Leon Trotsky

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“A política do comunismo só pode ganhar
ao expor, com toda a clareza, a verdade.
A mentira pode servir para salvar as falsas
autoridades, mas não para educar as massas.
O que os operários necessitam como instrumento
de ação revolucionária é a verdade.
Vosso semanário se chama A VERDADE.
Já se abusou muito dessa palavra, como aliás
de todas as outras. Porém é um nome bom e
honesto. A verdade é sempre revolucionária.
Expor aos oprimidos a verdade sobre a situação
é abrir-lhes o caminho da revolução.”
Leon Trotsky
A VERDADE
REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E CORRESPONDÊNCIA
87, RUE DU FAUBOURG SAINT-DENIS, 75010, PARIS, FRANÇA
Correspondência para todos os países e para as
versões em espanhol, inglês e francês
REVISTA BIMESTRAL – DIRETOR DA PUBLICAÇÃO:
Daniel Gluckstein
COMITÊ DE REDAÇÃO
Jean-Pierre Barrois, Andreu Camps, Robert Clément, Manuel Cuso, Olivier Doriane,
François Forgue, Marc Gauguelin, Lucien Gauthier, Christel Keiser, Daniel Gluckstein, Jean-Jacques Marie, Jean-Marc Schiappa, Marie-Claude Schidlower.
CORRESPONDENTES:
Werner Uhde (Alemanha), Arfutni Abderramán (Argélia), Lybon Mabasa (Azânia e
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(Burundi), Alifa Ngabaye Sam (Chade), Luis Mesina (Chile), José Limaico (Equador), Blas Ortega (Espanha), Alan Benjamin (Estados Unidos), Charles Charalambous (Grã-Bretanha), Pavlusko Imsirovic (Iugoslávia), Lorenzo Varaldo (Itália), Luis
Vásquez (México), Aires Rodrigues (Portugal), Florin Constantin (Romênia), Michel
Gindrat (Suíça), Ariel Quiroga (Uruguai).
EDIÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA – SETEMBRO DE 2009
Coordenação e distribuição: Edison Cardoni.
Edição e produção: Paulo Zocchi.
Tradutores desta edição: Cláudio Soares, Daniel Felipe Quaresma
dos Santos, Edison Cardoni, Francine Iegelski, Joaquim Pagarete
(Portugal), José Pinto Pacheco, Luiz Veloso, Maria José Duarte,
Paulo Zocchi, Rafael de Freitas e Souza, Renina Valejo e Regina de Sena.
Capa e editoração eletrônica: Alexandre Linares.
Correspondência no Brasil
Corrente O TRABALHO do PT
(seção brasileira da 4ª Internacional)
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A VERDADE
REVISTA TEÓRICA DA QUARTA INTERNACIONAL
Nº 66
Setembro DE 2009
SUMÁRIO
Notas editoriais ........................................... pág. 5
O significado da reunião do G-20 ................. pág. 20
por François Forgue e Jean-Pierre Raffi
Uma vez mais, sobre o lugar da
Confederação Sindical Internacional (CSI) .... pág. 43
por Olivier Doriane
Peru: a fundação do Partido
dos Trabalhadores da Cidade e do Campo .... pág. 56
O movimento operário estadunidense,
a crise na indústria automobilística e a
política de Obama ..................................... pág. 65
Uma entrevista com Alan Benjamin, dirigente de Socialist Organizer
Qual “paz” no Sri Lanka? .......................... pág. 85
por François Forgue
Documento preparatório do 47º Congresso
da Secção Francesa da 4ª Internacional ...... pág. 103
Venezuela: a era Chávez .......................... pág. 147
por Julio Turra
Guillermo Lora (1921-2009) .................... pág. 161
Comunicado do Secretariado Internacional da 4ª Internacional
Budapeste (Hungria), 4 de abril de 2009:
debate de lançamento do livro “1956,
a Revolução dos Conselhos Operários” ..... pág. 166
Notas editoriais
Política, institucional e economicamente, a crise de dominação do sistema capitalista
não para de se agravar, em cada
país, em escala internacional. É
no país do imperialismo mais
poderoso, os Estados Unidos,
que a crise se expressa geralmente de uma forma mais espetacular. Entretanto, neste 7 de
junho, é na Europa que se produziu um fato da mais elevada
importância: a abstenção recorde na eleição do Parlamento
Europeu em todos os países.
desde a instauração do Parlamento Europeu: em 1979, votaram 62% dos eleitores ; em
2009, a participação foi em
torno de 42%. Note-se que nas
zonas operárias e populares as
porcentagens de participação
dificilmente ultrapassam os
10%, o que sublinha o caráter
social maciço desta rejeição (1).
A União Europeia
em crise aberta
Instituição maior a serviço
do imperialismo estadunidense
para pilhar e submeter as classes
operárias e os povos da Europa,
No total, a participação nesta
eleição não parou de decrescer
1 – A taxa global de abstenção e de recusa ao voto situa-se, no plano nacional,
abaixo de 20% em países como a Lituânia ou a Eslováquia. Na Romênia, em que
a taxa de abstenção em escala nacional se aproxima de 75%, é de 90% em alguns
bairros populares de Bucareste (capital). Na França, em que num período de 30
anos, a abstenção na eleição europeia passou de 40% para 60%, chega a algo
entre 70% e 80% nas regiões mais populares, e a até 90% nas zonas eleitorais
operárias.
Notas editoriais
a União Europeia foi atingida
no mais alto grau. Esta crise
traduz, claramente, a rejeição
das classes operárias e dos povos da Europa às políticas de
destruição que lhes afrontam e
a aspiração da classe operária a
realizar as condições de sua luta
de classe para se contrapor a
essa política. Ela é também a expressão da crise política de cada
uma das burguesias da Europa,
confrontadas à resistência das
massas e às pressões desagregadoras do imperialismo estadunidense, que, desde a última
cúpula do G-20 (veja o artigo de
François Forgue e Jean-Pierre
Raffi) não parou de acentuar a
pressão sobre os imperialismos
concorrentes. Ela é um passo a
mais na crise de desagregação
das instituições da União Europeia, golpeadas pela rejeição do
projeto de Tratado Constitucional, em 2005, nos referendos na
França e na Holanda.
destruição da classe operária (ao
mesmo tempo, destruição física
e desmantelamento de tudo o
que confere valor à força de trabalho), super-exploração, pilhagem dos fundos públicos para
salvar a classe capitalista... que,
no final das contas, são medidas
brutais contra a classe operária
para financiar tais projetos.
General Motors:
mais que um símbolo
O jornal que melhor exprime
a perspectiva da City (2) de Londres, “The Economist”, consagrou em sua edição de 6 de junho
um artigo ao que chamou de “A
América dos colarinhos azuis”
(3)
. Pode-se ler o seguinte:
“Poucas empresas são
símbolos como a General
Motors (...) de modo de
vida em seu conjunto. No
auge de seu sucesso, a General Motors era a prova
da capacidade do capitalismo de fazer o cidadão
médio alcançar o sonho
americano. Apenas saídos
do colégio, os jovens poderiam trabalhar e viver toda
Diante desta crise maior e
generalizada, o imperialismo, fiel
à sua natureza, só reconhece um
número limitado de “remédios”:
a escalada em direção à guerra
e à desagregação das nações, a
2 – City de Londres é o mercado financeiro britânico (NdT).
3 – A expressão “colarinhos azuis” refere-se à classe operária, em alusão aos
macacões dos operários da indústria (NdT).
A Verdade
uma existência que fazia
inveja ao mundo inteiro.
Podiam ganhar o suficiente
para sustentar mulheres e
fi-lhos. A empresa lhes garantiria um plano de saúde
de primeira linha. Poderiam se aposentar com uma
pensão equivalente a seus
salários depois de apenas 30 anos de trabalho.
Na metade dos anos 1950,
Detroit alcançou a média
mais elevada e a mais alta
porcentagem de proprietários de imóveis de todas
as cidades estadunidenses.
Motors aplicar seus planos,
que consistem em fechar
cinco empresas suplementares e transferir outros
21 mil trabalhadores. Uma
cidade que foi recentemente o símbolo da classe
operária proprietária de
sua casa é hoje repleta de
casas abandonadas.
A recessão em curso
fere mais duramente os
colari-nhos azuis estadunidenses do que os gênios
financeiros de Wall Street.
(...) Perto de seis milhões
de empregos foram perdidos (nos Estados Unidos, NdE) depois que a
recessão começou no final
de 2007. Em torno de 70%
destes empregos eram dos
colarinhos azuis, (...) e isto
acontece após os 30 anos
mais difíceis para os trabalhadores. Os salários dos
colarinhos azuis estagnaram desde a época de
Jimmy Carter (4) e, para
os homens, eles chegaram
a diminuir. Julia Isaacs,
do Brocking Institution,
calculou que, entre 1974
e 2004, os salários médios para os homens de 30
Hoje, a falência da General Motors é o símbolo dos
tormentos que atravessam
os próprios trabalhadores.
Poucos são os trabalhadores que ainda podem
atender aos desejos de sua
família sem que sua mulher trabalhe; menos numerosos ainda são aqueles
que podem esperar se aposentar depois de 30 anos
de trabalho. Detroit viu
sua população diminuir de
1,85 milhão de habitantes
em 1950, para 917 mil hoje.
Este número vai cair ainda
mais quando a General
4 – Presidente dos Estados Unidos de 1977 a 1981 (NdT).
Notas editoriais
anos, descontada a inflação, diminuíram em 12%,
de 40 mil dólares em média, para 35 mil dólares.”
400 mil trabalhadores da
indústria do automóvel dos
Estados Unidos (um trabalhador em duzentos em todo
o país) entraram em greve
durante dois meses, de
modo a bloquear os planos
de redução de empregos da
General Motors.”
Desta descrição, “The Economist” tira duas conclusões:
“A primeira é que os fundamentos da América dos
colarinhos azuis desmoronaram (...). A segunda é
que estes colarinhos azuis
têm uma responsabilidade
essencial em relação à sua
própria sorte. Esta conclusão é particularmente
verdadeira na indústria
automobilística, que tenderia a constituir o modelo essencial para o conjunto da
economia estadunidense.
Os sindicatos frequentemente frearam, travaram
sua própria indústria com
regras que se opunham a
todas as técnicas que visavam a estimular a flexibilidade e a produtividade na
produção fabril (o livro das
regras de trabalho da United Autoworkers – União dos
Trabalhadores da Indústria Automotiva (UAW) –
contém 5 mil páginas). Eles
também impuseram à sua
indústria custos de trabalho insuportáveis. Em 1970,
Concluindo:
“Mas há ainda esperança para os colarinhos azuis,
com a condição de que tirem
lições da calamidade da
General Motors. Inúmeras
empresas fa-bris, entre elas
fabricantes de automóveis,
desenvolveram-se na época
em que a General Motors
desmoronou (...). Os colarinhos azuis estadunidenses
não podem mais se dar ao
luxo de vi-ver ‘engordando’
como viveram seus predecessores, mas isso não significa que serão condenados a viver de bicos.”
Sobre o modelo
do acordo UAW...
Assim, os operários estadunidenses (e, supõem-se, os do
mundo inteiro), vivem no luxo,
“engordando”? O desdém do
registro expresso neste trecho
A Verdade
pelo autor em nome da classe
capitalista estadunidense é sufocante. Ousar escrever tal coisa,
quando a crise do capital advém
primeiramente, todos sabem,
da maneira pela qual os capitalistas “engordaram”, graças à
desregulamentação dos direitos operários, à super-exploração e à especulação financeira
de décadas... Ousar escrever tal
coisa quando os capitalistas “engordam” mais ainda hoje com
18 trilhões de dólares que as
instituições internacionais do
capital e os governos tiraram,
nestes últimos meses, dos caixas públicos (e dos empréstimos) para salvar os bancos e os
especuladores (dinheiro equivalente ao PIB acumulado dos Estados Unidos e da Alemanha).
São os trabalhadores que vivem
no luxo, “engordando”?
A direção do sindicato não hesitou em oferecer 20 bilhões de
dólares dos fundos de pensão,
propriedade coletiva dos trabalhadores da empresa, para salvar
a empresa, no mesmo momento
em que a empresa aplica um
plano de 21 mil demissões e põe
em questão todas as conquistas
operárias em matéria de seguro
saúde e de aposentadoria.
“The Economist”, de uma
certa maneira, tem razão: a General Motors é um símbolo. Não
o símbolo de uma classe operária
que “engorda” indevidamente,
mas o símbolo da maneira pela
qual a classe capitalista, atingida pela crise mortal inerente ao
seu modo de produção, é capaz
de ir até o desmantelamento dos
florões de sua própria indústria,
com o objetivo confesso de arruinar a classe operária organizada. Com tal atitude, a classe
capitalista busca recuperar para
si pedaços do valor da força de
trabalho como único recurso
possível para as novas margens
de lucro.
O desdém da classe capitalista cumpre uma função. A entrevista de Alan Benjamin, que
publicamos neste número de
A Verdade, reflete sobre a
evolução da General Motors e a
do sindicato UAW. Os redatores
de “The Economist” ficarão sem
dúvida satisfeitos em perceber
que a direção da UAW (que eles
censuraram por sua intransigência no passado) finalmente cedeu
diante das exigências de Obama.
Note-se que, na citação de
“The Economist”, isso significa
que “há ainda esperança para os
colarinhos azuis, com a condição
de que possam tirar lições da
calamidade da General Motors”.
Notas editoriais
É uma maneira de dizer que o
sistema capitalista é fundado
na extorsão da mais-valia, que
não se concretiza sem a exploração da força de trabalho do
operário. Compreende-se bem
que, desde que o capitalismo
existe, há operários a explorar.
Ao destruir a classe operária
organizada da General Motors
para recuperar novas margens
de lucratividade sobre a base da
destruição da força de trabalho
do proletariado, a classe capitalista não renuncia a explorar
a força de trabalho. Muito pelo
contrário, pretende, por meio
desta destruição em massa,
restaurar (por quanto tempo
ainda?) as condições de produção da mais-valia.
(setembro de 2009) um “pacto
mundial pelo emprego”, reivindicado, aliás, pelos dirigentes de
um certo número de organizações sindicais. Pode-se ler neste
número de “A Verdade” o artigo
sobre a Cúpula Mundial pelo
Emprego. Falando na reunião,
o presidente francês, Nicolas
Sarkozy, citou o primeiro diretor do secretariado da OIT
Albert Thomas, “que, em toda
sua vida, quis superar a luta de
classes”. E Sarkozy afirmou:
“A regulação da globalização é a questão central.”
Para chegar a esta “regulação”, convém, sublinha ele, colocar em prática o que chama
de “governança mundial”, com
a OIT como um de seus braços,
e, por meio dela, com as organizações operárias sindicais que
a OIT representa, para que estas
possam ter sua “palavra a dizer
junto da OMC, do FMI e do Banco Mundial”. O desafio para esta
governança abertamente corporativista é a de levar o G-20
a “ganhar mais tempo diante
da dimensão social da crise”.
Pois, para Sarkozy, a alternativa é: “Ou teremos a razão, ou
teremos a revolta”. É para fazer
frente à revolta operária provocada pela destruição em massa
...a marcha à
governança mundial?
Existe uma relação evidente entre este acordo assinado
pela General Motors e a Cúpula
Mundial pelo Emprego, ocorrida em 15 de junho em Genebra, com a participação dos dirigentes do Secretariado da OIT,
das organizações patronais,
das organizações operárias sindicais e dos presidentes Lula e
Sarkozy. O objetivo desta “Cúpula pelo Emprego” é o de preparar
para a próxima cúpula do G-20
10
A Verdade
da força de trabalho que a governança corporativista está na
ordem do dia.
acham-se nas relações das
mesmas instituições ligadas
às grandes potências capitalistas européias. Diretor geral do
Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique StraussKahn, em uma coletiva de imprensa em 13 de junho, na saída
da reunião dos ministros das
Finanças do G-8, pediu para
“sermos muito prudentes” sobre
as previsões concernentes à economia mundial. Strauss-Kahn
prevê um “pico de desemprego
no início de 2011”. Como dizem
inúmeros observadores internacionais, “o pior está por vir”.
É essencialmente o que declara
Erik Berglof, economista-chefe
do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento, em uma coletiva ocorrida em
meados de junho na Escócia:
Pois, é um fato, a crise
econômica se aprofunda. A cada
novo anúncio, os números oficiais da destruição dos empregos
são superiores às previsões
precedentes. A General Motors
ocupa um lugar simbólico. Mas,
na realidade, todas as grandes
marcas, todos os grandes nomes
da indústria mundial em todos
os domínios, automotivo e siderúrgico, eletrônico, informática, telefonia, construção e obras
públicas, pneumáticos, todos
sem exceção foram atingidos em
proporções inéditas até hoje pela
destruição em massa dos empregos. É impossível citar aqui
uma lista, mesmo que parcial.
Contentemo-nos em observar
que, sob uma aparente incoerência, as previsões feitas publicamente por dirigentes agravamse cada vez mais. As conclusões
da missão do FMI nos Estados
Unidos (tornadas públicas em
10 de junho de 2009) destacam
que “as perspectivas a curto
prazo caracterizam-se por um
grau de imprecisão inabitual, e
os riscos de degradação crescem
em relação a todos os outros”.
Observações
“Não penso que o pior já
passou, nós ainda não vimos tudo.”
Berglof explica:
“Parece que nunca sabemos o que se passa em
nosso sistema bancário
(na Europa). É necessário
não somente descobrir,
mas também tornar isso
público”.
Brevemente, “o pior da re-
comparáveis
11
Notas editoriais
cessão está por vir”. É fato que
ninguém sabe em quais proporções os 18 trilhões de dólares
(um quarto do PIB mundial),
ofertados pelos governos e pelas
instituições internacionais aos
grandes bancos e fundos especulativos, permitirão cobrir ou não
o desmoronamento bancário e financeiro em curso. O certo é que,
tanto nos Estados Unidos como
na Europa, os empréstimos retornam a pleno vapor. Desde já,
a moeda de papel ameaça sofrer
uma grande desvalorização para
salvar os cofres-fortes dos bancos. Isso não muda nada: a base
material do sistema capitalista
continua sendo a produção de
mercadorias. Ora, a realização
da mais-valia por meio desta
produção está mais ameaçada
do que nunca. O Banco Mundial
revê, sem cessar, a baixa de suas
previsões. Em junho de 2009,
estimou em 3% a queda do PIB
mundial para 2009, colocando
em evidência “as perspectivas
cada vez mais sombrias” para
as economias em desenvolvimento.
este ano mais do que foi estimado antes, e os países pobres
continuarão a ser duramente
atingidos pelas múltiplas ondas
de tensões econômicas”.
Somente na Alemanha, as
previsões de queda do PIB
ultrapassam, no momento em
que escrevemos, os 6% para
2009. Esta ofensiva de destruição, que está longe de encontrar
o seu ápice (em relação à França,
o jornal “Le Fígaro” prevê um
“setembro mortífero”), atinge
sobretudo a força de trabalho,
a classe operária. As previsões
de desemprego para o próximo
período aumentam a cada nova
estatística. No momento em que
escrevemos, anuncia-se que a
taxa oficial de 10% de desempregados atinge ou está em vias
de atingir todos os países capitalistas ou em desenvolvimento,
tanto nos Estados Unidos quanto nos países europeus.
