante. Obama indicou claramente durante o G-20 que o imperialismo estadunidense pretendia dividir o fardo da “guerra sem fim” decretada por Bush, fazendo com que seus parceiros pagassem o preço mais alto possível. Para ele, “lutar contra a crise” é associar os imperialismos secundários ao salvamento, antes de tudo, do capitalismo estadunidense. A decisão de Nixon de 1971 de desvincular o dólar do ouro dava assim à divisa estadunidense um curso forçado decorrente da dominação política e militar dos Estados Unidos. Todo o desenvolvimento posterior da economia capitalista mundial e todas as convulsões que o marcam até a crise atual se desenrolam nesse quadro. Menos do que nunca, nas condições da crise, há um “superimperialismo”, no sentido de qualquer emancipação em relação às leis do sistema capitalista. Mais do que nunca, há um imperialismo cujas decisões essenciais não podem ser questionadas. Nesse sentido, pode-se dizer que a decisão mais importante tomada pelo G-20, ainda que não apareça em sua resolução final, é a de que em nenhum caso o reino do dólar pode ser abolido, e que, qualquer que seja a realidade da moeda usada pelos EUA, ela continua a ser a única medida para todos os câmbios. Hoje, repetimos, questionar o lugar do dólar seria questionar o lugar ocupado pelo imperialismo estadunidense na preservação da ordem mundial. Em nome de seus próprios interesses, o imperialismo estadunidense só pode se recusar a isso. As outras burguesias não podem questionar esse estado de coisas, porque, qualquer que seja o tributo que elas devem consequentemente Ainda que isso, hoje, conduza a um impasse, o imperialismo 35 O significado da reunião do G-20 estadunidense, arrastando atrás de si todas as forças vinculadas à preservação da ordem existente, não tem outra possibilidade a não ser continuar na mesma via, multiplicando os desastres para todos os povos. à Presidência, mas a continuidade estratégica é perfeitamente mantida: o “multilateralismo” apregoado não passa de uma forma de dominação unilateral e cada vez mais sem partilha. A crise mundial não poupa nenhum dos instrumentos do sistema imperialista. A Otan não escapa à regra. Se a sua função é a de atribuir tarefas militares (ou o financiamento dessas tarefas) a diversas potências, como o Japão e os grandes Estados europeus, em função das necessidades do imperialismo estadunidense, ele se choca contra os limites nascidos precisamente da fraqueza dos parceiros do imperialismo estadunidense. Essa fraqueza, e os consequentes riscos de explosões sociais, é que explicam por que o próprio imperialismo estadunidense coloca um freio à pressão que exerce sobre eles. Mas isso em um quadro que fixa soberanamente e no qual a Otan é levada a desempenhar um papel central como braço armado do imperialismo estadunidense. Não há saída positiva fora do combate dos trabalhadores do mundo inteiro por sua emancipação, combate que se materializa em sua recusa aos planos de salvamento do capital financeiro e que, em seu desenvolvimento, coloca a questão da abolição da propriedade privada dos meios de produção. Otan, União Europeia Em continuidade direta com o G-20 reunido em Londres, ocorreu em Estrasburgo (França) uma cúpula da Otan. Um dos elementos que marcaram essa cúpula foi o retorno da França ao comando integrado da Otan. Essa decisão do governo Sarkozy só veio ressaltar aquele que foi o fato dominante da reunião do G20 e suas continuidades: a reafirmação, sobre todos os terrenos, da dominação estadunidense, da qual a Otan é o braço armado. O que foi confirmado na continuação do G-20 é o novo papel planetário dessa aliança, concebida originalmente como um pacto defensivo diante da URSS. As operações militares da O estilo pode ter mudado com a subida de Barack Obama 36 François Forgue e Jean-Pierre Raffi roristas de Kandahar, formaria as forças de segurança de um Iraque livre, forneceria um apoio indispensável às forças de paz em Darfur e instalaria um escudo de mísseis, quem teria acreditado?” Otan não se limitam, absolutamente, a um perímetro delimitado, como atesta seu papel no Afeganistão. O que se registrou nas cúpulas do G-20 e da Otan foi a confirmação da estratégia definida por Condoleezza Rice, que ligava a subordinação da União Europeia à Otan às novas missões atribuídas a esta. Ela escreveu: O que Rice explica juntase ao que escreveu, também às vésperas da eleição presidencial, o secretário de Defesa, Robert Gates: “Os Estados Unidos se regozijam pela existência de uma Europa unida e coerente. Não há dúvida de que a União Europeia é um pilar da evolução democrática da Europa do Leste depois da Guerra Fria (...). A União Europeia e a Otan tiveram uma potência de atração suficiente para conduzir os países a efetuar as reformas necessárias. (...) Dos 28 membros da Otan, 12 são antigas nações cativas da esfera soviética. Ao enviar tropas para o Afeganistão ou para o Iraque e ao defender firmemente o prosseguimento da extensão da Otan, esses países trouxeram uma energia nova à Aliança (...). Se, em 2000, alguém dissesse que a Otan desalojaria os ter- “Os Estados Unidos logo terão um novo presidente, mas os problemas complexos que deve enfrentar continuarão presentes.” Robert Gates foi confirmado em suas funções de secretário de Defesa por Barack Obama. O papel do FMI A outra instituição cujo papel foi sublinhado pelo G-20 é o FMI (Fundo Monetário Internacional), que viu, diante da crise, seus recursos serem triplicados. Mas de onde vêm, precisamente, os recursos do FMI? Vêm antes de mais nada da cota-parte destinada por cada país aderente, em proporção relativa a sua importância econômica. Os maiores 37 O significado da reunião do G-20 cotizantes são, evidentemente, as principais potências imperialistas, e em primeiro lugar os Estados Unidos. Se a Otan é o braço armado do imperialismo estadunidense, o FMI foi e continua a ser o instrumento econômico e financeiro privilegiado para a pilhagem dos povos e das nações. Uma das consequências da pressão exercida pelo imperialismo estadunidense para que todas as outras potências se sacrifiquem para salvá-lo é precisamente que estas são chamadas a fornecer novos recursos ao FMI, mas sem que isso questione o controle exercido pelos Estados Unidos. visas: dólar, euro, iene e libra esterlina. O DES é de fato uma moeda criada pelo FMI, utilizada somente pelos bancos centrais. Mas é aceita como moeda pelos países aderentes ao FMI. Uma “alocação” é simplesmente a criação monetária ex nihilo (a partir do nada – NdT). A alocação decidida pelo G-20 tem como objetivo injetar essa “moeda” no sistema. Dominique Strauss-Khan, diretor-geral do FMI, declarou a esse respeito que “esses DES permitem trazer liquidez (dinheiro novo) a nossos membros, que podem emprestá-los entre si. Eles lhes servem de reserva” (“Les Echos”, 3 e 4 de abril de 2009). Entre as decisões tomadas, destacamos a seguinte: o reforço do FMI e do Banco Mundial. O FMI, cujos recursos estavam estabelecidos até o presente em cerca de 250 bilhões de dólares, teve 500 bilhões de dólares atribuídos a mais, ou seja, a triplicação de seus recursos. De onde vêm esses 500 bilhões? Esses 250 bilhões de dólares seriam então colocados à disposição dos países ameaçados de entrar em falência. Desde o início da crise, o FMI interveio para “salvar” o Paquistão, a Islândia, a Letônia, a Hungria, a Ucrânia, Belarus, a Sérvia, a Bósnia e a Romênia. E o México, por intermédio de seu Banco Central, acaba de solicitar a ajuda do FMI, demandando-lhe um empréstimo de 47 bilhões de dólares. Um pedido de socorro da Grã-Bretanha foi igualmente evocado... O FMI foi autorizado, particularmente, a criar uma nova alocação do Direito Especial de Saque (DES), no valor equivalente a 250 bilhões de dólares. O DES, uma unidade de conta criada pelo FMI em 1969, é uma espécie de cesta de quatro di38 François Forgue e Jean-Pierre Raffi Mas o que esse barulho todo em torno do G-20 oculta é o fato de que os empréstimos do FMI (e as várias medidas de reforço de seus recursos que visam a assentar essa capacidade de empréstimo) são sempre concedidos a partir de certas condições reunidas nos planos de ajuste estrutural. O ajuste, na linguagem do FMI, são golpes claros nos orçamentos públicos, são as privatizações, o desmantelamento do serviço público. Os cortes orçamentários estavam no topo da lista de medidas exigidas nas mais recentes intervenções do FMI. primeiro lugar Wall Sreet, à custa dos trabalhadores. De acordo com o G-20, as despesas resultantes desse plano deverão atingir 5 trilhões de dólares até o fim de 2010; ao mesmo tempo, estão previstos 50 milhões de demissões no mundo durante o mesmo período. É uma catástrofe social que ameaça os trabalhadores de todos os países, ameaça todos os povos. Uma catástrofe à qual os dirigentes que se reclamam do movimento operário ousam pedir aos trabalhadores que se associem. É nesse terreno, assim como no recurso aos meios militares, que se desenvolve a guerra contra os trabalhadores e os povos. O “socialista” francês que preside o FMI, Dominique Strauss-Khan, festeja a nova “potência de fogo” concedida ao FMI. Essa “potência de fogo” é dirigida contra os povos. O G-20, ao mesmo tempo em que saúda os planos de recuperação econômica estimados em cerca de 5 trilhões de dólares no total, aos quais se acrescentam os planos de salvamento dos bancos, reforça as ferramentas de questionamento e de destruição de todas as conquistas da humanidade. A mensagem é clara: demitam à vontade, emitam papel-moeda para salvar os capitalistas e os especuladores, mas nem um tostão deve ser dado aos tra- Salvar Wall Street Em sua declaração final, o G20 declara que se compromete a prosseguir “o esforço orçamentário e monetário” para permitir a recuperação econômica e o maior programa de apoio ao setor financeiro dos tempos modernos. Em outros termos, sangrar as nações e os povos do mundo inteiro para salvar o setor financeiro, em 39 O significado da reunião do G-20 ou menos longos, milhões, dezenas de milhões de seres humanos não poderão, no mundo inteiro, aceitar ser reduzidos à privação mais completa, enfiados em uma catástrofe preparada pela crise mundial do sistema da propriedade privada dos meios de produção.” balhadores; ao contrário, reduzam o “papel do Estado”. A questão da “regulação” é colocada nas mãos de um Comitê de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board), extensão de uma estrutura já existente há uma década... e que mostrou sua grande competência para prevenir a crise. De fato, essa estrutura nunca teve como função (e muito menos terá essa função em sua nova configuração) regular o que quer que seja. É uma estrutura de troca de informações e de bons procedimentos, sem nenhuma função de sanção. E, uma vez mais, como pedir àqueles que, durante anos, tiveram como única função facilitar a situação na qual se encontra a economia mundial que se “autorregulem”? Isso é simplesmente pedir à raposa que tome conta do galinheiro. A 4ª Internacional se reconstituiu sobre a mesma base de sua fundação: a luta de classes. A afirmação citada acima prolonga, nas condições dadas, o que o programa de fundação da 4ª Internacional afirmava: “A orientação das massas é determinada, de um lado, pelas condições objetivas do capitalismo apodrecido, e, de outro lado, pela política de traição das velhas organizações operárias. Desses dois fatores, o fator decisivo é o primeiro: as leis da história são mais fortes que os aparelhos burocráticos.” Conclusões Quando, em 1993, a 4ª Internacional foi reproclamada, a resolução que justificava essa decisão declarava: Em todos os lugares, diante das consequências da crise que se agrava cotidianamente, os trabalhadores se recusam a ser “reduzidos à privação mais completa”. Em todos os lugares, “Não há dúvida que, para assegurar a sua sobrevivência, sob uma forma ou sob outra, em prazos mais 40 François Forgue e Jean-Pierre Raffi tos, constituem um único mecanismo unificado. Mas o proletariado é a única parte desse mecanismo que não é automática e, a despeito de todos os esforços, não pode ser reduzido à condição de autômato.” eles se erguem contra os planos de demissões que significam a miséria e a desgraça para si e para suas famílias. Em todos os lugares, eles se chocam com a política daqueles que estão vinculados ao sistema capitalista em decomposição. Sob formas diversas, que variam de acordo com as situações específicas de cada país, a mesma exigência se encontra no primeiro lugar das reivindicações: proibição das demissões. No sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção, a demissão é apenas uma expressão “natural” das leis do mercado e do fato de que aquele que possui como sua propriedade os meios de produção possui um poder absoluto sobre aqueles que os põem para funcionar. A ação da classe operária por seus direitos elementares, pelo direito ao trabalho, questiona, em seus próprios fundamentos, o sistema capitalista, ou seja, antes de tudo, a propriedade privada dos meios de produção, o Estado que defende essas relações sociais. As decisões do G-20, o apoio dado aos “planos de recuperação econômica”, ou seja, aos planos de salvamento do capital financeiro, apoiados por inúmeros dirigentes das organizações que pretendem falar em nome da classe operária e da democracia, definem claramente a alternativa no interior do movimento operário: ou assumir a missão histórica de defesa dos interesses operários, pelos quais as organizações foram construídas, ou se integrar à “governança mundial” desse sistema de exploração em decomposição. Em seguida à Revolução Russa de 1905, Leon Trotsky escreveu: “Os meios de produção pertencem à burguesia, mas o proletariado é o único que pode colocá-los em movimento, do que resulta sua potência social. Do ponto de vista da burguesia, o proletariado é também um desses meios de produção, que, todos jun- Todas as forças políticas que 41 O significado da reunião do G-20 se recusam, no interior do movimento operário, a colocar essa questão são levadas a “acompanhar”, sob o pretexto de melhorá-las, as decisões tomadas pelo G-20. Ora, a aplicação dessas decisões é incompatível com a independência das orga- nizações que os trabalhadores construíram em seu combate passado. A defesa dessa independência é inseparável da rejeição a esses planos, que levam, como é diariamente comprovado, à barbárie. Lançamento da Nova Palavra Editora Escritos sobre SINDICATO Leon Trotsky Um livro essencial para todos que se situam no terreno da defesa da independência da classe trabalhadora, condição para a sua emancipação da exploração capitalista. EncomenDas e informações [email protected] 42 Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI) por Olivier Doriane “O diretor do serviço nacional de informação dos Estados Unidos afirmou que ‘a principal preocupação no curto prazo dos Estados Unidos em matéria de segurança é a crise econômica mundial e suas implicações geopolíticas’, explicando que as crises econômicas que duram mais de um ano ou dois aumentam o risco de uma instabilidade natural que ameace o regime instituído. Se não for dominada, a crise global do emprego e da proteção social, que afeta as famílias operárias e as comunidades locais, vai se transformar em uma crise política generalizada.” contido no relatório do diretor-geral da OIT (Organização Internacional do Trabalho), intitulado “Enfrentando a crise mundial do emprego”, preparatório à 98ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, de junho de 2009. A principal preocupação dos Estados Unidos é que a crise mundial do emprego gere uma instabilidade natural que ameace o regime. E, para controlar essa crise, a política promovida pelo imperialismo estadunidense foi construída em torno de um tríptico: • generalizar as guerras de decomposição; Esse receio, manifestado por um alto representante do imperialismo estadunidense, está • destruir o trabalho e as conquistas sociais no mundo 43 Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI) inteiro, para financiar a fundo perdido os especuladores; A declaração de princípios aprovada no Congresso constitutivo da CSI deu o conteúdo dessa “verdadeira refundação” nestes termos: • integrar as organizações sindicais a estes planos, numa tentativa de privar os trabalhadores das organizações constituídas pela sua secular luta de classe. “A CSI assume a tarefa de lutar pela governança democrática da economia globalizada.” O líder desta política é Barack Obama, que, nos Estados Unidos, impõe acordos dos tipos feitos em relação à Chrysler e à General Motors (veja o artigo de Alan Benjamin nesta edição). No seu 6º Congresso Mundial, a 4ª Internacional tinha destacado, em uma resolução, que, com a constituição da CSI, “um dispositivo foi acionado para domesticar o conjunto das organizações sindicais em escala internacional. Seria um erro subestimá-lo. Contudo, não será ele quem definirá o destino das organizações constituídas pela longa luta da classe operária, da qual elas são parte.” Sua expressão em nível internacional é a tentativa de criação de um “Pacto Mundial pelo Emprego”, ao qual todos deveriam aderir. Neste artigo, desejamos abordar novamente o lugar que a Confederação Sindical Internacional (CSI) ocupa neste dispositivo. Lembremos que a CSI foi criada em novembro de 2006, e que sua constituição trouxe à tona questões políticas que afetam a própria existência do movimento operário, da democracia e das nações. De acordo com um dos seus principais fundadores, Emilio Gabaglio (ex-dirigente da CES): Neste momento, em que o sistema capitalista entrou numa crise profunda, empurrando milhões de homens para uma catástrofe, e em que, mais do que nunca, os interesses antagônicos entre as classes exigem que o movimento sindical preserve sua independência, não é desnecessário lembrar o lugar da CSI. “A ambição era realizar uma verdadeira refundação do sindicalismo internacional.” A reunião do G-20 acaba de ocorrer. Nesta edição de “A Verdade” pode-se ler a análise que 44 Olivier Doriane “A governança democrática e eficaz da economia mundial exige uma reforma fundamental das organizações interncionais envolvidas, especialmente o FMI, o Banco Mundial e a OMC (...). O Congresso reconhece a importância do diálogo social mundial.” fazemos. Nós estabelecemos os fatos e as provas do apoio que lhe foi dado, durante todo o seu transcurso, pelo imperialismo estadunidense, que pretende ditar suas ordens ao mundo inteiro. Qual foi a atitude da CSI em relação a este evento? A CSI, embora silenciosa desde o início da crise, publicou, em conjunto com a Global Unions, duas declarações (1), uma antes da cúpula e outra depois. É impressionante como os dirigentes da CSI apresentam-se como “conselheiros” dos governos: Os 5 pontos que a CSI apresenta aos líderes das grandes potências imperialistas são: “• Implementar um plano de recuperação e um programa de crescimento sustentável coordenado, a nível internacional, com um impacto máximo na criação de empregos (…); “O movimento sindical internacional conclama os líderes do G-20 a pactuar com outros países e instituições internacionais uma estratégia de 5 pontos para enfrentar a crise e para construir uma economia mundial mais justa e sustentável para as gerações futuras.” • estatizar os bancos insolventes para restaurar a confiança e o crédito no sistema financeiro; • definir o objetivo de estabelecer um piso salarial decente para o mercado de trabalho (...); O que é coerente com a declaração de princípios da CSI, que afirma: • preparar o terreno para 1 – Esta declaração começa de maneira surpreendente, constatando: “Dez anos de progresso em matéria de redução de pobreza foram varridos em alguns meses”. Os pobres do mundo inteiro não viram, no curso dos dez últimos anos, onde e como a pobreza recuou. 45 Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI) o emprego e o crescimento seria multiplicado apenas se fossem coordenadas e complementares a nível internacional” (pág. 3). um acordo ambicioso sobre as mudanças climáticas (...); • estabelecer um referendo jurídico sobre as normas e os instrumentos das organizações econômicas e sociais – a OIT, o FMI, o Banco Mundial, a OMC (Organização Mundial do Comércio) e a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) –, reformar estas instituições e instaurar uma governança econômica mundial que seja eficaz e responsável (parágrafos 30-32).” Em todo o mundo, os governos capitalistas têm adotado planos a partir de novembro de 2008. São planos de pilhagem dos fundos públicos para socorrer os bancos e os especuladores. Do Plano Paulson, nos Estados Unidos, seguido pelo Plano Obama, até as decisões da União Europeia obrigando todos os governos europeus a destinar aos bancos bilhões de euros ou de dólares em fundos perdidos na especulação para socorrer os bancos que, como nos Estados Unidos, reconhecem que não sabem a quanto chegam estas somas fantásticas: como é possível apresentar este conjunto como medidas para estimular o crescimento econômico? Os fatos estão aí. A União Europeia, durante a primeira cúpula da crise, decidiu oferecer 1,7 trilhão de euros aos bancos e aos especuladores. O resultado: uma onda de desindustrialização, de supressão de postos de trabalho sem precedentes na Europa (3.000 desempregados a mais por dia na França, 11.000 por dia na Espanha). O documento, em seguida, detalha os cinco pontos. “Os governos devem tomar todas as medidas necessárias para esse fim e usar do seu poder de influência sobre os bancos para reanimar o mercado de crédito e fornecer nova liquidez. Desde novembro de 2008, a maioria dos países do G-7, alguns do G-20 e outros mais, anunciaram ou adotaram medidas orçamentárias para estimular o crescimento. O efeito destas medidas sobre 46 Olivier Doriane O papel do movimento sindical é o de reivindicar a generalização deste dispositivo a nível mundial? Nesse ponto, a CSI (que se apresenta fraudulentamente como o movimento sindical internacional) obteve ganho de causa. Pois foi exatamente isso que o G-20 decidiu, ao decretar o maior plano de apoio às instituições financeiras internacionais já aplicado. Cinco trilhões de dólares suplementares devem ser destinados a alimentar os bancos em nome do fato de que amanhã eles relançarão a produção. Mas a realidade é muito diferente. Os fundos alocados na especulação pelos governos que pilham a riqueza pública são, depois, recuperados pelo aumento das condições de exploração em todos os países, pela destruição dos serviços públicos, pela liquidação dos postos de trabalho. Na carta convite de convocação do seu 7º Congresso Mundial, a 4ª Internacional afirma: “Todos os trabalhadores sabem que estes montantes serão aplicados em vão. Servirão apenas, na melhor das hipóteses, para recuperar a máquina de especulação e de exploração. A crise atual será sucedida por outra crise, ainda mais devastadora, à medida em que o problema não é resolvido em sua raiz. E a raiz é o regime capitalista baseado na propriedade privada dos meios de produção. A 4ª Internacional lança um apelo solene a todas as organizações que se reivindicam do movimento operário e da democracia: a defesa da nação, da democracia e da classe operária exige romper com esse plano. A independência do movimento operário está em jogo. Os trabalhadores não têm alternativa senão mobilizar-se de forma unitária para exigir a retirada destes planos infames.” Que a CSI, que definiu nos seus estatutos o objetivo de participar da governança mundial, reivindique isso, é natural. Isto confirma que ela não é uma organização sindical. Mas as confederações sindicais operárias, para se preservarem, devem recusar-se a se atrelar a este dispositivo de união sagrada dos planos de recuperação. Prossigamos com a leitura das propostas da CSI. 47 Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI) “Neste período difícil, as empresas devem demonstrar responsabilidade social e manter seus empregados pelo tempo que for possível” (pág. 5). “Isso passará pela melhoria do respeito dos direitos dos trabalhadores, para que os sindicatos possam negociar aumentos salariais alinhados com os ganhos de produtividade” (pág. 6). Há muito tempo que os trabalhadores sabem o que é a responsabilidade social das empresas. Como muito justamente lembrou um economista, a única responsabilidade social de uma empresa é realmente obter lucro. E o que quer dizer para uma organização sindical “manter os empregados pelo tempo que for possível”? Existirá um momento em que o sindicato deverá aceitar as demissões? Isto é o que propõe a declaração: Trata-se de uma política corporativista de negar a realidade do conflito entre as classes, visando a que o conjunto das organizações sindicais considerem-se como parte de um “todo”, que seria a empresa. Mas esse corporativismo tem uma peculiaridade. Manifesta-se na época do imperialismo que destrói as nações, e é, portanto, de essência supranacional. Deste modo, inscrevendo-se no âmbito deste esquema de instituições supranacionais contra as nações, a declaração da Global Unions e da CSI participa da denúncia, em nome da luta contra o protecionismo, do direito de as nações tomarem medidas de defesa, pelas estatizações, pela adoção de leis e regulamentações contra os mercados e as multinacionais em escala mundial. “As empresas que receberam ajuda pública devem respeitar os acordos com os poderes públicos e os sindicatos para que os planos de reestruturação incluam a reinserção e a formação profissional” (ibidem). Na verdade, esta declaração é um verdadeiro programa para adaptar as reivindicações dos trabalhadores à própria empresa. “Temos de evitar os erros da crise dos anos 30 e uma volta ao protecionismo ‘de cada um por si’ (...).” Propõe-se, assim, em relação aos salários, vincular os aumentos aos ganhos de produtividade. 48 Olivier Doriane E a CSI reivindica participar neste dispositivo supranacional: e tomar decisões que são justificadas de um ponto de vista “econômico”? No sistema capitalista, baseado na exploração do homem pelo homem e na extração da mais-valia, o que se justifica de um ponto de vista econômico para os capitalistas é a rentabilidade e a realização da taxa de lucro. O que é justificável para os operários é a defesa de seu trabalho, a defesa da sua força de trabalho, a defesa da única classe produtiva da humanidade. Trata-se de interesses antagônicos. Não existe ponto de vista econômico abstrato na sociedade capitalista. “Os governos devem acabar com a fragmentação da regulamentação financeira, que hoje está dividida por ramo e pela jurisdição nacional. É preciso realizar uma consolidação supranacional ali onde for necessário, em especial na Europa. As autoridades de controle devem ter poder de execução suficiente e os recursos à altura da sua missão. A voz dos sindicatos deve ser ouvida na sua governança” (pág. 10). Esta governança reivindicada pela CSI é bem precisa: “No longo prazo, é preciso recriar as estruturas tripartites para consultas econômicas e sociais, e para a elaboração de políticas (...). Envolver os representantes da população nas decisões que determinam o crescimento do emprego e da economia não é apenas compatível com os princípios democráticos, mas se justifica do ponto de vista econômico” (pág. 12). “A crise revelou falhas na governança econômica mundial. Certamente, não existe uma solução única para a governança mundial (...). A única certeza é que o governo nacional por si só não basta e que uma nova arquitetura institucional é necessária a nível mundial no âmbito de um acordo global (...). O processo do G-20 apresenta alguns aspectos úteis a este respeito, mas ainda é fortemente orientado É papel de um sindicato participar na definição da economia 49 Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI) para as questões financeiras (...). Precisamos de um novo fórum para tratar das políticas econômicas e sociais a nível mundial, um fórum que seja ao mesmo tempo legítimo, eficaz e respeitado. Um avanço nesse sentido poderia ser a Carta, ou Referência Legal, de Governança Mundial Econômica e Social, com base nas normas da OCDE, da OMC, da OIT, do FMI e do Banco Mundial, proposta pela chancelaria alemã e pelo ministro italiano das Finanças” (pág. 13). dos ministérios das Finanças, em reuniões fechadas. Os sindicatos estão prontos para iniciar um diálogo construtivo e solicitam aos governos que os convidem para a mesa de negociações. Os sindicatos devem ser parte integrante das novas instâncias consultivas e de governança (...)” (pág. 14). Existe, incontestavelmente, nesta posição da CSI um elemento extremamente perigoso para o movimento sindical. Acabamos de ver um exemplo recente na Europa, onde o braço da CSI, que é a CES (Confederação Europeia de Sindicatos), tentou impor como instituição supranacional sua orientação integracionista às confederações sindicais italianas. A CES condenou a CGIL por recusarse a assinar um acordo que colocava em questão as convenções coletivas nacionais. John Monks, secretário-geral da CES, enviou uma carta a Guggliemo Epiphane condenando a manifestação da CGIL, que reuniu 2,5 milhões de trabalhadores em Roma. Motivo: a CGIL recusouse a assinar, como fizeram as outras duas confederações italianas, o acordo contestando as A CSI reivindica que o movimento sindical apóie as propostas do governo alemão, da CDU, e do ministro italiano das Finanças do governo Berlusconi para a implantação de instituições internacionais. Continuando com sua função de conselheiros governamentais, a CSI e a Global Unions pedem que os sindicatos trabalhem com os ministros das Finanças: “Os governos podem iniciar este trabalho, desde que não seja entregue à boa vontade dos banqueiros e dos funcionários 50 Olivier Doriane convenções coletivas nacionais, em benefício de acordos por empresa. Esta carta de Monks afirmava: mente rejeitaram essas ordens, mantiveram sua manifestação e confirmaram sua reivindicação de suspensão das demissões e de manutenção das convenções coletivas nacionais. “A CES sustenta que o sindicalismo italiano encontre o mais rapidamente possível a unidade de ação para enfrentar a crise e melhor apoiar a iniciativa do sindicato europeu.” Depois da reunião do G-20, a CSI publicou uma nova declaração. Nesta última, ela celebrava o resultado da cúpula. De acordo com a CSI, “a declaração adotada pelo G-20 de Londres oferece a possibilidade de uma nova globalização, que tenha no seu centro o trabalho, e que marcará o fim das políticas inoperantes dos últimos 30 anos”, com uma “especial atenção para a preservação e a criação de empregos”, uma “regulação dos mercados financeiros”, “um maior apoio aos países em desenvolvimento e às economias emergentes, uma reforma das instituições financeiras internacionais e a renovação dos compromissos com as Metas de Desenvolvimento do Milênio” e com “políticas para evitar os sobressaltos econômicos e de apoio às atividades econômicas anticíclicas”. Qual é o conteúdo desta suposta unidade de ação? A resposta foi dada pelo próprio John Monks: “Era necessário decidir a aplicação de um plano de recuperação econômica, como fez a Comissão Europeia, assim como era necessário o resgate dos bancos.” As propostas da CES em escala internacional, como vimos, têm consequências práticas, na medida em que são impostas em cada país. Mas as posições da CSI só podem gerar debate e reações. Portanto, por mais perigosa que seja a existência da CSI, ela não determinará, felizmente, a natureza das organizações que aderem a ela. Assim, os dirigentes da CGIL, na Itália, efetiva- Guy Ryder, secretário da CSI, anunciou: “O G-20 ofereceu-nos a oportunidade de virar 51 Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI) a página após décadas de desregulamentação e de restaurar o papel dos governos garantindo que as finanças sirvam os interesses da economia real, que, por sua vez, deve servir aos interesses das populações (...). Nós saudamos, particularmente, o reforço do papel da OIT.” estas instituições são todas cúmplices na execução de políticas neoliberais, do livre-comércio, do livre investimento e da globalização financeira. Além disso, enquanto o G-20 considera que ‘as raízes da crise atual’ são ‘as más práticas de gestão de risco, a complexidade e a obscuridade crescentes dos produtos financeiros’, nós, os abaixo-assinados, reiteramos que a crise econômica mundial em curso é, na realidade, o resultado das contradições inerentes ao sistema capitalista, que essas instituições consideram tão nobre. Estamos aqui no centro do processo que abre o caminho para o Pacto Mundial pelo Emprego. Mas, antes de chegar a esta questão, destacamos que, no que diz respeito à avaliação da reunião do G-20, as organizações sindicais manifestaram uma opinião diferente. A central sindical KCTU, da Coréia do Sul, avalia: Portanto, as medidas previstas pelo G-20 são como uma aplicação de cimento para manter um sistema ‘falido’ – e não uma reabilitação importante do sistema que provocou a crise atual. Afirmamos que as soluções reais começam com a defesa das condições de vida dos trabalhadores, de suas famílias e dos povos. “Somos céticos quanto ao fato de que as medidas discutidas nesta reunião de cúpula sejam as verdadeiras soluções. Temos também dúvidas de que os líderes do G-20 e convidados, como a OMC, o FMI, o Banco Mundial e outras instituições, possam pretender ser ‘os que irão resolver os problemas’ da crise mundial. Em resumo, Nós, abaixo-assinados, também somos contrários 52 Olivier Doriane ao ‘socorro incondicional’ aos bancos e às instituições financeiras, que se destina apenas a pagar a devastação causada pelos especuladores para a população. A transferência de riquezas tão gigantescas significa tomar o dinheiro das famílias operárias para pagar os mais ricos acionistas de bancos do mundo. Consequentemente, os prejuízos causados pela especulação financeira devem recair apenas sobre aqueles que especularam. É necessária uma política de reafirmação e de fortalecimento do caráter público dos bancos e das instituições financeiras, inclusive com a estatização de bancos. de livre comércio (ALC) bilateral com os Estados Unidos e a União Européia, sob o pretexto de acabar com o protecionismo. É preciso dizer claramente que a ALC é uma das principais instituições responsáveis pela atual crise, porque tem minado as regras impostas aos serviços financeiros e promovido a flexibilização do mercado de trabalho e a privatização. Além disso, o ALC causou uma série de catástrofes, como o fim da auto-suficiência na produção de alimentos, o fim do acesso da classe operária aos serviços essenciais, com a privatização dos serviços públicos, o fim do acesso à assistência de saúde e a liquidação do direito à informação, devido aos acordos draconianos sobre a propriedade intelectual (...). Aliás, é preciso suplantar o falso debate entre ‘protecionismo’ ou ‘liberalismo’ para conceber e promover um sistema internacional de comércio mais equitativo e favorável aos trabalhadores. Em particular, nós, abaixo-assinados, somos totalmente contrários à política comercial do governo de Lee Myung Bak, na Coréia do Sul, que ousou defender um acordo Estamos convencidos de que as verdadeiras soluções só serão encontradas quando forem consideradas, como uma questão central, as condições de vida dos trabalhadores, de suas famílias e do povo.” 53 Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI) Sim, só partindo dos interesses da classe operária e dos povos – interesses contraditórios em todos os aspectos com a sobrevivência do regime capitalista e com os planos de recuperação econômica das instituições supranacionais – que pode ser encontrada uma solução para a crise da humanidade. É precisamente contra esta independência que a ameaça do Pacto Mundial pelo Emprego é lançada. A cúpula do G-20 respondeu a esta reivindicação, encarregando a OIT de preparar uma Cúpula Mundial pelo Emprego. Como está proposto no relatório de já citado de Somávia, o “presente relatório reuniu os elementos iniciais para um Pacto Mundial pelo Emprego, (que) reflete também a Conferência de Londres pelo Emprego, realizada pelo G-20, e a reunião do G-8”. O mesmo documento afirma: A reunião chamada pelo Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (AcIT) em Genebra chamou a atenção do movimento operário mundial para o perigo representado por esta iniciativa. “Em 2 de abril de 2009, os líderes do G-20 adotaram um plano de recuperação mundial, que, na seção denominada ‘Promover uma recuperação sustentável e equitativa para todos’, comporta a seguinte demanda formulada a pedido da OIT: ‘Reconhecemos a dimensão humana da crise (...). Eis o motivo pelo qual nos congratulamos com os relatórios da Conferência de Londres sobre o Emprego e da Cúpula Social de Roma, como também com os princípios fundamentais que propõem. Exortamos a OIT, em colaboração com outras organizações afins, a avaliar as medidas já adotadas É necessário esclarecer que ela foi construída verdadeiramente a quatro mãos pela CSI e as instituições do imperialismo. De fato, a declaração conjunta da CSI defende que “a OIT deve ser o centro de uma nova arquitetura multilateral, que possa responder à atual crise da globalização (...). Os governos trabalham com os parceiros sociais e com a participação das organizações pertinentes, como a OIT, para criar uma nova ordem econômica mundial.” 