Nos Estados Unidos, a taxa
oficial de desemprego é a maior
em 27 anos e não para de crescer
a um ritmo mensal de 600 mil
destruições de empregos. Na
Zona do Euro (5), o desemprego
está no nível mais elevado dos
Para Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, “a
economia mundial se contrairá
5 – Zona do Euro – Grupo de países que adotam o euro como moeda, composto
pela maioria (mas não todos) dos países da União Europeia (NdT).
12
A Verdade
últimos 10 anos. Em todos os
lugares, o uso do seguro-desemprego explode. Só nos Estados
Unidos, estima-se em mais de 6
milhões o número de empregos
destruídos desde o início oficial
da recessão. Significativamente,
a declaração dos ministros das
Finanças do G-8 reunido em
Lecce, na Itália, em 13 de junho,
prevê que “mesmo após o retorno do crescimento econômico, o
desemprego poderia continuar
a se desenvolver”, e insiste na
necessidade de observar um
respeito absoluto “às normas
fundamentais da propriedade”,
que passam notadamente pela
“governança da empresa”.
tas (os partidos oriundos da
crise do stalinismo tiveram, em
regra geral, resultados bastante
medíocres). O jornal francês
“Le Monde” (17 de junho), espanta-se com o fato de a “social-democracia (ser a) vítima
inesperada da crise” e escreve:
“Pelo crime, o teorema
estaria quase perfeito. A direita é o campo do capital,
portanto, do capitalismo.
Quando este último entra em crise, a direita está
igualmente em crise. Assim, a esquerda deveria ganhar as eleições europeias.
O problema é que, em toda a
União Europeia, os eleitores
votaram contra a esquerda
social-democrata”.
Encontramos aqui os elementos da declaração do G-20 aos
quais se refere o artigo de JeanPierre Raffi e François Forgue,
mas também os elementos da
Cúpula Mundial de Genebra,
com seu Pacto Mundial pelo
Emprego. À luz destes elementos, voltemos a um dos aspectos
principais da eleição europeia à
qual se fez referência no início
destas notas editoriais: a derrota generalizada de todos os
partidos que se reclamam historicamente da classe operária e
do movimento operário. Foram
atingidos sobretudo os partidos
socialistas e sociais-democra-
O paradoxo é apenas aparente. Nesta situação em que a
crise coloca na ordem-do-dia
para os trabalhadores de toda
a Europa, como nunca antes, a
necessidade de romper com a
subordinação às leis do capital,
os dirigentes da social-democracia europeia mantêm sua
obstinação seja de participar dos
governos (com maioria socialista
ou de “grande coalizão”, como
na Alemanha) que colocam em
andamento todos os planos da
União Européia, seja de recusar
13
Notas editoriais
a combater os planos de desmantelamento da indústria. Por
seu apoio de fato ao acompanhamento dos planos sociais e de
restruturação, eles aparecem aos
olhos dos trabalhadores como
não oferecendo nenhuma perspectiva ao combate pela sobrevivência da classe como classe.
É esta a rejeição que se expressa
no caráter espantosamente convergente, quase homogêneo,
da maciça abstenção operária e
popular na imensa maioria dos
países concernidos pelo voto do
pretenso Parlamento Europeu.
Marx, o genial “descobridor das
leis do capital” (omitindo seu
papel de organizador do movimento operário, combatente que
visava o fim da exploração capitalista), tomaram muito cuidado
para jamais mencionar Lenin.
Pois em “O Imperialismo,
Fase Superior do Capitalismo”, Lenin prolonga a análise
de Marx e mostra como, com
o capitalismo alcançando o
último estágio de seu desenvolvimento, o mundo inteiro é objeto
de uma partilha total entre as
principais potências imperialistas, elas são confrontadas a todas as contradições de um sistema econômico que chegou, diz
Lenin, a seu “estágio superior”,
quer dizer, aquele do “parasitismo” e da “putrefação”.
Guerra e economia
armamentista
Estas palavras nos levam à
atualidade da obra de Lenin “O
Imperialismo, Fase Superior
do Capitalismo”. Agora que a
crise econômica começou a se
estender ao mundo inteiro,
há pouco menos de um ano,
inúmeros jornalistas de qualidade duvidosa e zelosos defensores do sistema capitalista
resolveram redescobrir Marx.
No espaço de alguns meses, tornou-se de bom tom redescobrir
Marx, citá-lo a propósito do que
ele jamais foi: um simples analista dos mecanismos do capital.
Mas, significativamente, todos
os que resolveram redescobrir
Chegado a este estágio de
desenvolvimento, o que marca
também o início de sua decomposição (da qual vemos hoje
prolongamentos consideráveis),
o sistema capitalista imperialista pode somente sobreviver, diz
Lenin, graças a duas condições
principais: uma delas é o apoio
que lhes dão os chefes operários
paus-mandados da classe burguesa, que confundem seus interesses com os da própria classe
14
A Verdade
guerras no Iraque e no
Afeganistão custaram 903
bilhões de dólares de despesas militares suplementares, só para os Estados
Unidos’, revela o pesquisador. Os Estados Unidos são
de longe o principal país
na classificação do Sipri e
representou, sozinho, em
2008, perto de 41% do total
mundial das despesas militares, ou seja, mais do que a
soma dos gastos dos 14 outros principais países, uma
herança dos anos Bush.”
capitalista; e a outra é a guerra,
à qual se liga este pulmão artificial da economia capitalista que
é a economia armamentista.
É um fato muito significativo
que, 20 anos após a queda do
muro de Berlim, as despesas com
armamentos tiveram em escala
planetária um desenvolvimento
sem precedentes. Lê-se em um
dos textos da agência noticiosa
France Presse (8 de junho de
2009), intitulado “Recorde das
despesas militares mundiais”:
“As despesas militares
no mundo atingiram um
recorde no ano passado
(...). Em 2008, foram gastos
1,464 trilhão de dólares, uma
alta de 45% em dez anos.
Comentando estas informações, “Le Monde” explica que
“desde 2000, a despesa anual
global do Departamento de Defesa dos Estados Unidos mais
do que dobrou, passando de 294
bilhões de dólares para 675 bilhões”, e que este “crescimento
das despesas com a defesa” durante os oito últimos anos “foi
o mais forte registrado desde o
fim da 2ª Guerra Mundial”. “Le
Monde” acrescenta: “Financiado
sobretudo por créditos excepcionais e por empréstimos, o gasto
contribuiu para a deterioração
das finanças públicas estadunidenses. O país passou em oito
‘A introdução da ideia
de uma guerra contra o
terrorismo, empurrou inúmeros países a ver seus
problemas através de uma
perspectiva fortemente militarizada’, analisa o dirigente
de estudos do Sipri (6) sobre
despesas militares, Sam
Perlo-Freeman, na apresentação de sua pesquisa.
‘Ao mesmo tempo, as
6 – Sipri – Organização sueca, Instituto Internacional de Pesquisa pela Paz de Estocolmo (NdT).
15
Notas editoriais
anos de um excedente financeiro
de 236 bilhões de dólares no ano
para um déficit previsto de 407
bilhões em 2009.”
Seria preciso ainda evocar o Sri
Lanka (veja o artigo a respeito de
François de Massot) ou o que se
desenvolve hoje no Iraque e as
ameaças em relação à Índia? A
marcha para a guerra é uma consequência intrínseca à sobrevida
do capitalismo, que entrou na fase
de decomposição imperialista.
A marcha para a guerra como
resposta maior do imperialismo a
suas próprias contradições, como
meio de pilhar novos mercados e
como meio de inflar a economia
armamentista revela-se em toda
a sua amplitude. O desenvolvimento sem precedentes da economia armamentista avança com
a marchar para a guerra.
Uma ofensiva
redobrada contra
a classe operária...
Mas mesmo este arrebatamento militarista não será suficiente para debelar a crise
do capital. A ofensiva contra
a classe operária não pode diminuir de forma nenhuma.
No Iraque, permanecem 135
mil soldados estadunidenses,
sem que o calendário para a retirada seja sequer estabelecido;
no Afeganistão, o conjunto das
potências capitalistas são encorajadas pelo governo de Obama a
se engajar cada vez mais, sob a
égide da Otan (7), para suprir as
dificuldades do exército estadunidense; no Paquistão, que
entrou numa espiral de guerras
e de decomposição, com mais de
dois milhões de refugiados nas
estradas, enquanto o estadomaior militar dos EUA chama
somente de Afpak o Afeganistão
e o Paquistão, como uma única
zona de guerra.
A classe capitalista prepara,
aliás, sua nova fase. O mote é
que, após a crise atual (que, já
vimos, não para de se agravar),
já se prepara a crise seguinte.
“The Economist”, em sua edição
de 13 de junho, consagrou um
artigo à “maior dívida de toda a
história”:
“Uma outra nuvem
começa a fazer sombra, a
ameaçar o horizonte financeiro: a dívida pública.”
7 – Otan – Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar sob direção do imperialismo dos Estados Unidos (NdT).
16
A Verdade
e especuladores, mas é claro
que isto terá um preço – “The
Economist” não o esconde
mais: o de fabricar moeda
falsa (“o Federal Reserve
(8)
, tal como o Banco da
Inglaterra, imprime papelmoeda para comprar as
obrigações do governo”).
Eis aí uma fonte maior de
inflação. Como agir diante
destes riscos de inflação?
“Uma cura súbita de austeridade fiscal hoje seria um
erro”. Para “The Economist”, os governos não podem fazer nada agora, mas
devem assumir compromissos para o futuro. Em
particular, “os governos
deveriam se engajar para
aliviar as finanças públicas, cortando no futuro um
certo número de despesas,
mais do que aumentando
os impostos”. Uma das
prioridades propostas “é
a de elevar a idade para
a aposentadoria, o que estimularia entradas fiscais,
pois as pessoas trabalhariam mais tempo, o que
reduziria as futuras despesas na aposentadoria.
Inúmeros países ricos já
Segundo “The Economist”,
retomando as análises dos especialistas do FMI, “a dívida
pública dos dez países mais
ricos do mundo passará de 78%
do produto nacional bruto em
2007 para 114% em 2014”. “The
Economist” comenta:
“Jamais se viu, desde a
2ª Guerra Mundial, tantos governos fazerem empréstimos de somas tão
grandes em um espaço de
tempo tão curto (...), e a
atual explosão da dívida –
diferentemente do que ocorre
em períodos de guerra – não
será temporária.”
“The Economist” descreve
em seus termos a contradição
na qual se encontra colocada a
classe capitalista:
“A curto prazo, os empréstimos governamentais
são um antídoto essencial”,
pois, qualquer um pode
compreender, “sem a salvação dos bancos, a quebra
financeira seria ainda mais
catastrófica etc. etc.” Assim,
é preciso que os governos
continuem a salvar, salvar,
salvar e salvar banqueiros
8 – Federal Reserve Bank – Banco Central dos Estados Unidos (NdT).
17
Notas editoriais
estão engajados nesta via,
mas é preciso fazer mais
ainda e mais rápido. Uma
outra questão maior é o seguro saúde”.
o objetivo de que, não retomando
as reivindicações e as palavras de
ordem da classe operária, eles
acompanhem os planos destruidores da classe capitalista. É este
o problema colocado aos Estados
Unidos, conforme já vimos, com
a assinatura do acordo da UAW.
Mas, como indica Alan Benjamin
em seu artigo, a assinatura deste
acordo coloca, no próprio seio do
movimento operário, inúmeros
problemas e provoca muitos processos de resistência. Mas estes
problemas não estão colocados
somente nos Estados Unidos.
Sob diversas formas, os trabalhadores estão confrontados com
eles em todos os países.
Qualquer um pode entender:
todas as propostas têm o sentido de preparar as condições das
futuras ofensivas contra a classe
operária.
...que alimenta e
reforça os movimentos
de resistência
Mas os golpes redobrados reforçam a resistência das massas,
que é a fonte da crise de dominação política do imperialismo (incluindo a crise que se expressa na
eleição europeia). Encurralado,
resta ao imperialismo somente
a possibilidade de apelar para a
união sagrada, para a associação capital-trabalho. A Cúpula
Mundial pelo Emprego exprime,
em escala mundial, a política que
o imperialismo tenta desenvolver
em cada país.
Em direção ao
7º Congresso Mundial
Por este motivo, o 7º Congresso Mundial da 4ª Internacional, convocado para o
outono de 2009 (no Brasil, primavera – NdT), terá que aprofundar a discussão sobre os meios que devem adotar as seções da
4ª Internacional para ajudar
a classe operária a superar os
obstáculos levantados pelas direções das organizações, em
particular no plano político.
Esta ofensiva se traduz, em
particular, nas pressões consideráveis exercidas sobre os
dirigentes das organizações sindicais, mas também sobre os
dirigentes dos partidos que pretendem falar em nome dos trabalhadores e da democracia, com
Como ajudar a classe operária
a realizar sua unidade para im18
A Verdade
pedir os planos destruidores?
Sob quais formas devem-se
organizar as seções da 4ª Internacional? Elas podem ajudar
a constituir órgãos políticos de
combate que permitirão a classe
salvar-se como classe e, salvando-se como classe, salvar a humanidade? Esta é em particular
a discussão que se desenvolve
na seção francesa (veja na pág.
67) a propósito do significado da
palavra-de-ordem de proibição
das demissões e da campanha
a este respeito levada pelo
Partido Operário Independente
(ao qual pertencem os membros
da Corrente Comunista Internacionalista, seção francesa da
4ª Internacional). É portanto
uma discussão engajada sobre
o combate político concreto
pela proibição das demissões, as
formas que ele deve tomar e as
iniciativas adotadas neste sentido. Como, ajudando a classe a
combater pela proibição das demissões, ajudando-a a realizar
a unidade de sua luta de classe
com este objetivo, contribuir
para constituir os elementos
da construção de um autêntico
Partido Operário Independente, compreendendo em seio uma
corrente da 4ª Internacional? Retornaremos a estas questões no
próximo número de “A Verdade.
A Verdade
19
O significado da
reunião do G-20
por François Forgue e Jean-Pierre Raffi
Em 2 de abril de 2009, ocorreu em Londres,
ao redor de Barack Obama, novo presidente
dos Estados Unidos, uma reunião do G-20,
seguida por uma reunião de cúpula da Otan
(Organização do Tratado do Atlântico Norte),
na qual se reencontraram, mais uma vez
em torno de Obama, muitos dos que haviam
participado da reunião precedente.
O que é o G-20? É a reunião dos chefes de
Estado ou de governo dos 20 países considerados os mais importantes do planeta, pois estima-se que controlem cerca de 90% das riquezas e da produção mundiais. É uma instituição
criada em 1999, nos anos que se seguiram ao
desabamento da URSS (União Soviética) e à
primeira invasão do Iraque por uma coalizão
sob direção estadunidense. O G-20 reúne,
ao lado das grandes potências imperialistas (que formavam antes o que se chamava
de G-7), a Federação Russa e os países ditos
emergentes, como o Brasil, a África do Sul, a
Índia e a China.
20
François Forgue e Jean-Pierre Raffi
A reunião do G-20 ocorreu enquanto a crise mundial,
iniciada nos Estados Unidos,
caía como uma tempestade sobre todos os países e todos os
continentes, desestabilizando os
próprios fundamentos da ordem
capitalista mundial; crise que,
no entanto, está apenas em suas
primeiras etapas...
Coube, portanto, a Obama
exprimir a necessidade de
manter – e de restabelecer em
todos os terrenos – a estratégia
de supremacia e de dominação
indispensável à sobrevivência do imperialismo estadunidense, e consequentemente do
imperialismo mundial. Isso em
condições, nos próprios Estados Unidos, nas quais a eleição
de Obama é uma das expressões
da crise política profunda que
estraçalha os Estados Unidos,
que fragiliza o conjunto de suas
instituições.
Essa reunião marcou igualmente a entrada em cena mundial do novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Tratava-se apenas de uma
simples mudança de pessoas. A
presidência de Bush terminou
nas condições de crise citadas
acima, enquanto o imperialismo estadunidense se chocava
em todas as partes com as consequências do desabamento do
sistema capitalista mundial, do
qual ele é a peça principal. O
lodaçal sangrento no Iraque e
a acentuação da guerra no Afeganistão se combinam com a
situação de conjunto para minar
a posição mundial dos Estados
Unidos – não como resultado do
questionamento de sua posição
dominante em relação aos outros imperialismos, mas como
a própria expressão da luta de
classes internacional e do aprofundamento da decomposição
do sistema capitalista.
Em outros termos, a reunião
do G-20 visava empreender a reorganização do conjunto do dispositivo mundial da dominação
imperialista desestabilizado pela
crise em torno de seu pivô, o imperialismo estadunidense, e isso,
precisamente, nas condições criadas pela crise.
O novo presidente estadunidense deveria, portanto, reafirmar e fazer com que todos
aceitassem a supremacia do imperialismo estadunidense, assim
como o fato de que, mais ainda
do que no passado, tudo deve
ser subordinado a suas necessidades. É a serviço desse objetivo
que foram colocados em prática
os efeitos de estilo pelos quais
21
O significado da reunião do G-20
Obama dedicou-se a dar aos
Estados Unidos uma imagem
mais aberta, mais inclinada ao
diálogo, ao “multilateralismo” e
à consulta.
sa. As cúpulas da social-democracia internacional estão diretamente associadas a essa
tomada de posição, principalmente em virtude de sua participação – ou sua direção – em
alguns governos participantes
do G-20. A social-democracia
alemã está comprometida com
uma “grande coalizão” com
a CDU da chanceler Merkel
(1)
; quem preside o governo
espanhol é Zapatero, dirigente
do PSOE (Partido Socialista
Operário Espanhol); e Gordon Brown, dirigente do Partido Trabalhista britânico, foi o
anfitrião dessa reunião.
Na realidade, a reunião do
G-20 constituiu uma declaração
de guerra contra os trabalhadores e os povos do mundo.
Uma declaração de
guerra contra os
trabalhadores e
os povos do mundo
Os 20 chefes de Estado
e de governo afirmaram em
comum, e por unanimidade, em
sua declaração final:
A consequência do alívio dado
ao imperialismo pelas cúpulas
burocratizadas do movimento
operário só pode ser a tentativa,
sob formas múltiplas, de subordinar e de associar as organizações operárias, em particular
as organizações sindicais, ao
quadro fixado pelo G-20.
“Estamos convencidos
de que o único fundamento para uma globalização
durável é uma economia
mundial aberta baseada
nos princípios do mercado.”
Essa declaração foi ratificada, portanto, não apenas
pelos dirigentes das grandes
potências imperialistas, mas
também por todas as cúpulas de países como o Brasil e a
Índia, pelo russo Putin e pelos
dirigentes da burocracia chine-
Quaisquer que sejam as contradições entre os diferentes
componentes do G-20, houve
um acordo final no sentido de
que tudo o que conduziu à crise
atual deve ser mantido. Em outros termos, um acordo de que
1 – CDU: sigla em alemão da União Democrata-Cristã, partido burguês do qual
faz parte a chanceler Angela Merkel (NdT).
22
François Forgue e Jean-Pierre Raffi
o sistema mundial baseado na
propriedade privada dos meios
de produção, cuja manutenção
conduziu à crise atual, deve ser
preservado a qualquer custo,
e que isso só pode ocorrer sob
a condução do imperialismo
estadunidense, elemento central
dessa ordem mundial.
O plano de reestruturação
da indústria automobilística,
a colocação sob concordata
“cirúrgica” da Chrysler, e depois da General Motors, não
significam apenas a liquidação
de dezenas de milhares de empregos nos próximos meses e
uma ameaça sobre centenas de
milhares de empregos direta ou
indiretamente dependentes da
indústria automobilística nos
Estados Unidos.
Nesta medida, repetimos, as
decisões do G-20 e seus prolongamentos na reunião da Otan
constituem uma verdadeira
declaração de guerra contra os
trabalhadores e contra os povos
do mundo. Elas não tardaram a
mostrar seus efeitos.
Para a realização desse plano,
o Sindicato dos Trabalhadores
da Indústria Automobilística,
cuja sigla em inglês é UAW,
foi intimado a transformar-se
em síndico de massa falida das
grandes empresas da indústria
automobilística e a associar-se
diretamente aos planos de demissões e de destruição das vantagens conquistadas pelas lutas
passadas. A direção do sindicato
UAW aceitou esse acordo, e,
como dizem seus porta-vozes,
“chegamos a um acordo com
a direção da General Motors
e com o Ministério das Finanças dos Estados Unidos para
tornar a General Motors mais
competitiva e para cancelar
uma parte da dívida da General Motors com o fundo de
aposentadoria”.
Primeira
consequência:
o ataque contra
os trabalhadores
da indústria
automobilística
nos EUA
A primeira consequência é
uma ofensiva generalizada contra os trabalhadores, seus empregos, seus direitos e suas organizações. Ela começou a ser
posta em prática por meio do
ataque contra os trabalhadores
da indústria automobilística dos
Estados Unidos.
23
O significado da reunião do G-20
O plano que o presidente
Obama pôs em prática, com a
concordância da direção do sindicato UAW, resume-se ao que
disse a respeito um operário da
Chrysler: “É um roubo a mão
armada”. De fato, o que foi
feito na Chrysler e o que está
em curso na General Motors é a
“recapitalização” das empresas
da indústria automobilística por
meio da injeção de recursos dos
fundos de pensão, que asseguram as aposentadorias e a cobertura de saúde dos trabalhadores
da indústria automobilística.
O que está na ordem-do-dia é,
portanto, a destruição de algumas das conquistas sociais mais
avançadas da classe operária
estadunidense que existiam
nesse setor e que valiam como
ponto de apoio e referência para
toda a classe operária.
Mais do que nunca, a classe
operária, por sua ação para
salvaguardar suas conquistas,
seus direitos, seus empregos, é
a força social determinante que
pode salvar a civilização do aniquilamento. Mais do que nunca, em cada uma de suas lutas,
os trabalhadores se chocam com
o sistema de exploração capitalista, baseado na propriedade
privada dos meios de produção,
e são levados a questioná-lo.
Mais do que nunca, para conduzir e desenvolver sua ação, a
classe operária, em cada país e
em escala internacional, tem
necessidade de suas organizações independentes, de suas
organizações sindicais. Em sua
resistência, em condições difíceis, contra os planos destrutivos do capital, a classe operária
coloca a questão de uma política
independente, ou seja, que rompa efetivamente com o sistema
capitalista, e recoloca a questão
do instrumento de tal política: a
questão do partido, a questão da
Internacional.
Essa ofensiva lançada contra
os trabalhadores da indústria
automobilística é uma ofensiva
contra todos os trabalhadores
dos Estados Unidos, e, além
disso, contra os trabalhadores
do mundo inteiro, bem como
contra a independência de suas
organizações. Ela indica com
clareza o futuro que o imperialismo, acuado pelas consequências de sua crise, vai procurar
impor em escala mundial.
Outra consequência:
golpe de força na OIT
Contraditoriamente a todas
as tradições e ao funcionamento
da OIT (Organização Internacio24
François Forgue e Jean-Pierre Raffi
nal do Trabalho), alguns dias antes da sessão anual para reunir,
de 3 a 19 de junho, centenas de
“delegados dos trabalhadores”
representantes de organizações
operárias do mundo (bem como
os representantes dos patrões e
dos Estados), anuncia-se uma
mudança radical da ordem-dodia. Anuncia-se a organização
de uma “cúpula da OIT sobre
a crise mundial”, que “reunirá
não apenas as representações
dos Estados e dos governos, as
organizações patronais e sindicais, mas também os ‘decididores’ em escala internacional,
representantes da sociedade
civil, representantes das multinacionais. Durante essas
jornadas, será discutido um
projeto de ‘Pacto Mundial pelo
Emprego’”.
que ela seja assumida pelas cúpulas do movimento operário.
Nessa via, em escala internacional como em cada país, os
aparatos de origem stalinista e
as organizações ligadas ao Secretariado Unificado (2) desempenham um papel central. O
conteúdo desse golpe de força
são os ataques sofridos pelos
trabalhadores dos Estados Unidos e suas organizações.
A OIT é uma instituição internacional que procede da colaboração de classes (foi constituída
há 90 anos como uma tentativa
de conter a onda crescente da
revolução mundial iniciada em
outubro de 1917), mas reconhecia em sua forma e em sua
própria composição a divisão da
sociedade em classes, e, portanto, a presença de representantes
da classe operária como tal.
Isso é pura e simplesmente
decidir a morte da OIT como
organismo tripartite, baseado
no estabelecimento de normais
sociais e no reconhecimento de
organizações sindicais operárias
independentes, para substituíla por um quadro de integração
corporativista dos sindicatos. A
aplicação dessa política exige
Diante da crise mundial do
sistema imperialista, trata-se,
pelo próprio questionamento da
OIT, de uma expressão da modificação de todas as relações entre as classes. Nessa situação, a
OIT não tem mais razão de ser,
porque “resolver a crise” – que
era o objetivo proclamado do
2 – Secretariado Unificado (SU): organização que se reivindica fraudulentamente
da 4ª Internacional (NdT).
25
O significado da reunião do G-20
G-20 – é destruir as organizações operárias por meio de sua
integração aos planos do G-20.
Ele lhes indicou que seus países
constituíam a “nova fronteira”
da luta contra o terrorismo.
Em outros termos, o presidente dos Estados Unidos retomou a seu modo a terminologia
empregada pelo Estado-maior
estadunidense, para o qual o
Afeganistão e o Paquistão constituem a mesma zona de operações militares: o Afpak.
A guerra sem fim
A realização do G-20 conduziu a uma ofensiva crescente
contra a soberania das nações,
contra os direitos dos povos,
contra a democracia. As guerras
se intensificam, se multiplicam.
No mesmo momento em que
Obama formulava suas consignas diante de Karzai e
Zardari, mais de cem habitantes
de uma vila afegane morriam
sob as bombas estadunidenses.
O governo Obama acaba de aumentar o orçamento do Pentágono, que atinge agora 664 bilhões
de dólares (ou seja, 21 bilhões de
dólares a mais que o último orçamento militar de Bush). O jornal britânico “Financial Times”
(30 de abril) assinalou que, “ao
procurar reduzir a quantidade
de forças estadunidenses diretamente engajadas no Iraque,
reforçando ao mesmo tempo
a intervenção no Afeganistão,
Obama segue, no essencial, a
rota traçada por Bush”.
Esse foi apenas um episódio,
entre outros, que mostra o que
significa, para a população afegane, a ocupação pelas tropas da
Otan sob direção estadunidense.
A guerra no Afeganistão estendeu-se plenamente ao Paquistão,
país diretamente ameaçado de
destruição. As bombas e mísseis
estadunidenses alvejam hoje vilas paquistanesas, como ontem
atingiam vilas afeganes.
Essa rota é a da “guerra sem
fim”. Não se trata da “guerra
contra o terrorismo”, mas sim
da guerra contra os povos.
De forma despudorada,
Washington intimou o governo paquistanês a empreender
uma ofensiva militar contra as
regiões nas quais os talibãs estariam enraizados. O resultado é
Obama teve recentemente
uma reunião com os chefes de
governo afegane e paquistanês,
Hamid Karzai e Asif Ali Zardari.
26
François Forgue e Jean-Pierre Raffi
um desastre sangrento. Há atualmente mais de dois milhões de
paquistaneses jogados pelas estradas, exilados em seu próprio
país, expulsos de suas cidades e
de suas vilas.
chamados a aplicar a política de
acordo com as necessidades do
imperialismo, a mesma política
aplicada hoje na Ásia, que deve
ser a regra para todos os continentes e para todos os países.
Mergulhado no caos, o
Paquistão está ameaçado de
destruição. Quem pode pensar
que as consequências do caos
sangrento no qual a “ordem estadunidense” mergulha hoje o
Paquistão se deterão nas fronteiras desse país? É toda a Ásia
que está diretamente ameaçada:
a Índia, que não poderá se isolar da desestabilização de todo
o subcontinente; a China, que
vê se fechar em torno de si um
verdadeiro círculo.
Trinta e três primeirosministros e chefes de Estado das
Américas participaram dessa
cúpula. O único ausente foi o
governo cubano, excluído da
OEA (Organização dos Estados Americanos) desde que, em
1962, o imperialismo estadunidense começou a impor o bloqueio a Cuba.
O novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, certamente quis aparecer aí também sob uma nova imagem, ao
declarar:
No Oriente Médio, enquanto
as ameaças se acentuam contra
o Irã, em todos os continentes, é a marcha à guerra que se
inscreve na esteira da política do
imperialismo.
“Temos muitas diferenças em relação a muitas
questões, mas, na medida
em que respeitamos as regras democráticas, podemos definir o que temos em
comum.”
A Cúpula das Américas
A 5ª Cúpula das Américas,
que ocorreu em Port of Spain,
capital de Trinidad e Tobago,
de 17 a 19 de abril de 2009, ilustrou a profundidade da crise, assinalou as condições difíceis nas
quais Obama e seu governo são
Mas a declaração apresentada para assinatura havia sido
preparada há muito tempo e foi
simplesmente submetida a ratificação. Continha em seu centro
duas expressões fortes da continuidade da política estadunidense
27
O significado da reunião do G-20
para o continente: a recusa ao fim
do terrível bloqueio imposto há
mais de 40 anos contra Cuba e a
pressão mais forte do que nunca
visando a impor a assinatura dos
“tratados de livre comércio”.
Seria a crise atual, como se
repete à exaustão, um “acidente”
devido a excessos financeiros, à
“irresponsabilidade dos bancos”, à ausência de “regulamentação”? Para a 4ª Internacional,
essa crise não surgiu como uma
surpresa – prova disso, aliás,
são os elementos sucessivos de
análise sobre a evolução da economia mundial que vêm compondo a elaboração política da
4ª Internacional –, nem como
um acontecimento inexplicável.
Bem ao contrário, ela procede
da evolução do capitalismo, de
suas contradições, das quais o
marxismo dá conta.
Resultado: toda uma série de
governos recusou-se a assinar a
declaração final, principalmente
a Venezuela, a Bolívia, o Equador, a Nicarágua e Dominica, e
outros expressaram reservas,
como a Argentina, Honduras e
mesmo o Brasil.
E, apesar do apoio de Lula,
principalmente, que Obama
saudou calorosamente, coube
apenas ao primeiro-ministro de
Trinidad Tobago, Patrick Manning, ratificar a declaração, na
qualidade de “potência anfitriã”.
A elaboração política da 4ª
Internacional a esse respeito
se inscreve na linha direta das
análises feitas por Lênin, e depois por Trotsky.
Mas o imperialismo não dispõe, aí também, de nenhuma
margem de manobra, e precisa
de uma maneira ou de outra
chegar aos seus objetivos. Por
isso, o secretário-geral da OEA,
José Miguel Insulza, apressouse, tão logo a cúpula terminou,
a convocar uma reunião dos ministros de Finanças do continente para 3 de julho.
Trotsky, em seu prefácio à
edição francesa de “A Revolução
Traída”, escreveu:
“A irresistível expansão
que as crises permanentes
e internas do capitalismo
engendram constitui sua
força progressiva, antes de
tornar-se mortal para ele.”
Quando, no período que
antecedeu a 1ª Guerra Mundial,
as relações de produção capi-
Nas origens da crise atual
28
François Forgue e Jean-Pierre Raffi
da humanidade se reduz à crise
da direção revolucionária”.
talistas dominaram o mundo
inteiro, e o capitalismo atingiu
ao mesmo tempo seu estágio supremo, as grandes potências terminaram de dividir o mundo e os
monopólios substituíram a livre
concorrência. Como escreveu
Lênin no prefácio de “O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”, esse estágio do capitalismo é caracterizado antes de tudo
pelo “parasitismo e pela putrefação”. As forças produtivas, desenvolvidas pelo capitalismo, são
sufocadas no quadro das relações
de propriedade burguesas e nos
limites das fronteiras nacionais.
A primeira guerra imperialista é
a expressão desse fato.
A manutenção do sistema
capitalista conduziu à sua putrefação. Como escreveu Lênin em
“O imperialismo...”:
“As relações provenientes
da economia privada formam um invólucro sem
a menor relação com seu
conteúdo, e que deve necessariamente entrar em
putrefação caso se busque
retardar artificialmente a
sua eliminação.”
Essa putrefação conduziu
à situação analisada pelo programa de fundação da 4ª Internacional: “As forças produtivas
pararam de crescer”.
Diante de um sistema que
conduz a humanidade ao desastre, a Revolução de Outubro
de 1917, empreendendo a expropriação dos exploradores no
território do antigo império dos
czares, como primeiro elo da
revolução proletária internacional, abriu o caminho para uma
saída a toda a humanidade.
A manutenção do sistema
imperialista após a 2ª Guerra
Mundial, graças à ação política
do stalinismo e da social-democracia, apesar da poderosa
onda revolucionária que se
espalha então em escala mundial, só pôde ocorrer ao preço
não apenas da estagnação das
forças produtivas, mas de sua
destruição, de uma aceleração
generalizada rumo ao parasitismo (economia de armamentos e especulação), em proporções qualitativamente novas.
A época histórica que então
se iniciou é feita de guerras, de
revoluções e de contrarrevoluções. Ela colocou em primeiro
plano a realidade essencial resgatada pelo programa de fundação da 4ª Internacional: “A crise
29
O significado da reunião do G-20
gaja em uma política que
visa a impor seu curso forçado, ou seja, a via de uma
subordinação estreita das
outras burguesias (alemã,
japonesa, francesa, inglesa
etc.) aos interesses exclusivos da burguesia estadunidense (...). Ao suspender
a conversibilidade do dólar (...), o imperialismo
estadunidense e seu presidente, Nixon, fazem saber
que os outros países devem
aceitar as condições necessárias à estabilidade da
ordem econômica e social
estadunidense.”
Foi em particular com base
em um fantástico crescimento
das despesas de armamentos
que a economia capitalista pôde
continuar seu curso; mas, a longo prazo, os próprios meios que
lhe asseguraram uma prorrogação constituem fatores explosivos de agravamento.
É isso que significou a decisão de Nixon (3) de 1971 de
desvincular o dólar de qualquer
referência ao ouro e de fazer
da preponderância do imperialismo estadunidense sobre todos os seus rivais e parceiros a
condição de sobrevivência do
sistema imperialista em seu
conjunto.
O período que se abriu em
1971 foi marcado por imensos
desenvolvimentos da luta de
classes, pelo enfrentamento
entre a revolução e a contrarrevolução, combinados a abalos
sucessivos da economia mundial, engendrados pelos próprios
meios utilizados para permitir o
seu funcionamento.
A declaração de agosto de
1971 do Birô Político da OCI (4)
dá uma dimensão histórica dessa decisão:
“Com o dólar não mais
podendo
desempenhar
livremente seu papel de
moeda de pagamento internacional, o imperialismo estadunidense se en-
Em seguida ao desmembramento da URSS e à primeira
3 – Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos entre 1969 e 1974 (NdT).
4 – OCI (Organização Comunista Internacionalista): organização dos trotsquistas
franceses, que na época lutavam pela reconstrução da 4ª Internacional. É a antecessora da atual CCI (Corrente Comunista Internacionalista do Partido Operário
Independente), seção francesa da 4ª Internacional (NdT).
30
François Forgue e Jean-Pierre Raffi
guerra no Iraque, o imperialismo estadunidense – e depois
todas as burguesias – se engajou em uma ofensiva contra os
povos, conduzindo ao desmembramento das nações, e contra a
classe operária, em escala internacional e em cada país, contra
o conjunto de seus direitos e de
suas conquistas, contra a própria
existência de organizações independentes da classe operária.
Nas mais difíceis condições,
apesar do obstáculo constituído
pela política dos aparelhos que
buscavam sujeitar as organizações às necessidades do imperialismo putrefato, os trabalhadores e os povos resistiram.
Essa resistência, ou seja, a luta
de classes, mantém-se como o
fator determinante da situação.
Hoje, o resultado do conjunto dos meios empregados, em
particular desde 1971, para salvar
o sistema imperialista encontra
sua expressão na crise mundial,
que ninguém, nem mesmo os
participantes do G-20 e o mais
poderoso dentre eles, controla.
A destruição das forças
produtivas, que se tornou indispensável à própria manutenção
do sistema imperialista mundial, significava antes de tudo a
tentativa de destruir a “principal força produtiva, a própria
classe revolucionária” (Marx).
Mais do que nunca, o futuro da
humanidade se identifica com
a resistência da “classe revolucionária” erguendo-se contra
a sua destruição. A ofensiva
imperialista foi acompanhada
de um curso ainda mais frenético no aumento das despesas
de armamentos, na especulação
e no parasitismo. O significado e
as consequências dessa evolução
foram particularmente analisados por nossa corrente em “Luta
de Classes e Globalização” (5).
A questão que não
foi colocada
Quando a crise atual começou
a varrer o mundo, muitos bajuladores do sistema capitalista
procuraram se tranquilizar
explicando que a Ásia seria
poupada. Os fatos rapidamente
desmentiram essa esperança.
As consequências da política
desenvolvida pela burocracia
dirigente na China, em nome
da “abertura”, se manifestaram
antes de tudo no fato de que a
5 – Livro de Daniel Gluckstein, editado na França, ainda sem tradução para o
português. Título original: “Lutte des Classes et Mondialisation” (NdT).
31
O significado da reunião do G-20
crise mundial atingiu em cheio
a China. Em particular, o lugar
ocupado na indústria chinesa
pelos setores exportadores,
amplamente controlados pelos
grandes monopólios imperialistas, levou a um recuo brutal
da produção, provocando demissões aos milhões: 30 milhões de trabalhadores chineses
“migrantes” perderam seu emprego nos últimos meses.
para que esse “custo do trabalho”, extremamente baixo e
mantido dessa forma pela burocracia, que proíbe aos trabalhadores chineses a possibilidade
de se organizar livremente, e
portanto de se defender, constitui uma verdadeira variável de
ajuste utilizada pela classe capitalista em escala internacional,
e, mais particularmente, pelo
imperialismo
estadunidense,
para acelerar a destruição das
forças produtivas em escala
mundial.
A China era o único Estado
presente ao G-20 que se apoia
em relações de propriedade
antagônicas às que estruturam
o mercado mundial. A base da
economia chinesa, apesar dos
golpes que lhe foram desferidos pela política da burocracia
chinesa, que se subordina ao
imperialismo, continuam ainda
a ser as relações de propriedade
que procedem da expropriação
do capital estrangeiro e nacional
pela revolução de 1949.
Convém assinalar que aquilo
que foi apresentado como um
desenvolvimento
impetuoso,
sem precedentes, da economia
mundial graças ao “milagre
chinês”, apoiou-se de fato sobre
a destruição em massa – e em
proporções gigantescas – das
forças produtivas, antes de tudo
da principal dentre elas, a classe
operária.