54 Olivier Doriane e as que serão necessárias no futuro.’ Em 5 de abril de 2009 (...), a OIT foi encarregada de dirigir os trabalhos para o Pacto Mundial pelo Emprego.” sindicais à ordem corporativista. Os debates em torno da questão – a saber: o movimento operário mundial deve integrarse à governança mundial em todos os níveis, ou, ao contrário, deve cumprir sua missão histórica de defesa dos interesses dos trabalhadores? – estarão no centro da preparação e da realização da Conferência Mundial Aberta contra a Guerra e a Exploração, convocada para 22 e 23 de maio de 2010, em Berlim. É, portanto, em uma verdadeira colaboração, etapa por etapa, entre a CSI e os líderes do G-20, que foi preparado o dispositivo com o objetivo de utilizar a OIT para instituir um Pacto Mundial pelo Emprego, visando a integrar as organizações 55 Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo PERU: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo “A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores” Corrente Socialista Internacionalista (seção peruana da 4ª Internacional) Declaração O governo do Apra, a serviço do imperialismo, é o culpado! O massacre de Bagua deixa toda a nação de luto! Saudamos a Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional! Unidade para derrubar o governo assassino e entreguista da nação! Assembléia Constituinte Soberana com poder, que nomeie um governo para salvar a nação! Obedecendo às ordens do imperialismo estadunidense para impor o tratado de livre comércio, o governo deu ordem para que se atirasse sobre a população indígena que protestava pacificamente, após 50 dias exigindo a revogação de nove decretos declarados inconstitucionais pela Comissão de Constituição do Congresso da República. porque defendiam suas terras, 23 policiais saíram mortos, houve centenas de feridos. O governo é o único culpado por este massacre! O governo abre uma etapa de terror, cujo objetivo é esmagar a fogo e sangue as massas populares, impedir a greve dos mineiros anunciada para 15 de junho e os protestos em curso, para impor as 200.000 demissões que Alan Garcia anunciou para os meses de maio e junho. É a política do FMI, do As informações: mais de 150 indígenas foram assassinados 56 Documentos Banco Mundial, da OMC, são as ordens do embaixador estadunidense. O combate da Amazônia se junta à luta dos mineiros da Doe Run (multinacional estadunidense) e de todo o país, dos professores que preparam uma greve por tempo indeterminado, e de outros setores. A Corrente Socialista Internacionalista considera que a Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional está chamada a agir como um verdadeiro comando nacional unitário de luta, e que a caça dirigida para prender Alberto Pizango, a qualificação de terroristas e de delinqüentes para os dirigentes e os habitantes indígenas, a recusa do governo de suspender o estado de emergência e sua extensão para o toque de recolher em Bagua, Utcubamba e outras aldeias, demonstram que o gover-no decidiu abrir a via da guerra contra o povo para manter seu compromisso com o imperialismo estadunidense de aplicar o tratado de livre comércio. Ou nos unimos para derrotar o governo, ou o governo nos esmagará a todos! É o que disse o companheiro Alberto Pizango, presidente da Aidesep, na reunião de 4 de junho, propondo a constituição de um Comando Nacional de Luta com a [central sindical] CGTP, CUT, CCP, CNA, Aidesep, Conacami, a Coordenação Político-Social e outras organizações políticas. Reunidas, essas organizações constituíram a “Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional”, que chama uma mobilização nacional em 11 de junho, cujas palavras de ordem são “Abaixo o governo. Renúncia do gabinete ministerial!” e que exige o fim do estado de emergência, o fim das perseguições contra Alberto Pizango, a revogação dos decretos legislativos de aplicação do tratado de livre comércio e chama uma greve nacional. É a defesa da nação e dos trabalhadores que está em jogo! Mais de 44 milhões de hectares já foram entregues a algumas multinacionais petrolíferas, e eles querem continuar. Cerca de 30 bilhões de dólares para “pagar a dívida externa” foram dados aos bancos estrangeiros em menos de 4 anos, e eles querem que lhes deem mais vantagens. Mais de 200.000 trabalhadores foram demitidos nos últimos meses, e eles anunciam outros 200.000. Mais de 4.000 empregos diretos 57 Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo e mais de 20.000 indiretos estão a ponto de desaparecer em La Oroya, com o fechamento da Doe Run, que, com a cumplicidade do governo, declara “falência econômica”. 400 trabalhadores somam-se aos 600 demitidos na SiderPeru pela multinacional Gerdau, que anuncia novas demissões. Demitiram nas empresas têxteis, na pesca, nas conservas. A demissão de milhares de professores e de funcionários públicos está sendo preparada. Busca-se um plano de privatização da educação em todos os níveis, e também da saúde pública. Isso não pode continuar! dade convocar uma Assembléia Constituinte Soberana com todo o poder, que nomeie um governo responsável perante ela, com mandato para defender a soberania e a unidade da nação; para estatizar e reestatizar todos os recursos naturais e as empresas privatizadas, única saída para impedir as demissões e reempregar os demitidos; para anular o pagamento da dívida externa e utilizar os recursos num plano de salvação dos trabalhadores e do povo da crise capitalista, que se aprofunda cada vez mais; para anular o tratado de livre comércio com os Estados Unidos e revogar os 102 decretos que servem para dividir a nação e facilitar que as multinacionais se apropriem das minas, do petróleo, do gás, da terra, da água, da Amazônia etc.; para decretar uma nova reforma agrária, que devolva a terra aos camponeses, conceda créditos e afirme a inviolabilidade das terras das comunidades camponesas e indígenas; que revogue a nova lei da água, que criou a Autoridade Nacional da Água; para revogar o decreto-lei 728 e todos as leis anti-operárias; que ponha fim à privatização da educação em todos os níveis e defenda a saúde pública; que revogue a lei nº29062 da carreira do en- Que o Comando Nacional de Luta organize a luta para derrotar o governo! Foi este o grito unânime dos trabalhadores reunidos em 4 de junho na sede da Aidsep. Este governo é a continuidade do fujimorismo, cuja Constituição, as leis e as instituições regem o país, com o mesmo estilo de mafiosos e de gangsteres. Derrubar o governo é a vontade de milhares, que a cada mobilização repetem: “Urgente, urgente! Novo presidente!” Eis porque cada vez mais organizações sindicais, camponesas e populares colocam a necessi58 Documentos sino público; que revogue as leis 25967 e 28532, que atacam as pensões e aposentadorias etc. o chamado lançado pela Comissão de Organização do Partido da Classe Operária para formar os comitês de base nas minas, nas fábricas e em todo o país. Tudo isso exige que a classe operária da cidade e do campo tenha o seu próprio partido, que lhe permita combater por esses objetivos, pelo poder, pelo governo operário e camponês na via do socialismo, para acabar com a propriedade privada dos meios de produção, cujo único fim é o ganho privado, causa de todos os males atuais e futuros. • Fim do massacre aos povos da Amazônia! • Fim da perseguição contra Alberto Pizango, presidente da Aidesep! • Abaixo emergência! o estado de É por isso que afirmamos e defendemos a decisão do 11º Congresso da Federação dos Trabalhadores Mineiros, que adotou o chamado para organizar o Partido da Classe Operária da Cidade e do Campo, chamado que recebeu o apoio de dezenas de dirigentes sindicais, do campo e populares, de milhares de trabalhadores que estão decepcionados pela ex-Esquerda Unida, pelas frentes políticas que foram criadas para participar nas eleições de 2011, e não para acabar com o governo agora. Eles decidiram dar o passo da organização de seu partido próprio, num congresso programado para 27 de junho próximo, na sede da CNA. • Fim das demissões! Estatização da Doe Run, Siderperu, Shougan! Da mesma maneira, apoiamos Coordenação Nacional • Reestatização de todas as empresas privatizadas! Não à privatização dos portos! • Fora o governo do Apra de Garcia-Simon! • Assembléia Constituinte Soberana com poder para nomear um governo responsável perante ela para salvar a nação! • Viva a organização do Partido da Classe Operária da Cidade e do Campo! Lima, 7 de junho de 2009 59 Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo “A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores” Comissão de Organização do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo Declaração Foi constituída uma Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional, integrada por CGTP, CNA, CCP, Federação dos Trabalhadores Mineiros, a Aidesep para representar os povos indígenas, a CPS e outras organizações políticas, e foi lançado um chamado à mobilização nacional em 11 de junho, para repudiar e condenar o massacre de Bagua, que provocou a morte de mais de 150 indígenas e de 24 policiais, centenas de feridos e desaparecidos, e cerca uma centena de presos. e do toque de recolher impostos em diversos povoados da Amazônia, e afirma que se estas reivindicações não forem satisfeitas até 11 de junho, dia da mobilização, ela chamará uma greve nacional. A Comissão de Organização do Partido da Classe Operária da Cidade e do Campo saúda a [central sindical] CGTP e a Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional e apóia a decisão de uma data para a greve nacional, se o governo não responder às reivindicações no prazo estabelecido. Isso coloca imediatamente na ordem do dia a convocação de uma Assembléia Nacional de Emergência de delegados da CGTP, com todas as organizações que compõem a Frente. A Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional responsabiliza o governo servil ao imperialismo pelo massacre que enluta o país, e exige a revogação dos decretos que favorecem o tratado de livre comércio, motivo dos protestos dos povos indígenas. Da mesma maneira, a Frente constituída exige a suspensão do estado de emergência O chamado a uma greve nacional é justificado para unir toda a nação aos povos orig60 Documentos inários da Amazônia, e também para impedir a demissão de 4.000 trabalhadores da La Oroya, por causa do fechamento total das operações da Doe Run, que impôs férias coletivas de 90 dias a todos os trabalhadores, sob o pretexto de “falência econômica”, porque ela se beneficia da cumplicidade do governo, como se beneficiou da demissão de 400 trabalhadores de Siderperu, que se juntam aos 600 demitidos de novembro. no responsável perante ela, que exija já o respeito à soberania da nação, com a revogação dos 102 decretos que estão a serviço do tratado de livre comércio, o respeito à inviolabilidade das terras das comunidades camponesas e nativas, que estatize a Doe Run para garantir os 4.000 empregos diretos e os mais de 20.000 indiretos, tanto na Siderperu, como em todas as empresas privatizadas... Assembléia Constituinte para revogar a lei dos recursos hídricos, que privatizou a água, as leis 25967 e 28532 que atacam as aposentadoria e pensões, a lei dos estudos públicos de professores nº 29062, e abrir uma investigação sobre a amplitude do massacre de Bagua, e punir os responsáveis, quer dizer, o governo. Quem garantirá o emprego dos 4.000 trabalhadores da La Oroya? Não será a multinacional estadunidense Doe Run. É o governo quem tem a obrigação e o dever de garantir o emprego dos 4.000 trabalhadores. Como? Com a imediata estatização da metalúrgica e a reativação das suas atividades. Apoiamos a decisão do companheiro Alberto Pizango, presidente da Aidesep, de se refugiar na embaixada da Nicarágua para defender sua liberdade e sua vida, e exigimos que o governo do Apra anule a ordem de prisão emitida contra o companheiro. Não temos nenhuma dúvida de que, por trás deste ataque, assim como por trás do massacre dos povos originários da Amazônia, está o embaixador dos Estados Unidos. Mas o governo está a serviço do imperialismo estadunidense, das multinacionais, o que se opõe à defesa da soberania e explica que ele tenha publicado 102 decretos para impor o tratado de livre comércio para pilhar a nação. É por isso que cada vez mais as organizações juntam-se para reivindicar a necessidade de uma Assembléia Constituinte Soberana que nomeie um gover61 Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo Para lutar por esses objetivos, a classe operária da cidade e do campo e a nação inteira necessita de uma CGTP unitária e independente, uma Federação de Trabalhadores Mineiros Unitária e Independente, de todas as suas organizações de classe, assim como da Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional, que trabalha como um verdadeiro comando nacional unitário de luta. gresso de organização do Partido da Classe Operária da Cidade e do Campo, que se realizará em 27 de junho, às 10h, na sede da CNA, Jr. Antonio Miro Quesada, 327 – Lima. Lima, 10 de junho de 2009 Pela Comissão de Organização: Erwin Salazar Vásquez – CGTPLambayaque; Hugo Aguilar Bernales – Federação dos Mineiros; Carlos Palácios Guillén – secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Arequipa; Daniel Vásquez – MNPTC e membro da CSI; Fausto Bazán – secretário-geral do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Banco da Nação. Assim como a classe necessita da CGTP e de suas organizações sindicais, necessita de seu próprio partido político, que a ajude a combater por suas reivindicações e pelo poder, para acabar com a exploração capitalista, causa de todos os seus males. Eis porque chamamos todos os dirigentes e militantes sindicais a nos acompanharem nessa decisão de realizar o con- 62 Documentos Universidade Nacional Superior de São Marcos Movimento estudantil “Projeto São Marcos” Chamado O governo do Apra enlutou o país com o sangue de humildes peruanos vertido em Bagua, por sua vontade de impor o tratado de livre comércio e a aplicação dos decretos legislativos. O servilismo do governo frente ao imperialismo estadunidense não tem limites. e da Soberania Nacional, com a CGTP, a CNA, a CCP, a Aidesep, a Federação de Trabalhadores Mineiros, a CUT, a Coordenação Político-Social e de outros movimentos políticos, exigindo a revogação dos decretos, o fim do estado de emergência, o fim do toque de recolher na Amazônia, que cesse a perseguição a Alberto Pizango. Abaixo o governo, demissão do gabinete ministerial! O governo é o único responsável pela morte dos indígenas e dos policiais. As ordens vieram de Washington, via embaixada dos Estados Unidos, assim como sua política é ditada pelo FMI, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio. A Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional deve continuar a agir como um verdadeiro comando nacional unitário de luta, pois chamou à mobilização nacional em 11 de junho e à greve nacional se as reivindicações populares não forem satisfeitas. O governo do Apra é o serviçal das multinacionais e o inimigo da nação! O levante dos povos da Amazônia contra os decretos que impõem o tratado de livre comércio é em defesa de toda a nação. Este é o motivo da formação da Frente em Defesa da Vida É necessário considerar que a CNA e outras organizações propõem a convocação de uma Assembléia Constituinte Soberana com poder, para designar 63 Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo um governo perante ela para salvar a nação. fesa da Vida e da Soberania Nacional e as lutas que ela anuncia. Não há tempo a perder. Necessitamos chegar a um acordo sobre o rumo político e organizacional que devemos tomar, assim como sobre as tarefas que devemos realizar. O combate dos habitantes da Amazônia junta-se à luta da Federação dos Trabalhadores Mineiros para impedir a demissão de 4.000 trabalhadores da La Oroya, trabalhadores que foram jogados na rua com as férias coletivas forçadas pela multinacional estadunidense Doe Run, e que se somam a mais de 15.000 mineiros demitidos e a mais de 200.000 trabalhadores em todo o país. E outras demissões deverão acontecer, uma vez que Alan Garcia anuncia 200.000 entre maio e junho. Diante dessa necessidade, o “Projeto São Marcos”, que se reivindica dos estatutos da Universidade São Marcos, em particular sua afirmação antiimperialista, lança um chamado a todas as organizações estudantis, aos grupos e organizações de jovens que intervêm nas universidades do país para realizar uma primeira Convenção Nacional em Lima, que coloque no centro a constituição da Federação de Estudantes do Peru. Afirmamos a vontade de combate revolucionário da juventude. Quanto à juventude estudantil, ela é agredida pela privatização da educação em todo o país. Entretanto, não existe hoje uma organização que agrupe suas forças, o que torna o combate disperso e espontâneo. Não há tempo a perder! Lugar à juventude! “Projeto São Marcos” chama todos os jovens da São Marcos e de todas as universidades do país a integrar a Frente em De- Lima, Cidade universitária 10 de junho de 2009 64 O movimento operário estadunidense, a crise na indústria automobilística e a política de Obama Uma entrevista com Alan Benjamin, dirigente de Socialist Organizer entrevista feita por Christel Keiser e Dominique Ferré A Verdade – Barack Obama faz atualmente uma viagem por vários países do mundo. O discurso oficial procura colocar em evidência a imagem de um um novo homem na Casa Branca, de um novo sistema, de um novo equilíbrio em escala internacional. No entanto, desde sua eleição, desenvolvem-se nos Estados Unidos os elementos de uma crise política a partir das contradições que se colocam entre as aspirações (e as ilusões) expressas na votação das eleições presidenciais de 4 de novembro de 2008 e a realidade da política de Obama. Como explicar o significado dessa crise política e as diferentes formas de sua manifestação nos Estados Unidos? Alan Benjamin – São numerosos os que se empenham em demonstrar que existe uma nova Presidência nos Estados Unidos que respeita o mundo. Mas, na Cúpula das Américas, 65 O movimento operário estadunidense... em Trinidad e Tobago, expressou-se a rejeição à aplicação dos tratados de livre-comércio que ligam os países da América aos Estados Unidos, tratados que estavam no centro dessa cúpula. Nenhum chefe de estado pôs sua assinatura na declaração final da cúpula... à exceção do governo de Trindad e Tobago. Essa rejeição não se deu unicamente pelos governos de Chávez (Venezuela) e Morales (Bolívia), mas por todos os chefes de estados das Américas. Obama havia ainda afirmado, durante a campanha eleitoral, que, com relação às Américas, haveria uma nova forma, que toda a política de livre-comércio que estrangulasse esses países seria revisada. Mas a realidade foi outra. As exigências do imperialismo estadunidense de destruição das conquistas dos trabalhadores e dos quadros das nações não deixam nenhuma margem para poder modificar ou emendar os tratados de livre-comércio. tratados – exigiram de Obama que incluísse “cláusulas sociais” no seio desses tratados. Mas, mesmo essa exigência não foi aplicada, porque é contraditória com as necessidades do imperialismo estadunidense. Isso explica o fracasso da Cúpula das Américas, na qual Obama pretendia se voltar para o continente para iniciar um novo período. Uma das primeiras viagens ao estrangeiro de Obama foi ao México, onde a última eleição presidencial foi fraudada, e ofereceu sua caução e sua ajuda a Calderón. Por toda parte, ouvimos: “Como ele vem ao México para saldar Calderón, para dizer que Calderón é seu melhor aliado?” No plano internacional, a “nova imagem” que a administração estadunidense pretende mostrar vai de encontro com a crise política do imperialismo. Obama teve que assumir sobre os seus ombros e sobre os de sua administração os planos de salvação dos bancos. Isso lhe foi imposto, e as somas devolvidas ao capital financeiro são muito mais expressivas que aquelas previstas pelo próprio Bush. Quatro bilhões de dólares – 1,7 bilhão diretamente do Tesouro dos EUA e 2,3 bilhões do banco Obama havia prometido que haveria emendas e ajustes no Nafta (Tratado de Livre-Comércio da América do Norte, entre EUA, México e Canadá). E os sindicatos – ainda que essa não seja nossa posição: sempre defendemos a revogação desses 66 Uma entrevista com Alan Benjamin central – foram entregues aos banqueiros. A rejeição a essa política foi expressa em 30 de setembro, quando os dirigentes republicanos e democratas foram ao Congresso pedir aos deputados que votassem a favor dos 700 milhões de dólares para o plano de salvação dos bancos e empresas, e esse pedido foi rejeitado. Seria necessária a unidade nacional e o empenho pessoal de Obama (em particular com os congressistas negros) para convencer de que, com o voto desse plano de salvamento, a situação haveria de melhorar, que os bancos seriam responsáveis, que usariam os créditos para revitalizar a economia, que colocariam esses créditos a serviço da economia produtiva. É necessário compreender que os setores mais importantes, tanto do Partido Democrata, como do Partido Republicano, tiveram que aceitar Obama. Ele não era o candidato de suas escolhas, porque havia um dado que não podiam controlar: um negro na Presidência criaria expectativas e ilusões que não podem tão facilmente serem controladas. Obama ainda fez uma campanha com relativa autonomia, mesmo em relação ao aparelho do Partido Democrata. Ele tinha uma base própria, uma pequena margem que podia utilizar. Desse modo, os maiores setores da classe dirigente não aceitaram a Presidência de Obama e fizeram tudo para miná-la. Peguemos o exemplo de Guantánamo, conhecido em todo o mundo como o símbolo do arbítrio absoluto. Por todo lado, crescia a exigência do fechamento da prisão de Guantánamo (1). Obama havia prometido que toda a verdade sobre as torturas praticadas sob o governo Bush seria apurada. De toda parte, aumentava a exigência por uma investigação sobre essas torturas. Mas as primeiras dificuldades não tardaram a aparecer quando a imprensa informou que bancos haviam utilizado os fundos do plano de salvamento para comprar jatos privados e que os banqueiros estavam enchendo os seus próprios bolsos com somas gigantescas dos recursos. 1 – Guantánamo – Base militar dos Estados em Cuba, existente há mais de cem anos, que abriga também uma prisão para estrangeiros acusados de terrorismo (NdT). 67 O movimento operário estadunidense... Os republicanos, assim como setores do Partido Democrata, fizeram apelo à cúpula da CIA para fazer com que Obama desistisse dessa questão. O estadomaior da CIA disse ao presidente que, se ele fizesse isso, não estaria fazendo nada mais do que ajudando a Al-Qaeda, que isso seria um ataque contra a CIA. O chefe do Exército dos EUA no Iraque, o general Petraus, fez pessoalmente uma visita à Casa Branca para persuadir o presidente a não publicar o dossiê que mostrava as torturas e as violações cometidas pelo Exército estadunidense. ma-nente feita por alguns setores do Partido Republicano afirmando que Obama é socialista, que seu governo estatizou a General Motors. A Verdade – Quais são as consequências da crise para o povo estadunidense? Alan Benjamin – Entre “os de baixo”, entre a população, a constatação é terrível: mais desempregados são contados às centenas de milhares mensalmente. Oficialmente, desde outubro de 2008, entre 500.000 e 650.000 empregos foram suprimidos a cada mês do mercado de trabalho. A realidade é bem pior, pois o Departamento de Trabalho modificou a maneira como os desempregados são contabilizados. Pode-se verificar no site da (central sindical) AFL-CIO: o número real de desempregados adicionais é, de fato, quase duas vezes superior (de 900.000 a um milhão por mês). O Senado, desse modo, votou – republicanos e democratas coesos – que não iria dar os créditos para começar a fechar a prisão em Guantánamo neste ano, ainda que houvesse aprovado seu fechamento há um ano. Assim, não há no momento recursos para fazê-lo. A deputada Nancy Pelosi, presidente do Congresso e integrante do Partido Democrata, sabia tudo sobre as torturas. Quando ela afirmou que não havia sido informada, Dick Cheney e os ex-integrantes do governo Bush lhe responderam: “Você foi informada sim, mas não quis ver.” Há uma campanha A partir de agora, após nove meses de desemprego, você não é mais incluído nas listas oficiais de desemprego. Da mesma forma, se você trabalha pelo menos 10 horas por semana, não é mais considerado um desempregado. per68 Uma entrevista com Alan Benjamin Imóveis continuam a ser tomados. A taxa de suicídio desde outubro é quatro vezes mais elevada que a de um ano antes. nos programas de entrevistas de rádios e da televisão. Numerosos trabalhadores telefonam para informar na rádio que perderam seus imóveis. Eles perguntam: “Onde está a mudança? Como isto é possível? Compreendemos que não se pode mudar tudo de uma vez, mas pensávamos que, ao menos, as mudanças começariam a acontecer. Não é isso que está acontecendo.” No Estado da Califórnia, o mais rico do país, há um déficit orçamentário de 23 milhões de dólares, e o governo iniciou, a partir de 15 de junho, uma campanha de cortes orçamentários de 3 bilhões de dólares, que tem como consequência o fechamento de hospitais, o fechamento de escolas, a supressão de programas de ajuda aos sem-teto, o fechamento de casernas do corpo de bombeiros, justamente às vésperas da época de seca e dos incêndios. Serão suprimidas algumas prisões na Califórnia, nas quais 150.000 trabalhadores imigrantes presos por terem praticado pequenos delitos e que serão expulsos, pois não há dinheiro para mantê-los cumprindo penas de três a seis meses de prisão. Será fechada a quase totalidade dos parques nacionais, assim como os parques estaduais serão privatizados. A Verdade – Na eleição de Obama, há um aspecto particular: as aspirações próprias dos negros por mudanças. O que você pode falar sobre isso? Alan Benjamin – A porcentagem de negros dos quais as casas são retiradas (2) atualmente é de três a quatro vezes mais alta do que a porcentagem de negros em relação ao conjunto da população. Hoje, 70% das casas apreendidas pertencem a negros e a latinos (60% a negros, 9% a 10% a latinos). Quatro a cinco milhões de despejos são esperados neste ano. É algo gigantesco. A angústia cresce dia após dia na população. Isso aparece nas cartas aos redatores de jornais, Haviam sido prometidos recursos para ajudar os sobre- 2 – Referência ao colapso do crédito imobiliário. Há milhares de despejos em curso, feitos pelos bancos, por atraso no pagamento dos empréstimos para compra de imóveis (NdT). 