Na própria China, o desenvolvimento desequilibrado de
um setor exportador, controlado
majoritariamente pelas multinacionais, levando milhões de
trabalhadores chineses a serem
empregados delas, causou distorções em toda a economia
chinesa, ameaçando as suas
próprias bases.
O que ocorreu nos últimos
vinte anos, mais precisamente
depois da queda da URSS, e depois que a burocracia chinesa
pôde liquidar temporariamente
as consequências do grande
movimento de 1989?
A política de abertura e de
privatizações criou as condições
32
François Forgue e Jean-Pierre Raffi
Mesmo esse desenvolvimento momentâneo, garantido pelo
mercado de trabalho chinês,
necessita da existência de um
mercado capaz de absorver as
mercadorias produzidas, e, portanto, de realizar a mais-valia.
É o que explica o fato de que,
antes da reunião do G-20, representantes oficiais do governo
chinês tenham avançado a possibilidade de estabelecimento
de uma moeda de referência que
não fosse o dólar. Proposta cujo
significado é central, porque, tomada a sério, equivaleria a um
questionamento direto do lugar
mundial ocupado pelo imperialismo estadunidense. Tão grande é também a capitulação da burocracia chinesa nesse ponto que
ela se recusou a colocar a questão
durante a reunião do G-20.
O desabamento da economia
mundial iniciado em 2007 conduziu, no caso da China, a uma
crise que ameaça suas bases sociais, ou seja, as próprias bases
da propriedade social, e a principal componente desta, que é o
proletariado chinês.
A maneira pela qual a China
foi integrada ao mercado mundial – graças às relocalizações
e à superexploração do proletariado chinês – conduziu também
a que a China seja o primeiro detentor da dívida estadunidense,
acumulada pelo governo chinês
sob a forma de bônus do Tesouro dos EUA.
Na China, o poder da camada
burocrática dirigente apoia-se
no parasitismo da propriedade
social. Está, portanto, em contradição com a ação e a organização independentes da classe
operária chinesa, única força
social capaz de defender, restabelecer e estender as conquistas
sociais da Revolução Chinesa no
quadro do combate internacional da classe operária mundial
por sua emancipação.
Nas condições explosivas
criadas pelo desenvolvimento
da crise mundial, a burocracia
chinesa é hoje levada, até certo
ponto, para preservar seu poder, a procurar contrapor-se, ou
em todo caso a frear o processo
de desmantelamento da propriedade social, e, portanto, da
própria China.
Mas, como ela se apoia no
parasitismo das conquistas arrancadas pela Revolução de
1949 (propriedade do Esta-do
dos meios de produção), a crise
atual mina as próprias bases
desse poder e conduz inexo33
O significado da reunião do G-20
ravelmente a burocracia a se
despedaçar, com algumas de
suas frações procurando limitar
o desmantelamento em curso.
coletiva, e, portanto, do Estado
que é ligado a essa propriedade.
A camada burocrática dirigente em seu conjunto, entretanto, não tem nenhuma independência verdadeira diante
do imperialismo: para assegurar os meios de uma política
independente, seria necessário
que se apoiasse nos interesses
da classe operária e do campesinato, o que é contraditório
com a própria natureza de seu
poder político.
Antes do G-20, houve muitos
discursos sobre “a refundação
do capitalismo”, e até mesmo
sobre a instauração de uma nova
ordem mundial. A esse respeito,
evocou-se a possibilidade de um
novo Bretton Woods. Isso é puro
falatório, mas que tem a função
de ajudar a semear a ilusão de
que haveria soluções favoráveis
às massas trabalhadoras no
quadro de aceitação e de acompanhamento das decisões do
G-20.
Um novo Bretton Woods?
É precisamente por isso que
a questão não poderia ser colocada no G-20, e a burocracia
chinesa, ligada e subordinada à
manutenção em escala mundial
do sistema imperialista, não
poderia colocá-la.
Lembremos que os acordos de Bretton Woods (1944)
exprimiram, nas condições da
liquidação do segundo conflito
mundial, a predominância do
imperialismo
estadunidense.
Tratava-se então, antes de
tudo, de erguer uma barreira
à revolução proletária. Com o
concurso decisivo da burocracia stalinista, o objetivo era reconstruir as bases de uma estabilidade temporária para os
diferentes Estados burgueses
da Europa. Do mesmo modo,
se esses acordos exprimiam a
predominância indiscutível do
imperialismo
estadunidense,
A própria existência da classe
operária chinesa está ligada às
relações de propriedade pelas
quais ela se desenvolveu. Sua
resistência – que se manifesta
em todos os terrenos, apesar da
repressão – coloca a questão da
democracia operária, da conquista do poder político, e, portanto, da revolução política, único meio em definitivo de se opor
à liquidação da propriedade
34
François Forgue e Jean-Pierre Raffi
o faziam enquanto era ainda
possível reconstruir um quadro
para a economia mundial no
qual se mantinha um lugar para
os imperialismos secundários.
Os acordos de Bretton Woods
tinham como objetivo explícito fixar as grandes linhas do
sistema financeiro internacional e consagraram, portanto, a
supremacia do dólar, mas em
condições em que este continuava indexado ao ouro.
pagar, isso é indispensável à
sua própria sobrevivência como
classe dominante.
Obama indicou claramente
durante o G-20 que o imperialismo estadunidense pretendia
dividir o fardo da “guerra sem
fim” decretada por Bush, fazendo com que seus parceiros
pagassem o preço mais alto possível. Para ele, “lutar contra a
crise” é associar os imperialismos secundários ao salvamento,
antes de tudo, do capitalismo
estadunidense.
A decisão de Nixon de 1971 de
desvincular o dólar do ouro dava
assim à divisa estadunidense
um curso forçado decorrente da
dominação política e militar dos
Estados Unidos. Todo o desenvolvimento posterior da economia capitalista mundial e todas
as convulsões que o marcam
até a crise atual se desenrolam
nesse quadro.
Menos do que nunca, nas
condições da crise, há um “superimperialismo”, no sentido de
qualquer emancipação em relação às leis do sistema capitalista.
Mais do que nunca, há um imperialismo cujas decisões essenciais
não podem ser questionadas.
Nesse sentido, pode-se dizer
que a decisão mais importante
tomada pelo G-20, ainda que
não apareça em sua resolução final, é a de que em nenhum caso
o reino do dólar pode ser abolido, e que, qualquer que seja a
realidade da moeda usada pelos
EUA, ela continua a ser a única
medida para todos os câmbios.
Hoje, repetimos, questionar o
lugar do dólar seria questionar o
lugar ocupado pelo imperialismo
estadunidense na preservação
da ordem mundial. Em nome de
seus próprios interesses, o imperialismo estadunidense só pode
se recusar a isso. As outras burguesias não podem questionar
esse estado de coisas, porque,
qualquer que seja o tributo que
elas devem consequentemente
Ainda que isso, hoje, conduza
a um impasse, o imperialismo
35
O significado da reunião do G-20
estadunidense, arrastando atrás
de si todas as forças vinculadas à
preservação da ordem existente,
não tem outra possibilidade a
não ser continuar na mesma via,
multiplicando os desastres para
todos os povos.
à Presidência, mas a continuidade estratégica é perfeitamente
mantida: o “multilateralismo”
apregoado não passa de uma
forma de dominação unilateral
e cada vez mais sem partilha.
A crise mundial não poupa nenhum dos instrumentos do
sistema imperialista. A Otan
não escapa à regra. Se a sua função é a de atribuir tarefas militares (ou o financiamento dessas
tarefas) a diversas potências,
como o Japão e os grandes Estados europeus, em função das
necessidades do imperialismo
estadunidense, ele se choca contra os limites nascidos precisamente da fraqueza dos parceiros
do imperialismo estadunidense.
Essa fraqueza, e os consequentes
riscos de explosões sociais, é que
explicam por que o próprio imperialismo estadunidense coloca um freio à pressão que
exerce sobre eles. Mas isso em
um quadro que fixa soberanamente e no qual a Otan é levada
a desempenhar um papel central como braço armado do imperialismo estadunidense.
Não há saída positiva fora do
combate dos trabalhadores do
mundo inteiro por sua emancipação, combate que se materializa em sua recusa aos planos de
salvamento do capital financeiro
e que, em seu desenvolvimento,
coloca a questão da abolição da
propriedade privada dos meios
de produção.
Otan, União Europeia
Em continuidade direta com
o G-20 reunido em Londres,
ocorreu em Estrasburgo (França) uma cúpula da Otan. Um dos
elementos que marcaram essa
cúpula foi o retorno da França
ao comando integrado da Otan.
Essa decisão do governo Sarkozy
só veio ressaltar aquele que foi o
fato dominante da reunião do G20 e suas continuidades: a reafirmação, sobre todos os terrenos,
da dominação estadunidense, da
qual a Otan é o braço armado.
O que foi confirmado na
continuação do G-20 é o novo
papel planetário dessa aliança,
concebida originalmente como
um pacto defensivo diante da
URSS. As operações militares da
O estilo pode ter mudado
com a subida de Barack Obama
36
François Forgue e Jean-Pierre Raffi
roristas de Kandahar, formaria as forças de segurança de um Iraque livre,
forneceria um apoio indispensável às forças de paz
em Darfur e instalaria um
escudo de mísseis, quem teria acreditado?”
Otan não se limitam, absolutamente, a um perímetro delimitado, como atesta seu papel no
Afeganistão. O que se registrou
nas cúpulas do G-20 e da Otan
foi a confirmação da estratégia
definida por Condoleezza Rice,
que ligava a subordinação da
União Europeia à Otan às novas
missões atribuídas a esta. Ela
escreveu:
O que Rice explica juntase ao que escreveu, também às
vésperas da eleição presidencial,
o secretário de Defesa, Robert
Gates:
“Os Estados Unidos se
regozijam pela existência
de uma Europa unida e
coerente. Não há dúvida
de que a União Europeia
é um pilar da evolução
democrática da Europa
do Leste depois da Guerra
Fria (...). A União Europeia e a Otan tiveram uma
potência de atração suficiente para conduzir os
países a efetuar as reformas necessárias. (...) Dos
28 membros da Otan, 12
são antigas nações cativas da esfera soviética. Ao
enviar tropas para o Afeganistão ou para o Iraque
e ao defender firmemente o
prosseguimento da extensão da Otan, esses países
trouxeram uma energia
nova à Aliança (...). Se, em
2000, alguém dissesse que
a Otan desalojaria os ter-
“Os Estados Unidos logo
terão um novo presidente,
mas os problemas complexos que deve enfrentar
continuarão presentes.”
Robert Gates foi confirmado
em suas funções de secretário de
Defesa por Barack Obama.
O papel do FMI
A outra instituição cujo papel foi sublinhado pelo G-20 é o
FMI (Fundo Monetário Internacional), que viu, diante da crise,
seus recursos serem triplicados.
Mas de onde vêm, precisamente, os recursos do FMI? Vêm
antes de mais nada da cota-parte
destinada por cada país aderente,
em proporção relativa a sua importância econômica. Os maiores
37
O significado da reunião do G-20
cotizantes são, evidentemente, as
principais potências imperialistas, e em primeiro lugar os Estados Unidos. Se a Otan é o braço
armado do imperialismo estadunidense, o FMI foi e continua a ser
o instrumento econômico e financeiro privilegiado para a pilhagem
dos povos e das nações. Uma das
consequências da pressão exercida pelo imperialismo estadunidense para que todas as outras
potências se sacrifiquem para
salvá-lo é precisamente que estas
são chamadas a fornecer novos
recursos ao FMI, mas sem que
isso questione o controle exercido
pelos Estados Unidos.
visas: dólar, euro, iene e libra
esterlina. O DES é de fato uma
moeda criada pelo FMI, utilizada somente pelos bancos centrais. Mas é aceita como moeda
pelos países aderentes ao FMI.
Uma “alocação” é simplesmente a criação monetária ex
nihilo (a partir do nada – NdT).
A alocação decidida pelo G-20
tem como objetivo injetar essa
“moeda” no sistema. Dominique
Strauss-Khan, diretor-geral do
FMI, declarou a esse respeito
que “esses DES permitem trazer
liquidez (dinheiro novo) a nossos membros, que podem emprestá-los entre si. Eles lhes
servem de reserva” (“Les
Echos”, 3 e 4 de abril de 2009).
Entre as decisões tomadas,
destacamos a seguinte: o reforço do FMI e do Banco Mundial.
O FMI, cujos recursos estavam
estabelecidos até o presente em
cerca de 250 bilhões de dólares,
teve 500 bilhões de dólares
atribuídos a mais, ou seja, a
triplicação de seus recursos. De
onde vêm esses 500 bilhões?
Esses 250 bilhões de dólares
seriam então colocados à disposição dos países ameaçados
de entrar em falência. Desde
o início da crise, o FMI interveio para “salvar” o Paquistão, a
Islândia, a Letônia, a Hungria, a
Ucrânia, Belarus, a Sérvia, a Bósnia e a Romênia. E o México, por
intermédio de seu Banco Central,
acaba de solicitar a ajuda do FMI,
demandando-lhe um empréstimo
de 47 bilhões de dólares. Um pedido de socorro da Grã-Bretanha
foi igualmente evocado...
O FMI foi autorizado, particularmente, a criar uma nova
alocação do Direito Especial de
Saque (DES), no valor equivalente a 250 bilhões de dólares.
O DES, uma unidade de conta
criada pelo FMI em 1969, é uma
espécie de cesta de quatro di38
François Forgue e Jean-Pierre Raffi
Mas o que esse barulho todo
em torno do G-20 oculta é o fato
de que os empréstimos do FMI
(e as várias medidas de reforço
de seus recursos que visam a
assentar essa capacidade de
empréstimo) são sempre concedidos a partir de certas
condições reunidas nos planos
de ajuste estrutural. O ajuste, na
linguagem do FMI, são golpes
claros nos orçamentos públicos,
são as privatizações, o desmantelamento do serviço público. Os
cortes orçamentários estavam
no topo da lista de medidas
exigidas nas mais recentes intervenções do FMI.
primeiro lugar Wall Sreet, à custa
dos trabalhadores.
De acordo com o G-20, as
despesas resultantes desse plano deverão atingir 5 trilhões de
dólares até o fim de 2010; ao
mesmo tempo, estão previstos 50
milhões de demissões no mundo
durante o mesmo período.
É uma catástrofe social que
ameaça os trabalhadores de todos
os países, ameaça todos os povos.
Uma catástrofe à qual os dirigentes que se reclamam do movimento operário ousam pedir aos
trabalhadores que se associem.
É nesse terreno, assim como
no recurso aos meios militares,
que se desenvolve a guerra contra os trabalhadores e os povos.
O “socialista” francês que
preside o FMI, Dominique
Strauss-Khan, festeja a nova
“potência de fogo” concedida ao
FMI. Essa “potência de fogo” é
dirigida contra os povos.
O G-20, ao mesmo tempo
em que saúda os planos de recuperação econômica estimados em cerca de 5 trilhões de
dólares no total, aos quais se
acrescentam os planos de salvamento dos bancos, reforça as
ferramentas de questionamento e de destruição de todas as
conquistas da humanidade. A
mensagem é clara: demitam à
vontade, emitam papel-moeda
para salvar os capitalistas e os
especuladores, mas nem um
tostão deve ser dado aos tra-
Salvar Wall Street
Em sua declaração final, o G20 declara que se compromete a
prosseguir “o esforço orçamentário e monetário” para permitir a
recuperação econômica e o maior
programa de apoio ao setor financeiro dos tempos modernos.
Em outros termos, sangrar as nações e os povos do mundo inteiro
para salvar o setor financeiro, em
39
O significado da reunião do G-20
ou menos longos, milhões,
dezenas de milhões de seres
humanos não poderão, no
mundo inteiro, aceitar ser
reduzidos à privação mais
completa, enfiados em uma
catástrofe preparada pela
crise mundial do sistema
da propriedade privada
dos meios de produção.”
balhadores; ao contrário, reduzam o “papel do Estado”.
A questão da “regulação” é
colocada nas mãos de um Comitê de Estabilidade Financeira
(Financial Stability Board), extensão de uma estrutura já existente há uma década... e que
mostrou sua grande competência para prevenir a crise. De fato,
essa estrutura nunca teve como
função (e muito menos terá essa
função em sua nova configuração) regular o que quer que
seja. É uma estrutura de troca
de informações e de bons procedimentos, sem nenhuma função de sanção. E, uma vez mais,
como pedir àqueles que, durante
anos, tiveram como única função facilitar a situação na qual
se encontra a economia mundial que se “autorregulem”? Isso
é simplesmente pedir à raposa
que tome conta do galinheiro.
A 4ª Internacional se reconstituiu sobre a mesma base de
sua fundação: a luta de classes.
A afirmação citada acima prolonga, nas condições dadas, o
que o programa de fundação da
4ª Internacional afirmava:
“A orientação das massas é determinada, de um
lado, pelas condições objetivas do capitalismo apodrecido, e, de outro lado,
pela política de traição
das velhas organizações
operárias. Desses dois fatores, o fator decisivo é o
primeiro: as leis da história
são mais fortes que os aparelhos burocráticos.”
Conclusões
Quando, em 1993, a 4ª Internacional foi reproclamada,
a resolução que justificava essa
decisão declarava:
Em todos os lugares, diante
das consequências da crise que
se agrava cotidianamente, os
trabalhadores se recusam a
ser “reduzidos à privação mais
completa”. Em todos os lugares,
“Não há dúvida que,
para assegurar a sua sobrevivência, sob uma forma ou
sob outra, em prazos mais
40
François Forgue e Jean-Pierre Raffi
tos, constituem um único
mecanismo unificado. Mas
o proletariado é a única
parte desse mecanismo
que não é automática e, a
despeito de todos os esforços, não pode ser reduzido
à condição de autômato.”
eles se erguem contra os planos
de demissões que significam a
miséria e a desgraça para si e
para suas famílias. Em todos os
lugares, eles se chocam com a
política daqueles que estão vinculados ao sistema capitalista
em decomposição. Sob formas
diversas, que variam de acordo
com as situações específicas de
cada país, a mesma exigência se
encontra no primeiro lugar das
reivindicações: proibição das
demissões. No sistema baseado na propriedade privada dos
meios de produção, a demissão
é apenas uma expressão “natural” das leis do mercado e do
fato de que aquele que possui
como sua propriedade os meios
de produção possui um poder
absoluto sobre aqueles que os
põem para funcionar.
A ação da classe operária por
seus direitos elementares, pelo
direito ao trabalho, questiona,
em seus próprios fundamentos,
o sistema capitalista, ou seja,
antes de tudo, a propriedade
privada dos meios de produção,
o Estado que defende essas relações sociais.
As decisões do G-20, o apoio
dado aos “planos de recuperação
econômica”, ou seja, aos planos
de salvamento do capital financeiro, apoiados por inúmeros
dirigentes das organizações que
pretendem falar em nome da
classe operária e da democracia,
definem claramente a alternativa no interior do movimento
operário: ou assumir a missão
histórica de defesa dos interesses operários, pelos quais as organizações foram construídas,
ou se integrar à “governança
mundial” desse sistema de exploração em decomposição.
Em seguida à Revolução
Russa de 1905, Leon Trotsky escreveu:
“Os meios de produção
pertencem à burguesia,
mas o proletariado é o único que pode colocá-los em
movimento, do que resulta
sua potência social. Do
ponto de vista da burguesia, o proletariado é também um desses meios de
produção, que, todos jun-
Todas as forças políticas que
41
O significado da reunião do G-20
se recusam, no interior do movimento operário, a colocar essa
questão são levadas a “acompanhar”, sob o pretexto de melhorá-las, as decisões tomadas
pelo G-20. Ora, a aplicação
dessas decisões é incompatível
com a independência das orga-
nizações que os trabalhadores
construíram em seu combate
passado. A defesa dessa independência é inseparável da rejeição a esses planos, que levam,
como é diariamente comprovado, à barbárie.
Lançamento da
Nova Palavra Editora
Escritos sobre
SINDICATO
Leon Trotsky
Um livro essencial para todos
que se situam no terreno da defesa da
independência da classe trabalhadora,
condição para a sua emancipação da
exploração capitalista.
EncomenDas e informações
[email protected]
42
Uma vez mais, sobre o
lugar da Confederação
Sindical Internacional (CSI)
por Olivier Doriane
“O diretor do serviço nacional de informação dos Estados
Unidos afirmou que ‘a principal preocupação no curto
prazo dos Estados Unidos em
matéria de segurança é a crise
econômica mundial e suas implicações geopolíticas’, explicando que as crises econômicas
que duram mais de um ano ou
dois aumentam o risco de uma
instabilidade natural que ameace o regime instituído. Se não
for dominada, a crise global do
emprego e da proteção social,
que afeta as famílias operárias
e as comunidades locais, vai
se transformar em uma crise
política generalizada.”
contido no relatório do diretor-geral da OIT (Organização
Internacional do Trabalho), intitulado “Enfrentando a crise
mundial do emprego”, preparatório à 98ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, de junho de 2009.
A principal preocupação dos
Estados Unidos é que a crise
mundial do emprego gere uma
instabilidade natural que ameace o regime. E, para controlar
essa crise, a política promovida
pelo imperialismo estadunidense foi construída em torno
de um tríptico:
• generalizar as guerras de
decomposição;
Esse receio, manifestado por
um alto representante do imperialismo estadunidense, está
• destruir o trabalho e as
conquistas sociais no mundo
43
Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI)
inteiro, para financiar a fundo
perdido os especuladores;
A declaração de princípios
aprovada no Congresso constitutivo da CSI deu o conteúdo
dessa “verdadeira refundação”
nestes termos:
• integrar as organizações sindicais a estes planos, numa tentativa de privar os trabalhadores
das organizações constituídas
pela sua secular luta de classe.
“A CSI assume a tarefa
de lutar pela governança
democrática da economia
globalizada.”
O líder desta política é Barack
Obama, que, nos Estados Unidos, impõe acordos dos tipos
feitos em relação à Chrysler e à
General Motors (veja o artigo de
Alan Benjamin nesta edição).
No seu 6º Congresso Mundial, a 4ª Internacional tinha destacado, em uma resolução, que,
com a constituição da CSI, “um
dispositivo foi acionado para
domesticar o conjunto das organizações sindicais em escala
internacional. Seria um erro
subestimá-lo. Contudo, não será
ele quem definirá o destino das
organizações constituídas pela
longa luta da classe operária,
da qual elas são parte.”
Sua expressão em nível internacional é a tentativa de criação de um
“Pacto Mundial pelo Emprego”, ao
qual todos deveriam aderir.
Neste artigo, desejamos abordar novamente o lugar que a
Confederação Sindical Internacional (CSI) ocupa neste dispositivo. Lembremos que a CSI foi
criada em novembro de 2006,
e que sua constituição trouxe à
tona questões políticas que afetam a própria existência do movimento operário, da democracia
e das nações. De acordo com um
dos seus principais fundadores,
Emilio Gabaglio (ex-dirigente da
CES):
Neste momento, em que o
sistema capitalista entrou numa
crise profunda, empurrando
milhões de homens para uma catástrofe, e em que, mais do que
nunca, os interesses antagônicos entre as classes exigem que
o movimento sindical preserve
sua independência, não é desnecessário lembrar o lugar da CSI.
“A ambição era realizar
uma verdadeira refundação do sindicalismo internacional.”
A reunião do G-20 acaba de
ocorrer. Nesta edição de “A Verdade” pode-se ler a análise que
44
Olivier Doriane
“A governança democrática e eficaz da economia mundial exige uma
reforma fundamental das
organizações interncionais
envolvidas, especialmente
o FMI, o Banco Mundial e a
OMC (...). O Congresso reconhece a importância do
diálogo social mundial.”
fazemos. Nós estabelecemos os
fatos e as provas do apoio que
lhe foi dado, durante todo o seu
transcurso, pelo imperialismo
estadunidense, que pretende
ditar suas ordens ao mundo inteiro. Qual foi a atitude da CSI
em relação a este evento?
A CSI, embora silenciosa desde o início da crise, publicou, em
conjunto com a Global Unions,
duas declarações (1), uma antes
da cúpula e outra depois. É impressionante como os dirigentes da CSI apresentam-se como
“conselheiros” dos governos:
Os 5 pontos que a CSI apresenta aos líderes das grandes
potências imperialistas são:
“• Implementar um plano de recuperação e um
programa de crescimento
sustentável coordenado,
a nível internacional, com
um impacto máximo na
criação de empregos (…);
“O movimento sindical
internacional conclama os
líderes do G-20 a pactuar
com outros países e instituições internacionais uma
estratégia de 5 pontos para
enfrentar a crise e para
construir uma economia
mundial mais justa e sustentável para as gerações
futuras.”
• estatizar os bancos insolventes para restaurar
a confiança e o crédito no
sistema financeiro;
• definir o objetivo de estabelecer um piso salarial
decente para o mercado de
trabalho (...);
O que é coerente com a declaração de princípios da CSI, que
afirma:
• preparar o terreno para
1 – Esta declaração começa de maneira surpreendente, constatando: “Dez anos
de progresso em matéria de redução de pobreza foram varridos em alguns meses”. Os pobres do mundo inteiro não viram, no curso dos dez últimos anos, onde
e como a pobreza recuou.
45
Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI)
o emprego e o crescimento
seria multiplicado apenas
se fossem coordenadas e
complementares a nível
internacional” (pág. 3).
um acordo ambicioso sobre
as mudanças climáticas (...);
• estabelecer um referendo jurídico sobre as normas e os instrumentos das
organizações econômicas
e sociais – a OIT, o FMI,
o Banco Mundial, a OMC
(Organização Mundial do
Comércio) e a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico) –, reformar
estas instituições e instaurar uma governança
econômica mundial que
seja eficaz e responsável
(parágrafos 30-32).”
Em todo o mundo, os governos capitalistas têm adotado
planos a partir de novembro
de 2008. São planos de pilhagem dos fundos públicos para
socorrer os bancos e os especuladores. Do Plano Paulson, nos
Estados Unidos, seguido pelo
Plano Obama, até as decisões da
União Europeia obrigando todos
os governos europeus a destinar
aos bancos bilhões de euros ou
de dólares em fundos perdidos
na especulação para socorrer os
bancos que, como nos Estados
Unidos, reconhecem que não
sabem a quanto chegam estas
somas fantásticas: como é possível apresentar este conjunto
como medidas para estimular o
crescimento econômico? Os fatos estão aí. A União Europeia,
durante a primeira cúpula da
crise, decidiu oferecer 1,7 trilhão
de euros aos bancos e aos especuladores. O resultado: uma
onda de desindustrialização, de
supressão de postos de trabalho sem precedentes na Europa
(3.000 desempregados a mais
por dia na França, 11.000 por
dia na Espanha).
O documento, em seguida,
detalha os cinco pontos.
“Os governos devem
tomar todas as medidas
necessárias para esse fim
e usar do seu poder de influência sobre os bancos
para reanimar o mercado
de crédito e fornecer nova
liquidez. Desde novembro
de 2008, a maioria dos
países do G-7, alguns do
G-20 e outros mais, anunciaram ou adotaram medidas orçamentárias para
estimular o crescimento. O
efeito destas medidas sobre
46
Olivier Doriane
O papel do movimento sindical
é o de reivindicar a generalização
deste dispositivo a nível mundial?
Nesse ponto, a CSI (que se apresenta fraudulentamente como o
movimento sindical internacional) obteve ganho de causa. Pois
foi exatamente isso que o G-20
decidiu, ao decretar o maior plano de apoio às instituições financeiras internacionais já aplicado.
Cinco trilhões de dólares suplementares devem ser destinados
a alimentar os bancos em nome
do fato de que amanhã eles relançarão a produção. Mas a realidade é muito diferente. Os fundos
alocados na especulação pelos
governos que pilham a riqueza
pública são, depois, recuperados
pelo aumento das condições de
exploração em todos os países,
pela destruição dos serviços públicos, pela liquidação dos postos
de trabalho.
Na carta convite de convocação do seu 7º Congresso Mundial, a 4ª Internacional afirma:
“Todos os trabalhadores
sabem que estes montantes
serão aplicados em vão.
Servirão apenas, na melhor das hipóteses, para recuperar a máquina de especulação e de exploração.
A crise atual será sucedida
por outra crise, ainda mais
devastadora, à medida
em que o problema não é
resolvido em sua raiz. E
a raiz é o regime capitalista baseado na propriedade privada dos meios
de produção. A 4ª Internacional lança um apelo
solene a todas as organizações que se reivindicam
do movimento operário e
da democracia: a defesa
da nação, da democracia
e da classe operária exige
romper com esse plano. A
independência do movimento operário está em
jogo. Os trabalhadores
não têm alternativa senão
mobilizar-se de forma unitária para exigir a retirada
destes planos infames.”
Que a CSI, que definiu nos
seus estatutos o objetivo de participar da governança mundial,
reivindique isso, é natural. Isto
confirma que ela não é uma organização sindical. Mas as confederações sindicais operárias,
para se preservarem, devem recusar-se a se atrelar a este dispositivo de união sagrada dos
planos de recuperação.
Prossigamos com a leitura
das propostas da CSI.
47
Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI)
“Neste período difícil, as
empresas devem demonstrar
responsabilidade
social e manter seus empregados pelo tempo que
for possível” (pág. 5).
“Isso passará pela melhoria do respeito dos direitos dos trabalhadores, para
que os sindicatos possam
negociar aumentos salariais
alinhados com os ganhos de
produtividade” (pág. 6).
Há muito tempo que os trabalhadores sabem o que é a responsabilidade social das empresas. Como muito justamente
lembrou um economista, a única
responsabilidade social de uma
empresa é realmente obter lucro. E o que quer dizer para uma
organização sindical “manter os
empregados pelo tempo que for
possível”? Existirá um momento em que o sindicato deverá
aceitar as demissões? Isto é o
que propõe a declaração:
Trata-se de uma política corporativista de negar a realidade
do conflito entre as classes,
visando a que o conjunto das
organizações sindicais considerem-se como parte de um “todo”,
que seria a empresa. Mas esse
corporativismo tem uma peculiaridade. Manifesta-se na época
do imperialismo que destrói as
nações, e é, portanto, de essência supranacional. Deste modo,
inscrevendo-se no âmbito deste
esquema de instituições supranacionais contra as nações, a
declaração da Global Unions e
da CSI participa da denúncia,
em nome da luta contra o protecionismo, do direito de as nações
tomarem medidas de defesa,
pelas estatizações, pela adoção
de leis e regulamentações contra
os mercados e as multinacionais
em escala mundial.
“As empresas que receberam ajuda pública devem
respeitar os acordos com os
poderes públicos e os sindicatos para que os planos
de reestruturação incluam
a reinserção e a formação
profissional” (ibidem).
Na verdade, esta declaração
é um verdadeiro programa para
adaptar as reivindicações dos trabalhadores à própria empresa.
“Temos de evitar os erros
da crise dos anos 30 e uma
volta ao protecionismo ‘de
cada um por si’ (...).”
Propõe-se, assim, em relação
aos salários, vincular os aumentos aos ganhos de produtividade.
48
Olivier Doriane
E a CSI reivindica participar
neste dispositivo supranacional:
e tomar decisões que são justificadas de um ponto de vista
“econômico”? No sistema capitalista, baseado na exploração
do homem pelo homem e na
extração da mais-valia, o que se
justifica de um ponto de vista
econômico para os capitalistas
é a rentabilidade e a realização
da taxa de lucro. O que é justificável para os operários é a defesa de seu trabalho, a defesa da
sua força de trabalho, a defesa
da única classe produtiva da humanidade. Trata-se de interesses antagônicos. Não existe ponto
de vista econômico abstrato na
sociedade capitalista.
“Os governos devem
acabar com a fragmentação da regulamentação
financeira, que hoje está
dividida por ramo e pela
jurisdição nacional. É preciso realizar uma consolidação supranacional ali
onde for necessário, em
especial na Europa. As autoridades de controle devem ter poder de execução
suficiente e os recursos à
altura da sua missão. A
voz dos sindicatos deve ser
ouvida na sua governança”
(pág. 10).
Esta governança reivindicada
pela CSI é bem precisa:
“No longo prazo, é preciso recriar as estruturas
tripartites para consultas
econômicas e sociais, e
para a elaboração de
políticas (...). Envolver os
representantes da população nas decisões que determinam o crescimento do
emprego e da economia não
é apenas compatível com
os princípios democráticos,
mas se justifica do ponto de
vista econômico” (pág. 12).
“A crise revelou falhas
na governança econômica
mundial. Certamente, não
existe uma solução única
para a governança mundial (...). A única certeza
é que o governo nacional
por si só não basta e que
uma nova arquitetura institucional é necessária a
nível mundial no âmbito
de um acordo global (...).
O processo do G-20 apresenta alguns aspectos úteis
a este respeito, mas ainda
é fortemente orientado
É papel de um sindicato participar na definição da economia
49
Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI)
para as questões financeiras (...). Precisamos de um
novo fórum para tratar
das políticas econômicas
e sociais a nível mundial,
um fórum que seja ao mesmo tempo legítimo, eficaz
e respeitado. Um avanço
nesse sentido poderia ser a
Carta, ou Referência Legal,
de Governança Mundial
Econômica e Social, com
base nas normas da OCDE,
da OMC, da OIT, do FMI e
do Banco Mundial, proposta pela chancelaria alemã e
pelo ministro italiano das
Finanças” (pág. 13).
dos ministérios das Finanças, em reuniões fechadas.
Os sindicatos estão prontos para iniciar um diálogo
construtivo e solicitam aos
governos que os convidem
para a mesa de negociações. Os sindicatos devem
ser parte integrante das
novas instâncias consultivas e de governança (...)”
(pág. 14).
Existe, incontestavelmente,
nesta posição da CSI um
elemento extremamente perigoso para o movimento sindical.
Acabamos de ver um exemplo
recente na Europa, onde o braço da CSI, que é a CES (Confederação Europeia de Sindicatos),
tentou impor como instituição
supranacional sua orientação
integracionista às confederações sindicais italianas. A CES
condenou a CGIL por recusarse a assinar um acordo que colocava em questão as convenções coletivas nacionais. John
Monks, secretário-geral da CES,
enviou uma carta a Guggliemo
Epiphane condenando a manifestação da CGIL, que reuniu
2,5 milhões de trabalhadores em
Roma. Motivo: a CGIL recusouse a assinar, como fizeram as
outras duas confederações italianas, o acordo contestando as
A CSI reivindica que o movimento sindical apóie as propostas do governo alemão, da CDU,
e do ministro italiano das Finanças do governo Berlusconi para
a implantação de instituições
internacionais.
Continuando com sua função
de conselheiros governamentais, a CSI e a Global Unions pedem que os sindicatos trabalhem
com os ministros das Finanças:
“Os governos podem
iniciar este trabalho, desde que não seja entregue
à boa vontade dos banqueiros e dos funcionários
50
Olivier Doriane
convenções coletivas nacionais,
em benefício de acordos por
empresa. Esta carta de Monks
afirmava:
mente rejeitaram essas ordens,
mantiveram sua manifestação e
confirmaram sua reivindicação
de suspensão das demissões e de
manutenção das convenções coletivas nacionais.
“A CES sustenta que o
sindicalismo italiano encontre o mais rapidamente
possível a unidade de ação
para enfrentar a crise e
melhor apoiar a iniciativa
do sindicato europeu.”
Depois da reunião do G-20, a
CSI publicou uma nova declaração. Nesta última, ela celebrava
o resultado da cúpula. De acordo
com a CSI, “a declaração adotada
pelo G-20 de Londres oferece a
possibilidade de uma nova globalização, que tenha no seu centro o trabalho, e que marcará
o fim das políticas inoperantes
dos últimos 30 anos”, com uma
“especial atenção para a preservação e a criação de empregos”,
uma “regulação dos mercados financeiros”, “um maior apoio aos
países em desenvolvimento e às
economias emergentes, uma reforma das instituições financeiras internacionais e a renovação
dos compromissos com as Metas
de Desenvolvimento do Milênio”
e com “políticas para evitar os
sobressaltos econômicos e de
apoio às atividades econômicas
anticíclicas”.
Qual é o conteúdo desta
suposta unidade de ação? A
resposta foi dada pelo próprio
John Monks:
“Era necessário decidir a
aplicação de um plano de recuperação econômica, como
fez a Comissão Europeia,
assim como era necessário
o resgate dos bancos.”
As propostas da CES em
escala internacional, como vimos, têm consequências práticas, na medida em que são
impostas em cada país.
Mas as posições da CSI só
podem gerar debate e reações.
Portanto, por mais perigosa
que seja a existência da CSI, ela
não determinará, felizmente, a
natureza das organizações que
aderem a ela. Assim, os dirigentes da CGIL, na Itália, efetiva-
Guy Ryder, secretário da CSI,
anunciou:
“O G-20 ofereceu-nos
a oportunidade de virar
51
Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI)
a página após décadas de
desregulamentação e de
restaurar o papel dos governos garantindo que as
finanças sirvam os interesses da economia real,
que, por sua vez, deve servir aos interesses das populações (...). Nós saudamos,
particularmente, o reforço
do papel da OIT.”
estas instituições são todas
cúmplices na execução de
políticas neoliberais, do
livre-comércio, do livre investimento e da globalização financeira.
Além disso, enquanto
o G-20 considera que ‘as
raízes da crise atual’ são ‘as
más práticas de gestão de
risco, a complexidade e a
obscuridade crescentes dos
produtos financeiros’, nós,
os abaixo-assinados, reiteramos que a crise econômica mundial em curso é, na
realidade, o resultado das
contradições inerentes ao
sistema capitalista, que essas instituições consideram
tão nobre.
Estamos aqui no centro do
processo que abre o caminho para o Pacto Mundial pelo
Emprego. Mas, antes de chegar
a esta questão, destacamos que,
no que diz respeito à avaliação
da reunião do G-20, as organizações sindicais manifestaram
uma opinião diferente.
A central sindical KCTU, da
Coréia do Sul, avalia:
Portanto, as medidas previstas pelo G-20 são como
uma aplicação de cimento
para manter um sistema
‘falido’ – e não uma reabilitação importante do sistema
que provocou a crise atual.
Afirmamos que as soluções
reais começam com a defesa
das condições de vida dos
trabalhadores, de suas famílias e dos povos.
“Somos céticos quanto
ao fato de que as medidas discutidas nesta reunião de cúpula sejam as
verdadeiras soluções. Temos também dúvidas de
que os líderes do G-20 e
convidados, como a OMC,
o FMI, o Banco Mundial e
outras instituições, possam
pretender ser ‘os que irão
resolver os problemas’ da
crise mundial. Em resumo,
Nós, abaixo-assinados,
também somos contrários
52
Olivier Doriane
ao ‘socorro incondicional’
aos bancos e às instituições
financeiras, que se destina
apenas a pagar a devastação causada pelos especuladores para a população.