69 O movimento operário estadunidense... viventes do furacão Katrina. São 350 vítimas que não podem voltar a Nova Orleans. Os primeiros a perder os empregos são os negros, as mulheres, os latinos. A criminalidade aumenta. A população está desamparada. Oakland, a grande cidade negra ao lado de San Francisco, é uma cidade em guerra. Os jornais comparam a situação em Oakland à situação no Iraque. Há todos os dias gente morta à bala, pessoas assassinadas. Todos os dias, incidentes desse tipo se multiplicam em uma situação na qual os jovens não têm perspectivas de futuro. a Mumia Abul-Jamal, seu último apelo, requerendo o direito a um processo justo, foi rejeitado pela Suprema Corte dos Estados Unidos. De novo paira sobre Mumia a ameaça de execução. A última chance que resta é que Obama e seu ministro da Justiça intervenham diretamente – eles têm essa possibilidade constitucional. A propósito, acabaram de usar essa prerrogativa no caso de um senador republicano corrupto, em um processo no qual havia um vício de forma no procedimento, e essa intervenção permitiu que o senador fosse perdoado. No caso de Mumia, não há um simples “vício de forma”, há 18 violações flagrantes de seus direitos constitucionais ao longo do processo desde 1982 que foram colocadas em evidência há muito tempo. Em 4 de novembro de 2008, os trabalhadores, em particular os negros, tinham lágrimas nos olhos e exprimiam essa aspiração profunda de que tudo iria mudar, mas, atualmente, nos olhares, encontramos desespero. Ninguém quer a volta de Bush. Os militantes negros e do movimento democrático interpelaram Obama e seu ministro da Justiça sobre o caso de Mumia Abu-Jamal (jornalista e militante negro acusado de matar um policial e condenado à morte em 1982, em um processo manipulado por meio de um julgamento em que todos os jurados negros foram excluídos). Nos Estados Unidos, houve 18 execuções de penas de morte de janeiro até hoje. Desde que Obama chegou à Presiddência, em 20 de janeiro, todos fizeram apelos a ele, que se manteve impassível. No que diz respeito A Verdade – Obama havia prometido fazer a votação da “Lei de Liberdade de Escolha do Assalariado” (“Employee Free Choice 70 Uma entrevista com Alan Benjamin Act”), uma reforma modificando a legislação em vigor para garantir o restabelecimento da liberdade sindical. Você pode nos explicar como está esta questão? veste somas consideráveis, não chegam a 10% os casos em que se constitui um sindicato. Desse modo, a possibilidade de poder utilizar um sindicato como meio de defesa dos interesses dos trabalhadores existe no papel, mas não na prática.Várias emendas à Lei Federal de 1935 (“Wagner Act”) conduziram a essa situação. Além dos 90 dias, existe toda uma série de entraves ao direito à sindicalização. Logo, para os sindicatos, desde 2004, o combate para modificar a legislação sobre a sindicalização é uma questão central. Alan Benjamin – Obama teve direito a um apoio mais que habitual do movimento sindical, sobretudo na base do movimento sindical. Ele fez promessas que ecoaram, promessas referentes à reforma dos tratados de livre-comércio, e principalmente a reforma da legislação federal sobre a sindicalização, sobre o direito de se sindicalizar. Hoje, nos Estados Unidos, que se intitula o país mais democrático, não se tem o direito, na prática, de se organizar um sindicato: esse direito existe apenas no papel. Para constituir um sindicato, é necessário se submeter a um procedimento no qual a lista dos assalariados que decidem pela organização de uma seção sindical é fornecida às empresas. Estas dispõem de um período de 90 dias para fazer pressão para que os assalariados retirem suas assinaturas e, bem entendido, utilizam a chantagem da demissão para alcançar seus fins. Foi com a promessa de revisão desta lei e a promessa de acabar com as guerras no Iraque e no Afeganistão que os democratas ganharam a eleição para o Congresso em 2006. Em todos os lugares, Obama declarou: “Estarei com vocês, e nos 100 primeiros dias de meu mandado submeterei a proposta de lei e irei lutar com vocês para que a ‘Employee Free Choice Act’ seja adotada”. No dia da posse de Obama, no jornal “The New York Times”, uma página de publicidade foi publicada pela Câmara de Comércio e por todos os bancos, sob o título “Carta Aberta ao Nas campanhas de sindicalização nas quais a AFL-CIO in71 O movimento operário estadunidense... Presidente”. Essa carta afirmava que, na nova situação de crise, seria um suicídio político, um afundamento do país, uma lei que garantisse o direito à sindicalização. Desde 5 de novembro de 2008, uma campanha de lobbie de 400 milhões de dólares está lançada pelos capitalistas para ir a cada deputado para convencê-lo a votar contra a “Employee Free Choice Act”. milhares de sindicalizados à disposição para ir de porta em porta convencer os eleitores um a um. Em 16 de janeiro, Obama publicou um artigo no jornal “The Washington Post”, no qual explicava que estava se reunindo com os representantes da Câmara de Comércio, dos bancos e dos patrões. Explicou que compreendia sua angústia e que, talvez, devesse ser encontrada uma alternativa à “Employee Free Choice Act”, que permitisse modificar um pouco a lei existente. Por sua parte, a central sindical AFL-CIO organizou uma campanha de 200 milhões de dólares em favor da “Employee Free Choice Act”, valor considerável após uma eleição presidencial na qual os sindicatos gastaram muito dinheiro, pois foram os sindicatos que se mobilizaram para assegurar a vitória dos democratas, que, sozinhos, não poderiam se eleger, não poderiam ter feito um só vereador. Os sindicalistas deram não somente dinheiro, mas colocaram as centenas de A AFL-CIO não se pronunciou sobre essa declaração, nem sobre a declaração do principal conselheiro de Obama, Larry Summers, que assinou um artigo dizendo que o direito à sindicalização é um entrave à recuperação da economia. Nós fizemos uma campanha no quadro da Workers Emergency Recovery Campaign (Werc) (3) para chamar 3 – Workers Emergency Recovery Campaign (Campanha por um Plano de Emergência para Salvar os Trabalhadores) – Campanha nacional por iniciativa de mais de 500 militantes operários, sindicalistas, negros, latinos, do qual toma parte integrante militantes da seção estadunidense da 4ª Internacional (Socialist Organizer), ao redor de um de um programa de emergência que afirma: “Salvar os trabalhadores, não os bancos nem Wall Street”, e avança a exigência de que parem as demissões e os despejos, que haja a estatização dos bancos e da indústria automobilística etc. Esta campanha tomou a iniciativa, com cinco conselhos centrais da AFL-CIO da região de San Francisco, de realizar uma conferência que reuniu 320 militantes e dirigentes operários em 9 de maio de 2009. 72 Uma entrevista com Alan Benjamin o movimento sindical a se pronunciar, para dizer que ele não aceita essa reviravolta. O que se passou em seguida? Toda a imprensa explicou que, no Senado, não havia 60% de votos para resistir a um veto. Vários democratas indicaram que retiravam seu apoio à “Employee Free Choice Act”. O primeiro a dizer que o movimento sindical havia falhado nesse ponto foi Andi Stern, o dirigente de “Change to Win” (cisão da AFL-CIO). Stern disse: “Tentemos fazer o melhor possível com uma reforma da lei existente. Em vez de 90 dias de demora para que os empregadores possam intimidar e demitir, vamos reduzir para 60 dias”. é a de exigir de Obama que, se foi eleito pelo movimento sindical – notadamente, repitamos, em razão desse compromisso –, que faça adotar a “Employee Free Choice Act”? Obama não tem, evidentemente, nada a ver com Ronald Reagan, mas, em 1981, a AFL-CIO fez ir às ruas um milhão de trabalhadores contra o locaute dos controladores aéreos organizados por Reagan (esse que foi o primeiro grande golpe ao movimento sindical no período recente). É hoje um desafio similar para o futuro do movimento dos trabalhadores o de mobilizar para impor a “Employee Free Choise Act”. A Verdade - A Direção do sindicato dos trabalhadores da indústria automotiva (United Auto Works, UAW) assinou um acordo com as direções da Chrysler e da General Motors. O que se pode dizer do conteúdo desse acordo e de suas consequências para os trabalhadores das empresas em questão, e para os trabalhadores estadunidenses em geral? De nossa parte, não chamamos o voto em Obama, candidato do Partido Democrata, e não apoiamos os dirigentes do movimento dos trabalhadores que financiaram sua campanha. Mas os trabalhadores estão no direito de interpelar os dirigentes de suas organizações sindicais para lhes dizer: vocês apoiaram Obama, notadamente em razão de seu compromisso pra fazer passar a “Employee Free Choice Act”. Você podem aceitar que ele renuncie hoje a esse compromisso fundamental? A responsabilidade do movimento sindical não Alan Benjamin – O anúncio da falência iminente da Chrysler e da General Motors surgiu no 73 O movimento operário estadunidense... final de 2008. Eles fizeram vir o presidente da General Motors, o da Chrysler, assim como os sindicalistas de base, os presidentes de sindicatos e mesmo os antigos membros da executiva da AFL-CIO, organizaram um fórum para apresentar seu ponto de vista sobre aquilo que deveria ser um “plano de salvamento da indústria automobilística”. A Ford não aceitou. Para a General Motors e a Chrysler, dezenas de milhares de dólares foram desbloqueados, com a condição de que seria uma ajuda para reestruturar a indústria, e isso significava a destruição maciça dos empregos. pelos sindicatos, conduzindo a essas reduções salariais. Uma “força-tarefa” foi criada: tratase de uma comissão da indústria automobilística, presidida por alto executivo de Wall Street (4), Steve Rattner, que afirmou claramente: o que nos interessa não são os empregados, são os acionistas. Toda a linguagem do alegado plano de salvamento é a linguagem de Wall Street, que consiste em salvar os acionistas, liquidando os empregos. É necessário reestruturar, ir à falência, se necessário, porque, segundo o capítulo 11 da Lei de Falências, que sempre é usado como um meio de chantagem contra os sindicatos, após a falência, o capítulo da lei sobre os impostos permite eliminar os sindicatos e os fundos de pensão; pode-se eliminar tudo quando a empresa está em falência. Para fazer passar esses planos, houve uma propaganda sem precedentes, na qual se apresentava os trabalhadores da indústria automobilística como privilegiados: dizia-se que o salário médio diário de um trabalhador era de 64 dólares, o que é falso, já que é de 28 dólares hoje. 64 dólares era há onze anos, quando a General Motors e a Chrysler fabricavam ainda centenas de milhares de carros. Mas, com os cortes e as reestruturações, os salários diminuíram. Nove concessões sucessivas foram aceitas Desse modo, a chantagem do plano de salvação da indústria automobilística consiste em dizer: se os trabalhadores não fizerem concessões, a empresa irá à falência. E, desde dezembro, os sindicatos começaram a propor as concessões. Houve uma primeira reabertura de negociações dos 4 – Wall Street – Bolsa de Valores de Nova York, principal centro financeiro mundial (NdT). 74 Uma entrevista com Alan Benjamin contratos de trabalho na Chrysler e na General Motors, e os sindicatos aceitaram a redução de salários, aceitaram os aumentos dos prêmios de produtividade, a eliminação das regulamentações do trabalho na fábrica e a modificação do regime de pensões. rada”, a General Motors não se recuperará. Busca-se contratos com a Opel, mas, quanto à General Motors, acabou. Há 11 anos, havia 600 mil trabalhadores na General Motors Hoje, há 60 mil. Durante a consulta pelo voto, organizada pela direção da UAW em 29 de maio, 54 mil votaram a favor do acordo e 21 mil entre eles foram imediatamente demitidos. E fala-se em dezenas de milhares de demissões suplementares, pois há uma cláusula do acordo que permite continuar a demitir se a situação não melhorar. A direção sindical justificou esta cláusula pelo fato que não querer que a General Motors vá à falência. Ora, todo mundo sabia que, de qualquer maneira, assinando ou não o acordo, aconteceria a falência. Mas a proposição feita por Rattner não é a continuidade de uma política de chantagem que leve a concessões do sindicato, é alguma coisa nova. Ele disse: é possível que as empresas vão à falência, é possível que não, mas é preciso que vocês nos ajudem. É necessário que os sindicatos apóiem diretamente a reestruturação. Ao investir na empresa o dinheiro do fundo de saúde para as aposentadorias, vocês se tornarão co-proprietários, vocês vão utilizar esses fundos e vão, conosco, fazer parte da comissão de gestão. Dessa forma, a primeira tarefa será a de suprimir 221 mil empregos imediatamente e fechar 2.600 empresas subcontratadas. Hoje, 20 bilhões de dólares que a companhia deveria pagar aos fundos de aposentadoria e de saúde foram investidos em uma indústria que, em 1º de junho, entrou em falência. Mas, com todo conhecimento de causa, eles fizeram os trabalhadores e os sindicalistas votarem dizendo-lhes: “Vocês não têm escolha. Se votarem ‘não’, a General Motors vai à falência, e essa falência significa o fim do UAW. Vocês não terão seus fundos de pensão, vocês não terão seus empregos.” Sejamos claros: os trabalhadores que votaram pelo acordo não podem ser responsabilizados. E todo mundo concorda em dizer que, mesmo “reestrutu75 O movimento operário estadunidense... Mesmo com toda essa pressão, 11% dos assalariados da Chrysler e 26% da General Motors ainda votaram “não”. E mesmo entre os que foram obrigados a votar “sim”, numerosos são os que fizeram declarações na imprensa e que fizeram manifestações para denunciar a chantagem. conferência abriu a discussão sobre essas questões cruciais dentro do movimento dos trabalhadores. Nessa situação de chantagem, o fato de que 26% dos trabalhadores da General Motors e 11% dos trabalhadores da Chrysler votaram “não” ao acordo é extremamente importante (claro que, repito, os trabalhadores que votaram a favor do plano sob pressão de uma repugnante chantagem não podem ser considerados responsáveis). Eles disseram “não” pela defesa de seu sindicato, disseram “não” porque queriam salvar seus postos de trabalho, disseram “não” porque não aceitam o inaceitável. Eles não podem aceitar esta política de destruição levada pela direção do sindicato. Não foi para isso que constituíram seu sindicato. Numa carta, o presidente local de um sindicato UAW explica que o acordo assinado é um contrato escravista. Ele afirma: os trabalhadores tiveram de votar com um cano de revólver na nuca, um revólver sustentado pelo governo, pelos bancos e pelo grande capital, todos em coalizão e, infelizmente, com o apoio da direção do sindicato, que se afasta cada vez mais das tradições do movimento sindical. A direção do sindicato que aceitou, em nome da manutenção dos empregos, o fechamento de 17 fábricas, aceitou que os fundos constituídos há anos pelos trabalhadores para suas aposentadorias fossem utilizados para financiar a reestruturação e salvar os acionistas. Todos os trabalhadores se perguntam: como é que vamos fazer com as nossas despesas de saúde? Fica-se doente, perde-se a casa... Como será o futuro? Há uma angústia enorme. A direção da AFL-CIO nada diz sobre esta questão. Os dirigentes somente dizem que essa é a única possibilidade. De nossa parte, no quadro da campanha da Werc, da qual falamos no último número de “A Verdade”, organizamos uma conferência em 9 de maio último em San Francisco, na qual participaram 320 delegados, dirigentes sindicais em sua maioria. Foi um encontro co-organizado pela Werc e por cinco conselhos da AFL-CIO da região de San Francisco. Essa 76 Uma entrevista com Alan Benjamin Este companheiro diz: a situação é difícil, mas quando o sindicato foi construído, em 1930, a situação era difícil também. Foi preciso enfrentar a guarda nacional, as milícias patronais, organizar greves com ocupação, e, assim, o sindicato se impôs. E ele conclui: na situação atual, não podemos virar as costas às tradições do movimento sindical independente. É a única via que nos permitirá vencer. Não será fácil, mas é a única via. e de aplicação dos planos de destruição da força de trabalho. Eles têm razão. E dizendo não ao corporativismo, mostram a via da resistência, da manutenção das tradições profundamente enraizadas no movimento sindical estadunidense e na classe operária dos Estados Unidos. Não seria necessário colocar na ordem-do-dia uma campanha para exigir a retirada da assinatura da UAW deste acordo e combater para que o movimento sindical como tal se pronuncie, já que não só a UAW que é o alvo, mas são todos os sindicatos, todos os sindicalizados, todos os trabalhadores? Os capitalistas querem utilizar esta crise para questionar todos os contratos coletivos, para exigir que o acordo assinado pela UAW seja usado hoje como modelo a ser imposto em toda parte. E, em nome deste modelo, querem impor as “reestruturações” e os planos de destruição que não puderam organizar antes. Numa manifestação organizada em Lansing, no Estado de Michigan, em 1º de junho, os sindicalizados da UAW levantaram um cartaz: “Hoje é a vez dos trabalhadores automobilísticos, amanhã será a vez de quem?” O presidente do sindicato que organizou a manifestação declarou: não é função de um sindicato tornarse o patrão da empresa. Jamais, e sobretudo hoje, nas condições na qual a única via é a de impor os planos de demissões, os planos de salvação dos banqueiros. Eles não podem utilizar nossos fundos de saúde e de aposentadoria para salvar as empresas, pois só usarão os fundos para nos destruir. Os sindicatos devem continuar sindicatos, e não entrar na política de integração O jornal “The New York Times” publicou em 2 de maio um editorial no se aborda o colapso da Chrysler – uma vez que o voto na General Motors só aconteceu em 29 de maio, mas 77 O movimento operário estadunidense... coisas, mas “que está rodeado de maus conselheiros”, “que herdou uma situação terrível da qual tenta sair”, e que é preciso dar-lhe um pouco de tempo. Essas ilusões existem e não podemos ignorálas. Mas a própria existência da classe operária estadunidense, do movimento operário, exige hoje que os sindicatos ajam em total independência, e estamos engajados em apoiar qualquer passo nesse sentido. o voto na Chrysler foi em 30 de abril: “Talvez o sr. Obama tenha o seu momento de Nixon na China. Do mesmo modo que foi necessário um republicano conservador para abrir as relações do nosso país com o maior país comunista do mundo, será um democrata liberal que fará soar a hora do sindicato UAW”. O que o “The New York Times” exprime, em seu ponto de vista, Obama pode e deve fazer aquilo que os republicanos e Bush não fizeram, porque Obama foi eleito com o apoio dos sindicatos. É então a questão da independência do movimento sindical, do movimento operário como tal, do movimento negro em relação ao governo e ao Partido Democrata, que se coloca concretamente na luta pela defesa dos trabalhadores, no combate para preservar os empregos, para dizer não a este pacto, para retirar a assinatura dele. É nesta situação que um dirigente sindical, Andy Stern, que organizou alguns anos atrás uma cisão na AFL-CIO, constituindo o agrupamento sindical chamado “Change to Win” (Mudar para Vencer), ocupa um lugar importante. Num primeiro momento, na época, como principal dirigente do sindicato SEIU, de funcionários do setor público, tinha criticado o fato de que a AFL-CIO não dava prioridade a uma campanha de sindicalização maciça. Mas, pouco a pouco, afirmou que a AFL-CIO era exageradamente “luta de classes”, que era preciso sair da sua atitude exagerada no confronto com os patrões. Hoje, Stern está na ponta de uma ofensiva nesse tema: é preciso ajudar os patrões, porque se os ajudarmos, eles vão nos ajudar. Repito: de nossa parte, não chamamos o voto em Obama, nem apoiamos aqueles que, no movimento sindical, apoiaram e financiaram sua candidatura. E existe ainda hoje nos Estados Unidos, nas organizações operárias, no movimento negro, na população em geral, ilusões, a esperança de que Obama queira fazer boas 78 Uma entrevista com Alan Benjamin A Verdade - Depois do último número de “A Verdade” a respeito desta questão, quais são os novos acontecimentos? da AFL-CIO no fim de setembro, no qual John Sweeney, seu atual presidente, não se reapresenta. Existe uma enorme pressão do governo Obama para impulsionar a reconstituir uma AFL-CIO que reintegre “Change to Win”, no mesmo momento em que Stern declara que quer ser o único reconhecido. Esta é a situação atual do movimento operário estadunidense. Uma situação muito perigosa, e que não pode encontrar uma saída senão pela independência absoluta do movimento operário, independência face às demissões, independência em relação a todos os acordos do tipo do da General Motors que os patrões querem impor, independência em relação ao governo, para exigir que Obama mantenha seu compromisso de encaminhar a aprovação do “Employee Free Choice Act”. Alan Benjamin - Agora, Stern começou uma caça às bruxas generalizada contra aqueles que resistem, contra os que continuam numa posição de independência de classe no seio de seu antigo sindicato, SEIU. No cenário de demissões maciças que acontecem nos hospitais, por exemplo, Stern afirma – contra os militantes e dirigentes do SEIU que combatem as demissões –, que está disposto a assinar um “bom acordo” de acompanhamento das demissões. Ele organiza verdadeiras expedições punitivas contra os outros sindicatos de sua própria federação, “Change to Win”, indo até o ponto de organizar uma cisão no segundo sindicato desta federação, o sindicato da hotelaria. Esse sindicato, que nasceu da fusão do sindicato têxtil e do sindicato dos hotéis e restaurantes, é muito comba-tivo, muito militante. Stern organizou a cisão do sindicato. A Verdade – Quais foram as consequências da campanha da Werc, depois da Conferência de 9 de maio em San Francisco? Alan Benjamin - Como já disse, essa conferência foi um grande sucesso. Tivemos 320 participantes. O comitê sobre a crise econômica do conselho central da AFL-CIO de San Fran- É nestas condições que se prepara o Congresso Nacional 79 O movimento operário estadunidense... cisco adotou um texto que diz: Este texto foi submetido pelo Conselho de Trabalho à Conferência. “Nenhuma demissão. Se o governo pode dispor de bilhões de dólares de dinheiro público para ajudar os banqueiros, então pode dispor também para impedir as demissões e devolver todos os trabalhadores demitidos para seus postos de trabalho. O movimento operário estadunidense deve dizer: ‘Nenhuma demissão na indústria automobilística!’ A única possibilidade real para a economia é a de manter todos os empregos e de reinvestir na indústria. Esta fórmula se aplica perfeitamente à indústria automobilística – como se aplica a todos os setores da economia, incluindo o setor público. O go-verno Obama deve estatizar os Big Three (“Três Grandes”, expressão usada para as três maiores empresas automobilísticas: General Motors, Ford e Chrysler – NdE) (...), proibir qualquer nova demissão, reinvestir na indústria automobilística, reconstituir a força de trabalho e devolver imediatamente todos os demitidos a seus postos de trabalho, dentro das regras do contrato coletivo assinado pelo sindicato. É a única via para a defesa do sindicato UAW e do próprio movimento sindical.” Um segundo texto foi apresentado ao encontro, exigindo o confisco de todos os fundos colocados nos planos de salvamento das empresas e a estatização dos bancos. Ele diz claramente: “Este dinheiro (os bilhões dados aos bancos – NdE) é nosso dinheiro, dos nossos impostos, e deve servir para criar empregos a fim de realmente relançar a economia. O governo pode e deve retomar as somas do plano de salvamento. Ele pode usar os bancos como instrumento de uma política pública de progresso social, para parar todas as demissões e garantir um emprego a todos e uma renda que permita viver, suspender os despejos, reconstituir nossa infra-estrutura em ruínas, reconstruir Nova Orleans, restabelecer e abastecer os serviços públicos (incluindo a saúde e a educação) e mais. Mas só existe um caminho para cumprir esses objetivos: o governo deve estatizar os bancos (...). Isso não tem nada a ver, como alguns querem fazer crer, com a estatização das ‘dívidas tóxicas’, ou dos ativos podres de bancos, 80 Uma entrevista com Alan Benjamin com a única finalidade de devolver os bancos aos mesmos patrões quando voltarem a ser rentáveis. Isso não tem nada a ver com estatização, é a estatização dos prejuízos.” porque sabiam que eles iriam falar diante das câmeras sobre a exigência de um sistema de saúde fundado sobre o salário diferido. Marc Dudzi, antigo presidente do Sindicato dos Químicos, foi simplesmente expulso pelos militares das audiências... Mas, a cada dia, nos quatro cantos do país, existem manifestações e reuniões para exigir uma Previdência Social. A conferência chamou à mobilização do movimento operário em todos os níveis para impor ao governo a assinatura do “Employee Free Choice Agreement”. E, igualmente, para exigir a constituição de um sistema de saúde fundado no salário diferido (o “single payer”, pagamento único), do qual Obama não quer ouvir falar. Se hoje existe um movimento profundo na classe trabalhadora estadunidense, é claramente sobre a questão da saúde. Num país no qual 45 milhões de pessoas não possuem nenhuma cobertura contra doenças, quando se perde o emprego, perde-se também o direito à saúde. A campanha da Werc possui um comitê nacional de 16 pessoas, e este comitê está discutindo a proposição de constituir comitês em todas as cidades, na perspectiva de uma Conferência Nacional de Comitês antes do fim do ano, estruturado sob um plano de trabalho, no qual a exigência principal será a questão da retirada da assinatura do acordo da General Motors. Uma campanha para mobilizar em todos os níveis no movimento operário – delegações, tomadas de posições, mas também ações de massa na rua – para exigir de Obama que respeite sua promessa de aplicação do “Employee Free Choice Act”. É preciso notar que esta conferência possui um eco enorme em vários setores do movimento operário. A coalizão “US Labor Against the War” (Movimento A questão de ter uma Previdência Social baseada no salário diferido é uma questão de vida ou morte. Sobre este assunto, existe uma mobilização profunda. Quando alguns dirigentes sindicais que animam esta campanha foram a Washington, durante as audiências públicas do presidente, sua presença foi impedida, 81 O movimento operário estadunidense... mas medidas executadas sob seu comando depois que assumiu a Casa Branca: Operário Contra a Guerra), que agrupa sindicatos representando a metade dos trabalhadores sindicalizados dos Estados Unidos, publicou o resultado no seu site, assim como dirigentes da AFL-CIO em vários estados. • escalada na guerra do Afeganistão, ordenando o envio de 21 mil soldados suplementares que lá estão desde então; A Verdade - Nós assistimos nesse momento uma escalada perigosa da guerra na Ásia Central (Paquistão, Afeganistão, ameaças contra o Irã etc.). Dentre as promessas feitas por Obama, e que pesaram para a sua eleição, falou-se muito sobre a questão da guerra. Quais eram essas promessas? • anúncio que a retirada total das tropas estadunidenses do Iraque será prorrogada até o fim de 2011 (...); • pedido ao Congresso que autorizasse um gasto suplementar de 83 bilhões de dólares para financiar a guerra no Iraque e no Afeganistão, e isso depois de ter prometido várias vezes durante sua campanha que não faria esses pedidos suplementares ao Congresso; Alan Benjamin - Gostaria de citar o que escreveu a esse respeito um velho militante operário anti-guerra bem conhecido, Jerry Gordon, no número de abril de 2009 do boletim Unity & Independance (Unidade e Independência), uma tribuna livre para a defesa da independência de classe do movimento operário do qual nós participamos. Jerry Gordon lembra que • intensificação do bombardeio por aviões não-tripulados no Paquistão, resultando na morte de vários civis; • publicação de um plano de reforço das Forças Armadas de 100 mil homens (...); • diretrizes aos procuradores gerais para privar presos de ‘habeas corpus’, exatamente como Bush fazia; “Obama fez sua campanha apresentando-se como um candidato anti-guerra, amigo do movimento operário e defensor dos direitos civis. Mas eis algu- • diretrizes aos procuradores gerais para se oporem 82 Uma entrevista com Alan Benjamin às perseguições judiciais contra as empresas e os indivíduos que violaram as leis de escutas telefônicas ilegais, exatamente como Bush fazia; nistão, e que pare todo o financiamento às intervenções militares dos Estados Unidos. A Verdade – Como se coloca hoje a questão do combate pela ruptura do movimento sindical com o Partido Democrata, quer dizer, o combate por um Labor Party (Partido dos Trabalhadores) apoiado nos sindicatos, integrando um partido negro? • promessa de não considerar como responsável por crimes aqueles que são culpados de terem cometidos atos de violência e de tortura contra presos, invocando de fato o modo de defesa rejeitado e desacreditado nos processos do Tribunal de Nuremberg: ‘Nós obedecemos ordens’; Alan Benjamin – Como vocês acabaram de ver, a questão de ruptura com o Partido Democrata está mais do que nunca colocada, e, de nossa parte, nós a colocamos durante a campanha eleitoral. Mais do que nunca, vemos aonde leva essa subordinação. Dizemos hoje que preparar o terreno para avançar em direção ao Labor Party é justamente levar esta campanha independente. Hoje, a questão central colocada é a defesa da independência dos sindicatos, é a defesa do movimento operário a partir de suas próprias reivindicações, contra todos os planos que visem a nos fazer aceitar os compromissos e a linguagem do sistema dos dois partidos (Republicano e Democrata, os dois partidos da burguesia). • Indiferença em relação à legislação digna dos talibans que o presidente afegão Hamid Karzai promulgou, negando às mulheres os direitos mais elementares. Obama declarou que, mesmo em desacordo com essa legislação, sua prioridade era a de combater a Al-Qaeda.” Jerry Gordon insiste, com razão, sobre a grande importância da Assembléia Nacional contra a Guerra, em 10 e 11 de julho, em Pittsburg, no qual um dos oradores principais será um dirigente do “US Labor Against the War”, com a participação de centenas de militantes sindicais, de grupos anti-guerra etc., para exigir a retirada imediata das tropas do Iraque e do Afega 83 O movimento operário estadunidense... Claro, nós não colocamos pré-condições para os combates a que eu me referi. Mas não é um acaso que esta questão do Labor Party venha à ordem-do-dia em certos setores do movimento operário. Por exemplo, em Los Angeles, o Sindicato dos Professores acaba de reconstituir o comitê por um Labor Party. O sindicato decidiu liberar os fundos para constituí-lo e convidou para isso o presidente nacional do Labor Party, que continua existindo. os democratas e republicanos “são a mesma coisa”, que uns e outros aceitam que os imigrantes possam supostamente “vir e roubar nossos empregos”, e aceitam reconhecer um “Estado palestino” contra Israel etc. Existe, então, na direita, pessoas que procuram ocupar o terreno da rejeição dos “dois partidos” sob uma base racista e reacionária. É então nossa responsabilidade, dentro do movimento dos trabalhadores, abrir o debate por uma resposta política no terreno da classe operária. Além disso, à margem da Conferência de 9 de maio, em San Francisco (pois, como eu disse, não apresentamos précondições), uma discussão aconteceu para debater as questões do Labor Party, a qual vários representantes sindicais participaram, pois esta questão está colocada pela situação. Alguns demagogos de direita começam a utilizar o fato de que Este debate que reaparece na ordem-do-dia sobre o Labor Party coloca-se de modo comparável em relação à ação política negra independente. Militantes negros, que são parte integrante da campanha da Werc, reativaram depois da metade de abril o Comitê Nacional do Partido da Reconstrução. 