A transferência de riquezas
tão gigantescas significa
tomar o dinheiro das famílias operárias para pagar
os mais ricos acionistas de
bancos do mundo. Consequentemente, os prejuízos
causados pela especulação
financeira devem recair
apenas sobre aqueles que
especularam. É necessária
uma política de reafirmação e de fortalecimento do
caráter público dos bancos
e das instituições financeiras, inclusive com a estatização de bancos.
de livre comércio (ALC) bilateral com os Estados Unidos e a União Européia, sob
o pretexto de acabar com
o protecionismo. É preciso
dizer claramente que a ALC
é uma das principais instituições responsáveis pela
atual crise, porque tem minado as regras impostas
aos serviços financeiros e
promovido a flexibilização do mercado de trabalho e a privatização. Além
disso, o ALC causou uma
série de catástrofes, como
o fim da auto-suficiência
na produção de alimentos,
o fim do acesso da classe
operária aos serviços essenciais, com a privatização dos serviços públicos,
o fim do acesso à assistência de saúde e a liquidação
do direito à informação,
devido aos acordos draconianos sobre a propriedade
intelectual (...).
Aliás, é preciso suplantar o falso debate entre
‘protecionismo’ ou ‘liberalismo’ para conceber e promover um sistema internacional de comércio mais
equitativo e favorável aos
trabalhadores. Em particular, nós, abaixo-assinados, somos totalmente contrários à política comercial
do governo de Lee Myung
Bak, na Coréia do Sul, que
ousou defender um acordo
Estamos convencidos
de que as verdadeiras
soluções só serão encontradas quando forem consideradas, como uma questão
central, as condições de
vida dos trabalhadores, de
suas famílias e do povo.”
53
Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI)
Sim, só partindo dos interesses da classe operária e dos povos
– interesses contraditórios em
todos os aspectos com a sobrevivência do regime capitalista
e com os planos de recuperação econômica das instituições
supranacionais – que pode ser
encontrada uma solução para a
crise da humanidade. É precisamente contra esta independência que a ameaça do Pacto Mundial pelo Emprego é lançada.
A cúpula do G-20 respondeu
a esta reivindicação, encarregando a OIT de preparar uma
Cúpula Mundial pelo Emprego.
Como está proposto no relatório
de já citado de Somávia, o “presente relatório reuniu os elementos iniciais para um Pacto Mundial pelo Emprego, (que) reflete
também a Conferência de Londres pelo Emprego, realizada
pelo G-20, e a reunião do G-8”.
O mesmo documento afirma:
A reunião chamada pelo
Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (AcIT)
em Genebra chamou a atenção
do movimento operário mundial para o perigo representado
por esta iniciativa.
“Em 2 de abril de 2009,
os líderes do G-20 adotaram um plano de recuperação mundial, que, na seção
denominada
‘Promover
uma recuperação sustentável e equitativa para todos’, comporta a seguinte
demanda formulada a
pedido da OIT: ‘Reconhecemos a dimensão humana
da crise (...). Eis o motivo
pelo qual nos congratulamos com os relatórios da
Conferência de Londres sobre o Emprego e da Cúpula
Social de Roma, como também com os princípios fundamentais que propõem.
Exortamos a OIT, em colaboração com outras
organizações afins, a avaliar as medidas já adotadas
É necessário esclarecer que
ela foi construída verdadeiramente a quatro mãos pela CSI e
as instituições do imperialismo.
De fato, a declaração conjunta da CSI defende que “a OIT
deve ser o centro de uma nova
arquitetura multilateral, que
possa responder à atual crise da
globalização (...). Os governos
trabalham com os parceiros sociais e com a participação das
organizações pertinentes, como
a OIT, para criar uma nova
ordem econômica mundial.”
54
Olivier Doriane
e as que serão necessárias
no futuro.’ Em 5 de abril de
2009 (...), a OIT foi encarregada de dirigir os trabalhos para o Pacto Mundial
pelo Emprego.”
sindicais à ordem corporativista.
Os debates em torno da
questão – a saber: o movimento
operário mundial deve integrarse à governança mundial em todos os níveis, ou, ao contrário,
deve cumprir sua missão histórica de defesa dos interesses dos
trabalhadores? – estarão no centro da preparação e da realização
da Conferência Mundial Aberta
contra a Guerra e a Exploração,
convocada para 22 e 23 de maio
de 2010, em Berlim.
É, portanto, em uma verdadeira colaboração, etapa por
etapa, entre a CSI e os líderes do
G-20, que foi preparado o dispositivo com o objetivo de utilizar a OIT para instituir um Pacto
Mundial pelo Emprego, visando a integrar as organizações
55
Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo
PERU: a fundação do Partido dos Trabalhadores
da Cidade e do Campo
“A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”
Corrente Socialista Internacionalista
(seção peruana da 4ª Internacional)
Declaração
O governo do Apra, a serviço do imperialismo, é o culpado!
O massacre de Bagua deixa toda a nação de luto!
Saudamos a Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional!
Unidade para derrubar o governo assassino e entreguista da nação!
Assembléia Constituinte Soberana com poder,
que nomeie um governo para salvar a nação!
Obedecendo às ordens do
imperialismo
estadunidense
para impor o tratado de livre
comércio, o governo deu ordem
para que se atirasse sobre a população indígena que protestava
pacificamente, após 50 dias exigindo a revogação de nove decretos declarados inconstitucionais
pela Comissão de Constituição
do Congresso da República.
porque defendiam suas terras, 23 policiais saíram mortos,
houve centenas de feridos. O
governo é o único culpado por
este massacre! O governo abre
uma etapa de terror, cujo objetivo é esmagar a fogo e sangue
as massas populares, impedir a
greve dos mineiros anunciada
para 15 de junho e os protestos
em curso, para impor as 200.000
demissões que Alan Garcia
anunciou para os meses de maio
e junho. É a política do FMI, do
As informações: mais de 150
indígenas foram assassinados
56
Documentos
Banco Mundial, da OMC, são as
ordens do embaixador estadunidense. O combate da Amazônia
se junta à luta dos mineiros da
Doe Run (multinacional estadunidense) e de todo o país, dos
professores que preparam uma
greve por tempo indeterminado,
e de outros setores.
A Corrente Socialista Internacionalista considera que a
Frente em Defesa da Vida e da
Soberania Nacional está chamada a agir como um verdadeiro
comando nacional unitário de
luta, e que a caça dirigida para
prender Alberto Pizango, a
qualificação de terroristas e de
delinqüentes para os dirigentes
e os habitantes indígenas, a recusa do governo de suspender o
estado de emergência e sua extensão para o toque de recolher
em Bagua, Utcubamba e outras
aldeias, demonstram que o gover-no decidiu abrir a via da guerra contra o povo para manter
seu compromisso com o imperialismo estadunidense de aplicar
o tratado de livre comércio.
Ou nos unimos para derrotar o governo, ou o governo nos esmagará a todos!
É o que disse o companheiro
Alberto Pizango, presidente
da Aidesep, na reunião de 4 de
junho, propondo a constituição
de um Comando Nacional de
Luta com a [central sindical]
CGTP, CUT, CCP, CNA, Aidesep, Conacami, a Coordenação
Político-Social e outras organizações políticas. Reunidas, essas organizações constituíram
a “Frente em Defesa da Vida
e da Soberania Nacional”, que
chama uma mobilização nacional em 11 de junho, cujas palavras de ordem são “Abaixo o
governo. Renúncia do gabinete
ministerial!” e que exige o fim
do estado de emergência, o fim
das perseguições contra Alberto
Pizango, a revogação dos decretos legislativos de aplicação do
tratado de livre comércio e chama uma greve nacional.
É a defesa da nação e
dos trabalhadores que está
em jogo! Mais de 44 milhões
de hectares já foram entregues a algumas multinacionais
petrolíferas, e eles querem continuar. Cerca de 30 bilhões de
dólares para “pagar a dívida
externa” foram dados aos bancos estrangeiros em menos de
4 anos, e eles querem que lhes
deem mais vantagens. Mais de
200.000 trabalhadores foram
demitidos nos últimos meses, e
eles anunciam outros 200.000.
Mais de 4.000 empregos diretos
57
Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo
e mais de 20.000 indiretos estão
a ponto de desaparecer em La
Oroya, com o fechamento da Doe
Run, que, com a cumplicidade
do governo, declara “falência
econômica”. 400 trabalhadores
somam-se aos 600 demitidos
na SiderPeru pela multinacional Gerdau, que anuncia novas
demissões. Demitiram nas empresas têxteis, na pesca, nas conservas. A demissão de milhares
de professores e de funcionários
públicos está sendo preparada.
Busca-se um plano de privatização da educação em todos os
níveis, e também da saúde pública. Isso não pode continuar!
dade convocar uma Assembléia
Constituinte Soberana com todo
o poder, que nomeie um governo responsável perante ela, com
mandato para defender a soberania e a unidade da nação; para
estatizar e reestatizar todos os
recursos naturais e as empresas
privatizadas, única saída para
impedir as demissões e reempregar os demitidos; para anular o pagamento da dívida externa e utilizar os recursos num
plano de salvação dos trabalhadores e do povo da crise capitalista, que se aprofunda cada vez
mais; para anular o tratado de
livre comércio com os Estados
Unidos e revogar os 102 decretos que servem para dividir a
nação e facilitar que as multinacionais se apropriem das minas,
do petróleo, do gás, da terra, da
água, da Amazônia etc.; para
decretar uma nova reforma
agrária, que devolva a terra aos
camponeses, conceda créditos e
afirme a inviolabilidade das terras das comunidades camponesas e indígenas; que revogue a
nova lei da água, que criou a Autoridade Nacional da Água; para
revogar o decreto-lei 728 e todos
as leis anti-operárias; que ponha
fim à privatização da educação
em todos os níveis e defenda a
saúde pública; que revogue a
lei nº29062 da carreira do en-
Que o Comando Nacional
de Luta organize a luta para
derrotar o governo! Foi este
o grito unânime dos trabalhadores reunidos em 4 de junho na
sede da Aidsep. Este governo é
a continuidade do fujimorismo,
cuja Constituição, as leis e as
instituições regem o país, com o
mesmo estilo de mafiosos e de
gangsteres.
Derrubar o governo é a vontade de milhares, que a cada
mobilização repetem: “Urgente,
urgente! Novo presidente!” Eis
porque cada vez mais organizações sindicais, camponesas e
populares colocam a necessi58
Documentos
sino público; que revogue as leis
25967 e 28532, que atacam as
pensões e aposentadorias etc.
o chamado lançado pela Comissão
de Organização do Partido da
Classe Operária para formar os
comitês de base nas minas, nas
fábricas e em todo o país.
Tudo isso exige que a classe
operária da cidade e do campo
tenha o seu próprio partido, que
lhe permita combater por esses
objetivos, pelo poder, pelo governo operário e camponês na
via do socialismo, para acabar
com a propriedade privada dos
meios de produção, cujo único
fim é o ganho privado, causa de
todos os males atuais e futuros.
• Fim do massacre aos povos
da Amazônia!
• Fim da perseguição contra
Alberto Pizango, presidente da
Aidesep!
• Abaixo
emergência!
o
estado
de
É por isso que afirmamos e
defendemos a decisão do 11º
Congresso da Federação dos
Trabalhadores Mineiros, que
adotou o chamado para organizar o Partido da Classe Operária
da Cidade e do Campo, chamado que recebeu o apoio de dezenas de dirigentes sindicais, do
campo e populares, de milhares
de trabalhadores que estão decepcionados pela ex-Esquerda
Unida, pelas frentes políticas
que foram criadas para participar nas eleições de 2011, e não
para acabar com o governo agora. Eles decidiram dar o passo
da organização de seu partido
próprio, num congresso programado para 27 de junho próximo, na sede da CNA.
• Fim das demissões! Estatização da Doe Run, Siderperu,
Shougan!
Da mesma maneira, apoiamos
Coordenação Nacional
• Reestatização de todas as
empresas privatizadas! Não à
privatização dos portos!
• Fora o governo do Apra de
Garcia-Simon!
• Assembléia Constituinte
Soberana com poder para nomear um governo responsável
perante ela para salvar a nação!
• Viva a organização do Partido da Classe Operária da Cidade
e do Campo!
Lima, 7 de junho de 2009
59
Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo
“A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”
Comissão de Organização do Partido dos
Trabalhadores da Cidade e do Campo
Declaração
Foi constituída uma Frente
em Defesa da Vida e da Soberania Nacional, integrada por
CGTP, CNA, CCP, Federação
dos Trabalhadores Mineiros,
a Aidesep para representar os
povos indígenas, a CPS e outras
organizações políticas, e foi lançado um chamado à mobilização
nacional em 11 de junho, para
repudiar e condenar o massacre
de Bagua, que provocou a morte
de mais de 150 indígenas e de 24
policiais, centenas de feridos e
desaparecidos, e cerca uma centena de presos.
e do toque de recolher impostos em diversos povoados da
Amazônia, e afirma que se estas
reivindicações não forem satisfeitas até 11 de junho, dia da
mobilização, ela chamará uma
greve nacional.
A Comissão de Organização
do Partido da Classe Operária
da Cidade e do Campo saúda
a [central sindical] CGTP e a
Frente em Defesa da Vida e da
Soberania Nacional e apóia
a decisão de uma data para a
greve nacional, se o governo não
responder às reivindicações no
prazo estabelecido. Isso coloca
imediatamente na ordem do dia
a convocação de uma Assembléia Nacional de Emergência de
delegados da CGTP, com todas
as organizações que compõem a
Frente.
A Frente em Defesa da Vida
e da Soberania Nacional responsabiliza o governo servil
ao imperialismo pelo massacre
que enluta o país, e exige a revogação dos decretos que favorecem o tratado de livre comércio,
motivo dos protestos dos povos
indígenas. Da mesma maneira,
a Frente constituída exige a suspensão do estado de emergência
O chamado a uma greve nacional é justificado para unir
toda a nação aos povos orig60
Documentos
inários da Amazônia, e também para impedir a demissão
de 4.000 trabalhadores da La
Oroya, por causa do fechamento total das operações da Doe
Run, que impôs férias coletivas
de 90 dias a todos os trabalhadores, sob o pretexto de “falência econômica”, porque ela se
beneficia da cumplicidade do
governo, como se beneficiou da
demissão de 400 trabalhadores
de Siderperu, que se juntam aos
600 demitidos de novembro.
no responsável perante ela, que
exija já o respeito à soberania
da nação, com a revogação dos
102 decretos que estão a serviço do tratado de livre comércio, o respeito à inviolabilidade
das terras das comunidades
camponesas e nativas, que estatize a Doe Run para garantir
os 4.000 empregos diretos e os
mais de 20.000 indiretos, tanto
na Siderperu, como em todas as
empresas privatizadas... Assembléia Constituinte para revogar
a lei dos recursos hídricos, que
privatizou a água, as leis 25967
e 28532 que atacam as aposentadoria e pensões, a lei dos estudos públicos de professores nº
29062, e abrir uma investigação
sobre a amplitude do massacre
de Bagua, e punir os responsáveis, quer dizer, o governo.
Quem garantirá o emprego
dos 4.000 trabalhadores da La
Oroya? Não será a multinacional estadunidense Doe Run. É o
governo quem tem a obrigação
e o dever de garantir o emprego
dos 4.000 trabalhadores. Como?
Com a imediata estatização da
metalúrgica e a reativação das
suas atividades.
Apoiamos a decisão do companheiro Alberto Pizango, presidente da Aidesep, de se refugiar na embaixada da Nicarágua
para defender sua liberdade e
sua vida, e exigimos que o governo do Apra anule a ordem de
prisão emitida contra o companheiro. Não temos nenhuma
dúvida de que, por trás deste
ataque, assim como por trás do
massacre dos povos originários
da Amazônia, está o embaixador
dos Estados Unidos.
Mas o governo está a serviço
do imperialismo estadunidense,
das multinacionais, o que se
opõe à defesa da soberania e
explica que ele tenha publicado
102 decretos para impor o tratado de livre comércio para pilhar
a nação. É por isso que cada vez
mais as organizações juntam-se
para reivindicar a necessidade
de uma Assembléia Constituinte
Soberana que nomeie um gover61
Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo
Para lutar por esses objetivos, a classe operária da cidade
e do campo e a nação inteira necessita de uma CGTP unitária e
independente, uma Federação
de Trabalhadores Mineiros Unitária e Independente, de todas
as suas organizações de classe,
assim como da Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional, que trabalha como um
verdadeiro comando nacional
unitário de luta.
gresso de organização do Partido da Classe Operária da Cidade
e do Campo, que se realizará em
27 de junho, às 10h, na sede da
CNA, Jr. Antonio Miro Quesada,
327 – Lima.
Lima, 10 de junho de 2009
Pela Comissão
de Organização:
Erwin Salazar Vásquez – CGTPLambayaque; Hugo Aguilar
Bernales – Federação dos
Mineiros; Carlos Palácios
Guillén – secretário-geral do
Sindicato dos Trabalhadores da
Construção Civil de Arequipa;
Daniel Vásquez – MNPTC e
membro da CSI; Fausto Bazán
– secretário-geral do Sindicato
Nacional dos Trabalhadores do
Banco da Nação.
Assim como a classe necessita da CGTP e de suas organizações sindicais, necessita de seu
próprio partido político, que a
ajude a combater por suas reivindicações e pelo poder, para
acabar com a exploração capitalista, causa de todos os seus
males. Eis porque chamamos
todos os dirigentes e militantes
sindicais a nos acompanharem
nessa decisão de realizar o con-
62
Documentos
Universidade Nacional Superior de São Marcos
Movimento estudantil “Projeto São Marcos”
Chamado
O governo do Apra enlutou o
país com o sangue de humildes
peruanos vertido em Bagua, por
sua vontade de impor o tratado
de livre comércio e a aplicação
dos decretos legislativos. O servilismo do governo frente ao imperialismo estadunidense não
tem limites.
e da Soberania Nacional, com a
CGTP, a CNA, a CCP, a Aidesep,
a Federação de Trabalhadores
Mineiros, a CUT, a Coordenação Político-Social e de outros
movimentos políticos, exigindo
a revogação dos decretos, o fim
do estado de emergência, o fim
do toque de recolher na Amazônia, que cesse a perseguição a
Alberto Pizango. Abaixo o governo, demissão do gabinete
ministerial!
O governo é o único responsável pela morte dos indígenas e
dos policiais. As ordens vieram
de Washington, via embaixada
dos Estados Unidos, assim como
sua política é ditada pelo FMI, o
Banco Mundial, a Organização
Mundial do Comércio.
A Frente em Defesa da Vida
e da Soberania Nacional deve
continuar a agir como um verdadeiro comando nacional unitário de luta, pois chamou à
mobilização nacional em 11 de
junho e à greve nacional se as
reivindicações populares não
forem satisfeitas.
O governo do Apra é o serviçal das multinacionais e o
inimigo da nação!
O levante dos povos da
Amazônia contra os decretos
que impõem o tratado de livre
comércio é em defesa de toda a
nação. Este é o motivo da formação da Frente em Defesa da Vida
É necessário considerar que
a CNA e outras organizações
propõem a convocação de uma
Assembléia Constituinte Soberana com poder, para designar
63
Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo
um governo perante ela para
salvar a nação.
fesa da Vida e da Soberania Nacional e as lutas que ela anuncia.
Não há tempo a perder. Necessitamos chegar a um acordo
sobre o rumo político e organizacional que devemos tomar,
assim como sobre as tarefas que
devemos realizar.
O combate dos habitantes
da Amazônia junta-se à luta da
Federação dos Trabalhadores
Mineiros para impedir a demissão de 4.000 trabalhadores
da La Oroya, trabalhadores que
foram jogados na rua com as
férias coletivas forçadas pela
multinacional
estadunidense
Doe Run, e que se somam a mais
de 15.000 mineiros demitidos
e a mais de 200.000 trabalhadores em todo o país. E outras
demissões deverão acontecer,
uma vez que Alan Garcia anuncia
200.000 entre maio e junho.
Diante dessa necessidade,
o “Projeto São Marcos”, que
se reivindica dos estatutos da
Universidade São Marcos, em
particular sua afirmação antiimperialista, lança um chamado
a todas as organizações estudantis, aos grupos e organizações de jovens que intervêm nas
universidades do país para realizar uma primeira Convenção
Nacional em Lima, que coloque
no centro a constituição da Federação de Estudantes do Peru.
Afirmamos a vontade de combate
revolucionário da juventude.
Quanto à juventude estudantil, ela é agredida pela privatização da educação em todo o país.
Entretanto, não existe hoje uma
organização que agrupe suas
forças, o que torna o combate
disperso e espontâneo.
Não há tempo a perder! Lugar
à juventude!
“Projeto São Marcos” chama
todos os jovens da São Marcos
e de todas as universidades do
país a integrar a Frente em De-
Lima, Cidade universitária
10 de junho de 2009
64
O movimento operário
estadunidense, a crise na
indústria automobilística
e a política de Obama
Uma entrevista com Alan Benjamin,
dirigente de Socialist Organizer
entrevista feita por Christel Keiser e Dominique Ferré
A Verdade – Barack
Obama faz atualmente uma
viagem por vários países
do mundo. O discurso oficial procura colocar em
evidência a imagem de um
um novo homem na Casa
Branca, de um novo sistema, de um novo equilíbrio
em escala internacional. No
entanto, desde sua eleição,
desenvolvem-se nos Estados Unidos os elementos de
uma crise política a partir
das contradições que se colocam entre as aspirações
(e as ilusões) expressas na
votação das eleições presidenciais de 4 de novembro
de 2008 e a realidade da
política de Obama. Como
explicar o significado dessa
crise política e as diferentes
formas de sua manifestação
nos Estados Unidos?
Alan Benjamin – São numerosos os que se empenham
em demonstrar que existe uma
nova Presidência nos Estados
Unidos que respeita o mundo.
Mas, na Cúpula das Américas,
65
O movimento operário estadunidense...
em Trinidad e Tobago, expressou-se a rejeição à aplicação dos
tratados de livre-comércio que
ligam os países da América aos
Estados Unidos, tratados que
estavam no centro dessa cúpula.
Nenhum chefe de estado pôs
sua assinatura na declaração
final da cúpula... à exceção do
governo de Trindad e Tobago.
Essa rejeição não se deu unicamente pelos governos de Chávez
(Venezuela) e Morales (Bolívia),
mas por todos os chefes de estados das Américas. Obama havia
ainda afirmado, durante a campanha eleitoral, que, com relação às Américas, haveria uma
nova forma, que toda a política
de livre-comércio que estrangulasse esses países seria revisada.
Mas a realidade foi outra. As
exigências do imperialismo estadunidense de destruição das
conquistas dos trabalhadores
e dos quadros das nações não
deixam nenhuma margem para
poder modificar ou emendar os
tratados de livre-comércio.
tratados – exigiram de Obama
que incluísse “cláusulas sociais”
no seio desses tratados. Mas,
mesmo essa exigência não foi
aplicada, porque é contraditória
com as necessidades do imperialismo estadunidense. Isso
explica o fracasso da Cúpula
das Américas, na qual Obama
pretendia se voltar para o continente para iniciar um novo
período. Uma das primeiras viagens ao estrangeiro de Obama
foi ao México, onde a última
eleição presidencial foi fraudada, e ofereceu sua caução e
sua ajuda a Calderón. Por toda
parte, ouvimos: “Como ele vem
ao México para saldar Calderón, para dizer que Calderón é
seu melhor aliado?”
No plano internacional, a
“nova imagem” que a administração estadunidense pretende
mostrar vai de encontro com a
crise política do imperialismo.
Obama teve que assumir sobre
os seus ombros e sobre os de
sua administração os planos de
salvação dos bancos. Isso lhe foi
imposto, e as somas devolvidas
ao capital financeiro são muito
mais expressivas que aquelas
previstas pelo próprio Bush.
Quatro bilhões de dólares – 1,7
bilhão diretamente do Tesouro
dos EUA e 2,3 bilhões do banco
Obama havia prometido que
haveria emendas e ajustes no
Nafta (Tratado de Livre-Comércio da América do Norte, entre
EUA, México e Canadá). E os
sindicatos – ainda que essa não
seja nossa posição: sempre defendemos a revogação desses
66
Uma entrevista com Alan Benjamin
central – foram entregues aos
banqueiros. A rejeição a essa
política foi expressa em 30 de
setembro, quando os dirigentes republicanos e democratas
foram ao Congresso pedir aos
deputados que votassem a favor dos 700 milhões de dólares
para o plano de salvação dos
bancos e empresas, e esse pedido foi rejeitado. Seria necessária a unidade nacional e
o empenho pessoal de Obama
(em particular com os congressistas negros) para convencer
de que, com o voto desse plano
de salvamento, a situação haveria de melhorar, que os bancos
seriam responsáveis, que usariam os créditos para revitalizar a
economia, que colocariam esses
créditos a serviço da economia
produtiva.
É necessário compreender
que os setores mais importantes,
tanto do Partido Democrata,
como do Partido Republicano,
tiveram que aceitar Obama. Ele
não era o candidato de suas escolhas, porque havia um dado que
não podiam controlar: um negro
na Presidência criaria expectativas e ilusões que não podem
tão facilmente serem controladas. Obama ainda fez uma campanha com relativa autonomia,
mesmo em relação ao aparelho
do Partido Democrata. Ele tinha
uma base própria, uma pequena
margem que podia utilizar.
Desse modo, os maiores
setores da classe dirigente não
aceitaram a Presidência de
Obama e fizeram tudo para
miná-la. Peguemos o exemplo
de Guantánamo, conhecido em
todo o mundo como o símbolo
do arbítrio absoluto. Por todo
lado, crescia a exigência do fechamento da prisão de Guantánamo (1). Obama havia prometido
que toda a verdade sobre as torturas praticadas sob o governo Bush
seria apurada. De toda parte, aumentava a exigência por uma
investigação sobre essas torturas.
Mas as primeiras dificuldades não tardaram a aparecer
quando a imprensa informou
que bancos haviam utilizado os
fundos do plano de salvamento
para comprar jatos privados
e que os banqueiros estavam
enchendo os seus próprios
bolsos com somas gigantescas
dos recursos.
1 – Guantánamo – Base militar dos Estados em Cuba, existente há mais de cem anos,
que abriga também uma prisão para estrangeiros acusados de terrorismo (NdT).
67
O movimento operário estadunidense...
Os republicanos, assim como
setores do Partido Democrata,
fizeram apelo à cúpula da CIA
para fazer com que Obama desistisse dessa questão. O estadomaior da CIA disse ao presidente
que, se ele fizesse isso, não estaria
fazendo nada mais do que ajudando a Al-Qaeda, que isso seria
um ataque contra a CIA. O chefe
do Exército dos EUA no Iraque,
o general Petraus, fez pessoalmente uma visita à Casa Branca
para persuadir o presidente a não
publicar o dossiê que mostrava as
torturas e as violações cometidas
pelo Exército estadunidense.
ma-nente feita por alguns
setores do Partido Republicano
afirmando que Obama é socialista, que seu governo estatizou
a General Motors.
A Verdade – Quais
são as consequências da
crise para o povo estadunidense?
Alan Benjamin – Entre “os
de baixo”, entre a população, a
constatação é terrível: mais desempregados são contados às centenas de milhares mensalmente.
Oficialmente, desde outubro de
2008, entre 500.000 e 650.000
empregos foram suprimidos a
cada mês do mercado de trabalho. A realidade é bem pior,
pois o Departamento de Trabalho modificou a maneira como
os desempregados são contabilizados. Pode-se verificar no site
da (central sindical) AFL-CIO: o
número real de desempregados
adicionais é, de fato, quase duas
vezes superior (de 900.000 a
um milhão por mês).
O Senado, desse modo, votou
– republicanos e democratas
coesos – que não iria dar os
créditos para começar a fechar
a prisão em Guantánamo neste
ano, ainda que houvesse aprovado seu fechamento há um ano.
Assim, não há no momento recursos para fazê-lo. A deputada
Nancy Pelosi, presidente do
Congresso e integrante do Partido Democrata, sabia tudo sobre
as torturas. Quando ela afirmou
que não havia sido informada,
Dick Cheney e os ex-integrantes
do governo Bush lhe responderam: “Você foi informada sim,
mas não quis ver.”
Há
uma
campanha
A partir de agora, após nove
meses de desemprego, você não
é mais incluído nas listas oficiais
de desemprego. Da mesma forma, se você trabalha pelo menos
10 horas por semana, não é mais
considerado um desempregado.
per68
Uma entrevista com Alan Benjamin
Imóveis continuam a ser tomados. A taxa de suicídio desde
outubro é quatro vezes mais
elevada que a de um ano antes.
nos programas de entrevistas de
rádios e da televisão. Numerosos
trabalhadores telefonam para
informar na rádio que perderam
seus imóveis. Eles perguntam:
“Onde está a mudança? Como
isto é possível? Compreendemos
que não se pode mudar tudo
de uma vez, mas pensávamos
que, ao menos, as mudanças
começariam a acontecer. Não
é isso que está acontecendo.”
No Estado da Califórnia, o
mais rico do país, há um déficit
orçamentário de 23 milhões de
dólares, e o governo iniciou, a
partir de 15 de junho, uma campanha de cortes orçamentários
de 3 bilhões de dólares, que tem
como consequência o fechamento de hospitais, o fechamento
de escolas, a supressão de programas de ajuda aos sem-teto,
o fechamento de casernas do
corpo de bombeiros, justamente
às vésperas da época de seca e
dos incêndios. Serão suprimidas algumas prisões na Califórnia, nas quais 150.000 trabalhadores imigrantes presos por
terem praticado pequenos delitos e que serão expulsos, pois
não há dinheiro para mantê-los
cumprindo penas de três a seis
meses de prisão. Será fechada a
quase totalidade dos parques nacionais, assim como os parques
estaduais serão privatizados.
A Verdade – Na eleição
de Obama, há um aspecto
particular: as aspirações
próprias dos negros por
mudanças. O que você pode
falar sobre isso?
Alan Benjamin – A porcentagem de negros dos quais as
casas são retiradas (2) atualmente
é de três a quatro vezes mais alta
do que a porcentagem de negros
em relação ao conjunto da população. Hoje, 70% das casas apreendidas pertencem a negros e a
latinos (60% a negros, 9% a 10%
a latinos). Quatro a cinco milhões de despejos são esperados
neste ano. É algo gigantesco.
A angústia cresce dia após dia
na população. Isso aparece nas
cartas aos redatores de jornais,
Haviam sido prometidos
recursos para ajudar os sobre-
2 – Referência ao colapso do crédito imobiliário. Há milhares de despejos em
curso, feitos pelos bancos, por atraso no pagamento dos empréstimos para compra de imóveis (NdT).
69
O movimento operário estadunidense...
viventes do furacão Katrina.
São 350 vítimas que não podem voltar a Nova Orleans. Os
primeiros a perder os empregos
são os negros, as mulheres, os
latinos. A criminalidade aumenta. A população está desamparada. Oakland, a grande cidade
negra ao lado de San Francisco,
é uma cidade em guerra. Os jornais comparam a situação em
Oakland à situação no Iraque.
Há todos os dias gente morta à
bala, pessoas assassinadas. Todos os dias, incidentes desse tipo
se multiplicam em uma situação
na qual os jovens não têm perspectivas de futuro.
a Mumia Abul-Jamal, seu último apelo, requerendo o direito a
um processo justo, foi rejeitado
pela Suprema Corte dos Estados Unidos. De novo paira sobre
Mumia a ameaça de execução.
A última chance que resta é que
Obama e seu ministro da Justiça
intervenham diretamente – eles
têm essa possibilidade constitucional. A propósito, acabaram
de usar essa prerrogativa no
caso de um senador republicano
corrupto, em um processo no
qual havia um vício de forma
no procedimento, e essa intervenção permitiu que o senador
fosse perdoado. No caso de Mumia, não há um simples “vício
de forma”, há 18 violações flagrantes de seus direitos constitucionais ao longo do processo
desde 1982 que foram colocadas
em evidência há muito tempo.
Em 4 de novembro de 2008, os
trabalhadores, em particular os
negros, tinham lágrimas nos olhos e exprimiam essa aspiração
profunda de que tudo iria mudar, mas, atualmente, nos olhares, encontramos desespero.
Ninguém quer a volta de Bush.
Os militantes negros e do
movimento democrático interpelaram Obama e seu ministro da
Justiça sobre o caso de Mumia
Abu-Jamal (jornalista e militante negro acusado de matar um
policial e condenado à morte em
1982, em um processo manipulado por meio de um julgamento
em que todos os jurados negros
foram excluídos).
Nos Estados Unidos, houve
18 execuções de penas de morte
de janeiro até hoje. Desde que
Obama chegou à Presiddência,
em 20 de janeiro, todos fizeram
apelos a ele, que se manteve
impassível. No que diz respeito
A Verdade – Obama
havia prometido fazer a votação da “Lei de Liberdade
de Escolha do Assalariado”
(“Employee Free Choice
70
Uma entrevista com Alan Benjamin
Act”), uma reforma modificando a legislação em vigor
para garantir o restabelecimento da liberdade sindical. Você pode nos explicar
como está esta questão?
veste somas consideráveis, não
chegam a 10% os casos em que
se constitui um sindicato. Desse
modo, a possibilidade de poder
utilizar um sindicato como meio
de defesa dos interesses dos trabalhadores existe no papel, mas
não na prática.Várias emendas
à Lei Federal de 1935 (“Wagner
Act”) conduziram a essa situação. Além dos 90 dias, existe
toda uma série de entraves ao
direito à sindicalização. Logo,
para os sindicatos, desde 2004,
o combate para modificar a legislação sobre a sindicalização é
uma questão central.
Alan Benjamin – Obama
teve direito a um apoio mais que
habitual do movimento sindical,
sobretudo na base do movimento sindical. Ele fez promessas
que ecoaram, promessas referentes à reforma dos tratados de
livre-comércio, e principalmente
a reforma da legislação federal
sobre a sindicalização, sobre o
direito de se sindicalizar. Hoje,
nos Estados Unidos, que se intitula o país mais democrático,
não se tem o direito, na prática,
de se organizar um sindicato:
esse direito existe apenas no
papel. Para constituir um sindicato, é necessário se submeter a
um procedimento no qual a lista
dos assalariados que decidem
pela organização de uma seção
sindical é fornecida às empresas.
Estas dispõem de um período de
90 dias para fazer pressão para
que os assalariados retirem suas
assinaturas e, bem entendido,
utilizam a chantagem da demissão para alcançar seus fins.
Foi com a promessa de revisão
desta lei e a promessa de acabar
com as guerras no Iraque e no
Afeganistão que os democratas ganharam a eleição para o
Congresso em 2006. Em todos
os lugares, Obama declarou:
“Estarei com vocês, e nos 100
primeiros dias de meu mandado submeterei a proposta de lei
e irei lutar com vocês para que
a ‘Employee Free Choice Act’
seja adotada”.
No dia da posse de Obama,
no jornal “The New York
Times”, uma página de publicidade foi publicada pela Câmara
de Comércio e por todos os bancos, sob o título “Carta Aberta ao
Nas campanhas de sindicalização nas quais a AFL-CIO in71
O movimento operário estadunidense...
Presidente”. Essa carta afirmava
que, na nova situação de crise,
seria um suicídio político, um
afundamento do país, uma lei
que garantisse o direito à sindicalização. Desde 5 de novembro
de 2008, uma campanha de lobbie de 400 milhões de dólares
está lançada pelos capitalistas
para ir a cada deputado para
convencê-lo a votar contra a
“Employee Free Choice Act”.
milhares de sindicalizados à disposição para ir de porta em porta
convencer os eleitores um a um.
Em 16 de janeiro, Obama publicou um artigo no jornal “The
Washington Post”, no qual explicava que estava se reunindo com
os representantes da Câmara
de Comércio, dos bancos e dos
patrões. Explicou que compreendia sua angústia e que, talvez, devesse ser encontrada uma alternativa à “Employee Free Choice
Act”, que permitisse modificar
um pouco a lei existente.
Por sua parte, a central sindical AFL-CIO organizou uma campanha de 200 milhões de dólares
em favor da “Employee Free
Choice Act”, valor considerável
após uma eleição presidencial na
qual os sindicatos gastaram muito dinheiro, pois foram os sindicatos que se mobilizaram para
assegurar a vitória dos democratas, que, sozinhos, não poderiam
se eleger, não poderiam ter feito
um só vereador. Os sindicalistas
deram não somente dinheiro,
mas colocaram as centenas de
A AFL-CIO não se pronunciou sobre essa declaração, nem
sobre a declaração do principal
conselheiro de Obama, Larry
Summers, que assinou um artigo
dizendo que o direito à sindicalização é um entrave à recuperação da economia. Nós fizemos
uma campanha no quadro da
Workers Emergency Recovery
Campaign (Werc) (3) para chamar
3 – Workers Emergency Recovery Campaign (Campanha por um Plano de
Emergência para Salvar os Trabalhadores) – Campanha nacional por iniciativa
de mais de 500 militantes operários, sindicalistas, negros, latinos, do qual toma
parte integrante militantes da seção estadunidense da 4ª Internacional (Socialist
Organizer), ao redor de um de um programa de emergência que afirma: “Salvar
os trabalhadores, não os bancos nem Wall Street”, e avança a exigência de que
parem as demissões e os despejos, que haja a estatização dos bancos e da indústria automobilística etc. Esta campanha tomou a iniciativa, com cinco conselhos
centrais da AFL-CIO da região de San Francisco, de realizar uma conferência que
reuniu 320 militantes e dirigentes operários em 9 de maio de 2009.
72
Uma entrevista com Alan Benjamin
o movimento sindical a se pronunciar, para dizer que ele não
aceita essa reviravolta. O que se
passou em seguida? Toda a imprensa explicou que, no Senado,
não havia 60% de votos para resistir a um veto. Vários democratas indicaram que retiravam seu
apoio à “Employee Free Choice
Act”. O primeiro a dizer que o
movimento sindical havia falhado nesse ponto foi Andi Stern,
o dirigente de “Change to Win”
(cisão da AFL-CIO). Stern disse:
“Tentemos fazer o melhor possível com uma reforma da lei
existente. Em vez de 90 dias de
demora para que os empregadores possam intimidar e demitir,
vamos reduzir para 60 dias”.