84 Qual “paz” no Sri Lanka? por François Forgue Quando o exército do governo do Sri Lanka cercou o último reduto mantido pelos Tigres de Libertação do Tamil Eclam (LTTE), no nordeste da ilha, as mais vivas inquietações se manifestaram quanto à sorte da população civil da região, uma vez que entre 250 mil e 300 mil pessoas já haviam abandonado seus lares para fugir dos combates. radamente minimizado a amplitude do massacre. Dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças, refugiados, foram colocadas em campos. Esses campos, aliás, não podem ser definidos como “campos de refugiados”, mas algo mais próximo de campos de concentração, uma vez que os homens são estritamente separados do restante da família; somente o exército controla esses campos e nenhum representante de organismos independentes ou humanitários têm acesso a eles. As piores previsões foram superadas. Hoje está claro que além da liquidação militar dos separatistas do LTTE, foram mortos de quinze a vinte mil civis. O exército do Sri Lanka usou armamento pesado numa superfície cada vez mais exígua. A derrota militar da última região controlada pelo LTTE – que se dizia invencível – foi efetuada em alguns meses pelo exército do Sri Lanka, o mesmo exército que falhou durante anos. Qualquer que seja a opi- Posteriormente, os representantes da ONU no Sri Lanka foram acusados de ter delibe85 Qual “paz” no Sri Lanka? nião que se tenha sobre o LTTE – para nós, ela não é nem uma organização revolucionária nem democrática, que não exprime verdadeiramente os interesses da população tâmil -, sua destruição militar foi acompanhada por um verdadeiro massacre da população civil tâmil. É somente por serem tâmeis, por falarem tâmil, por virem de vilas tâmeis, que milhares de pessoas inocentes foram mortas, que hoje dezenas de milhares que perderam tudo são privadas de liberdade. Se não existia antes uma “questão tâmil”, ela existirá a partir de agora. gando até a organizar negociações entre ele e o governo do Sri Lanka, com o objetivo de dividir a ilha, decidiu agora deixar de lado o LTTE e reforçar diretamente sua pressão contra o governo. Sua aparente preocupação sobre o destino das populações civis, suas reservas sobre os métodos empregados, não possuem outro significado senão o de constituir um meio suplementar de pressão contra o governo do Sri Lanka, que não poderia levar a fundo sua ofensiva militar sem o “sinal verde” de Washington. O que surpreende, não é tanto o cinismo do imperialismo, ao qual nós já estamos acostumados, mas sim o silêncio do movimento operário do Sri Lanka a respeito do que se passa. Logo após a vitória militar do governo do Sri Lanka, o governo dos Estados Unidos não festejou o resultado. Ao contrário, a secretária de Estado Hillary Clinton tornou público sua “preocupação” com a indiferença dos dois campos com a população civil. Comentário hipócrita da parte de quem possui como tarefa dar cobertura diplomática às várias ações inomináveis cometidas contra a população civil no Iraque, Afeganistão e no Paquistão pelo exército estadunidense. O movimento operário do Sri Lanka foi constituído unindo nas mesmas organizações sindicais e políticas os trabalhadores cingalêses e os tâmeis. No período em que o Sri Lanka adquiriu sua independência, assim como nos anos que se seguiram, uma organização que tinha suas raízes na luta contra o domínio imperialista britânico e na constituição das primeiras organizações O governo estadunidense, que por muito tempo usou o movimento separatista, che86 François Forgue operárias, o LSSP, organização que em seguida situou-se no terreno da 4ª Internacional, ocupava uma posição central no movimento operário. da Índia e praticam majoritariamente a religião hinduísta. Os cingalêses são originalmente do norte da Índia e sua religião majoritária é o budismo. Um dos eixos principais de seu combate era a unidade entre os trabalhadores tâmeis e os trabalhadores cingalêses com base na igualdade de direitos. A tragédia atual não pode ser compreendida sem levar em conta o colapso político do LSSP, diretamente ligado à crise desagregadorada 4ª Internacional, em 1950 – 1953 (1). Essa separação geográfica da população foi mantida até os dias de hoje: as regiões do norte e do nordeste são majoritariamente tâmeis, as do sul e do oeste são cingalêsas. Mas o desenvolvimento econômico, sob o colonialismo e depois da independência, acabou por misturar a população: a indústria, em Colombo, no sul do país, emprega uma grande quantidade de tâmeis e existem muitos cingalêses no norte. É por essa razão que o “enfrentamento étnico”, intensificado nos últimos anos, conduziu a pogroms [massacres] anti-tâmeis em Colombo e a expulsões maciças por parte do governo. Às origens da questão tâmil A história do Sri Lanka sempre esteve ligada à história da Índia, da qual ela forma, geograficamente, a ponta meridional. O povoamento da ilha do Sri Lanka ocorreu a partir de populações vindas da Índia. As duas principais “etnias” da ilha, os tâmeis e os cingalêses, são componentes da população da Índia continental. Os tâmeis vêm majoritariamente do sul Contrariamente ao que ocorreu em outros casos, a história da formação do Sri Lanka não foi a de um enfrentamento constante entre essas duas 1- Esse artigo se apoia largamente nos materiais reunidos pelo camarada Bernard Trinquet, e, para o que se trata do LSSP e de suas relações com a Internacional, em dois artigos do camarada Jean-Marc Schiappa publicados na revista A Verdade nºs 27 e 28, de abril/maio e novembro de 2001 (edição em português). 87 Qual “paz” no Sri Lanka? componentes, cujas relações serão, até a colonização, essencialmente pacíficas (2). de-obra mal paga e sem direitos. Esses problemas encontrarão uma expressão acentuada durante a constituição do Estado do Sri Lanka independente. Mais uma vez, a adoção da constituição de 1948 está ligada aos desenvolvimentos políticos na própria Índia, mas as formas pelas quais o imperialismo britânico cede a independência visavam a aumentar ainda mais a separação entre o Sri Lanka e a Índia. Aliás, na época, o LSSP denunciava essa independência consentida como uma tentativa de constituir um “Ulster indiano” (3). Na própria constituição do Sri Lanka se insere a questão tâmil. Para começar, a nacionalidade do Sri Lanka é recusada aos tâmeis indianos. Ademais, na medida em que vai se constituindo o novo Estado, os tâmeis são colocados numa situação de inferioridade ora pela questão da língua, ora, mais tarde, pela religião. De fato, depois de um período no qual o inglês (falado por menos de 10% da população) era administrativamente designado como a língua oficial, A colonização do Sri Lanka pela Grã-Bretanha está ligada à penetração colonial em toda a Índia, mas ela toma uma forma diferente. Desde o começo do século XIX, o Sri Lanka foi colocado sob dominação direta da coroa britânica e não era uma dependência da Campanhia das Índias, que administrava as possessões britânicas na Índia. É sob a dominação britânica que se cristaliza a oposição entre a minoria tâmil e a maioria cingalesa. Os colonizadores utilizam a arma da divisão e jogam uns contra os outros. Por vezes consentiam um lugar privilegiado aos tâmeis na administração. Por outras, apagavam com o poder da caneta toda garantia à minoria tâmil, como no estatuto de 1931. Soma-se a isso que o desenvolvimento das plantações de chá vai atrair uma imigração considerável de tâmeis indianos, que compõem uma mão- 2 - Ver Sri Lanka, por Eric Meyer (A Documentação francesa - “La Documentation française”). 3 - Alusão ao Ulster (Irlanda do Norte), separado do resto do país, em 1921, e tornando-se possessão britânica. 88 François Forgue o cingalês foi em seguida proclamado como a única língua oficial. Mais tarde, em 1972, o budismo foi instituído como “religião do Estado”. Sama Samaja Party (LSSP) (4). De imediato, esse partido antiimperialista busca se construir no seio da classe operária. Seus militantes – eles serão aproximadamente 3000 em 1940 – participam da criação de sindicatos operários e estão à frente de inúmeras greves. Em março de 1936, eles elegem dois membros da Assembléia consultiva criada pelo imperialismo britânico. A partir desse desenvolvimento e de suas experiências, os dirigentes do LSSP se voltam para o marxismo. Participam dos debates sobre a “revolução por etapas”, sobre a “Frente Popular”, etc., e alguns dentre eles tendem a se aproximar das posições de Leon Trotsky e do movimento pela 4ª Internacional (5). A constituição e o desenvolvimento do LSSP O desenvolvimento do Sri Lanka sob dominação colonial tem como resultado um desenvolvimento de grandes “plantations” (o Sri Lanka é, ainda hoje, o terceiro exportador de chá do mundo). 85% do proletariado rural que estava empregado nessas plantações era de origem tâmil indiana. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento das infra-estruturas necessárias aos colonizadores, como as diversas indústrias exportadoras (em particular a borracha) resultaram na constituição de um proletariado industrial integrado, nas mesmas proporções, por tâmeis e cingalêses. Um historiador do movimento operário no Sri Lanka, Charles Wesley Ervin, observa que “um dos pontos fortes do primeiro período do LSSP era sua orientação em direção aos tâmeis, o coração do proletariado do Sri-Lanka”. Em 1935, jovens intelectuais do Sri Lanka, muitos formados em Londres, criam o Lanka Sobre esse assunto um militante do LSSP explica: “Numa 4 - Sama Samaja significa ao mesmo tempo igualdade e socialismo. 5 - Sobre a formação e desenvolvimento do LSSP, ver “Le trotskysme au Sri Lanka” (O trotskismo no Sri Lanka), por Jean-Marc Schiappa, em “A Verdade” nº 27, abril/maio de 2001. 89 Qual “paz” no Sri Lanka? sociedade na qual as relações de trabalho assalariado co-existem com restos do feudalismo, onde existiam classes, castas, divisões comunitárias e religiosas e onde as classes sociais eram ao mesmo tempo estrangeiras e locais, as palavras de ordem importantes eram a liberdade, igualdade e a reforma social.” se tornou um Estado independente, o LSSP se erguerá como a principal organização política operária da ilha, desenvolvendo-se em todos os terrenos e obtendo uma vasta representação parlamentar. O LSSP era, então, seção da 4ª Internacional, o que não significava que era uma organização homogênea. Mas sua direção, nessa época, se colocava claramente sob o terreno da igualdade de direitos, recusando toda discriminação, combatendo pela legalização dos tâmeis indianos e pela unidade da classe operária com base em suas reivindicações, única força a garantir a constituição democrática da nação do Sri Lanka unificando suas diferentes componentes. Em 1940, o LSSP, numa conferência nacional, expressa sua desconfiança em relação à 3ª Internacional stalinista. Quando se desencadeia a segunda guerra mundial, os dois deputados do LSSP votam contra os créditos de guerra. Mas é somente em abril de 1941 que uma conferência realizada na clandestinidade afirmará a “solidariedade do LSSP com a 4ª Internacional”. Os desenvolvimentos no Sri Lanka confirmam mais uma vez o que explicou Léon Trotsky quando escrevia que “nem uma única etapa da revolução ‘burguesa’ pode ser resolvida num país atrasado sob a direção da burguesia nacional”. A burguesia cingalêsa, submissa ao imperialismo, para estabelecer sua própria dominação política estabelecia uma opressão particular em relação à minoria tâmil (os elementos da pequena burguesia tâmil, por sua parte, somente Sob as condições da guerra, depois que o LSSP foi colocado na ilegalidade, com vários de seus dirigentes presos e outros forçados a se exilar na Índia, o vínculo com a política da 4ª Internacional será afirmado claramente, com a participação de alguns quadros vindos do Sri Lanka na construção de uma organização trotskista na Índia. Depois da 2ª Guerra Mundial e depois que o Sri Lanka 90 François Forgue formulavam suas reivindicações em termos “comunitários”, depois, mais tarde, em termos separatistas). Somente uma organização situada no terreno da luta de classes operária poderia, como o declara em 1955 o LSSP, “se opor ao comunitarismo, seja ele majoritário ou minoritário”, e exigir que seja dada “à língua tamil paridade como língua oficial junto com o cingalês”. da classe operária, o LSSP será igualmente levado à renunciar o combate pela democracia, pela igualdade de direitos. Esse desmoronamento político do LSSP terá enormes consequências não somente no Sri Lanka – abordaremos mais adiante -, mas também para as organizações que se reclamam do trotskismo na Índia e, mais do que isso, para toda a Ásia. O partido político da burguesia cingalêsa durante a independência, o United National Party (UNP – Partido da Unidade Nacional), se divide, dele surgindo o Sri Lanka Freedom Party (SLFP – Partido Liberdade de Sri Lanka), partido que se apresenta como anti-imperialista e, ao mesmo tempo, acentua a defesa do lugar privilegiado da maioria cingalêsa, negando os direitos da minoria. É esse partido que vai exigir o reconhecimento da língua cingalêsa como a única língua oficial e, mais tarde, um status privilegiado ao budismo. É a política desse partido que o LSSP combate. Mas em 1964, no fim de um processo de degeneração rápida e profunda, o LSSP formará um governo de coalizão com esse partido. Capitulando, assim, em relação à independência política Esse desmoronamento procede de certos fatores internos próprios do LSSP mas é inexplicável fora da crise da 4ª Internacional e do papel desenvolvido pelo centro liquidador de Pablo e de Mandel. Nos limites deste artigo, não é possível retomar o conjunto do processo político que resulta na capitulação do LSSP. Nós daremos somente alguns elementos nos apoiando notadamente no artigo “O trotskismo no Sri Lanka” ao qual nos referimos mais acima. O LSSP, desde sua formação, foi um partido que continha em seu seio grandes contradições. Ele constituía, sobretudo nos seus primeiros anos, um agrupamento lutando contra a dominação colonial e se apoiando sobre as lutas da classe operária e dos campone91 Qual “paz” no Sri Lanka? As consequências da crise da 4ª Internacional ses, sem, no entanto, definir uma política clara correspondente aos seus objetivos. No seio do LSSP, se desenvolveu uma fração – de fato, um certo número de dirigentes – se reclamando mais precisamente das posições do Leon Trotsky. Nas condições do início da Segunda Guerra mundial, esses dirigentes puderam mobilizar os militantes do partido contra o stalinismo, rompendo com ele, sem que isso tenha significado uma homogenização interna do partido. Naquele momento, a 4ª Internacional sustentava aqueles que se opunham à constituição do Estado do Sri Lanka, mas sem fazer disso uma questão de princípio e, em janeiro de 1948, numa declaração, ela ressaltava, antes de tudo, “a vitória eleitoral dos trotskistas no Sri Lanka”, colocando, assim, no mesmo plano, aqueles que se opunham à falsa independência e aqueles que se abstiveram. Os elementos mais avançados do LSSP, banidos da ilha pelas autoridades coloniais e enviados à Índia, tiveram um papel central na constituição da seção indiana da 4ª Internacional e nas posições tomadas durante a revolta de agosto de 1942 contra o imperialismo britânico. Mais grave ainda, essa mesma declaração tira do sucesso eleitoral daqueles que se reclamam trotskistas a conclusão de que “é possível, ao menos nos países coloniais, contornar o obstáculo do stalinismo e da social-democracia traidores”. No fim da guerra, quando esses dirigentes voltam ao Sri Lanka, as contradições no seio do LSSP emergem. O partido chegou a sofrer uma cisão (entre 1944 e 1950) que fez com que o grupo parlamentar eleito sob a bandeira do LSSP tenha se dividido no momento do voto sobre a independência outorgada: os deputados da seção da 4ª Internacional votaram contra o governo estabelecido e os dissidentes se abstiveram. Em 1951, o Terceiro Congresso mundial da 4ª Internacional é aquele da ofensiva liquidadora conduzida por Pablo que resultou numa crise desagregadora. Em relação ao Sri Lanka, o informe de Michel Pablo afirma: “Nossa organização está discutindo com o PC desse país para fechar uma frente única com vistas nas próximas eleições 92 François Forgue (…) abrindo uma via a um governo de partidos operários.” situação na qual, como afirma a direção do LSSP, “em regiões inteiras, o conflito chegou a um nível de rebelião”. A frente única é então vista sob o ângulo unicamente eleitoral e o PC é definido como um “partido operário”, sem outra precisão, e então colocado no mesmo plano que o LSSP. Alguns meses mais tarde, a direção internacional de Pablo dizia ao LSSP: Mas, ainda uma vez, não podemos separar o que se passa no Sri Lanka da crise da 4ª Internacional. A direção do LSSP, com oscilações e reservas, tinha aceitado as decisões do Terceiro Congresso. Mas Pablo dá seu apoio aos elementos mais pro-stalinistas do LSSP, impulsionando assim sua liquidação, como ele tentou fazer com o SWP nos Estados Unidos. “O poder está na mão de vocês, não daqui a dez anos, mas imediatamente, em alguns anos, senão neste ano mesmo”, por meio da constituição de uma “maioria parlamentar”. Quando, em 1953, se constitui o Comitê Internacional da 4ª Internacional, a direção do LSSP se recusa a se associar a esse agrupamento, que se organiza com base na defesa do programa da 4ª Internacional e rejeitando o pablismo. Ela denuncia a “Carta aberta aos trotskistas do mundo inteiro”, do SWP, que chama à luta contra o revisionismo liquidador de Pablo e Mandel como sendo um ato divisionista. Essa orientação ficará mais precisa com a cisão do partido burguês no poder, UNP, que dá nascimento ao Sri Lanka Freedom Party (SLFP): a maioria parlamentar sonhada pelo Secretariado Internacional (SI) de Pablo se torna uma maioria SLFP-PC stalinista e LSSP. Apesar das previsões otimistas de Pablo é o UNP que ganha as eleições. Face à sua política, os trabalhadores reagem, com uma greve geral, no dia 12 de julho de 1953, contra o aumento vertiginoso do preço do arroz. O LSSP tem um papel fundamental nesse combate, numa Essa atitude vai ser decisiva para a evolução do LSSP no período seguinte. Com o apoio do SI de Pablo, depois das eleições de 1956 que levaram o Sri Lanka 93 Qual “paz” no Sri Lanka? Freedom Party ao poder, o LSSP assume uma política de “cooperação responsável” com o governo. E é justamente esse governo que vai atiçar a oposição entre a maioria cingalêsa e a minoria tâmil proclamando o cingalês como única língua oficial na ilha, em contradição com toda política anterior do LSSP. consequentemente, de promover soluções democráticas aos problemas existentes no Sri Lanka. O significado dessa liquidação se exprimiu no fato de que, em 1971, toda uma fração da juventude, levada ao limite pelos resultados catastróficos do governo do LSFP, constitui uma organização, o Janata Vimukthi Peramuna (JVP) – Frente de Libertação do Povo -, que se inspira largamente na luta revolucionária cubana e se engaja na via da insurreição; nessa época, o LSSP sofria uma repressão selvagem por parte do governo. A via está então aberta à desconstrução política do LSSP que vai ocorrer em 1964. Após as negociações com o governo do SLFP dirigidas pela senhora Bandaranaïke, os dirigentes do LSSP entram num governo burguês. É então – e só então – que a direção Pablo-Mandel, esquecendo tudo o que ela mesma fez para levar o LSSP nesse caminho, condena tal política. O desmoronamento do LSSP, indissociável da crise da 4ª Internacional, tendo em conta a influência desse partido e de seu prestígio em toda a Ásia, teve conseqüências profundas sobre todo o movimento operário do continente. As mais graves conseqüências também se verificaram no desenvolvimento político do próprio Sri Lanka. Deixou de existir um partido que exprimisse a independências da classe trabalhadora e capaz, Igualmente grave é o fato de que em nome da colaboração governamental, o LSSP aceita a discriminação contra os tâmeis. Os acontecimento trágicos destes últimos meses, o impasse que eles demonstram são inexplicáveis se não é levada em conta essa falência política, produto da crise da 4ª Internacional. Um conflito ritmado pela intervenção estadunidense A situação atual é resultado claro da intervenção cada vez mais direta do imperialismo es94 François Forgue tadunidense, utilizando e manipulando os problemas reais – como o problema tâmil – para assegurar sua hegemonia. novo ambiente constitucional que poderá servir de exemplo para outros conflitos no sul da Ásia. Um discurso do embaixador dos Estados Unidos no Sri Lanka resume a visão e as perspectivas do imperialismo estadunidense em relação ao país: O Sri Lanka poderá rapidamente se tornar um país no qual os rendimentos se situarão num patamar médio, ele poderá se tornar o Cingapura do sul da Ásia. “Nós começamos a reexaminar nossas relações com o Sri Lanka agora que a política desse país se afastou das posições do movimento dos países não-alinhados e renunciou a todas as experiências de caráter socialista, reabrindo sua economia. Então, nossas relações bilaterais melhoraram. Existem no Sri Lanka imensas oportunidade para o comércio estadunidense e para os investimentos estadunidenses em tecnologias da informação, indústria leve, agro-indústria, turismo, joalheria e no desenvolvimento de infraestruturas como os portos, os aeroportos, as telecomunicações e a energia. Os Estados Unidos tinha uma certa simpatia pelos tâmeis porque eles eram claramente vítimas de uma discriminação. Mas terroristas se utilizaram disso e adoptaram meios e métodos que nós condenamos(...). Nós continuamos a considerar o LTTE como uma organização terrorista (…). No entanto, o atual processo de paz oferece a possibilidade de criar um As empresas estadunidenses negligenciaram o Sri Lanka, mas existe aí um mercado de 19 milhões de pessoas, na porta de um mercado de mais de um bilhão. O Sri Lanka é o único país a ter assinado um acordo de livre comércio com a Índia. Eu prevejo um forte aumento de inves95 Qual “paz” no Sri Lanka? timentos estadunidenses com o fim da guerra.” dos que retomem as negociações de paz (…). Nossa posição sobre o LTTE não mudou. Ele precisa entender que nós estamos disponíveis ao diálogo se ele renunciar à violência. Essa declaração do embaixador estadunidense foi feita um ano depois de estabelecido um cessar-fogo entre o governo do Sri Lanka e o LTTE, promovido pela Noruega, ajudado por países doadores, constituído notadamente pelos Estados-Unidos, Estados da União Européia e o Japão. A economia do Sri Lanka parece ter resistido aos efeitos do tsunami melhor do que poderíamos imaginar. Ainda assim, a vasta tragédia humana terá obrigatoriamente efeitos negativos sobre a economia. E mais, com uma tal devastação, surgirão déficits difíceis durante a reconstrução. Os Estados Unidos querem ser parceiros do Sri Lanka durante esse período. O que esta declaração diz claramente é que o LTTE, ontem organização terrorista, se tornou um parceiro “aceitável” para presidir uma “solução” que poderá servir de exemplo para todo o sul da Ásia. Nós vemos aparecer aqui, além do Sri Lanka, a ameaça em direção à Índia, onde existiam também, sob a base de problemas lingüísticos, organizações separatistas. Os Estados Unidos são um cliente essencial para as exportações do Sri Lanka (…). É vital que o Sri Lanka continue a avançar no domínio das reformar econômicas.” A mesma visão estratégica será expressa dois anos mais tarde pela sub-secretária de Estado estadunidense Christina Rocca, depois do tsunami. Ela disse: Esta última frase resume os objetivos da política estadunidense no Sri Lanka. A economia “aberta” que é aqui ressaltada, é aquela fundada na privatização de todas as empresas e de todas as atividades “Nós esperamos que o governo e o LTTE se entendam rapidamente para estabelecer um mecanismo comum de ajuda pós tsunami. Nós pedimos a to96 François Forgue que haviam sido colocadas sob a tutela do Estado. É a política de roubo do país por meio da dívida. Quaisquer que sejam os governos sucessores (uns constituídos ao redor do UNP, outros ao redor do LSFP), é esta política que terá que ser seguida. Ela compreende a criação de zonas especiais de exportação, liberando os investidores que ali se instalarem de todo tipo de imposto e de todo respeito às leis trabalhistas. As leis do Sri Lanka não se aplicam no que se refere à liberdade sindical: os sindicatos são impedidos de atuar nessas zonas. A primeira zona especial de exportação foi instalada em 1978, seguida por várias outras. As condições especiais dessas zonas serão estendidas, a partir de 1992, a todas as empresas voltadas à exportação, não importando sua localização geográfica. sas visitas de oficiais superiores estadunidenses. O tsunami de 2004 deu, em nome da ajuda humanitária, o pretexto para uma presença ostensiva da frota estadunidense na região. A política de “reformas”, quer dizer de privatizações e de instalação de multinacionais, leva ao agravamento da discriminação e da opressão específica da minoria tâmil. As regiões “reconquistadas” são objeto de uma “limpeza étnica” que facilita a implantação de zonas onde a legislação trabalhista não se aplica e onde os direitos sindicais são destruídos. É na região leste, precisamente em torno do porto de Trincomalee, que o governo do Sri Lanka quer constituir uma nova zona econômica especial. Em 16 de junho de 2007, o governo anunciou que os distritos de Matur East e de Sampur (na região do Trincomalee) foram considerados como zonas de “alta segurança”. Ao mesmo tempo, está previsto instalar nessa região uma zona econômica especial de 675 Km² de extensão. Os 50.000 tâmeis que tinham deixado a região durante os combates não seriam autorizados a retornar. O controle das riquezas do país, por meio da dívida e pela criação de “zonas de exportações especiais”, é acompanhado por objetivos militares determinados pelo lugar estratégico do Sri Lanka. A grande base militar de Trincomalee, situada na região costeira da ilha, tem, nestes últimos anos, recebido numero97 Qual “paz” no Sri Lanka? Essa é a região na qual o restabelecimento do poder central foi facilitado pela passagem para o campo governamental de toda uma parte da direção do LTTE. Qual será o destino dos 250.000 a 300.000 tâmeis que tiveram que fugir do norte durante os recentes e terríveis confrontos militares? Ceylan Electricity Board. Em março de 2003, sob um governo UNP, milhares de trabalhadores se manifestaram contra os planos de reestruturação. Em 2005, eles se manifestaram novamente, pelo mesmo motivo, mas desta vez contra um governo do SLFP e do JVP. Mas essa luta constante carece de uma saída política. A resistência dos trabalhadores A ausência de perspectiva política é um fator que marca toda a história das lutas sociais e políticas no Sri Lanka depois do desabamento do LSSP. A miséria, a ausência de empregos empurra a juventude à revolta. Mas essas revoltas da juventude são enquadradas por organizações que não se situam no terreno da classe trabalhadora. Por meio de um combate incessante, a classe trabalhadora vai se opor a essa política. Greves vão impor ao patronato concessões em alguns setores. A vontade de organização dos trabalhadores das zonas especiais de exportação vai impor às vezes o reconhecimento de organizações sindicais. Não só em 1971, mas novamente em 1987, o JVP estará na cabeça de uma verdadeira insurreição que toca sobretudo o sul do país. A repressão organizada pelo governo e o exército será mais uma vez feroz: dezenas de milhares de mortos em alguns meses. Mas anos depois, em 2004, vamos encontrar a direção do JVP associada a um governo do SLFP cuja política não é fundamentalmente diferente daquela do governo UNP. Ao contrário, esse governo SLFP O Sri Lanka vive uma alternância de governo, dirigido às vezes pelo UNP, às vezes pelo SLFP, com o apoio, num certo momento, do JVP. Esses governos mantém, no essencial, a mesma política econômica, contra a qual se ergue a classe tra-balhadora, não importando qual seja o governo. É assim, por exemplo, que os trabalhadores do setor de energia resistiram aos planos de reestruturação – que levava à privatização – da 98 François Forgue sideramos que somente a democracia pode trazer a paz. Enquanto nós nos esforçamos para desenvolver nosso país como um país multi-cultural, multi-étnico e multi-religioso, nós esperamos que os Estados Unidos sigam na via que tomaram depois da segunda guerra mundial quando ajudaram a substituir os ditadores fascistas por democracias fortes.” que associa a JVP segue a política da privatização dos governos anteriores, como testemunha seu programa intitulado “Uma nova ordem econômica para uma forte economia nacional”: “Atualmente, o Sri Lanka sente falta de um mecanismo institucional para facilitar a reestruturação das empresas em dificuldade. Um serviço formado por especialistas do setor público assim como das empresas privadas será criado para ajudar na reestruturação das indústrias que poderiam ser transformadas em empresas financeiramente viáveis.” O texto do JVP continua explicando que é preciso se basear sobre “a plena igualdade dos cidadãos” e não sobre uma divisão territorial artificial baseada em princípios étnicos. Que relação existe entre as aspirações democráticas e revolucionárias dos jovens que se lançam na luta à chamado do JVP e a carta dirigida por sua direção à Christina Rocca, vicesecretária de Estado do governo Bush? Certo, mas a realidade do Sri Lanka, sustentada pelo imperialismo e aceita pelos diferentes governos que se sucederam, não é a da igualdade de direitos, mas sim a da discriminação. Essa é a situação que levou a juventude tâmil a apoiar a ação armada. “No seu discurso de posse, o presidente Bush disse: ‘A liberdade no nosso país depende do sucesso da liberdade nos outros países’ (...) Conforme o presidente Bush, nós, do JVP, con- O LTTE, tal como se constituíu ao longo dos anos, não somente utilizou as revindicações legítimas dos tâmeis, mas se impôs pela violência como a única organização que falava em nome do povo tâmil. A combi99 Qual “paz” no Sri Lanka? nação da repressão com a situação crítica da grande massa da população, seja ela cingalêsa ou tâmil, além dos métodos da direção do LTTE, apartou da cena política as diferentes organizações tâmeis que procuravam uma solução unitária. Nessas condições, o LTTE acabou se tornando, como já foi dito mais acima, o interlocutor “válido” do imperialismo, realidade que é afirmada no cessarfogo de 2002 entre o governo do Sri Lanka e o LTTE, cessarfogo concluído sob a égide da Noruega, agindo em nome de um agrupamento de países doadores nos quais encontraremos os Estados-Unidos, a União Européia e o Japão. Nos últimos anos, o tom dos representantes do imperialismo estadunidense se modificou. É assim que, no dia 10 de janeiro de 2006, diante de uma multidão de homens de negócios srilanqueses, enquanto a vaga de violência se desenvolvia tanto do lado do exército como do lado do LTTE, o diplomata estadunidense Burns ameaçava o LTTE. Ele indicava que os Estados Unidos forneceriam ao exército do Sri Lanka todos os meios necessários para enfrentar o LTTE ao mesmo tempo que elogiava as reformas econômicas iniciadas pelo governo do Sri Lanka. É à partir daí que o aspecto militar do conflito se transforma completamente. A província do leste que estava sob o controle do LTTE é reconquistada depois de uma ofensiva do exército do Sri Lanka. Mais tarde, o LTTE será desagregado por uma cisão de toda uma parte do seu aparelho militar e administrativo. Karuna, um dos grandes dirigentes do LTTE, passa com armas e bagagens – e com toda uma série de quadros da organização – para o lado do governo, do qual agora ele é um dos ministros. O embaixador estadunidense, Robert Blake, declara no dia 18 de dezembro de 2007: “O Sri Lanka tem uma oportunidade importante de estabilizar o leste de modo a mostrar a todos os sri-lanqueses, particularmente aos tâmeis, que eles têm um futuro brilhante num Sri Lanka unido.” Esse futuro, nós o vimos, é aquele das zonas econômicas especiais, é aquele dos deslocamentos de populações, de operações de limpeza étnica desti- 100 François Forgue nadas a facilitar a implantação de empresas imperialistas. É nesse quadro que ocorre a última ofensiva e a derrota relâmpago do LTTE. Ela não anuncia nem a paz nem a reconciliação no Sri Lanka. Os massacres perpetrados contra a população civil nas zonas dos últimos combates mostram bem que o objetivo essencial do governo não era assegurar a eliminação militar do LTTE. Esses massacres prenunciam novos ataques contra a população tâmil e seus direitos, mas não somente contra ela. A imprensa oficial do Sri Lanka repete que é chegada a hora de fazer sacríficios para pagar o custo da guerra. O governo do Sri Lanka é levado a pedir ajuda ao FMI ao mesmo tempo que declara que as despesas militares continuarão a ser elevadas. Isso só pode conduzir ao aumento dos ataques contra toda a classe trabalhadora e à militarização da vida política sob pretexto da luta contra o LTTE, prelúdio de uma escalada contra os direitos democráticos e sindicais de todos os trabalhadores do Sri Lanka. O exército que hoje se vangloria dos seus “êxitos” é o mesmo que esmagou com um banho de sangue as revoltas sociais de 1971 e de 1987. Repetindo, os últimos acontecimentos no Sri Lanka não podem ser separados da política do imperialismo estadunidense em toda a região, e, claramente, de desestabilização do Paquistão. A luta dos trabalhadores do Sri Lanka, dos trabalhadores cingalêses como dos trabalhadores tâmeis, em outras circunstâncias históricas distintas da luta contra o colonialismo britânico, coloca novamente a questão que foi central no desenvolvimento do LSSP: a da sua unidade com os trabalhadores de todo o subcontinente indiano. A situação dramática na qual está hoje mergulhado o Sri Lanka mostra de novo que a questão da direção revolucionária está no centro de todos os problemas. O desabamento do LSSP, que completa agora meio século, indissoluvelmente ligado à crise da 4ª Internacional, é ainda hoje um fator fundamental do desenvolvimento da luta de classes no Sri Lanka, e, sob outras formas, isso é verdade para todo continente asiático. A experiência dos últimos anos mostrou que, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, a classe trabalhadora do Sri Lan- 101 Qual “paz” no Sri Lanka? ka procurava resistir, ela combatia. É a partir desse combate que podem ser encontradas as tradições da luta democrática e revolucionária que haviam sido encarnadas no LSSP. Trata-se de uma questão na qual está em jogo o próprio combate pela 4ª Internacional. O Programa da Revolução • Manifesto do Partido Comunista Marx e Engels • Teses de Abril Lênin • Programa de Transição Leon Trotsky Coleção Estudos Revolucionários EncomenDas e informações [email protected] 102 Documento preparatório do 47º Congresso da Secção francesa da 4ª Internacional Tradução: Joaquim Pagarete (Portugal) O 47º Congresso da Secção Francesa da 4ª Internacional terá lugar a 26 e 27 de setembro de 2009. O facto de se tratar do 47º Congresso impõe desde já uma explicação. O 1º Congresso da Secção Francesa da 4ª Internacional, unificando os diferentes grupos que se reclamavam do trotsquismo em França, teve lugar em 1944, no último período da 2ª Guerra Mundial, num momento em que a maior parte da Europa Ocidental se encontrava ainda sob a ocupação dos nazistas. Foi pois na clandestinidade, face a uma repressão selvagem, que os delegados da Secção Francesa garantiram – através da sua actividade – que a 4ª Internacional seria assegurada e que a sua continuidade seria preservada. Apesar das dificuldades e dos erros, foi o combate travado desde então – bem como a vontade de intervir na luta de classes, de se enraizar no movimento operário sobre a base da defesa do programa e dos princípios da 4ª Internacional – que permitiram esta continuidade. 103 Documento preparatório do 47º Congresso... Ela exprimiu-se nomeadamente em 19511952, no momento em que, face a uma ofensiva revisionista que desmembrou a 4ª Internacional como organização mundial unificada – ofensiva cujo conteúdo político foi antes de mais mascarar a burocracia estalinista com uma missão histórica progressista –, a maioria da Secção Francesa rejeitou o revisionismo liquidador. Depois, o combate da Secção Francesa – como componente das forças que, à escala internacional, permaneceram organizadas sobre a base do programa de fundação da Internacional – nunca mais parou. Este combate tomou diferentes formas para exprimir, permanentemente, o mesmo conteúdo fundamental: A luta entre as classes fundamentais da sociedade prossegue sem cessar, tanto à escala nacional como à escala internacional. O que está em jogo é a barbárie ou a derrota do sistema de exploração capitalista fundado na propriedade privada dos meios de produção, sistema hoje em plena decomposição; Só o combate dos trabalhadores pela sua própria emancipação poderá assegurar uma solução positiva a esta alternativa. Para alcançar estes objectivos, a classe operária tem necessidade do seu partido político, tanto à escala nacional como internacional; Se, para a 4ª Internacional e para os seus militantes, este partido não pode em definitivo ser fundado senão sob o programa da 4ª Internacional, as formas pelas quais se desenvolverá este combate não poderão ser antecipadamente previstas, e, em cada etapa da luta de classes, 104 Secção Francesa da 4ª Internacional este combate combina-se com a acção o mais larga possível para realizar a unidade dos trabalhadores e das suas organizações, tendo como base as reivindicações dos trabalhadores. Foi por este motivo que a Secção Francesa – que pagou bem caro o papel que desempenhou na defesa da 4ª Internacional – se desenvolveu sempre com base no combate para a reconstrução da 4ª Internacional, sob diversas formas e denominações (PCI, OCI, OCI [u], PCI, Corrente Comunista Internacionalista do Partido dos Trabalhadores e, hoje, do Partido Operário Independente). Actualmente, a secção da 4ª Internacional em França é a Corrente Comunista Internacionalista (CCI) do Partido Operário Independente, fundado há um ano com militantes operários de diversas origens unindo-se sob o terreno de independência de classe. Os militantes da 4ª Internacional empenham todas as suas forças na construção deste partido, convencidos de que é nesta via que se pode construir o partido revolucionário necessário à classe operária, convencidos de que é preciso fazer tudo para – em igualdade de direitos e deveres com todos os outros militantes e componentes do Partido Operário Independente – ajudar à sua consolidação e à sua organização, implantando-o no seio dos combatentes da classe operária e das suas lutas. Portanto, a Secção Francesa da 4ª Internacional prepara o seu 47º Congresso em condições marcadas pelo passo em frente na concretização prática do combate da 4ª Internacional que representa a construção do Partido Operário 105 Documento preparatório do 47º Congresso... Independente, em condições que, em França, mas como consequência e componente dos desenvolvimentos mundiais, desembocaram na criação imediata de uma situação de crise prérevolucionária, em transição para uma crise revolucionária aberta, enquanto todas as forças políticas ligadas à ordem burguesa agem no sentido de um desenlace contra-revolucionário. O Partido Operário Independente, nomeadamente pela campanha que desenvolve pela frente única, pela proibição dos despedimentos, está no coração desta batalha, que é um elemento central da preparação do 47º Congresso da Secção Francesa da 4ª Internacional. A direcção da 4ª Internacional adoptou, em abril de 2009, um texto que foi publicado integralmente num boletim de discussão interno e que constitui o ponto de partida da discussão que iremos ter no 47º Congresso. Foi decidido reproduzir grandes extractos deste boletim neste número de “A Verdade”, porque é evidente que os problemas que estão a ser discutidos na Secção Francesa da 4ª Internacional são, fundamentalmente, os mesmos que estão colocados a toda a Internacional. E também porque – como explica a Carta de Convocação do 7º Congresso Mundial da 4ª Internacional (1) – os problemas em discussão no seio da 4ª Internacional são os mesmos que estão no centro dos debates realizados em todo o movimento operário. 1 – “A 4ª Internacional convoca o seu 7º Congresso mundial” (“A Verdade”, nº 63, outubro de 2008). 106 Secção Francesa da 4ª Internacional PRIMEIRA PARTE Análise da situação actual e as tarefas da secção francesa da 4ª Internacional 1. Não se deixar surpreender pelos acontecimentos... Um período de 60 anos termina. Um período bastante maior do que os 20 anos que separaram as duas precedentes guerras mundiais, e que nos leva à beira de uma crise comparável àquelas que provocaram estas duas tragédias. É verdade que este período não é o período de estabilidade e harmonia de que nos querem convencer, agora que estamos no início de um novo cataclismo. A luta de classes nunca parou. E o mundo nunca conheceu a paz, desde que terminaram os últimos combates da 2ª Guerra Mundial – a “Guerra Fria”, a Guerra da Coreia, as guerras de emancipação colonial, a Guerra do Vietname, as “guerras étnicas” em África, a guerra sem fim contra o povo palestiniano, a guerra nos Balcãs, no Cáucaso, a primeira e a segunda guerras no Iraque, a guerra no Afeganistão, no Paquistão etc. Mas a parte ocidental do Velho Continente dilacerada pela 2ª Guerra Mundial foi, contudo, reinserida numa nova divisão internacional do trabalho, no quadro das relações sociais de produção capitalistas preservadas (a que preço), sob o controlo e a direcção incontestados do imperialismo dos Estados Unidos. Foi a grandeza da vaga revolucionária que abalou toda a Europa que obrigou o imperialismo estadunidense a agir assim, para preservar a ordem capitalista mundial. Uma vaga revolucionária que teve origem em França, em Itália, na Grécia… mas também na Europa Oriental (Polónia, Hungria, Checoslováquia) e em todos os Balcãs. Uma vaga revolucionária que se 107 Documento preparatório do 47º Congresso... desenvolveu no Leste na base do afundamento dos regimes que colaboraram com o nazismo e que foi espartilhada, controlada e depurada pela ocupação militar soviética no quadro da aplicação dos acordos de manutenção da ordem assinados em Yalta, para chegar à integração destes países na “barreira” das “democracias populares” controladas pela burocracia estalinista. A revolução que se desenvolvia foi sabotada pelos aparelhos estalinistas e sociais-democratas. Contudo, ela conseguiu arrancar conquistas sociais incompatíveis com o sistema da propriedade privada. É o caso, por exemplo, da Segurança Social em França, uma conquista que contribui para dar ao movimento sindical, responsável pela sua gestão – em nome da classe trabalhadora –, uma importância nas relações com a burguesia que resultaram desse facto; importância que não estava prevista nem era querida pela burguesia. Estas condições determinaram todas as relações sociais a partir de 1945. Desde o início, a burguesia, denunciando o carácter “totalitário” da Segurança Social, combateu para a pôr em causa e, com a ajuda dos estalinistas, impôs a sua participação na gestão da Segurança Social. A seguir, a burguesia nunca mais desistiu de querer destruir estas conquistas. O afrontamento que agora se agudiza, outra vez, em relação à Segurança Social – e por trás dela contra todas as relações sociais fundadas sobre o reconhecimento da independência das organizações da classe operária – tende a abrir a via, cada vez mais claramente, a uma situação verdadeiramente revolucionária. Neste período de sessenta anos que agora termina, o sistema capitalista foi várias vezes profundamente abalado. Há perto de quarenta anos, os primeiros sinais do afundamento de todo o sistema mundial fundado sobre a propriedade privada dos meios de produção foram “travados” e “adiados” pelo recurso maciço à economia de armamentos e ao parasitismo, o que implica pôr em causa as conquistas operárias (desregulamentações etc.) (2). Há vinte anos, a queda do Muro de Berlim – sob a acção 2 – “Luta de Classes e Mundialização”, por Daniel Gluckstein (edição em francês). 108 Secção Francesa da 4ª Internacional das massas alemãs – e o afundamento da URSS, cujos fundamentos tinham sido minados pela burocracia estalinista (veja a este propósito a segunda parte do texto), modificaram profundamente o dispositivo de manutenção da ordem mundial. O conjunto do sistema capitalista está, de novo, à beira do abismo. Está a terminar o período dos últimos sessenta anos, em que as relações sociais – apesar dos afrontamentos gigantescos entre as classes – foram contidas num quadro determinado, em primeiro lugar, em função do papel decisivo desempenhado pelo aparelho internacional da burocracia estalinista do Kremlin e perfeitamente secundado pela social-democracia. Um quadro que assenta, em grande parte, na capacidade das direcções das organizações da classe trabalhadora (em que os estalinistas e os reformistas ocupam cada um o seu papel) em preservar o sistema capitalista, necessitando para isso de gerir as conquistas da Libertação (após a 2ª Guerra Mundial) e de arrancar as contrapartidas indispensáveis ao próprio equilíbrio do sistema. Se estas contrapartidas (Se- gurança Social, reformas, seguro de desemprego, Código do Trabalho, estatutos…) têm sido, todas, objecto de tentativas de as pôr em causa – tentativas cada vez mais violentas ao longo de dezenas de anos –, uma nova etapa está em vias de se iniciar. A crise de afundamento do sistema capitalista não deixa à burguesia, praticamente, nenhuma margem de manobra. E, apesar do pânico que essa perspectiva causa no seu seio, esta crise obriga-a a atacar em todas as frentes. Para tal, ela é obrigada a pôr totalmente em causa o lugar que era atribuído às organizações e às suas direcções nas antigas relações sociais. Relações essas em que – sendo certo que os aparelhos conseguiram preservar o sistema – a pressão das massas organizadas nas suas organizações de classe pôde, contra as direcções, pelo preço de uma batalha sem fim no seu seio, travar a contra-ofensiva e ganhar tempo para se preparar para os novos confrontos inevitáveis. É nestes combates permanentes (greve da Renault, greve geral de 1953, combate contra a tomada do poder por De Gaulle em 1958, combates contra os decretos que visavam a reforma da Segurança Social em 1967, greve geral de 1968, combate pelo du- 109 Documento preparatório do 47º Congresso... plo “não” ao referendo corporativista de De Gaulle em 1969…) que os pequenos núcleos trotsquistas de onde viemos – que fizeram as suas primeiras lutas na vaga revolucionária da Libertação – se inscreveram, se desenvolveram e se enraizaram nas organizações de classe. Em França, em 1958, o bonapartismo gaullista empenhou-se numa profunda reorganização do seu dispositivo – abalado pela perda do seu império colonial, provocada pela mobilização dos povos coloniais visando a sua emancipação –, tentando pôr em causa todo o quadro das relações sociais estabelecidas no pós-guerra, para conseguir dar um passo na via da instauração de um sistema corporativista, ao qual De Gaulle, aliás, havia sido obrigado a renunciar em 1945. Face à resistência da classe operária, embora privada pelos seus aparelhos dirigentes da possibilidade de impedir o golpe de Estado, De Gaulle foi obrigado a recuar. Ele não pôs em causa as grandes linhas do seu plano (instituições da Vª República), mas, para preservar as relações políticas indispensáveis à continuidade da colaboração dos aparelhos, em virtude da resistência da classe, foi obrigado a renunciar a pôr em causa a independência das organizações e a preservar um “Parlamento” sem poderes. Nenhuma corrente do movimento operário formulou, tão clara e firmemente como a nossa, o que estava em jogo na batalha em torno da questão do corporativismo e da independência de classe das organizações. Face a De Gaulle – que tentava, de novo, após a greve geral de 1968, retomar o domínio da situação, submetendo a referendo uma proposta de reorganização corporativista da sociedade em torno de uma “câmara das profissões” –, a nossa corrente ganhou, durante esses dez anos, uma influência dentro das organizações de classe que ultrapassou as suas forças numéricas efectivas, tornandoa numa componente essencial para a defesa da independência de classe dessas organizações. Seja na França, ou na GrãBretanha, ou na Alemanha…, sob formas políticas e institucionais diferentes, essa estreita colaboração entre as cúpulas do movimento operário e o Estado – cheio de tensões e de contradições – só pôde manter-se enquanto a produção, drastica- 110 Secção Francesa da 4ª Internacional mente reestruturada em várias ocasiões, se manteve, ainda que num processo de declínio das forças produtivas, atingindo todos os países. Mas hoje, é de outra coisa que se trata… Todo o sistema produtivo “mantido” ou “reestruturado” e monstruosamente deformado pelo quadro oficialmente designado por “mundialização” (3) – que corresponde aos últimos reajustamentos da divisão internacional do trabalho, decididos pelo capital financeiro – se afunda como um castelo de cartas, arrastado pelo desabar de todo o sistema financeiro, expressão do parasitismo de um modo de produção destruído pela queda da procura à escala do mercado mundial (veja a este propósito a Declaração do Comité Central da Organização Comunista Internacionalista, de agosto de 1971, que voltou a ser publicada na Verdade nº 58). A sobrevivência (literal) de milhões de homens e de mulheres, em França como em toda a Europa, pela primeira vez depois da 2ª Guerra Mundial, depende exclusivamente da capacidade da classe operária em desenvolver, como nunca dantes, a sua luta de classe. Uma luta de classe que não poderá circunscrever-se ou ser espartilhada no quadro que “organizou”, umas vezes melhor, outras pior, as relações sociais do pósguerra. É neste sentido que é necessário compreender que a selecção de centenas de quadros operários trotsquistas, forjados no decorrer destes anos, é chamada a desempenhar, politicamente, um papel fundamental. 2. Todos os elementos convergem para conduzir de uma situação de crise pré-revolucionária à abertura de uma crise revolucionária (Aqui, o texto analisa o modo como a crise mundial desmantela o dispositivo político supranacional da União Europeia e incide sobre o significado da reunião do G-20, questões às quais é consagrado um artigo neste número de “A Verdade”). 3 – Mundialização: no Brasil, usa-se mais comumente a palavra “globalização” (NdE). 111 Documento preparatório do 47º Congresso... 3. A crise atinge todos os partidos e todas as formações políticas que se subordinaram (sob qualquer forma) às instituições da União Europeia, à defesa da propriedade privada dos meios de produção… Não se tratando de um fenómeno novo, toma agora uma amplitude nova. O lento processo de liquidação dos partidos, minados pela lógica implacável das instituições bonapartistas da Vª República e pela subordinação à União Europeia – o que põe em causa as posições da classe dominante francesa, as suas instituições e partidos –, está em vias de iniciar uma etapa decisiva. Do lado dos partidos da burguesia, o partido “militar” por excelência (para fazer referência ao termo utilizado para qualificar um deputado que segue, sem discutir, as directivas de voto do seu partido; neste caso, um partido que obedece ao governo sem discutir; De Gaulle era fã deste termo para designar o seu próprio grupo político), organizado exclusivamente para servir à política do presidente bonapartista, está cada vez mais dilacerado pelo impasse no qual Sarkozy se afunda. O descrédito que toca o presidente – o mais omnipresente e omnipotente que a Vª República já conheceu – paralisa as chefias. A sua incapacidade em influenciar os acontecimentos que destroem os próprios alicerces da existência deste país vira-se contra ele e abre a porta a grandes ambições de uns e de outros. “À esquerda”, o PS – já há décadas privado da sua vocação de partido parlamentar, pela Constituição da Vª República, e, depois, pela subordinação destas instituições às decisões da União Europeia – não consegue recuperar do golpe crucial que lhe foi desferido pela política de Jospin. De crise em crise, entrou num processo de destruição, no qual o abandono de Mélenchon e do seu Partido de Esquerda não representa senão uma primeira manifestação (uma outra manifestação, fundamental, é a trajectória de Ségolène Royal, com o seu clube, a sua autonomia financeira etc.). O Partido de Esquerda (PE) escolheu as eleições europeias do próximo dia 7 de junho para 112 Secção Francesa da 4ª Internacional o seu lançamento. Decidiu utilizar todas as suas forças numa “frente de esquerda” com o PCF para tentar salvar a União Europeia e as suas instituições, em nome do combate para a construção de uma Europa social apoiada, politicamente, no Parlamento Europeu, e, socialmente, na acção da Confederação Europeia dos Sindicatos. O desmantelamento da União Europeia e a revelação clara da sua verdadeira natureza – exclusivamente orientada para a defesa dos banqueiros e dos especuladores – ameaçam gravemente a tentativa de Mélenchon e dos seus amigos (4). O PCF, marginalizado pela sua política de subordinação à ordem mundial materializada na União da Esquerda e utilizado por Mitterrand, desconsiderado pela sua participação no governo de União da Esquerda e atingido, há vinte anos, pela queda da burocracia estalinista do Kremlin, não para de se desfazer, apesar de todas as tentativas para se manter. M.-G. Buffet, que escolheu a “frente de esquerda” com Mélenchon, não consegue conter nem os processos de desagregação, nem de diferenciação, testemunhados por exemplo pela iniciativa de André Gérin, presidente da Câmara de Vénissieux, que recentemente se insurgia – nas colunas do jornal “L’Humanité”(5) – contra a liquidação do Partido Comunista, decorrente, para ele, da recusa da direcção do PCF em romper com a União Europeia. Se este processo de desmantelamento e de atomização dos grandes partidos tradicionais que se reclamam da classe operária e dos seus valores (mesmo se isto não se exprime, para todos eles, senão por referências cada vez mais longínquas) esconde qualquer perspectiva imediata de iniciativa política visando a tomada do poder por um bloco destes partidos – o que constitui um trunfo essencial para o partido que está no poder –, também coloca um problema. Perante a formidável desafectação em relação aos partidos 4 – O Partido de Esquerda é uma formação nascida de certos elementos do Partido Socialista que fizeram uma aliança eleitoral com o PCF, com a sigla “frente de esquerda” 5 – “L’Humanité” – jornal do Partido Comunista Francês. 113 Documento preparatório do 47º Congresso... tradicionais da classe operária – numa situação que vai conhecer um potente desenvolvimento na luta de classes, criando um espaço propício à construção de um verdadeiro partido operário independente –, o sistema capitalista tem necessidade, custe o que custar, de organizar uma “alternativa”. É aqui que intervém o NPA. A mediatização que antecedeu o seu lançamento não tem precedentes e ultrapassa desde já a de Le Pen, empreendida por Mitterrand no seu tempo, com um objectivo simetricamente oposto. Relembremos o que escrevemos “na abertura do 7º Congresso Mundial da 4ª Internacional”, texto adoptado pelo Conselho Geral em outubro de 2008: “As organizações do Secretariado Unificado ocupam um novo lugar. Doravante, elas constituem um obstáculo directo à luta de classes e à revolução proletária. Neste sentido, não se pode falar mais em centrismo reaccionário. Este novo lugar do pablismo resulta de uma combinação de fac114 tores: os aparelhos tradicionais estão em crise e veem diminuída a sua influência sobre a classe operária; mas, na medida em que a questão da independência da classe operária é colocada com força por todos os processos vivos da luta internacional de classes, e também na medida em que as forças da 4ª Internacional (quaisquer que sejam os seus limites) são levadas a desempenhar um papel fundamental para ajudar à preservação da independência de classe das organizações operárias, e, por este facto, no reagrupamento político sobre um novo eixo – por todas estas razões, o imperialismo tem necessidade imperiosa em erigir o Secretariado Unificado como pretensa 4ª Internacional, directamente ao serviço da contra-revolução. (…) Em França, a operação ‘NPA’ de Besancenot foi desde o início servilmente decalcada, à medida em que o tempo decorria, em relação à construção do Partido Operário Independente. Em cada etapa, as iniciativas tomadas para construir Secção Francesa da 4ª Internacional um Partido Operário Independente têm a sua contrapartida na operação ‘NPA’. Mas a operação ‘NPA’ situa-se explicitamente no quadro do respeito pelas instituições da União Europeia, ao passo que o Partido Operário Independente se pronuncia pela ruptura; enquanto o ‘NPA’ está explicitamente no terreno da atomização das organizações operárias, o Partido Operário Independente pronuncia-se pela sua defesa; enquanto o ‘NPA’ agiu explicitamente para a divisão das fileiras operárias, o Partido Operário Independente combate pela frente única. E é por isso que o ‘NPA’ beneficia do suporte aberto, público e directo da Presidência da República e dos media ao seu serviço, ao passo que o Partido Operário Independente, por razões evidentes, é objecto da hostilidade e do ostracismo que todos conhecem.” A profissão de fé – centos de vezes repisada pela direcção pablista contra-revolucionária (indo até ao fim da sua linha de orientação) – de “ruptura com o velho movimento operário e a sua história” forneceu o quadro de actividade deste “partido”, que se virou, portanto, com toda a lógica, para um vasto amontoado da “radicalidade”, juntando partidos, sindicatos, associações e ONGs numa frente “políticosocietal” centrada sobre a repartição da riqueza, o meio ambiente e a Europa social. 4. O dilaceramento das direcções das confederações sindicais Se é evidente que as direcções das confederações se esforçam – cada uma ocupando o seu lugar, mas com Bernard Thibault e a direcção da CGT a desempenharem o papel central – por “gerir, ao longo do tempo, a avalanche geral” (“Le Monde”, 14 de março), a sua estratégia está a mostrarse, mais uma vez, mais difícil do que elas imaginavam. Tal como aconteceu em 1995, e depois em 2003…, os dois últimos apelos a uma jornada inter-profissional – com greves e manifestações – dos passados dias 29 de janeiro e 29 de março, longe de terem conseguido acalmar os ânimos, foram aproveitados pela classe operária para se erguer, com as suas organizações, e exprimir a 115 Documento preparatório do 47º Congresso... vontade ultra-maioritária de encontrar os meios para fazer ceder este governo. nhar o seu papel se não conservarem a sua capacidade para canalizarem as massas trabalhadoras. No momento em que estamos a escrever este artigo, não é perceptível nenhum refluxo. E daí a hesitação das direcções sindicais em anunciar o seguimento da acção, imediatamente após a de 19 de março, e o adiamento de qualquer decisão clara para 31 de março. É a aspiração da classe trabalhadora em tomar em mãos as suas organizações, e em pressionar as suas direcções, que constitui o aspecto dominante nesta primeira fase da gigantesca mobilização que está a amadurecer. É este o cerne do problema. Isto constitui a verificação incontestável de uma das leis fundamentais do desenvolvimento da luta de classes, oportunamente recordada por Leon Trotsky no capítulo do Programa de Transição dedicado aos “sindicatos na época de transição”. Se, de novo, não existem dúvidas de que todas as direcções – angustiadas pelo cataclismo em que a crise mergulha toda a sociedade – vão tentar tudo para conseguir defender o sistema da propriedade privada dos meios de produção, também é verdade que elas não podem desempe- E dizer que nesta altura os aparelhos não têm poder para fazer recuar as massas, de forma duradoura, não quer dizer que será sempre assim. A História está cheia de exemplos nos quais, depois do apogeu de um movimento, a sabotagem, ou mesmo uma “indeterminação” criminosa das direcções, podem provocar o desmoronamento da mobilização. É por isso que nunca devemos esquecer o laço estreito que existe entre a abertura de uma crise revolucionária e o aparecimento, conjunto e inevitável, da ameaça contra-revolucionária. Mas actualmente não estamos numa tal situação. As forças da classe trabalhadora continuam a acumular-se. As direcções são obrigadas, face à pressão, de ter isso em conta. Elas são obrigadas a mostrar que desposam, até certo ponto, as aspirações da classe. Mas ao fazê-lo, são elas próprias que abrem brechas – em contradição com as exigências de uma política rigorosa de “gerir, ao longo do tempo, a avalanche ge-ral”. Brechas que podem per- 116 Secção Francesa da 4ª Internacional mitir a constituição de canais da expressão de resistências no próprio seio dessas organizações. Tudo continua em aberto. As massas puseram-se em movimento e os aparelhos não renunciaram em fazê-las recuar. Eles fazem tudo para fechar as saídas às massas. É preciso ter sempre em mente que qualquer situação revolucionária encerra, em simultâneo, a marcha para a revolução e o amadurecimento da contra-revolução. É aqui que nós intervimos. É aqui que o papel do partido em construção – e, portanto, neste quadro, da corrente trotsquista do partido – assume uma importância decisiva. O nosso papel é tirar as lições dos acontecimentos, dia a dia, junto com a vanguarda que se constitui no próprio seio do movimento operário, consolidar os pólos de resistência à integração das organizações operárias e inscrever o combate na perspectiva de abrir uma saída política para a crise do sistema capitalista (…). Está a terminar um período de sessenta anos – dizíamos nós no início deste texto – e, com ele, termina o conjunto das relações sociais estabelecidas depois da 2ª Guerra Mundial, incluindo o lugar dos sindicatos e o papel que cabia às suas direcções: fazer deles instrumentos encarregados de disciplinar a luta de classes, no quadro estreito imposto pela preservação do sistema capitalista. Actualmente, é necessário que o Estado ponha em questão o papel de representação reconhecida da classe trabalhadora e dos seus interesses específicos, concedido às organizações sindicais. Mas o formidável desenvolvimento da luta de classes está em contradição com o processo iniciado de negação do papel destas organizações sindicais independentes e adia o seu desenlace, sem contudo interromper completamente esse processo. Os militantes da nossa corrente aprenderam a agir neste contexto – evitando fazer uma política de denúncia estéril, que só serviria, no final das contas, para reforçar as posições dos aparelhos –, numa situação em que a massa dos militantes e dos quadros procura definir uma táctica de derrotar os ataques do governo e, ao mesmo tempo, preservar as suas organizações para poder usá-las (…). Trotsky alerta-nos para o carácter instável deste período histórico e as suas bruscas vira- 117 Documento preparatório do 47º Congresso... arrar o proletariado à ‘arbitragem obrigatória’.” gens, e incita-nos no Programa de Transição a saber distinguir entre as diferentes etapas do movimento. Como trotsquistas, é preciso que respeitemos escrupulosamente esta indicação. E ele acrescenta: “É somente com base neste trabalho que é possível lutar com sucesso, no interior dos sindicatos, contra a burocracia reformista, e, em particular, contra a burocracia estalinista. As tentativas sectárias de edificar – ou de manter – pequenos sindicatos ‘revolucionários’, como uma segunda edição do partido, significam, de facto, a renúncia à luta pela direcção da classe operária.” É esta a condição para que possamos ajudar os camaradas com que combatemos em conjunto no POI a assimilar – conosco, passo a passo e pela livre discussão – as principais conclusões teóricas tiradas da experiência prática do combate operário entre a 1ª e a 2ª guerras mundiais, que estão enunciadas no Programa de Transição. Trotsky enuncia, com precisão, a linha que devemos seguir: “Actualmente, na luta pelas reivindicações parciais e transitórias, os operários têm necessidade, mais ainda do que dantes, de organizações de massa – primeiro que tudo de sindicatos (…). (Os bolcheviques-leninistas) militam de forma activa na vida dos sindicatos de massa, visando reforçá-los e desenvolver o seu espírito de luta; eles lutam implacavelmente contra qualquer tentativa de submeter os sindicatos ao Estado burguês e de am- (Aqui, o texto prossegue com a análise de um certo número de episódios recentes da luta de classes, apoiando-se em particular sobre as resoluções e as cartas da direcção da secção francesa dirigidas aos militantes.) (...) 7. A actualidade do Programa de Transição e o papel da palavra de ordem de proibição dos despedimentos A profunda destabilização, que analisámos dia após dia, 118 Secção Francesa da 4ª Internacional provocada pela resistência da classe trabalhadora, tanto no dispositivo dos aparelhos como na política do governo (ainda agravada pelo desmantelamento da União Europeia) – e que já se manifestou numa série de recuos importantes, no final de 2008 e no início de 2009, no ensino, no trabalho ao domingo, e inclusive em relação ao tratamento das conclusões da Comissão Balladur… – coloca a questão escaldante da saída política, que todos os partidos políticos recusam abordar. pela ruptura com a União Europeia e pela convocação de uma Assembleia Constituinte soberana).” E, neste momento da nossa resolução, nós citámos novamente o Programa de Transição: “É daqui que resulta o papel fundamental da nossa campanha para a organização da marcha unida pela proibição dos despedimentos” – escrevemos nós na resolução da direcção nacional de 14 de março. “O programa socialista da expropriação, ou seja, do derrube político da burguesia e da liquidação da sua dominação económica, não deve em nenhum caso impedir de reivindicar, no presente período de transição e quando a ocasião o oferece, a expropriação de certos ramos da indústria de entre os mais importantes para a existência nacional ou de certos grupos da burguesia de entre os mais parasitários (…). “A palavra de ordem de proibição dos despedimentos – repetimo-lo – está no centro do programa de reivindicações transitórias da 4ª Internacional. É este o fio através do qual se irá colocar às massas, num futuro próximo, a questão do governo e da sua natureza (governo operário e camponês, ligado ao combate A necessidade de lançar a palavra de ordem da expropriação na agitação quotidiana – por conseguinte, de uma maneira fraccionada, e não somente de um ponto de vista propagandista, sob a sua forma geral – parte do facto que os diversos ramos da indústria se encontram em diversos níveis de desenvolvimento, ocupam 119 Documento preparatório do 47º Congresso... lugares diferentes na vida da sociedade e passam por diversos estádios da luta de classes. Sozinha, a ascensão revolucionária geral do proletariado pode colocar na ordem do dia a expropriação geral da burguesia. O objecto das reivindicações transitórias é preparar o proletariado para resolver este problema.” dará lugar, nestes casos, a uma administração directa pelos operários.” A Resolução da Direcção Nacional de 14 de março diz ainda: E o Programa de Transição prossegue, a propósito da luta contra o desemprego: “Em particular, a luta contra o desemprego é inconcebível sem uma larga e ousada organização de grandes trabalhos públicos. Mas os grandes trabalhos não podem ter uma importância durável e progressista – tanto para a sociedade como para os próprios desempregados – sem que eles façam parte de um plano geral, concebido para um certo número de anos. No quadro de um tal plano, os operários reivindicarão a retoma do trabalho, à conta da sociedade, nas empresas privadas fechadas no seguimento da crise. O controlo operário 120 “A urgência da questão da proibição dos despedimentos para o conjunto das massas trabalhadoras faz com que a nossa palavra de ordem encontre um eco extraordinário, muito para além da nossa superfície habitual. O facto de que o PCF nos tenha recebido indica até que ponto esta palavra de ordem está em vias de ser agarrada pela sua própria base. É preciso amplificar e generalizar aquilo que, no momento em que escrevemos, já foi feito num número considerável de departamentos, e envolver-se, em cada localidade, na construção efectiva de comités pela marcha unida que tomem – sem esperar – as iniciativas que se imponham, e, sobretudo, não esperar pela autorização das instâncias locais dos partidos aos quais nós nos dirigimos.” Secção Francesa da 4ª Internacional Poderemos nós ritmar a discussão preparatória do 47º Congresso pela discussão sobre os passos dados nesse sentido, os obstáculos encontrados e os problemas de orientação levantados na construção desses comités? A implementação desses órgãos de combate político pela marcha unida, largamente abertos (e não cartéis da organização), constitui, com efeito, o melhor trampolim para o reforço dos comités locais do POI. 8. A questão da direcção revolucionária… Polemizando com aqueles que, entre os militantes da 4ª Internacional, responsabilizavam a “nãomaturidade” do proletariado pelo esmagamento do levantamento operário de Barcelona, em 1937 – viragem maior na revolução espanhola –, Trotsky responde a uma questão que não pode deixar de surgir na situação actual: “O que significa a ‘nãomaturação’ do proletariado? (…) Este modelo de sofisma procede do conceito de maturidade absoluta, quer dizer, uma condição de perfeição das massas na qual elas não têm nenhuma necessidade de uma di121 recção e, melhor ainda, são capazes de vencer contra a sua própria direcção. Ora, uma tal maturidade não existe e não pode existir. ‘Mas por que é que os operários, que mostram um instinto revolucionário tão seguro e, neste ponto, aptidões superiores no combate, se iriam submeter a uma direcção traidora?’– objectam os nossos sábios. Nós responderemos que não há o mínimo traço de uma tal submissão. A linha de combate seguida pelos operários cortava, a todo o momento, sob um certo ângulo, a da direcção, e, nos momentos mais críticos, este ângulo era de 180º. A direcção, então, directa ou indirectamente, ajudava a submeter os operários pela força das armas (…). A direcção não é, de modo nenhum, um ‘simples reflexo’ de uma classe ou o produto da sua própria potência criativa. Uma direcção constitui-se através de choques entre as diferentes classes ou de fricções entre as diferentes camadas no seio de uma dada classe. Documento preparatório do 47º Congresso... Mas, após a sua constituição, uma direcção eleva-se inevitavelmente acima da sua classe e arrisca-se, por isso, a ceder à pressão e à influência das outras classes. O proletariado pode ‘tolerar’, durante muito tempo, uma direcção que já sofreu uma total degenerescência interior, mas que não teve a ocasião de se manifestar no decurso de grandes acontecimentos. É necessário um grande choque histórico para revelar, de maneira aguda, a contradição que existe entre a direcção e a classe. Os choques históricos mais potentes são as guerras e as revoluções. É precisamente por esta razão que a classe operária é frequentemente apanhada desprevenida pela guerra e pela revolução. Mas, mesmo quando a antiga direcção revelou a sua própria corrupção interna, a classe não pode improvisar imediatamente uma direcção nova, sobretudo se ela não herdou do período precedente quadros revolucionários sólidos e capazes de tirar proveito do afundamento do velho partido dirigente (…).” Juntando toda a experiência que foi a sua na Revolução Russa, Trotsky responde à questão de saber: 122 “Como se efectuou a maturação dos operários russos. (…) Seria possível, por volta de janeiro de 1917, ou mesmo de março, depois do derrube do czarismo, responder à questão de saber se o proletariado russo estava suficientemente ‘maduro’ para conquistar o poder daí a oito ou nove meses? A classe operária era, nesse momento, extremamente heterogénea, social e politicamente. Durante os anos da guerra, ela tinha sido renovada a 30% ou 40%, a partir de camadas da pequena burguesia, frequentemente reaccionária, à custa de camponeses atrasados, à custa das mulheres e dos jovens. O Partido Bolchevique não foi seguido, em março de 1917, senão por uma insignificante minoria da classe operária, e, para além disso, a discórdia reinava no seu seio. Uma esmagadora maioria dos Secção Francesa da 4ª Internacional operários suportavam os mencheviques e os ‘socialistas-revolucionários’, quer dizer os social-patriotas conservadores. A situação era ainda menos favorável no exército e no campesinato. Resta ainda mencionar o nível cultural geralmente baixo do país, a falta de experiência política de grandes camadas do proletariado, particularmente nas províncias, para já não falar dos camponeses e dos soldados. Qual era o activo do bolchevismo? Somente Lenine possuía uma concepção revolucionária clara, elaborada até aos mínimos detalhes, no início da revolução. Os quadros russos do Partido estavam dispersos e bastante desorientados. Mas o Partido tinha autoridade sobre os operários avançados, e Lenine tinha uma grande autoridade sobre os quadros do Partido. A sua concepção política correspondia ao desenvolvimento real da situação, e ele ajustava-a a cada acontecimento novo. Estes elementos positivos provocaram maravilhas numa 123 situação revolucionária, ou seja, nas condições de uma luta de classe encarniçada. O Partido alinhou rapidamente a sua política até fazê-la responder à concepção de Lenine, ou seja, ao decurso verdadeiro da revolução. Graças a isso, ele encontrava um forte apoio em dezenas de milhares de trabalhadores avançados. Nalguns meses, fundandose sobre o desenvolvimento da revolução, o Partido foi capaz de convencer a maioria dos trabalhadores sobre a justeza das suas palavras de ordem. Esta maioria, organizada nos sovietes, foi, por sua vez, capaz de atrair os operários e os camponeses. Como é que este desenvolvimento dinâmico e dialéctico poderá ser reduzido à fórmula de ‘maturidade’ ou ‘imaturidade’ do proletariado? Um factor colossal da maturidade do proletariado russo, em fevereiro de 1917, era Lenine. Ele não caiu do céu. Ele incarnava a tradição revolucionária da classe operária. Mas, para que as palavras de Lenine pudessem encontrar o caminho das massas, era necessária Documento preparatório do 47º Congresso... a existência de quadros, por mais fracos que eles fossem no início; era necessário que estes quadros tivessem confiança na sua direcção, uma confiança fundada sobre a experiência do passado. Não considerar estes elementos nos seus cálculos, é pura e simplesmente ignorar a revolução viva, substituí-la por uma abstracção – ‘a relação de forças’ – porque a evolução das forças não cessa de se modificar rapidamente, devido ao facto que as camadas avançadas persuadem as mais atrasadas e que a classe toma confiança nas suas próprias forças. O elemento principal, vital, deste processo, é o Partido, da mesma maneira que o elemento principal e vital do Partido é a sua direcção. O papel e a responsabilidade da direcção, numa época revolucionária, têm uma importância colossal.” É difícil resumir, de forma mais concisa, toda a contribuição do bolchevismo para o combate emancipador do proletariado. É difícil formular, de forma mais acessível (por pouco que seja dada a tradução concreta para o momento actual), o lugar da nossa corrente para toda a camada de militantes operários que fazem, actualmente, a experiência de construção do Partido Operário Independente, numa situação que pode sofrer acelerações bruscas. Nenhuma “exterioridade” da nossa parte em relação aos processos concretos da luta de classes, nem nenhum “fetichismo leninista” – de que nos acusam, muitas das vezes, os nossos inimigos –, mas sim a exposição de um método, que devemos assimilar o melhor possível, a fim de ajudar a agregar todas as forças que se disponibilizam para a construção do partido revolucionário, de que o POI constitui a forma actual. 124 Secção Francesa da 4ª Internacional SEGUNDA PARTE Voltar aos fundamentos teóricos da questão da transição na construção do partido para abordar os problemas actuais Como já foi relembrado anteriormente, as reflexões e propostas submetidas nas notas que abrem a discussão preparatória do 47º Congresso da Secção Francesa da 4ª Internacional são, tal como os primeiros passos práticos registrados na construção do POI, o produto da elaboração colectiva da 4ª Internacional e da secção francesa quanto à definição da nossa orientação de transição desde a emenda de 1948, em relação com os desenvolvimentos políticos e a luta de classes desde há décadas, os resultados e dificuldades que nós ali registravámos…; esta elaboração esteve particularmente no centro dos 14º, 17º e 18º congressos. É o objecto desta segunda parte voltar a este assunto em detalhe. O último congresso da Corrente Comunista Internacionalista (46º Congresso da CCI – Secção Francesa da 4ª Internacional, realizado em março de 2008) comprometeu a nossa organização na preparação do congresso constitutivo do Partido Operário Independente. Esta orientação inscreve-se na colocação em marcha daquilo a que chamámos a orientação de transição na construção do partido. Antes de desenvolver as 125 Documento preparatório do 47º Congresso... condições particulares desta aplicação da transição na construção do partido às condições de 2009, é-nos necessário voltar aos fundamentos desta orientação. O 47º Congresso deve, portanto, pôr no seu centro a necessidade de dar um passo em frente na modificação das relações da secção francesa com as massas. É indispensável precisar: não haverá partido revolucionário antes da revolução, mas é preciso construir um partido revolucionário antes da revolução. improvisar imediatamente uma direcção nova, se ela não herdou do período precedente quadros revolucionários sólidos capazes de aproveitar o desabar do velho partido dirigente.” O partido revolucionário não surgirá automaticamente da crise do movimento operário, segundo o princípio dos vasos comunicantes. É preciso, para construir este partido, organizar uma larga linha da frente, mas isto é apenas a linha da frente. Leon Trotsky precisa: Como explica Leon Trotsky: “É preciso um grande choque histórico para pôr em relevo de forma contundente a contradição que existe entre a direcção e a classe. Os choques históricos mais poderosos são as guerras e as revoluções. É precisamente por esta razão que a classe operária se encontra muitas vezes apanhada desprevenida pela guerra e pela revolução. Mas até mesmo quando a antiga direcção revelou a sua própria corrupção interna, a classe não pode 126 “É certo que, no decurso de uma revolução, quer dizer, quando os acontecimentos se sucedem a um ritmo acelerado, um partido fraco pode rapidamente tornarse um partido poderoso, apenas na condição que ele compreenda lucidamente o curso da revolução e possua quadros experimentados que não se deixem embriagar pelas palavras nem aterrorizar pela repressão. Mas é preciso que um tal partido exista muito antes da revolução, na medida em que o processo de formação dos quadros exige Secção Francesa da 4ª Internacional demora considerável a que a revolução não dá tempo.” Nas condições actuais, a nossa orientação de “a 4ª Internacional constrói-se na linha da transição” não depende de uma táctica circunstancial (“depenar as aves”), mas sim, através do combate para construir o POI, do avanço na via de um partido operário independente – certamente “minoritário”, mas solidamente implantado – numa orientação de frente única para ajudar o proletariado a ultrapassar os obstáculos à sua própria luta de classes emancipadora, e, assim, modificar as relações entre a 4ª Internacional e as massas antes de abordar a crise revolucionária que está para vir. I. Foi no congresso da Secção Francesa (então PCI), em 1948, que se apresentou pela primeira vez uma emenda que dizia em substância: “Se, para os trotsquistas, é indiscutível que o ‘programa’ da 4ª Internacional é o único programa sobre o qual se pode construir o partido revolucionário, sobre o qual pode ser construído o partido mundial da revolução socialista em França, não está provado que este partido, de que a classe operária tem necessidade para vencer, se construirá no quadro formal que representa hoje o PCI.” Esta emenda de 1948 (que foi então rejeitada) inscrevia-se ela própria no prolongamento do Programa de Transição, programa de fundação da 4ª Internacional, redigido e adoptado dez anos mais cedo. Recordemos que o Programa de Transição caracteriza, por um lado, a crise da humanidade como a crise da direcção revolucionária do proletariado, fixando à 4ª Internacional a tarefa estratégica de resolver esta crise de direcção; e, por outro lado, como o seu nome o indica, este Programa de Transição formula toda uma série de reivindicações transitórias, cada uma delas devendo ajudar as massas a progredir na sua mobilização e a colocar, em relação com o seu estado de espírito e a sua consciência (e também com as suas ilusões, em particular a sua confiança nas velhas direcções), invariavelmente, a questão do poder. Eis a razão por que o Programa de Transição concede 127 Documento preparatório do 47º Congresso... um lugar central à orientação da frente única, directamente inspirada (generalizando-a) na marcha da Revolução Russa: a todos os partidos e organizações que se reclamam da classe operária, a 4ª Internacional lança a acusação capital de que eles não se querem separar do semi-cadáver político da burguesia; de todos estes partidos, ela exige que deem um passo na via da ruptura com a burguesia; a 4ª Internacional trará – sem renunciar à defesa independente do seu programa – um apoio incondicional a todo o passo em frente. De uma certa forma, os elementos de orientação de transição aplicada à construção do partido estavam inscritos em filigrana no Programa de Transição, se bem que Trotsky tenha respondido negativamente à questão colocada: a orientação de transição aplica-se à construção do partido? Portanto, dez anos mais tarde – tendo em conta a maneira como o impulso revolucionário das massas contido a seguir à 2ª Guerra Mundial tinha imposto os maiores recuos à classe capitalista à escala mundial, sem que, por via da política dos aparelhos, o seu poder tenha sido derrubado nos países capitalistas mais industrializados da Europa; tirando lições do facto de que os aparelhos (em particular o aparelho estalinista) tenham saído reforçados (se bem que incapazes de abrir uma qualquer perspectiva histórica) na sequência da 2ª Guerra Mundial – a emenda de 1948 procurou prolongar a reflexão sobre a transição, sobre o plano da construção do partido(6). A emenda de 1948, tal como a elaboração que a partir dela foi feita pela Secção Francesa – em particular, do 14º ao 17º Congressos –, representa o ponto mais elevado da elaboração feita, a este respeito, no período que se seguiu à 2ª Guerra Mundial. 6 – Nessa época, o PCI estava atravessado por uma crise expressa pela oposição entre uma corrente cuja política a levaria ao abandono da 4ª Internacional – e que defendia um agrupamento alargado – e uma outra corrente que, formalmente, se apoiava sobre a necessidade de manter a 4ª Internacional, ao mesmo tempo em que se contentava com um enquistamento sectário. A emenda – que introduzia a noção da transição na construção do partido revolucionário – indicava, de forma concreta, como é que a defesa indispensável da 4ª Internacional e do seu programa só podiam encarnar-se numa política permitindo o desenvolvimento efectivo da Secção Francesa da 4ª Internacional. O autor dessa emenda foi o camarada Pierre Lambert. 128 Secção Francesa da 4ª Internacional da organização revolucionária” de maneira a que “ela fosse ao máximo dona dos seus objectivos e que ela exprimisse, em cada uma das fases pelas quais passasse o movimento da classe operária, a perspectiva unificadora do seu combate”. Mas a necessidade de transição na construção do partido revolucionário e da 4ª Internacional está presente no combate e na reflexão de Trotsky e dos militantes trotsquistas desde que se desencadeou a acção para a constituição de uma nova Internacional. A construção da 4ª Internacional é inseparável da reconstrução do movimento operário internacional segundo um novo eixo. Tratava-se, em particular, de “lhe dar os meios para atacar a resistência dos aparelhos, a sua vontade de sabotar a realização da frente única operária, tão mais ferozmente quanto era sentida a necessidade dela cada dia um pouco mais claramente por milhares e milhares de trabalhadores”. O problema era, a cada momento – enquanto se construíam as organizações da 4ª Internacional –, ligá-las, assegurar a sua junção com as forças que tendiam a reunir-se em volta de um novo eixo. II. Foi o 14º Congresso da Secção Francesa (1965) que, colocando na ordem do dia a passagem do grupo à organização, constituindo a Organização Comunista Internacionalista (a OCI), desenvolveu plenamente esta orientação. Proclamando a constituição da OCI, o 14º Congresso considerava necessário que esta “se afirmasse politicamente”, o que passava pela “homogeneização e a centralização políticas O 14º Congresso adoptou a linha estratégica da Liga Operária Revolucionária. Esta apoiava-se em dois termos de uma perspectiva. O primeiro era constituído pela correcção de 1948. O segundo pela compreensão de que “a primeira etapa de toda a mobilização revolucionária passa sempre em parte pelas grandes organizações tradicionais, mesmo numa situação soviética”. 129 “Os dois termos da Documento preparatório do 47º Congresso... nossa perspectiva tomam como ponto de partida que ‘a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores’ e que, para assegurar por eles próprios a sua emancipação, é indispensável a mediação do partido. Por outras palavras, é no movimento da classe e para o exprimir em termos de consciência que o partido revolucionário se constrói. Mas o movimento da classe é histórico, quer dizer, condicionado pela luta de classes; estes resultados – organizações, direitos, garantias – que fundamentam a classe enquanto classe são dominados por aparelhos ao serviço da burguesia. O movimento da classe é o movimento total que leva consigo toda a herança do passado, com todas as suas determinações e estratificações. O movimento da classe para se realizar – o que passa pela experiência que ela própria faz, ajudada pela vanguarda – choca-se inevitavelmente com a política burguesa dos aparelhos. Mas estes 130 controlam a classe, porque controlam as organizações que a classe criou para a sua emancipação; a classe continua a ver – pelo menos na primeira etapa da mobilização revolucionária – essas organizações dominadas por aparelhos como instrumentos da sua emancipação. Mas os aparelhos controlam as organizações através dos militantes, quadros organizadores do combate operário, que conservam a confiança nas direcções tradicionais. É assim que um outro movimento se desenvolve, em parte dependendo, em parte contraditório com o movimento da classe: é o movimento dos militantes e quadros organizadores, sob o controlo dos aparelhos. O movimento destes militantes é contraditório. Aceitando seguir a direcção do aparelho, eles conduzem ao impasse o movimento da classe para a sua emancipação; mas, procurando permanecer fiéis à sua classe, esses militantes entram em conflito com a política burguesa do aparelho. Os militantes Secção Francesa da 4ª Internacional e quadros organizadores – que querem ser fiéis aos interesses do proletariado – devem igualmente, ajudados pela vanguarda, fazer a sua própria experiência. Formados na escola dos partidos tradicionais, estes militantes não podem de repente dar o salto até à vanguarda organizada com base no ‘programa’ da 4ª Internacional. A perspectiva da Liga Operária Revolucionária agarra os militantes e quadros organizadores a partir da sua vontade de continuarem militantes fiéis à sua classe, portanto em oposição aos aparelhos burgueses. Ela representa uma formação de carácter transitório em direcção ao partido revolucionário, que assegura aos militantes a possibilidade, respeitando a democracia operária, de permanecerem militantes ‘luta de classe’.” Polónia, enquanto que a intervenção militar do imperialismo estadunidense se chocava com uma resistência crescente da juventude e da classe operária nos próprios EUA. Em 1970, a brochura “Alguns Ensinamentos da Nossa História” tirava, como o seu nome indica, algumas conclusões sobre a história da Secção Francesa da 4ª Internacional, voltando em particular ao significado da orientação estratégica da Liga Operária Revolucionária. Em junho de 1971, o 17º Congresso da OCI adoptava teses que ligavam a perspectiva da Liga Operária Revolucionária à análise do período caracterizado como sendo marcado pela “iminência da revolução”. Nessa publicação pode ler-se: III. Esta elaboração política prosseguiu após a Greve Geral de Maio de 1968, que se conjugou, à escala internacional, com o desenvolvimento da revolução política na Checoslováquia e na 131 “1. A crise de decomposição do imperialismo atingiu um estádio em que tende a transformar-se em cada país, inclusive nos Estados Unidos, numa crise da dominação de classe de cada burguesia. Mas a crise de dominação de classe das burguesias de cada país converge na concentração dos problemas levantados por esta crise, nos principais países do Ocidente e, em particular, na Europa, Documento preparatório do 47º Congresso... que se torna assim numa aposta do período da iminência da revolução. política que se anuncia na União Soviética, bem como a firme vontade do imperialismo de não ceder à utilização da pressão da luta de classes internacional, conduzem a casta contrarevolucionária do Kremlin a aceitar que a direcção da luta contra-revolucionária seja confiada ao imperialismo dos Estados Unidos. 2. A crise conjunta da burocracia estalinista atingiu um limiar em que – depois de se ter expressado nos países do Leste, na China – o processo da marcha em frente da revolução política ameaça desencadear-se na própria União Soviética. 3. O imperialismo mundial – e particularmente o seu chefe de fila, o imperialismo estadunidense – e a burocracia do Kremlin, perfeitamente conscientes do que está em jogo de imediato na luta de classes internacional, tendem a unificar as suas forças e a sua política contra a revolução. Mas, ao contrário do que se passou em 1944 nos Acordos de Yalta, a burocracia de Moscovo já não está na situação em que – para conduzir a sua política contra-revolucionária de acordo com o imperialismo, utilizando a pressão revolucionária das massas – podia conservar uma plena autonomia. A revolução 4. O proletariado internacional e em cada país – apesar dos insucessos, dos quais nenhum teve um carácter decisivo – não somente conserva intacto o seu potencial de classe, mas é conduzido, em relação com o aprofundamento das condições objectivas, a empenhar-se em combates cujo objectivo é directamente o poder.” (O texto contem aqui longas citações de teses do 17º Congresso que retomam a questão da transição na construção do partido. O texto integral destas teses – em conjunto com a resolução política do 18º Congresso do OCI – foi reproduzido numa brochura publicada pela livraria Selio.) 132 Secção Francesa da 4ª Internacional IV. O 18º Congresso (dezembro de 1972) prolonga a elaboração iniciada pelo 17º Congresso. Numa situação marcada pela assinatura do Programa Comum (entre os dirigentes do Partido Socialista, do Partido Comunista e do partido burguês dos Radicais de Esquerda), o relatório preparatório ao 18º Congresso recorda: “Nós somos, absoluta e incondicionalmente pela defesa das liberdades democráticas e pelo seu alargamento. Pronunciamo-nos contra a ‘democracia política’ (burguesa), porque sabemos que a manutenção do próprio domínio democrático da burguesia, na época do imperialismo, é ‘a reacção em toda a linha’.” O relatório preparatório cita Trotsky: “Durante numerosas décadas, no interior da democracia burguesa, servindo-se dela e lutando contra ela, os operários edifica-ram as suas fortificações, as suas bases, os seus lares de democracia proletária: sindicatos, partidos, 133 clubes de educação, organizações desportivas, cooperativas etc. O proletariado pode chegar ao poder não nos quadros formais da democracia burguesa, mas somente pela via revolucionária. Isto está demonstrado tanto pela teoria como pela experiência. Mas é precisamente para poder construir a via revolucionária que o proletariado tem necessidade das bases de apoio da democracia operária no interior do Estado burguês.” E o relatório comenta: “É assim que, em relação com o seu estado de espírito, nós ajudaremos as massas – para que o aprofundamento da democracia signifique a extensão das suas próprias liberdades, garantias e direitos contra a exploração – a compreender, pela sua própria experiência, o conteúdo burguês do Programa (Comum) e a necessidade de pôr fim à dominação reaccionária da burguesia (…). Nós não adaptamos, em nenhum caso, a nossa Documento preparatório do 47º Congresso... política a uma política de manutenção de domínio da burguesia, mesmo sob uma forma democrática. Mas todo o marxismo nos ensina que, até à instauração da ditadura do proletariado, a luta pelas liberdades democráticas é inseparável da luta para alargar as conquistas operárias e para a revolução. a classe operária, organizando-se como classe, pode garantir as liberdades democráticas.” Com base nestes princípios, o 18º Congresso da OCI devia resumir o lugar da estratégia da construção do partido revolucionário, segundo a perspectiva da Liga Operária Revolucionária (LOR), num certo número de pontos, de que citamos aqui os seguintes: Nós não faremos nenhuma concessão política aos aparelhos que defendem a dominação da burguesia contra a revolução, mas aceitaremos todos os compromissos que visem desenvolver as liberdades democráticas, sabendo que, na nossa época, a luta para as reivindicações democráticas não pode organizar-se senão contra todas as camadas da burguesia, todas perfeitamente conscientes do facto de que a sobrevivência do regime burguês – no quadro da crise irremediável do sistema da burguesia – é incompatível com o desenvolvimento da democracia política (burguesa). É por isso que somente 134 “1. A experiência das lutas revolucionárias demonstra que o proletariado não aborda nunca o período directo da revolução com um partido revolucionário reconhecido como direcção. Nós analisámos com bastante detalhe, ao longo deste relatório, o conteúdo da conclusão que precisamos de tirar da experiência histórica: em todas as revoluções, os primeiros confrontos revolucionários reforçam as velhas direcções. 2. É preciso ao proletariado, para vencer, um partido revolucionário dirigente unido com base no programa da 4ª Internacional. 3. A OCI – ainda que construída com base no pro- Secção Francesa da 4ª Internacional grama da 4ª Internacional – não é o partido dirigente, para o qual ela combate. 4. Se os ritmos abertos pela situação dão à OCI todas as possibilidades de passar, rapidamente, da fase de grupo à de organização, reconhecemos que a experiência das lutas revolucionárias que as massas devem fazer pelo seu próprio movimento, bem como a relação de forças – no interior da classe e da juventude, e entre os partidos e a OCI – não permitem à OCI pretender ser reconhecida como direcção no início do período dos confrontos revolucionários. Será necessário tempo. Os grandes abanões revolucionários, agitando a dominação dos partidos no movimento operário, abrindo directamente um período em que – se nós tivermos construído antecipadamente a organização comunista centralizada, que não será o partido dirigente – as possibilidades de construir efectivamente o partido revolucionário dirigente estarão abertas. 135 5. O período de iminência da revolução, a crise internacional da burocracia estalinista e a nossa própria intervenção já criaram uma corrente potencial – no seio de uma camada de militantes controlada pelos partidos, bem como entre os jovens e os trabalhadores não organizados – que tende a pôr em causa a política burguesa das velhas direcções, a um nível que já não é o da espontaneidade dos movimentos de massas. 6. Esta corrente potencial tenderá a organizar-se como uma corrente centrista. 7. O poder de controlo dos aparelhos sobre a classe, as ilusões desta corrente potencial na eficácia de uma política de pressão sobre as velhas direcções, o centrismo reaccionário organizado (…) e os seus aliados do esquerdismo decomposto (apontam) ainda para a passagem directa a uma organização centrista. 8. Se é indispensável medir a força potencial desta corrente – que não Documento preparatório do 47º Congresso... pode senão reforçar-se no decurso dos acontecimentos –, isto não quer dizer que não possamos canalizar para nós uma larga fracção dessas camadas, dando assim duros golpes no centrismo reaccionário. 9. É aqui que se insere a perspectiva estratégica da Liga: um quadro de militantes, controlados pelas velhas direcções, esforçase por fazer pressão sobre elas para as levar a responder às aspirações das massas. A este quadro de militantes, nós oferecemos uma política, explicações, palavras de ordem que são as únicas aptas a responder às aspirações das massas. Devemos oferecer-lhes uma forma de organização ao nível da sua própria experiência. Nós dizemos a estes militantes: dada política, palavra de ordem, táctica de luta, ou explicação – vocês mesmos o admitem – pode unir os trabalhadores e a juventude contra o capital e o Estado. Vocês aprovam esta política da OCI, mas não aceitam a conclusão que dela tiramos: construir um novo partido. Vocês pensam que podem utilizar as velhas organizações para a defesa dos interesses dos trabalhadores; é o vosso direito, tal como é o nosso pensar de maneira diferente. Combatamos juntos com base na política, nas palavras de ordem e na táctica sobre a qual estamos de acordo. Organizemo-nos para agir com base nesta política, nestas palavras de ordem e nesta táctica. A experiência e a livre discussão nas fileiras da classe operária indicarão quem tem razão.’ ‘Para nós, há apenas um partido que pode responder às aspirações das massas: o partido revolucionário da 4ª Internacional, que constitui o objectivo do combate da OCI. Mas o combate da OCI sobre uma (…) 14. A perspectiva da LOR – visando a construção do partido revolucionário e reintegrando a transição na luta para a sua construção – deixa, portanto, abertas todas as possibilidades, segundo as 136 Secção Francesa da 4ª Internacional circunstâncias. O ponto de partida continua a ser a construção da OCI que – ao passar da fase de grupo à organização comunista – dotou-se dos meios para resistir, como organização independente, à formidável pressão dos aparelhos que dirigem as organizações tradicionais, combinada com a pressão das organizações centristas.” V. Voltar a estes elementos é indispensável para aqueles que querem assimilar a continuidade da elaboração teórica que nos conduz ao Partido Operário Independente, mas também a relação que une a análise das condições objectivas à dos processos na classe operária e, ainda, às conclusões que devem daqui ser retiradas do ponto de vista das formas que reveste a transição na construção do Partido. Passados todos estes anos, o que é necessário reter da análise desenvolvida pelo 17º e 18º Congressos? a. A formulação feita pelos 17º e 18º Congressos do período de iminência da revolução apoiava-se, vimo-lo, sobre toda uma série de elementos objectivos que o desenvolvimento histórico ulterior verificou perfeitamente: falhanço do regime capitalista fundado sobre a propriedade privada dos meios de produção, marcha para a crise de desmantelamento da burocracia da URSS, cuja falência era inevitável, junção entre os processos da revolução social e da revolução política, colocando efectivamente na ordem do dia a revolução proletária. b. A Revolução Portuguesa foi, deste ponto de vista, a última revolução proletária clássica no Velho Continente (197475), com todos os elementos “clássicos” de uma tal revolução, incluindo tanto a procura, pelas massas, da constituição de “comités/conselhos”, como o movimento em direcção às “velhas organizações” consideradas como instrumentos para a satisfação das reivindicações, inclusive as reivindicações democráticas. Esta revolução – em que se apoiou o movimento ascendente da classe operária, no Oeste da Europa, no final da década de 1970 (incluindo o movimento que, ligando a luta de classes 137 Documento preparatório do 47º Congresso... directa à sua tradução eleitoral, expulsou Giscard do poder, em 1981, em França) – liga-se, no tempo, à marcha para a revolução política directa, em que a irrupção das massas na Polónia, que dá origem ao primeiro sindicato operário independente no Leste da Europa (1980), foi um momento de viragem. Contudo, a iminência da revolução não significava, de maneira mecânica, a iminência da vitória da revolução. “Falta ao proletariado, para vencer, um partido revolucionário dirigente unido com base no programa da 4ª Internacional”, avisava o 18º Congresso. c. Contudo, a Revolução Portuguesa – revolução proletária de uma profundidade considerável – foi contida pela classe burguesa e pelos aparelhos (em primeiro lugar pelo aparelho estalinista, secundado pelo Secretariado Unificado, mas também pela social-democracia) em limites que levaram ao estabelecimento de uma democracia política que não teve paralelo no resto do continente, mas, ao mesmo tempo, impedindo que o proletariado se apode- rasse do poder, devido à fraqueza do factor subjectivo. Num outro plano, a Revolução Polaca – também ela de uma profundidade e de um carácter operário sem precedentes – foi contida pela acção conjunta dos aparelhos que controlavam o movimento operário e do aparelho da Igreja Católica, em limites que deram, por um lado, uma folga à burocracia estalinista (se bem que, desde aí, ela tenha ficado mortalmente atingida), e, por outro lado, permitiram que o imperialismo mantivesse o controlo da situação. O conjunto destes processos verificou-se, de maneira concentrada, em 19891991. d. A queda do Muro de Berlim foi, indiscutivelmente, o produto de um processo de mobilização revolucionária das massas exigindo, objectivamente, a unidade da nação alemã e a unidade da classe trabalhadora, e colocando assim na ordem do dia a marcha conjunta para a revolução social no Oeste e a revolução política no Leste – contra a divisão da Alemanha, imposta conjuntamente, em Yalta e Potsdam, pelo imperialismo e pela burocracia. O afundamento da burocracia estalinista que se seguiu foi apenas uma 138 Secção Francesa da 4ª Internacional confirmação desta realidade. e. No entanto, somos forçados a constatar que, tanto a queda do Muro como o afundamento da URSS não desembocaram na revolução política vitoriosa. A burocracia corrompida fragmentou-se em diversos segmentos de uma camada mafiosa intermediária, oferecendo os seus serviços e entregando as riquezas nacionais ao imperialismo, ao mesmo tempo em que constituía pequenos clãs mafiosos que se apropriaram da propriedade social. As massas revoltadas e activas na Polónia, na Alemanha – e mesmo na URSS – não foram capazes, pelo seu próprio movimento, de ultrapassar a ausência de direcção revolucionária. É necessário sublinhar aqui que, novamente, é a falta do factor subjectivo que está em causa. Em particular, é preciso destacar o papel abertamente contra-revolucionário de todos os dirigentes do PS, do PC e do SU, que, numa madrugada de 1989 ou de 1990, despertaram como partidários declarados da economia de mercado, rebaptizada com o nome de “economia social de mercado” por alguns deles (Mandel e companhia) e decretada horizonte intransponível da História humana. Pelo contrário, foi com base na verificação do marxismo pelos factos – e, portanto, da falência definitiva do capitalismo em agonia – que nós nos empenhámos, depois de 1991, na via da reproclamação da 4ª Internacional. f. O desmoronamento da URSS criou uma situação inédita. A alternativa fixada por Trotsky: ou triunfo da revolução política, ou a destruição da propriedade social, acelerando um processo de bonapartização, de fascização e de dominação capitalista à escala mundial, não teve o seu desfecho nestes termos. De uma certa maneira, essa alternativa foi diferida no tempo. A queda da URSS – o desmantelamento daquilo que foi a principal conquista do proletariado mundial durante o século XX – provocou, e continua a provocar, um golpe crucial contra a classe operária, não somente da ex-URSS, mas do mundo inteiro. Ela abriu a porta à mais formidável ofensiva de desmantelamento dos direitos adquiridos e conquistas da democracia operária, no seio do regime capitalista, à escala mundial. Ela alimentou formas desenvolvidas de decomposição no movimento operário. 139 Documento preparatório do 47º Congresso... g. Mas, ao mesmo tempo, a impotência histórica do regime capitalista fundado sobre a propriedade privada dos meios de produção, longe de ser momentaneamente ultrapassado pela “abertura de novos mercados” no Leste da Europa, precipitou-se pelo contrário, mais brutal e rapidamente do que nunca, numa fase de apodrecimento generalizado. A crise actual – a mais profunda, a mais brutal, sem comparação alguma com nenhuma das crises anteriores, incluindo a de 1929, uma crise sobre a qual ninguém pode dizer até onde vai, em que é que desembocará, e que já é a mais gigantesca crise destrutiva de forças produtivas que o capitalismo teve em tempos de “paz” – confirma as posições da 4ª Internacional sobre a impossibilidade de “restaurar” o capitalismo no Leste da Europa e, mais geralmente, de ver nessa restauração a mínima abertura para um novo futuro da “economia social de mercado”. VI. O facto de que o desenvolvimento da revolução política tenha podido, assim, ser contrariado, e que, num primeiro tempo, longe de levar a um reforço do proletariado, a queda da burocracia – porque se combinou com a queda das próprias bases da URSS e de todas as conquistas saídas de Outubro de 1917 – tenha marcado o ponto de partida de uma fase de recuo, situação inédita sob esta forma, teve um certo número de consequências políticas, inclusive sobre a maneira de abordar a questão da transição na construção do partido. Por um lado, a crise das organizações operárias, principalmente dos PCs, não tomou a forma do afastamento de “sectores inteiros”, constituindo-se em correntes que, apoiando-se sobre o combate de defesa das conquistas de Outubro, tivessem ficado disponíveis para um processo de reagrupamento transitório; é mais uma fragmentação dos partidos, ou mesmo o seu desaparecimento, que foram provocados pela queda da URSS, libertando mais forças sob a forma de indivíduos e de militantes (em grande número, aliás) que correntes constituídas e cristalizadas. Tal como era precisado na resolução do 17º Congresso: 140 Secção Francesa da 4ª Internacional “Muitas outras eventualidades estão abertas. De momento, é necessário construir a OCI, recrutar, reforçar a organização dos partidários da 4ª Internacional, reintegrando o combate pela construção do partido revolucionário na transição: a perspectiva da Liga Operária Revolucionária dando-nos assim toda a flexibilidade indispensável, toda a agilidade necessária para cumprir as nossas tarefas, tanto de imediato como na futura situação revolucionária.” Por outro lado, isto teve consequências sobre a maneira de colocar todas as questões da democracia política. Desde 1983-1984, quando o governo Miterrand-Fiterman-Delors(7) operava a “viragem do rigor” – o que constituiu, pela primeira vez, um ataque brutal contra as conquistas que constituem a classe trabalhadora, levado a cabo por um governo dito de “esquerda” – a Secção Francesa da 4ª Internacional começa a desenvolver aquilo a que chamámos, nessa época, “a linha da democracia”. Desde 1972, já o vimos, o 18º Congresso tinha sublinhado a “incompatibilidade” entre “a sobrevivência do regime burguês, no quadro da crise irreversível do sistema da propriedade privada” e “o desenvolvimento da democracia política (burguesa)”. Depois de 1983, prolongando a Teoria da Revolução Permanente, compreendemos que o imperialismo, tendo entrado na sua fase de decomposição, é levado a ir extremamente longe no ataque a todas as formas da democracia burguesa, mesmo formais. É por isso que cabe ao proletariado encarregar-se da defesa e reconquista de todos os elementos da democracia burguesa formal, o que é de uma certa maneira indissociável da existência do proletariado no regime capitalista. É sobre esta linha que se desenham convergências, principalmente com sectores de militantes que, na classe, procuram defender “as reformas” contra as “contra-re- 7 – François Mitterrand tinha sido eleito presidente da República em 1981. Delors, dirigente do Partido Socialista, tinha sido nomeado ministro das Finanças e da Economia. Fiterman era um dos dirigentes do Partido Comunista Francês, que nessa época fazia parte do governo. 141 Documento preparatório do 47º Congresso... formas” corporativistas, conduzindo à formação do Movimento Para um Partido dos Trabalhadores (MPPT, 1984-1985) e, na sua continuidade, à proclamação do Partido dos Trabalhadores, em 1991. Precisemos: a partir do momento em que o imperialismo decomposto, estrangulado pela ausência da própria margem de manobra que o caracteriza, é levado a recusar aos aparelhos as migalhas de que se serviam até aí para tentar comprá-los, foi criada uma situação nova. Obrigado a tomar a seu cargo as contrareformas, o aparelho reformista encontra-se perante uma alternativa: ou ceder, e tornar-se um aparelho contra-reformista que se destrói a si próprio; ou então – para não renunciar a defender as reformas – ser obrigado a manter-se (ou a orientar-se) no sentido da independência de classe (não sem ziguezagues ou contradições). Esta compreensão (que estava já presente no famoso compromisso de 1969 sobre o “não” no referendo) encontrou, a partir do início da década de 1980, uma expressão nova na luta de classes directa comum. Este reconhecimento da linha da democracia levou-nos, de uma certa maneira, a precisar o nosso ponto de vista sobre a democracia política. Não que, a partir dos anos 1980, a democracia política fosse um fim em si mesmo: a 4ª Internacional permanece partidária da democracia operária, o seu fim não é democratizar o regime capitalista da exploração, mas sim derrubá-lo. Nós compreendemos, perfeitamente, que a democracia política permanece uma arma possível entre as mãos da burguesia para conter a revolução proletária e opor-se a ela. Mas nós compreendemos também que, na transição, deve, a partir de agora, ser inscrita a defesa e a reconquista da democracia política, uma vez que a classe capitalista se empenha em destruí-la em todos os seus aspectos. É também esta mesma orientação que levará a 4ª Internacional a considerar que, face ao desmantelamento de todas as nações pelo imperialismo decomposto, lhe cabe a responsabilidade de colocar na ordem do dia a defesa da soberania das nações, ligada à questão da soberania dos povos, como elementos que colocam sobre as costas do proletariado a defesa de tudo o que de progressista a burguesia construiu, e que nenhum dos seus segmentos está 142 Secção Francesa da 4ª Internacional actualmente em medida de defender. É necessário ao proletariado, como dizia Lenine, “voltar ao seu próprio 1789, ao seu próprio 1848, ao seu próprio 1871”. Isto é, sem dúvida, mais verdadeiro hoje do que nunca. VIII. A constituição do Partido Operário Independente inscreve-se numa situação nova. A queda da URSS, abrindo a via a uma fase de mafiosação acelerada de toda a economia mundial, encontrou a sua continuidade no 11 de Setembro de 2001. No entanto, o imperialismo reivindicava abertamente o recurso a meios de facto extraordinários para manter o seu domínio. A queda da URSS encontrou sobretudo a sua continuidade na extraordinária crise de decomposição que atinge a economia capitalista nos seus fundamentos, desde há mais de um ano, e em que, repitamo-lo, o pico não foi ainda atingido. Uma tal situação é, de uma certa maneira, a mais propícia ao desenvolvimento da 4ª Internacional. Os golpes desferidos contra as massas empurram-nas, necessariamente, para a via da radicalização política (de que uma das expressões deformadas é a eleição de Obama, que marca, do ponto de vista do imperialismo, uma reorientação necessária depois dos oito anos do governo Bush que, através de uma constante fuga para a frente, a conduziu à beira do abismo). A incapacidade do regime capitalista em garantir que não tocará senão a sobrevivência mais elementar – o simples direito ao trabalho, ao salário, a possibilidade de se alimentar, de se alojar, de se vestir – levanta as massas na via da acção de classe, alimenta uma radicalização que se exprime a todos os níveis, inclusive no seio das organizações (radicalização para que nós também contribuímos). Ao mesmo tempo que esta falência do regime capitalista coloca na ordem do dia – com uma actualidade infinitamente superior à verificada nos últimos trinta anos – todas as palavras de ordem de expropriação do capital, da confiscação e da socialização dos meios de produção. Contudo, isto não significa que as massas, num primeiro tempo, se irão voltar para o programa da 4ª Internacional. Seguindo as leis históricas, numa primeira fase da luta de classes elas voltam-se para as suas organizações tradicionais. Isto é verdade, em primeiro lugar, no plano sindical – e nós vimo-lo nos últimos processos, principalmente a 29 de janeiro, a 19 de 143 Documento preparatório do 47º Congresso... março etc. –, mas também pode ser verdade no plano político. Deste ponto de vista, não se deve confundir o grau extremo de decomposição atingido pelo Partido Socialista ou pelo Partido Comunista com o facto de que, em nenhum caso, nos meses que vêm, estes partidos (ou, sob uma outra forma, o Partido de Esquerda ou o NPA) possam desempenhar um certo papel – inclusive ao nível eleitoral – como expressão deformada da busca pelas massas de uma saída política. É necessário agora, mais do que nunca, evitar qualquer hegemonismo e compreender quais são as exigências de uma autêntica política de frente única, bem como o lugar exacto do POI. Este partido, já o dissemos, não foi fundado com base no programa da 4ª Internacional. É preciso compreender – e fazer compreender, na discussão do 47º Congresso – que a batalha para ter 10 mil filiados, em junho, é essencial para construir e estruturar o POI. E, ao mesmo tempo, o POI não se construirá e não se desenvolverá, de maneira linear, por um simples recrutamento individual, nem aliás pela afluência espontânea de milhares e mil- hares aliando-se à nossa bandeira, mas sim pelo facto que, através do combate quotidiano para reforçar o POI, pelo recrutamento, nós ficamos por dentro das reviravoltas da classe – cisões, fusões, realinhamentos, centrismo e rupturas –, que não deixarão de brotar da crise do movimento operário, sob o efeito da luta de classes e da nossa intervenção consciente nesse processo. O Congresso de fundação do POI marcou, pela primeira vez a esta escala, a capacidade da corrente trotsquista se associar: • por um lado, a uma larga camada de militantes e dirigentes sindicais entalados pela ofensiva destrutiva de todas as formas de democracia política (incluindo os sindicatos), colocada em marcha pelo imperialismo, e procurando uma saída política; • por outro lado, pela junção com uma larga camada de presidentes de Câmaras e de outros eleitos (8), que – para defender a República e as comunas – não encontraram outro ponto de apoio senão a acção organizada por iniciativa dos militantes da 4ª Internacional. É necessário, em permanência, mantermos bem 8 – Eleitos – referência ao que, no Brasil, chama-se de prefeitos e vereadores (NdE). 144 Secção Francesa da 4ª Internacional presente no espírito que o POI é também o partido de milhares de presidentes de Câmara que se agruparam em torno da candidatura de Gérard Schivardi (9), em defesa das comunas; e também o partido que tomou a iniciativa do Apelo de Roquebrun, com as suas 6.000 assinaturas de eleitos etc. Este capital político, estejamos certos disso, ser-nos-á seguramente disputado no próximo período. Nestas condições, nós estamos confrontados, sobre a linha da transição, a uma necessária elaboração sobre aquilo que é o POI, sobre aquilo em que ele deve tornar-se e sobre a maneira como os trotsquistas devem trabalhar nesse sentido. O POI não é o partido da 4ª Internacional. Mas, ao mesmo tempo, o seu programa não contém nada de contraditório com o programa da 4ª Internacional. Hoje – numa fase de decomposição, na qual, ao mesmo tempo, termina um período e a classe não pode combater senão apoiando-se na defesa e na preservação de tudo aquilo que foi arrancado no decurso desse período –, a construção do POI, como autêntico partido operário independente, significa, de facto, a ajuda à reconstrução do movimento operário segundo um novo eixo, não de uma maneira proclamatória e hegemonista, mas inscrevendo-se constantemente numa política de frente única cada vez mais audaciosa. Até agora, ninguém pode dizer que forma tomará amanhã o partido revolucionário capaz de conduzir a classe operária à vitória. Ninguém pode predizer as formas que tomará este partido e que relação terá com o programa da 4ª Internacional. Numerosas hipóteses podem ser encaradas. Tudo está em aberto. Mas qualquer que seja a evolução, quanto mais nós formos capazes de fazer progredir o POI na sua construção como pólo político – agregador de todos os sectores e de todos os elementos que vão no sentido da reconstrução da independência de classe do movimento operário, no quadro de uma política de frente única –, mais nós ajudaremos a nossa classe a progredir na direcção de uma solução positiva. 9 – Gérard Schivardi – militante socialista de longa data e presidente da Câmara de uma comuna rural – foi o candidato às eleições presidenciais das forças que se situavam sobre o terreno da democracia e da independência de classe. Actualmente, ele é um dos secretários nacionais do Partido Operário Independente. 145 Documento preparatório do 47º Congresso... A cada dia sua pena. Na discussão preparatória deste 47º Congresso são estas as questões que nos estão colocadas. Elas exigem a compreensão de que a transição é uma questão de cada instante. A amálgama política (no bom sentido do termo) que se deve operar no seio do POI – entre os elementos gradualmente assimilados saídos do programa da 4ª Internacional (não como uma coisa em si, mas como a generalização de toda a história do movimento operário e da sua experiência) e as camadas e os militantes que se juntam ao POI – só pode ser feita no próprio processo de construção do POI como partido, sem reservas e sem restrição da nossa parte, sempre preservando (e reforçando) o quadro específico da Secção Francesa da 4ª Internacional. No futuro irão ter lugar os maiores afrontamentos de classe – eles terão um carácter seguramente inédito, e mesmo surpreendente. O movimento operário está numa crise sem precedentes, submetido ao fogo da destruição e da integração corporativista; ele vai passar por novas convulsões, cisões, reagrupamentos, cristali- zações centristas, rupturas, recomposições, ou mesmo desmoronamentos e desaparecimentos. É para isso que nos devemos preparar e preparar “quadros revolucionários sólidos, capazes de tirar proveito da derrocada do velho partido dirigente”. Este partido não surgirá de um processo puramente linear de construção de um partido acabado. O seu desenvolvimento inscreve-se na sua própria intervenção nos processos de decomposição e de recomposição, nas diferentes etapas da luta de classes. Ele passará necessariamente por evoluções e choques; para responder a esses acontecimentos, será necessário manter firmeza em defesa dos princípios do programa, bem como “agilidade” e “flexibilidade” na sua aplicação, porque o que está em jogo neste 47º Congresso é a preparação organizada dos grandes afrontamentos de classe que estão à frente. 146 Notas adoptadas por unanimidade pelos membros da direcção da Secção Francesa de 18 e 19 de abril de 2009 Venezuela: a era Chávez por Julio Turra Há pouco mais de 10 anos, Hugo Chávez era eleito presidente. Em 1998, apresentando-se como candidato contra os partidos que há 30 anos repartiam o poder na Venezuela, a Ação Popular (AP) e o Copei (democracia-cristã) (1), o ex-tenente coronel Hugo Chávez Frias foi eleito pela primeira vez presidente da nação, com extraordinário apoio popular. Chávez havia se tornado conhecido por liderar outros jovens oficiais do Exército numa tentativa de golpe de Estado em abril de 1992 contra o então corrupto governo de Carlos Andrés Perez (AD), responsável anos antes (1989) pela violenta repressão contra a insurreição popular conhecida como “Caracazzo”, em que o povo saiu às ruas de Caracas, a capital venezuelana, em protesto contra um pacote do FMI de alta de preços. A repressão causou mais de mil mortos. Essa insurreição anunciou a crise mortal do regime e abalou todas as instituições de Estado, incluindo o Exército. O próprio Chávez, anos depois, data o início do processo revolucionário na Venezuela na eclosão do “Caracazzo”, que demonstrou à luz do dia o enorme fosso existente entre as massas exploradas e o “bi-partidarismo” AD-Copei, que estava instalado no país desde o final da ditadura de Perez Jimenez 1 – A alternância AD e Copei era chamada de “regime do ponto fixo”. 147 Venezuela: a era Chávez (1958). Um amplo reagrupamento do baixo oficialato constituiu-se então no interior do Exército sobre a base de uma posição nacionalista e anti-imperialista. Desde que sai da prisão (1996), com um reagrupamento chamado de Movimento Bolivariano, Chávez passa a fazer campanha contra a “4ª República” dos políticos vendidos aos interesses do imperialismo dos Estados Unidos (muito fortes no país), agitando a bandeira do “bolivarianismo” (do nome de Simon Bolívar, herói da independência contra a Espanha no século 19) e propondo uma Constituinte. O vazio político existente na chamada “esquerda” venezuelana, tendo o PCV, a Causa R e o MAS (2) se associado a governos seja da AD, seja do Copei (no caso, o antecessor de Chávez, Rafael Caldera), deixou o terreno aberto para que Chávez fosse visto pelas amplas massas como, finalmente, a oportunidade de mudanças profundas em benefício dos mais pobres. Uma vez eleito, Chávez convoca de imediato, em julho de 1999, a Assembléia Constituinte. Uma vez instalada, com uma maioria ligada ao Movimento 5ª República, por ele criado, o presidente entrega seu cargo e é por ela confirmado no poder. O processo que se abre a partir daí, com a aprovação da nova Constituição da rebatizada República Bolivariana da Venezuela em referendo popular, ilustra a vigência do prognóstico feito por Leon Trotsky no programa de fundação da 4ª Internacional (1938), de que “circunstâncias excepcionais... podem levar direções pequenoburguesas a ir além do que pretendiam na via da ruptura com o imperialismo”. Ou, como gosta de repetir o próprio Chávez, parafraseando Bolívar: “Eu sou uma pluma soprada pelo vento da revolução”. Os anos Chávez: revolução e contra-revolução O novo regime da “5ª República” sempre foi hostilizado pela classe dominante local, uma bur- 2 – PCV: Partido Comunista Venezuelano; Causa R: na origem, um grupo de sindicalistas revolucionários; MAS: nascido de uma ruptura de setores da AD e do PCV, em ligação com ex-militantes do MIR, antigos guerrilheiros pró-castristas. 148 Julio Turra guesia estreitamente associada aos interesses do imperialismo dos Estados Unidos e que se beneficiava da riqueza petrolífera da nação, ainda que a PDVSA (Petróleos de Venezuela) fosse uma empresa estatal desde 1971, mas administrada como um “estado dentro do estado”, a serviço das elites parasitárias. Nos seus primeiros anos de governo, no front interno, Chávez tentou conciliar os interesses da oligarquia local com as aspirações profundas que as massas depositavam no seu governo de mudanças, no sentido de que atacasse a pobreza da grande maioria da população. A adoção da Lei de Terras e outras medidas populares, que afetavam os interesses do empresariado, o levou rapidamente a se ver confrontado a uma virulenta oposição anti-chavista (em novembro de 2001, ele garantiu a adoção de 48 decretos-leis). No plano externo, o governo Chávez começa a desafiar as ordens emanadas de Washington, que sempre tratou a América do Sul como seu “quintal”. Ele proibiu o sobrevoo do espaço aéreo nacional por aviões dos Estados Unidos (envolvidos em operações de “combate ao nar- cotráfico” na vizinha Colômbia), adotou uma postura de valorização do preço do petróleo na Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), atacou o caráter belicista do governo Bush Essa situação levou ao frustrado golpe de Estado de abril de 2002 contra Chávez, organizado por grandes empresários e oficiais das Forças Armadas, em conjunto com a embaixada dos Estados Unidos, e com o apoio da Comissão Executiva da Central dos Trabalhadores Venezuelanos (CTV), e particularmente seu secretário-geral, Carlos Ortega (a CTV era uma correia de transmissão do regime do “ponto fixo”). O presidente chegou a ser sequestrado pelos golpistas e detido numa ilha do Caribe pelos golpistas. Foi a irrupção espontânea das massas populares em Caracas e o levante nas principais casernas (sobretudo do baixo oficialato e de uma parte dos oficiais) – que cercaram o Palácio de Miraflores (sede do governo), que tinha sido ocupado pelo “novo governo” de Pedro Carmona (presidente da Fedecamaras, a Fiesp venezuelana), provocando a fuga em 149 Venezuela: a era Chávez helicóptero dos golpistas –, que definiu a situação a favor de Chávez, resgatado em seguida por militares leais a ele e reconduzido a Caracas. O pêndulo se move para a esquerda Reconduzido ao poder pela ação das massas, ainda assim a atitude de Chávez foi conciliatória com a oposição, convocada pelo presidente para “mesas de diálogo”, tendo sido processados apenas alguns de seus líderes, os que já haviam abandonado o país. Mas, no final do mesmo ano de 2002, a oposição pró-imperialista, apoiando-se nos burocratas sindicais da CTV (que já haviam participado do golpe fracassado) e nos gerentes da PDVSA – os mesmos homens que, antes, deviam seus cargos às trocas de favores que caracterizavam o velho esquema AD-Copei –, deflagra o “paro petrolero” (3), na verdade um locaute promovido pela direção da estatal com a cobertura da CTV (sem que os trabalhadores tenham sido consultados para nada). O objetivo era forçar uma renúncia de Chávez, paralisando a produção de petróleo (70% das exportações), e, portanto, o próprio país. A ação da classe operária organizada nos sindicatos de base que se opunham à cúpula da CTV foi decisiva. As refinarias de petróleo, sabotadas pelos gerentes que haviam inutilizado o equipamento (incluindo computadores), foram ocupadas pelos trabalhadores petroleiros que as puseram a funcionar manualmente. Nos bairros populares e concentrações operárias, enormes sacrifícios foram feitos para amenizar a falta de combustível, enquanto em todo o país se ouvia a mensagem dirigida a Chávez: “Não capitule presidente, estamos contigo”! Foram quase três meses de batalha, e, finalmente, a produção de petróleo foi restabelecida, os gerentes demitidos, e Chávez iniciou um processo de “refundação da PDVSA”. Assim, pela primeira vez na história do país, os bilhões de dólares que a indústria petrolífera gerava pas- 3 – “Paro Petrolero” – literalmente, greve do setor petrolífero, mas, na verdade, um locaute patronal. 150 Julio Turra saram a ser investidos em programas sociais – chamados de “missões” – nas áreas de saúde, educação, moradia e infra-estrutura para os setores mais pobres da população. A pressão internacional contra o governo, liderada desde Washington, não parou. Até a OIT (Organização Internacional do Trabalho) foi palco dessa ofensiva, através de uma queixa conjunta da Fedecamaras e da CTV contra o governo Chávez, por “atropelos à liberdade sindical”, em função da demissão dos gerentes da PDVSA. Uma contra-ofensiva de sindicalistas venezuelanos, apoiada pelo Acordo Internacional dos Trabalhadores, impediu a condenação do governo Chávez pela OIT. para a fundação da União Nacional dos Trabalhadores (Unete), em abril de 2003, que rapidamente transformou-se na central sindical com maior número de sindicatos filiados, com uma base de mais de 1 milhão de trabalhadores. A Unete jogou um papelchave na campanha “Trabalhadores em Batalha pelo Não”, quando a oposição, em 2004, utilizando-se de um recurso previsto na própria Constituição bolivariana que combatia, conseguiu reunir o número de assinaturas necessárias para submeter o presidente Chávez a um “referendo revogatório” de seu mandato. Um passo para a organização independente Realizado em agosto, a vitória do “Não”, que confirmava Chávez no poder, aconteceu por quase 70% dos votos, comemorados pelas massas como sinal de aprofundamento do processo revolucionário que tanto ansiavam. Como resultado direto do engajamento dos setores operários na luta contra o “paro petrolero” sabotador, e diante da passagem da CTV de armas e bagagens para o campo da oposição burguesa pró-imperialista, várias correntes sindicais confluíram Em 2006, Chávez é reeleito com praticamente a mesma votação do referendo, anunciando que o rumo da revolução seria o “socialismo do século 21”, ainda que os contornos desse socialismo não se apresentem de forma clara (por exemplo, nele 151 Venezuela: a era Chávez caberiam “empresários”, vários tipos de propriedade, incluindo a propriedade privada etc.). Fortalecido pelo respaldo popular, Chávez nacionaliza empresas (como a Invepal) abandonadas por empresários que saíram do país ou simplesmente as largaram, e incentiva experiências de cooperativas e de “auto-gestão”. Essas experiências provocaram uma viva polêmica no movimento operário, pois, além do fracasso de várias delas, “a autogestão” esconde a inevitável integração da organização sindical, e, portanto, sua dissolução. Algumas dessas emendas, como a que previa conselhos de trabalhadores nas empresas, sem delimitar claramente que lugar teriam os sindicatos, provocaram polêmicas no movimento sindical (num momento em que a própria Unete vivia uma crise interna desde seu 2º Congresso, em junho de 2006) e entre os próprios chavistas. Nos últimos dois anos, sentindo a necessidade de uma base de apoio organizada, Chávez propõe acabar com o Movimento 5ª República, e constituir, junto com outras formações políticas que apoiavam o seu governo, o Partido Unido Socialista da Venezuela (PSUV). O fato é que o “Não”, pelo qual a oposição pró-imperialista fez campanha, ganhou por estreita margem, mas, na verdade, o que lhe deu a vitória foi a grande abstenção de setores populares que anteriormente haviam votado com Chávez. Muitos dirigentes e militantes venezuelanos atribuíram a “culpa” pela derrotada à rejeição que existe a autoridades e ministros “chavistas”, que além de se enfrentar contra os trabalhadores e setores populares que lutam por suas reivindicações, seriam reconhecidamente corruptos. Mas, antes disso, seu governo sofre a primeira derrota eleitoral, em dezembro de 2007, quando Chávez propôs a refe-rendo um conjunto de emendas constitucionais, incluindo a possibilidade de reeleição indefinida para presidente. Entretanto, o PSUV, formalmente constituído em seu 1º Congresso de julho de 2008, é uma formação policlassista, que agrupa desde setores da burguesia local e da pequena-burguesia, passando por militares e altos funcionários (que, no seio do 152 Julio Turra partido, são chamados de “direita endógena”), até correntes que se declaram marxistas. A situação atual O período de preparação do congresso do PSUV coincidiu com uma série de greves e mobilizações em distintos setores para defender os salários da inflação (que é alta no país, cerca de 50% ao ano) e contra a degradação das condições de trabalho (em particular contra a terceirização, inclusive em empresas públicas). Uma delas ganhou relevância nacional e tornou-se um símbolo da situação que vive a Venezuela hoje. Trata-se da mobilização dos trabalhadores da Sidor, no Estado de Bolívar, maior siderúrgica do país e que tinha sido privatizada no passado. Iniciada pelos trabalhadores terceirizados (subcontratados), a greve se chocou com a multinacional que era dono da Sidor, ultrapassou a direção sindical e acabou forçando o governo Chávez a reestatizar a empresa, bem como a assumir o compromisso de transformar os trabalhadores terceirizados em trabalhadores fixos da Sidor (processo ainda em curso). Uma vez mais, foi a atuação independente do movimento operário que acabou pressionando Chávez a adotar medidas de ruptura com os interesses dos capitalistas. Diante da crise mundial do capitalismo, que sacode o mundo desde o final de 2008, Chávez criticou diretamente o FMI e Banco Mundial, apontando-os como responsáveis pelas políticas que a criaram, dispensando qualquer “contribuição” que pudesse vir desses organismos. Condenando a brutal agressão do Estado de Israel na Faixa de Gaza, no final de 2008 e início de 2009, o governo venezuelano não ficou só nas palavras, mas expulsou o embaixador de Israel, tal como já havia feito antes com o embaixador dos Estados Unidos, em solidariedade ao governo de Evo Morales, da Bolívia, quando este enfrentou a ameaça secessionista de Santa Cruz e outras regiões, patrocinadas por Washington. Hoje, conjuntamente com os governos de Correa, do Equador, e o mesmo Evo Morales, a Venezuela realiza uma auditoria de sua dívida externa. Essas demonstrações de independência diante dos ditames 153 Venezuela: a era Chávez do imperialismo dos Estados Unidos anteciparam a recente vitória do “Sim” no referendo de 15 de fevereiro passado, que permite a reeleição indefinida para todos os cargos (e não só o de presidente). papel principal, a burguesia nacional ocupa, do ponto de vista de sua situação social, uma posição bem inferior à que ela deveria ocupar com relação ao desenvolvimento da indústria. É uma vitória que renova o mandato que o povo venezuelano dá a Chávez: defender a nação do imperialismo, defender a força de trabalho que constrói a nação contra a exploração capitalista. Como o capitalismo estrangeiro não traz junto os trabalhadores de fora, mas proletariza a população nativa, o proletariado nacional começa, muito rapidamente, a ocupar o papel mais importante na vida nacional. Em tais condições, na medida em que o governo nacional tenta oferecer uma resistência ao capital estrangeiro, ele se vê levado, em maior ou menor medida, a se apoiar no proletariado. Qual é então a natureza do governo Chávez? Para esclarecer este fenômeno contraditório – o de um governo pequenoburguês levado ao poder e mantido pela ação das massas, que adota medidas de ruptura com a política ditada pelo imperialismo estadunidense, mas que busca um equilíbrio entre as classes na Venezuela – é útil nos reportarmos, como base teórica, ao texto inacabado que Trotsky deixou sobre sua mesa de trabalho no dia em que sofreu sua agressão mortal, em agosto de 1940. Analisando os “países atrasados”, ele escreveu: “Como nos países atrasados, é o capitalismo estrangeiro e não o capitalismo nacional que joga o 154 Por outro lado, os governos dos países atrasados que consideram como inevitável ou mais vantajoso marchar lado a lado com o capital estrangeiro destroem as organizações operárias e instauram um regime mais ou menos totalitário. Assim, a fraqueza da burguesia nacional, a ausência da tradição de Julio Turra governo próprio, a pressão do capital externo e o crescimento relativamente rápido do proletariado cortam pela raiz qualquer possibilidade de um regime democrático estável. Os governos dos países atrasados – quer dizer, países coloniais ou semicoloniais – assumem, em seu conjunto, um caráter bonapartista ou semibonapartista. Eles se distinguem entre si pelo fato de que alguns tentam se orientar para a democracia, buscando o apoio dos trabalhadores e dos camponeses, enquanto outros instauram uma ditadura político-militar rígida. Isso determina também a sorte dos sindicatos: ou eles ficam sob a tutela do estado, ou são submetidos a um cerco cruel. Esta tutela corresponde a duas tarefas antagônicas às quais o Estado deve fazer frente: primeiramente, atrair a classe operária para ganhar um ponto de apoio para a re- sistência às pressões excessivas do imperialismo, mas, ao mesmo tempo, disciplinar estes mesmos trabalhadores, colocando-os sob o controle de uma burocracia” (destaques da edição). A situação atual não é, certamente, a mesma dos anos 40 do século passado. A fraqueza da “burguesia nacional” a transformou em uma burguesia compradora do imperialismo (neste caso, dos Estados Unidos), sócia menor de suas iniciativas. Mas a análise sobre o caráter bonapartista ou semi-bonapartista do governo dos países atrasados continua válida. No caso de Chávez, na Venezuela, orientando-se sobre uma linha de resistência ao imperialismo, ele busca “o apoio dos operários e camponeses”, mas sempre tentando colocar suas organizações sobre a tutela do estado, para discipliná-las. A estrutura do estado continua sendo a de um estado semi-colonial, mesmo abalado de alto a baixo, de um lado, pelo processo revolucionário, e, de outro, pela ofensiva imperialista. O governo toma medidas 155 Venezuela: a era Chávez parciais de ruptura com o imperialismo, mas ele se orienta, antes de tudo, pela afirmação da defesa da unidade nacional. A ofensiva imperialista passa também pelo apoio aos movimentos regionalistas, como no Estado de Zulia. Esta situação é transitória. O movimento instintivo da classe tende a exigir a formação de um verdadeiro governo operário e camponês, que varra de cabo a rabo todas as instituições do estado semicolonial. Esse movimento corresponde aos processos revolucionários em curso na América do Sul. Mas o fator subjetivo, quer dizer, o grau de organização da classe, é o elemento fundamental. E Chávez, ao mesmo tempo, tenta impedir a organização independente da classe. Assim, aproveitando-se da crise da Unete, setores do governo ligados à burocracia do Ministério do Trabalho criaram uma central sindical (a Central Socialista dos Trabalhadores, CST), ligada diretamente ao PSUV e a membros da Força Bolivariana dos Trabalhadores. cialismo – quer dizer, na via da abolição da propriedade privada dos meios de produção e da “expropriação dos expropriadores” – é que a classe trabalhadora da Venezuela progrida em sua organização independente. Um primeiro passo nesse caminho é superar a crise da Unete, para que a central possa jogar o papel ao qual está chamada, a fim de que o processo revolucionário que está aberto na Venezuela tenha o desfecho mais positivo, o que teria repercussões em toda a América Latina e em outras regiões do mundo. Para isso, existem elementos desde já, e é sobre eles que se apoia a construção da seção da 4ª Internacional na Venezuela. A declaração política adotada pela Federação dos Trabalhadores de Zulia, da Unete, para as comemorações do 1º de Maio de 2009, coloca em evidência o que acabamos de afirmar: A condição para uma progressão efetiva na via do so156 “Neste 1º de Maio, o movimento da classe trabalhadora está confrontado a problemas como o desrespeito às convenções coletivas; a recusa de fato e/ou de direito, por parte dos patrões públicos e Julio Turra privados, de discutir novas convenções coletivas; a manutenção do trabalho informal, em violação à Constituição nacional e a várias sentenças do Tribunal Superior de Justiça a esse respeito; a perseguição judicial contra trabalhadores e dirigentes sindicais etc. Apesar de tudo, a classe trabalhadora não cessou o seu combate. Mas ela se viu obrigada a fazê-lo de forma dispersa e parcial, com avanços que não significam uma mudança substantiva na relação de forças em nível nacional favorável aos trabalhadores. É por isso que o movimento da classe e de suas organizações deve ser socialmente colocado no centro da luta. No contexto da grande crise internacional do sistema capitalista, só a classe operária organizada pode e tem os meios para dar uma resposta à barbárie que esta crise prepara de forma acelerada. A vontade de luta re157 afirmada pelos trabalhadores dos setores público e privado é uma das formas pelas quais se exprime esta crise na Venezuela. O G-20 e as organizações internacionais como o FMI dão apenas um remédio, cujo resultado é praticamente o de enviar o doente ao cemitério. Suas resoluções, para punir os países que não praticam o livre-comércio e que protegem seu mercado interno, buscam, entre outros objetivos, isolar o processo revolucionário em curso na Venezuela. Na Venezuela, há setores que, apesar das medidas adotadas pelo presidente Chávez, querem (tal como os capitalistas do mundo inteiro e suas organizações, como o FMI e o Banco Mundial) despejar o peso da crise nas costas dos trabalhadores. Como eles não têm outro jeito, usam a velha cantilena segundo a qual não há dinheiro, é preciso reduzir os custos (o que inclui os salários e os empregos), é necessário se sacrificar pelo país etc., Venezuela: a era Chávez tentam falsificar o socialismo (poder dos trabalhadores) e ficam repetindo as mesmas coisas, agora com um verniz vermelho, para defender as empresas ‘socialistas’ e as convenções ‘socialistas’. Lembramos hoje que a PDVSA e as empresas estatais foram recuperadas em proveito da nação, para os trabalhadores e não para os gerentes hipócritas (vermelhos por fora, brancos por dentro). Digamos claramente: eles não têm nenhuma coragem. Eles são os gerentes capitalistas de companhias anônimas que apenas aplicam as diretrizes impessoais do capital, por um lado, e por outro tentam desviar o dinheiro das empresas em benefício pessoal ou de um grupo – dinheiro do povo trabalhador. Atacar os interesses dos trabalhadores só beneficia ao capital e a todos que trabalham para ele: o imperialismo estadunidense, os partidos de oposição, a Fedecamaras, os sindicatos a serviço do patronato, os meios de comunicação, a hierarquia eclesiástica etc. Os aumentos salariais, não somente o reajuste do poder de compra dos trabalhadores, são estímulos econômicos para a produção interna, pois sustentam outras empresas, outros trabalhadores, garantindo um consumo sustentável. Nós, os traba-lhadores, investimos o dinheiro em compras no nosso país, não o enviamos para as ilhas Cayman ou outros paraísos fiscais. 158 Apoiamos as medidas tomadas pelo presidente Chávez, mas afirmamos que é preciso aprofundálas, que é necessário ir mais longe. É preciso estatizar o sistema bancário, decretar o monopólio estatal do comércio exterior, criar rapidamente os sistemas complementares de aposentadorias e pensões para começar a construir um verdadeiro e efetivo sistema de Previdência Social integral, que será também uma fonte importante Julio Turra de renda (na casa dos 20 bilhões de dólares) para financiar obras de infra-estrutura, escolas, hospitais, agroindústria etc. As organizações sindicais são conquistas do movimento operário venezuelano. A Unete é também uma conquista, um concentrado histórico dos combates dos trabalhadores da Venezuela, apesar de todas as críticas que possam lhe fazer. Nós, os trabalhadores, não iremos renunciar a ela para embarcar em uma nebulosa ‘solidariedade operária’ erguida por patrões, militares facciosos, juízes destituídos por terem tomado decisões contra o programa Barrio Adentro, velhos e novos intelectuais partidários da 4ª República, um vereador de Chacao, membros de ONGs financiadas pelo imperialismo, trânsfugas da esquerda, todos agrupados no Movimento 2D. Uma iniciativa ferozmente hostil aos trabalhadores, que tem a coragem de lançar um chamamento público para reivindicar... o 1º de Maio! 159 Finalmente, somos pela defesa e pelo aprofundamento, de forma decidida, das conquistas da revolução bolivariana em matéria de saúde, de educação, de emprego, de aumentos salariais, da constituição de redes de alimentação e de atenção aos setores excluídos, de estatizações, do exercício da solidariedade nacional e da solidariedade ativa com os povos de nossa América e do mundo. A unidade ocorre na luta, com os sindicatos autênticos dos trabalhadores, e na revolução bolivariana, em torno do combate por: • respeito às convenções coletivas; • discussão das convenções coletivas encerradas; • eliminação do trabalho informal nos setores público e privado; • uma nova lei do trabalho; • um sistema integral de Previdência Social; Venezuela: a era Chávez • liberdade sindical completa e direito de greve, sem restrições patronais ou judiciais à luta social; • pleno exercício de todas as liberdades e direitos sindicais e democráticos. Viva o 1º de Maio! Viva os trabalhadores! Viva os sindicatos! Viva a união nacional dos trabalhadores! Os elementos para avançar na constituição de um Partido dos Trabalhadores existem. É possível se apoiar em setores da Unete que combatem para reconstituir a central sindical a nível nacional. Além disso, tratase de afirmar uma clara posição de defesa incondicional do governo Chávez face aos ataques do imperialismo, apoiando-se em todo o passo adiante de ruptura, de estatização etc., mas preservando toda a independência política. Maracaíbo, 29 de abril de 2009” 160 maio de 2009 O Secretariado Internacional da 4ª Internacional comunica: Guillermo Lora (1921-2009) Saudamos a memória do dirigente revolucionário Guillermo Lora, que morreu em 17 de maio de 2009, aos 88 anos. O nome de Guillermo Lora ficará indissoluvelmente ligado à história da Bolívia e ao combate de seu povo contra o imperialismo e seus agentes locais, ao desenvolvimento do movimento operário na Bolívia e à luta internacional dos trabalhadores por sua emancipação, em função do lugar que Guillermo Lora teve no combate da 4ª Internacional. Guillermo Lora nasceu na região mineira do país, na qual viria a desempenhar um importante papel. Ele começou os estudos de direito, que interromperia após sua adesão ao Partido Operário Revolucionária (POR), em 1943. O POR, fundado em 1935, reclamava-se da 4ª Internacional. A partir de 1944, Guillermo Lora concentra sua atividade nas minas, setor fundamental da classe operária na Bolívia. Em 1947 é eleito deputado pelo “Bloco Parlamentar Mineiro”. Mas, em 1949, teve que se exilar no Chile. É preso quando retorna, permanecendo detido até abril de 1952. Em abril de 1952, com o governo da Bolívia nas mãos de uma junta militar, um golpe de Estado fracassado provoca a mobilização das massas, que exigem o fim do governo militar. O Movimento Nacional Revolucionário (MNR), partido nacionalista pequeno-burguês, que esperava se beneficiar da situação, canalizando a ação das massas, vê-se confrontado com o início da guerra civil. Os dirigentes se resignam a armar os 161 Guillermo Lora (1921-2009) galidade, o programa desta campanha foi lançado publicamente, ao mesmo tempo em que lançamos um apelo a todos os partidos de massas, entre os quais o MNR, para organizar uma frente comum de luta contra o imperialismo. O partido não alimenta ilusões sobre o anti-imperialimo pequeno-burguês, mas está particularmente interessado em ajudar os trabalhadores e os setores explorados da classe média a encontrarem o caminho revolucionário.” operários. A insurreição varre o poder de estado. Nesses acontecimentos, no desenvolvimento da Revolução Boliviana em 1952-1953, o POR, sob a direção de Lora, desempenha um importante papel. Ele preserva a independência do movimento operário frente à burguesia. Para isso, enfrenta uma grave luta interna, na qual a corrente animada por Lora se opõe aos representantes bolivianos do “Secretariado Internacional” revisionista de Pablo e Mandel. Em uma entrevista ao semanário A Verdade– então publicado pelo Partido Comunista Internacionalista, a seção francesa da 4ª Internacional, que tinha se oposto à política de liquidação pró-stalinista conduzida por Pablo-Mandel –, ele declara notadamente: “O Partido Operário Revolucionário, nossa seção, fortemente enraizado nos setores mais importantes do proletariado, tem desenvolvido nos últimos meses uma grande campanha política, polarizando politicamente amplos setores dos explorados. Mesmo na ile- Se o POR foi então capaz de apontar com sua ação o “caminho revolucionário” e de preservar a ação do movimento operário, após uma nova ditadura militar imposta com sangue, e isto ao preço de grandes sacrifícios, entre os quais o de César Lora, irmão de Guillermo, é porque a atividade do POR junto à classe operária, particularmente nos setores mineiros, foi desenvolvida sobre uma clara linha política. Esta linha foi notavelmente traduzida nas teses adotadas pela Federação Sindical dos Trabalhadores Mineiros da Bolívia, em novembro de 1946. Esta fed- 162 Comunicado do Secretariado Internacional da 4ª Internacional artesãos. Dizemos que, se não quisermos afogar no nascimento a revolução democrático-burguesa, temos de considerá-la apenas como uma fase da revolução proletária (...). eração, em seguida, desempenhou um papel central na constituição da Confederação Operária Boliviana (COB), que ainda hoje é a base de organização do proletariado boliviano. Essas teses, chamadas “Teses de Pulacayo”, foram redigidas por Guillermo Lora. Elas constatavam que: “O proletariado na Bolívia, como em outros lugares, constitui a classe social revolucionária por excelência (...). A Bolívia é um país capitalista atrasado; no seio de sua economia, coexistem diferentes estágios de evolução e diferentes modos de produção, mas é o modo de produção capitalista o qualitativamente dominante. A hegemonia do proletariado na política nacional decorre desse estado de coisas (...). Nós, trabalhadores mineiros, não insinuamos que se pode passar por alto das tarefas democráticoburguesas, ou seja, da luta pelos direitos democráticos elementares e pela reforma agrária anti-imperialista. Não negamos a existência da pequena burguesia, em sua maioria camponeses e Nós, trabalhadores das minas, denunciamos aos explorados os que pretendem substituir a revolução proletária pelas revoluções palacianas fomentadas pelos diversos setores da burguesia feudal.” Durante a sucessão de governos militares ou ditatoriais que esmagaram as liberdades democráticas, Guillermo Lora continuou a assumir suas tarefas de dirigente do POR, tanto na clandestinidade, quanto no exílio. Ele deixa, igualmente, considerável obra histórica consagrada à história da Bolívia e, em especial, à história de seu movimento operário. Em 1970, Guillhermo Lora desempenhou um papel considerável no combate que levou não apenas à queda da junta militar e ao estabelecimento de um governo nacionalista burguês presidido pelo general Torres, mas também à constituição 163 Guillermo Lora (1921-2009) da Assembléia Popular, o ponto mais elevado atingido em sua luta pelas massas exploradas e oprimidas na Bolívia. Esta assembléia, formada a partir das organizações da classe operária, de sua mobilização nas localidades e nas empresas, englobando os setores oprimidos dos camponeses e da pequena burguesia das cidades, reuniu-se em 21 de junho de 1971. Uma vez aberta uma situação de duplo poder, a hierarquia militar reagiu com um levante armado a partir da província de Santa Cruz, que, após duros comba-tes, fez submergir novamente a Bolívia num regime ditatorial. Guillermo Lora publicou um livro sobre essa experiência, do qual foi extraído o texto discutido, em abril de 1972, na Conferência Latino-Americana pela Reconstrução da 4ª Internacional (texto publicado em “A Verdade” nº 557, de julho de 1971, páginas 36 a 53). Neste texto, Lora explica: “A Assembléia foi, antes de tudo, uma autêntica criação das massas bolivianas, e, em particular, do proletariado (...). A Assembléia Popular foi desde o início um organismo de caráter soviético.” Lora estava então associado ao Comitê de Organização pela Reconstrução da 4ª Internacional (Corqui), com a corrente política que reproclamou a 4ª Internacional em 1993. Seria desrespeitoso à memória do camarada Guillermo Lora não assinalar aqui as sérias divergências políticas que, em diversas ocasiões, opuseram nossa corrente às posições que ele defendeu. Essas divergências levaram a uma ruptura quando Guillermo Lora, abandonando toda uma parte de sua elaboração anterior, rejeitou, nos fatos, a frente única anti-imperialista, relegando a um segundo plano as reivindicações democráticas. Esses desacordos surgiram, essencialmente, como resultado de apreciações diferentes da situação e das tarefas na Bolívia. Na verdade, tiveram suas raízes na posição de Guillermo Lora, para quem a solução dos problemas e da crise da 4ª Internacional dependia exclusivamente da prévia construção de um partido revolucionário na Bolívia, o que o levou a abandonar o combate pela reconstrução da 4ª Internacional. 164 Comunicado do Secretariado Internacional da 4ª Internacional Hoje, quando as massas bolivianas estão escrevendo um novo capítulo de seu combate contra a dominação imperialista e contra a exploração, está se reconstituindo uma seção da 4ª Internacional. Junto com ela, saudamos a memória do camarada Guillermo Lora, militante revolucionário com o qual trabalhamos em comum e que, aos nossos olhos, permaneceu um revolucionário, apesar dos profundos desacordos políticos que levaram a uma ruptura com ele. O legado da vida militante e da obra de Guillermo Lora é parte integrante do próprio desenvolvimento do movimento operário. Isso ocorre pela ação e pela construção de uma seção da 4ª Internacional na Bolívia, que recuperará o que afirmou, em 1953, a resolução adotada pelo 10º Congresso do POR: 165 “Os filisteus podem prender e perseguir os combatentes da vanguarda revolucionária, podem caluniar aqueles que lutam lado a lado com os operários nas fábricas, nas minas e com os camponeses, podem pagar detratores para insultar o POR, mas não têm nenhum poder para deter a roda da história. A vitória final será dos operários e camponeses! É assim que triunfará a revolução boliviana, que, pelo seu caráter permanente, é parte integrante da revolução socialista mundial que acontece sob nossos olhos.” Paris, 22 de maio de 2009 Budapeste (Hungria), 4 de abril de 2009 Debate de lançamento do livro “1956, a Revolução dos Conselhos Operários” por A.K. No sábado, 4 de abril, em Budapeste, as camaradas Marika Kovacs e Liliane Fraysse apresentaram a edição em língua húngara de seu livro “1956, a Revolução dos Conselhos Operários” vita” (“Informações e debates”), publicado há dois anos. Lembremos que a versão francesa deste livro surgiu há três anos, editada por Cahiers du Cermtri, sob o título de “Outubro Húngaro de 1956 – A Revolução dos Conselhos”, no qual nossa camarada Marika Kovacs relata as lembranças de sua participação, como jovem militante comunista, na Revolução Húngara. Ele foi traduzido para o húngaro por uma camarada que está na origem da existência do boletim húngaro “Informacio es Esta reunião na Hungria foi um duplo acontecimento. Primeiro porque, pela primeira vez, aparece na Hungria e em húngaro um livro que, como destacaram diversos participantes do debate, restabelece a verdade histórica sobre o que foi a Revolução Húngara dos Conselhos Operários : uma revolução política contra a burocracia stalinista, uma revolução na qual a classe operária húngara, se reapropriando de suas tradições cuja origem é a Revolução de 1919, na continuidade da Revolução Russa, dotou-se de seus próprios órgãos: os conselhos operários. 166 A.K Ora, depois de 1956, não somente a burocracia buscou sufocar esta verdade histórica sob a tumba das calúnias, mas após sua queda, no final dos anos 1980, todos os regimes sucessivos que privatizaram e dividiram a propriedade social estão obstinados em impedir a classe operária húngara de tomar conhecimento desta página fundamental de sua história. E isto por causa, precisamente, da continuidade entre o regime burocrático que acabou por esmagar os conselhos operários e o “novo regime” que surgiu depois de 1989. Prova viva desta continuidade: alguns dias antes desse debate, foi anunciada a demissão do primeiro-ministro “socialista” Ferenc Gyurcsany. Primeiro-ministro de 2004 a 2009, Gyurcsany começou sua carreira no final dos anos 1980 na direção da organização da juventude do regime burocrático. Em seguida, converteu-se aos “negócios”, após a queda do regime stalinista em 1989, antes de retomar o serviço no “Partido Socialista”, o principal partido oriundo do partido único da burocracia. Seus quatro anos à frente do governo foram marcados por uma ofensiva bru- tal contra a classe operária e o campesinato, pela entrada da Hungria na União Europeia em 1º de maio de 2004, e, há alguns meses, pela submissão do país à tutela do FMI. Uma demissão que diversos militantes húngaros têm acordo em comentar assim: Gyurcsany, cuja política de privatização-pilhagem a serviço da União Europeia foi rejeitada pelas massas, não era capaz de servir até o fim de correia de transmissão das exigências que o FMI acaba de formular ao governo húngaro “em troca” dos créditos concedidos. E isso quando as multinacionais, implantadas na Hungria há mais de quinze anos devido ao “baixo custo de trabalho” (particularmente por causa da proibição dos sindicatos nessas empresas), multiplicam as ondas de demissões. O novo governo – dirigido, por proposta do mesmo Gyurcsany, por seu antigo ministro da Economia Gordon Bajnai – informou imediatamente que convocaria os sindicatos a fim de comprometê-los a aceitar os drásticos cortes nas despesas públicas. Está previsto, em particular, tentar impor, em todos os setores do estado, “a semana 167 Debate de lançamento do livro “1956, a Revolução dos Conselhos Operários” de quatro dias de trabalho”... com uma redução de 20% dos salários. “É contra isso”, afirma uma militante húngara, “que todos os sindicatos se opõem até o momento”. Compreendemos então para que serve a verdadeira campanha de progrons (1) contra a minoria cigana (17 mortos, homens, mulheres e crianças, desde 1º de janeiro de 2009), organizada pelo grupo provocador “A Guarda Húngara”, visando opor os trabalhadores entre si, como aconteceu, sob outras formas, na ex-Iugoslávia. “Muitos livros foram escritos sobre 1956, mas a maioria é parcial, partindo de pré-julgamentos políticos e ideológicos. Eu mesmo me perguntei o que realmente foi 1956: uma revolta? Uma revolução? Aqueles que, como Marika, o viveram, podem responder, para pertimitir a cada um julgar a questão por si mesmo. O debate organizado pelas camaradas Marika Kovacs e Liliane Fraysse (que ocorreu no Club Kossuth (2)) não esteve limitado a aspectos históricos, mas associou permanentemente as lembranças de Marika Kovacs com a sua atualidade, em relação direta com a situação internacional e a da própria Hungria. Depois de ter lido este livro, eu diria que está claro que os conselhos operários foram uma revolução, pois os conselhos sempre proclamaram: ‘Não entregaremos as fábricas e as terras, que pertencem aos operários e aos camponeses’. Os conselhos recusaram o retorno do capitalismo e combateram pelo socialismo numa Hungria independente. Abrindo a discussão, uma militante do grupo húngaro “Informacio es vita” declara: O conselho de estudantes (do qual Marika era uma militante) declarou: 1 – Progrom – Perseguição e massacre étnico contra minorias (NdE). 2 – Lajos Kossuth (1802-1894) – Herói do movimento revolucionário nacional e democrático na Hungria. Deputado durante a Revolução de 1848, tomou posição no fim de sua vida por uma federação dos povos e nações livres da região dos Bálcãs e do Danúbio. 168 A.K ‘A fábrica pertence aos operários, e os conselhos operários são a forma de organização mais elevada’. Para mim, este livro foi útil, e vai servir a outros. É um ponto de vista diferente. A pessoa que o escreveu se comporta como uma militante comunista e leninista. Convido-os então a uma discussão livre e sem constrangimentos.” Marika Kovacs tomou então a palavra para apresentar o livro e contar como, “durante um longo tempo, depois de ser constrangida a deixar a Hungria após a revolução, buscamos um caminho”... caminho que a levou a conhecer a obra de Trotsky analisando a degenerescência da URSS, o livro “A Revolução Traída”, por meio de militantes da Organização Comunista Internacionalista (OCI, pela reconstrução da 4ª Internacional), e a unir-se ao combate pela 4ª Internacional. assistir ao debate. Uma destas jovens militantes operárias nos confidenciou, após o debate: “Eu poderia escutá-los durante toda a noite!” Outros vieram de ainda mais longe, como camaradas de uma região da Eslováquia onde vive uma importante minoria húngara. Na partida, todos pegaram exemplares do livro para difundir. “É necessário um partido?” Um professor de filosofia – que tomou conhecimento do conteúdo do livro em sua versão francesa – foi um dos primeiros a tomar a palavra: Na sala, perto de 35 militantes, de todas as gerações, escutaram atentamente e também falaram. Alguns, como três militantes de um comitê sindical da metalurgia, percorreram 160 quilômetros de ida e volta para 169 “A primeira coisa que me surpreendeu foi o título, pois é indispensável para afirmar o que verdadeiramente foi 1956: uma revolução operária, a revolução dos conselhos operários. Em segundo lugar, é muito importante o que Marika conta sobre sua infância no interior. Agora, muitos jovens não sabem o que era a vida difícil no campo há 60 anos ou mais. É importante lembrar, pois isso permite ver como a vida dos cam- Debate de lançamento do livro “1956, a Revolução dos Conselhos Operários” poneses melhorou e também para medir o que nós perdemos nos últimos 15 anos. Este livro é, além disso, na minha opinião, particularmente importante para a nova geração. Pois, através da história pessoal de Marika, a maneira como ela se tornou membro do partido, permite-se compreender o que a levou a abrir os olhos, compreender que a realidade não era o que ela tinha pensado, entender a cegueira do stalinismo até o ponto da ruptura com ele. Enfim, este livro coloca uma questão política abordada por Marika e que abre uma discussão: é necessário um partido? Os conselhos operários fizeram uma demonstração de que eram capazes de assumir a organização da sociedade, a revitalização, a organização da produção. Então, há realmente necessidade de um partido?” livro! É um excelente instrumento de propaganda, que ajuda a descobrir os fatos.” Uma novidade: a edição em húngaro do Programa de Transição Numa de suas intervenções, Marika retomou estas questões políticas: Ele concluiu sua intervenção novamente sublinhando: “Que a juventude leia este 170 “É verdade que, em 1956, os conselhos operários tinham assumido a sociedade e que demonstraram que eram capazes de dirigi-la. Minha opinião, e aquela de meus camaradas, é que é necessário destruir este sistema capitalista mundial em plena crise, que já causou tantos prejuízos. Quem pode acabar com este sistema? Vivemos num nundo no qual há classes sociais. Como Marx demonstrou há mais de 150 anos, toda a riqueza é produzida pela classe trabalhadora. Podemos utilizar não importa qual máquina moderna: ela não existiria nem funcionaria sem o trabalho humano. Mas a classe que produz todas as riquezas é sempre oprimida por A.K aquela que possui os meios de produção. Hoje, esta classe dominante tornou-se um fator de guerra, de decomposição por meio da especulação. O que deixaremos a nossos netos se não revertermos este sistema? Então, o problema colocado é ainda hoje o do combate pelo socialismo, por uma sociedade baseada no trabalho, sem exploração nem opressão. Os conselhos operários fracassaram em 1956, pois estavam sós; o stalinismo, para esmagá-los, os havia isolado do movimento operário internacional. Os conselhos hesitaram e não derrubaram o governo, deixando em suas mãos o poder político. Portanto, creio que os operários têm necessidade de um partido que ajude a desenvolver a consciência das massas, que ajude a combater pela democracia, ou seja, por representantes eleitos, mandatados e revogáveis pelos trabalhadores. Para isso é necessário nos organizarmos. Pode ser dito que não somos muitos? Mas se aqueles que estão aqui disserem: ‘Não podemos continuar como antes’, nós ajudaremos a expressar o que é a aspiração da maioria do povo.” Marika abordou em seguida os problemas políticos da luta de classes na França, os obstáculos para as “jornadas de ação”, a campanha do Partido Operário Independente (POI) pela marcha unida pela proibição das demissões, a necessidade do combate para acabar com a União Europeia, por uma Federação Livre dos Povos da Europa e da Região Balcânica-Danubiana etc. E concluiu: “Então, sim, eu tenho meu partido. Mas qual deve ser o dever de um partido? Demonstrar os fatos e permitir aos trabalhadores avançarem.” É precisamente para contribuir com esta reflexão que foi apresentada aos participantes do debate uma edição em língua húngara do programa da 4ª Internacional, “A Agonia do Capitalismo e as Tarefas da 4ª Internacional”, conhecido como Programa de Transição, que acaba 171 Debate de lançamento do livro “1956, a Revolução dos Conselhos Operários” de ser traduzido pela primeira vez para o húngaro desde sua redação e adoção em 1938, e cuja difusão e discussão foram assumidas por um grupo de militantes que preparam o 7º Congressso Mundial da 4ª Internacional. Trata-se de um reagrupamento de militantes que, por toda parte, começou a submeter à discussão dos militantes operários de todas as tendências um projeto de chamamento visando a formular uma saída para a crise. 172