é a de exigir de Obama que, se foi
eleito pelo movimento sindical
– notadamente, repitamos, em
razão desse compromisso –, que
faça adotar a “Employee Free
Choice Act”? Obama não tem,
evidentemente, nada a ver com
Ronald Reagan, mas, em 1981,
a AFL-CIO fez ir às ruas um
milhão de trabalhadores contra o locaute dos controladores
aéreos organizados por Reagan
(esse que foi o primeiro grande
golpe ao movimento sindical
no período recente). É hoje um
desafio similar para o futuro do
movimento dos trabalhadores
o de mobilizar para impor a
“Employee Free Choise Act”.
A Verdade - A Direção
do sindicato dos trabalhadores da indústria automotiva (United Auto Works,
UAW) assinou um acordo
com as direções da Chrysler
e da General Motors. O que
se pode dizer do conteúdo
desse acordo e de suas consequências para os trabalhadores das empresas em
questão, e para os trabalhadores estadunidenses em
geral?
De nossa parte, não chamamos o voto em Obama, candidato do Partido Democrata, e não
apoiamos os dirigentes do movimento dos trabalhadores que financiaram sua campanha. Mas
os trabalhadores estão no direito de interpelar os dirigentes
de suas organizações sindicais
para lhes dizer: vocês apoiaram
Obama, notadamente em razão
de seu compromisso pra fazer
passar a “Employee Free Choice
Act”. Você podem aceitar que ele
renuncie hoje a esse compromisso fundamental? A responsabilidade do movimento sindical não
Alan Benjamin – O anúncio
da falência iminente da Chrysler
e da General Motors surgiu no
73
O movimento operário estadunidense...
final de 2008. Eles fizeram vir o
presidente da General Motors,
o da Chrysler, assim como os
sindicalistas de base, os presidentes de sindicatos e mesmo os
antigos membros da executiva da
AFL-CIO, organizaram um fórum
para apresentar seu ponto de vista
sobre aquilo que deveria ser um
“plano de salvamento da indústria automobilística”. A Ford não
aceitou. Para a General Motors e
a Chrysler, dezenas de milhares
de dólares foram desbloqueados,
com a condição de que seria uma
ajuda para reestruturar a indústria, e isso significava a destruição
maciça dos empregos.
pelos sindicatos, conduzindo a
essas reduções salariais. Uma
“força-tarefa” foi criada: tratase de uma comissão da indústria
automobilística, presidida por
alto executivo de Wall Street (4),
Steve Rattner, que afirmou
claramente: o que nos interessa
não são os empregados, são os
acionistas. Toda a linguagem do
alegado plano de salvamento é
a linguagem de Wall Street, que
consiste em salvar os acionistas, liquidando os empregos.
É necessário reestruturar, ir à
falência, se necessário, porque,
segundo o capítulo 11 da Lei de
Falências, que sempre é usado
como um meio de chantagem
contra os sindicatos, após a
falência, o capítulo da lei sobre
os impostos permite eliminar os
sindicatos e os fundos de pensão;
pode-se eliminar tudo quando a
empresa está em falência.
Para fazer passar esses planos, houve uma propaganda sem
precedentes, na qual se apresentava os trabalhadores da indústria automobilística como privilegiados: dizia-se que o salário
médio diário de um trabalhador
era de 64 dólares, o que é falso,
já que é de 28 dólares hoje. 64
dólares era há onze anos, quando a General Motors e a Chrysler fabricavam ainda centenas
de milhares de carros. Mas, com
os cortes e as reestruturações, os
salários diminuíram. Nove concessões sucessivas foram aceitas
Desse modo, a chantagem do
plano de salvação da indústria automobilística consiste em dizer:
se os trabalhadores não fizerem
concessões, a empresa irá à falência. E, desde dezembro, os sindicatos começaram a propor as
concessões. Houve uma primeira
reabertura de negociações dos
4 – Wall Street – Bolsa de Valores de Nova York, principal centro financeiro
mundial (NdT).
74
Uma entrevista com Alan Benjamin
contratos de trabalho na Chrysler e na General Motors, e os sindicatos aceitaram a redução de
salários, aceitaram os aumentos
dos prêmios de produtividade, a
eliminação das regulamentações
do trabalho na fábrica e a modificação do regime de pensões.
rada”, a General Motors não se
recuperará. Busca-se contratos
com a Opel, mas, quanto à General Motors, acabou. Há 11 anos,
havia 600 mil trabalhadores
na General Motors Hoje, há 60
mil. Durante a consulta pelo
voto, organizada pela direção da
UAW em 29 de maio, 54 mil votaram a favor do acordo e 21 mil
entre eles foram imediatamente
demitidos. E fala-se em dezenas de milhares de demissões
suplementares, pois há uma
cláusula do acordo que permite
continuar a demitir se a situação
não melhorar. A direção sindical
justificou esta cláusula pelo fato
que não querer que a General
Motors vá à falência. Ora, todo
mundo sabia que, de qualquer
maneira, assinando ou não o
acordo, aconteceria a falência.
Mas a proposição feita por
Rattner não é a continuidade de
uma política de chantagem que
leve a concessões do sindicato,
é alguma coisa nova. Ele disse:
é possível que as empresas vão à
falência, é possível que não, mas
é preciso que vocês nos ajudem.
É necessário que os sindicatos
apóiem diretamente a reestruturação. Ao investir na empresa
o dinheiro do fundo de saúde
para as aposentadorias, vocês se
tornarão co-proprietários, vocês
vão utilizar esses fundos e vão,
conosco, fazer parte da comissão
de gestão. Dessa forma, a primeira tarefa será a de suprimir 221
mil empregos imediatamente
e fechar 2.600 empresas subcontratadas. Hoje, 20 bilhões de
dólares que a companhia deveria
pagar aos fundos de aposentadoria e de saúde foram investidos em uma indústria que, em 1º
de junho, entrou em falência.
Mas, com todo conhecimento
de causa, eles fizeram os trabalhadores e os sindicalistas votarem dizendo-lhes: “Vocês não
têm escolha. Se votarem ‘não’, a
General Motors vai à falência, e
essa falência significa o fim do
UAW. Vocês não terão seus fundos de pensão, vocês não terão
seus empregos.”
Sejamos claros: os trabalhadores que votaram pelo acordo
não podem ser responsabilizados.
E todo mundo concorda em
dizer que, mesmo “reestrutu75
O movimento operário estadunidense...
Mesmo com toda essa pressão,
11% dos assalariados da Chrysler
e 26% da General Motors ainda
votaram “não”. E mesmo entre
os que foram obrigados a votar
“sim”, numerosos são os que fizeram declarações na imprensa e
que fizeram manifestações para
denunciar a chantagem.
conferência abriu a discussão sobre essas questões cruciais dentro
do movimento dos trabalhadores.
Nessa situação de chantagem,
o fato de que 26% dos trabalhadores da General Motors e 11%
dos trabalhadores da Chrysler
votaram “não” ao acordo é extremamente importante (claro
que, repito, os trabalhadores
que votaram a favor do plano
sob pressão de uma repugnante
chantagem não podem ser considerados responsáveis). Eles
disseram “não” pela defesa de seu
sindicato, disseram “não” porque
queriam salvar seus postos de
trabalho, disseram “não” porque
não aceitam o inaceitável. Eles
não podem aceitar esta política
de destruição levada pela direção
do sindicato. Não foi para isso
que constituíram seu sindicato.
Numa carta, o presidente local de
um sindicato UAW explica que o
acordo assinado é um contrato
escravista. Ele afirma: os trabalhadores tiveram de votar com
um cano de revólver na nuca, um
revólver sustentado pelo governo, pelos bancos e pelo grande
capital, todos em coalizão e, infelizmente, com o apoio da direção
do sindicato, que se afasta cada
vez mais das tradições do movimento sindical.
A direção do sindicato que
aceitou, em nome da manutenção
dos empregos, o fechamento de
17 fábricas, aceitou que os fundos
constituídos há anos pelos trabalhadores para suas aposentadorias
fossem utilizados para financiar a
reestruturação e salvar os acionistas. Todos os trabalhadores se
perguntam: como é que vamos
fazer com as nossas despesas de
saúde? Fica-se doente, perde-se
a casa... Como será o futuro? Há
uma angústia enorme. A direção
da AFL-CIO nada diz sobre esta
questão. Os dirigentes somente
dizem que essa é a única possibilidade. De nossa parte, no quadro
da campanha da Werc, da qual
falamos no último número de “A
Verdade”, organizamos uma conferência em 9 de maio último em
San Francisco, na qual participaram 320 delegados, dirigentes
sindicais em sua maioria. Foi um
encontro co-organizado pela Werc
e por cinco conselhos da AFL-CIO
da região de San Francisco. Essa
76
Uma entrevista com Alan Benjamin
Este companheiro diz: a situação é difícil, mas quando o sindicato foi construído, em 1930,
a situação era difícil também.
Foi preciso enfrentar a guarda
nacional, as milícias patronais,
organizar greves com ocupação,
e, assim, o sindicato se impôs.
E ele conclui: na situação atual,
não podemos virar as costas às
tradições do movimento sindical independente. É a única via
que nos permitirá vencer. Não
será fácil, mas é a única via.
e de aplicação dos planos de
destruição da força de trabalho.
Eles têm razão. E dizendo não
ao corporativismo, mostram a
via da resistência, da manutenção das tradições profundamente enraizadas no movimento
sindical estadunidense e na classe
operária dos Estados Unidos.
Não seria necessário colocar na ordem-do-dia uma campanha para exigir a retirada
da assinatura da UAW deste
acordo e combater para que o
movimento sindical como tal se
pronuncie, já que não só a UAW
que é o alvo, mas são todos os
sindicatos, todos os sindicalizados, todos os trabalhadores? Os
capitalistas querem utilizar esta
crise para questionar todos os
contratos coletivos, para exigir
que o acordo assinado pela UAW
seja usado hoje como modelo a
ser imposto em toda parte. E,
em nome deste modelo, querem
impor as “reestruturações” e os
planos de destruição que não
puderam organizar antes.
Numa manifestação organizada em Lansing, no Estado
de Michigan, em 1º de junho,
os sindicalizados da UAW levantaram um cartaz: “Hoje
é a vez dos trabalhadores
automobilísticos, amanhã será
a vez de quem?” O presidente
do sindicato que organizou a
manifestação declarou: não é
função de um sindicato tornarse o patrão da empresa. Jamais,
e sobretudo hoje, nas condições
na qual a única via é a de impor
os planos de demissões, os planos de salvação dos banqueiros.
Eles não podem utilizar nossos
fundos de saúde e de aposentadoria para salvar as empresas,
pois só usarão os fundos para
nos destruir. Os sindicatos devem continuar sindicatos, e não
entrar na política de integração
O jornal “The New York
Times” publicou em 2 de maio
um editorial no se aborda o colapso da Chrysler – uma vez que
o voto na General Motors só
aconteceu em 29 de maio, mas
77
O movimento operário estadunidense...
coisas, mas “que está rodeado de
maus conselheiros”, “que herdou
uma situação terrível da qual
tenta sair”, e que é preciso dar-lhe
um pouco de tempo. Essas ilusões
existem e não podemos ignorálas. Mas a própria existência da
classe operária estadunidense, do
movimento operário, exige hoje
que os sindicatos ajam em total
independência, e estamos engajados em apoiar qualquer passo
nesse sentido.
o voto na Chrysler foi em 30
de abril: “Talvez o sr. Obama
tenha o seu momento de Nixon
na China. Do mesmo modo que
foi necessário um republicano
conservador para abrir as relações do nosso país com o maior
país comunista do mundo, será
um democrata liberal que fará
soar a hora do sindicato UAW”.
O que o “The New York Times”
exprime, em seu ponto de vista,
Obama pode e deve fazer aquilo
que os republicanos e Bush não
fizeram, porque Obama foi eleito com o apoio dos sindicatos. É
então a questão da independência do movimento sindical, do
movimento operário como tal, do
movimento negro em relação ao
governo e ao Partido Democrata, que se coloca concretamente
na luta pela defesa dos trabalhadores, no combate para preservar os empregos, para dizer
não a este pacto, para retirar a
assinatura dele.
É nesta situação que um dirigente sindical, Andy Stern, que
organizou alguns anos atrás uma
cisão na AFL-CIO, constituindo
o agrupamento sindical chamado “Change to Win” (Mudar para
Vencer), ocupa um lugar importante. Num primeiro momento,
na época, como principal dirigente do sindicato SEIU, de funcionários do setor público, tinha
criticado o fato de que a AFL-CIO
não dava prioridade a uma campanha de sindicalização maciça.
Mas, pouco a pouco, afirmou que
a AFL-CIO era exageradamente
“luta de classes”, que era preciso
sair da sua atitude exagerada no
confronto com os patrões. Hoje,
Stern está na ponta de uma ofensiva nesse tema: é preciso ajudar
os patrões, porque se os ajudarmos, eles vão nos ajudar.
Repito: de nossa parte, não
chamamos o voto em Obama,
nem apoiamos aqueles que, no
movimento sindical, apoiaram e
financiaram sua candidatura. E
existe ainda hoje nos Estados Unidos, nas organizações operárias,
no movimento negro, na população em geral, ilusões, a esperança
de que Obama queira fazer boas
78
Uma entrevista com Alan Benjamin
A Verdade - Depois
do último número de “A
Verdade” a respeito desta
questão, quais são os novos
acontecimentos?
da AFL-CIO no fim de setembro,
no qual John Sweeney, seu atual
presidente, não se reapresenta.
Existe uma enorme pressão do
governo Obama para impulsionar a reconstituir uma AFL-CIO
que reintegre “Change to Win”,
no mesmo momento em que
Stern declara que quer ser o único reconhecido. Esta é a situação
atual do movimento operário
estadunidense. Uma situação
muito perigosa, e que não pode
encontrar uma saída senão pela
independência absoluta do movimento operário, independência
face às demissões, independência em relação a todos os acordos
do tipo do da General Motors
que os patrões querem impor,
independência em relação ao
governo, para exigir que Obama
mantenha seu compromisso
de encaminhar a aprovação do
“Employee Free Choice Act”.
Alan Benjamin - Agora,
Stern começou uma caça às bruxas generalizada contra aqueles
que resistem, contra os que continuam numa posição de independência de classe no seio de
seu antigo sindicato, SEIU. No
cenário de demissões maciças
que acontecem nos hospitais, por
exemplo, Stern afirma – contra os
militantes e dirigentes do SEIU
que combatem as demissões –,
que está disposto a assinar um
“bom acordo” de acompanhamento das demissões.
Ele organiza verdadeiras expedições punitivas contra os
outros sindicatos de sua própria
federação, “Change to Win”,
indo até o ponto de organizar
uma cisão no segundo sindicato
desta federação, o sindicato da
hotelaria. Esse sindicato, que
nasceu da fusão do sindicato
têxtil e do sindicato dos hotéis
e restaurantes, é muito comba-tivo, muito militante. Stern
organizou a cisão do sindicato.
A Verdade – Quais
foram as consequências da
campanha da Werc, depois
da Conferência de 9 de maio
em San Francisco?
Alan Benjamin - Como já
disse, essa conferência foi um
grande sucesso. Tivemos 320
participantes. O comitê sobre
a crise econômica do conselho
central da AFL-CIO de San Fran-
É nestas condições que se
prepara o Congresso Nacional
79
O movimento operário estadunidense...
cisco adotou um texto que diz:
Este texto foi submetido
pelo Conselho de Trabalho à
Conferência.
“Nenhuma demissão. Se o
governo pode dispor de bilhões
de dólares de dinheiro público
para ajudar os banqueiros, então
pode dispor também para impedir as demissões e devolver todos
os trabalhadores demitidos para
seus postos de trabalho. O movimento operário estadunidense
deve dizer: ‘Nenhuma demissão
na indústria automobilística!’ A
única possibilidade real para a
economia é a de manter todos
os empregos e de reinvestir na
indústria. Esta fórmula se aplica
perfeitamente à indústria automobilística – como se aplica a
todos os setores da economia,
incluindo o setor público. O
go-verno Obama deve estatizar
os Big Three (“Três Grandes”,
expressão usada para as três
maiores empresas automobilísticas: General Motors, Ford
e Chrysler – NdE) (...), proibir
qualquer nova demissão, reinvestir na indústria automobilística, reconstituir a força de trabalho e devolver imediatamente
todos os demitidos a seus postos
de trabalho, dentro das regras do
contrato coletivo assinado pelo
sindicato. É a única via para a
defesa do sindicato UAW e do
próprio movimento sindical.”
Um segundo texto foi apresentado ao encontro, exigindo o
confisco de todos os fundos colocados nos planos de salvamento
das empresas e a estatização dos
bancos. Ele diz claramente:
“Este dinheiro (os bilhões dados aos bancos – NdE) é nosso
dinheiro, dos nossos impostos, e
deve servir para criar empregos
a fim de realmente relançar a
economia. O governo pode e
deve retomar as somas do plano
de salvamento. Ele pode usar
os bancos como instrumento de
uma política pública de progresso social, para parar todas as demissões e garantir um emprego
a todos e uma renda que permita
viver, suspender os despejos, reconstituir nossa infra-estrutura
em ruínas, reconstruir Nova Orleans, restabelecer e abastecer
os serviços públicos (incluindo a
saúde e a educação) e mais. Mas
só existe um caminho para cumprir esses objetivos: o governo
deve estatizar os bancos (...).
Isso não tem nada a ver, como
alguns querem fazer crer, com a
estatização das ‘dívidas tóxicas’,
ou dos ativos podres de bancos,
80
Uma entrevista com Alan Benjamin
com a única finalidade de devolver os bancos aos mesmos
patrões quando voltarem a ser
rentáveis. Isso não tem nada a
ver com estatização, é a estatização dos prejuízos.”
porque sabiam que eles iriam
falar diante das câmeras sobre a
exigência de um sistema de saúde
fundado sobre o salário diferido.
Marc Dudzi, antigo presidente
do Sindicato dos Químicos, foi
simplesmente expulso pelos
militares das audiências... Mas,
a cada dia, nos quatro cantos do
país, existem manifestações e
reuniões para exigir uma Previdência Social.
A conferência chamou à mobilização do movimento operário
em todos os níveis para impor
ao governo a assinatura do “Employee Free Choice Agreement”.
E, igualmente, para exigir a
constituição de um sistema de
saúde fundado no salário diferido (o “single payer”, pagamento
único), do qual Obama não quer
ouvir falar. Se hoje existe um
movimento profundo na classe
trabalhadora
estadunidense,
é claramente sobre a questão
da saúde. Num país no qual 45
milhões de pessoas não possuem nenhuma cobertura contra doenças, quando se perde
o emprego, perde-se também o
direito à saúde.
A campanha da Werc possui
um comitê nacional de 16 pessoas, e este comitê está discutindo a proposição de constituir
comitês em todas as cidades,
na perspectiva de uma Conferência Nacional de Comitês antes do fim do ano, estruturado
sob um plano de trabalho, no
qual a exigência principal será
a questão da retirada da assinatura do acordo da General
Motors. Uma campanha para
mobilizar em todos os níveis no
movimento operário – delegações, tomadas de posições, mas
também ações de massa na rua
– para exigir de Obama que respeite sua promessa de aplicação
do “Employee Free Choice Act”.
É preciso notar que esta conferência possui um eco enorme em
vários setores do movimento
operário. A coalizão “US Labor
Against the War” (Movimento
A questão de ter uma Previdência Social baseada no salário
diferido é uma questão de vida
ou morte. Sobre este assunto, existe uma mobilização profunda.
Quando alguns dirigentes sindicais que animam esta campanha
foram a Washington, durante as
audiências públicas do presidente, sua presença foi impedida,
81
O movimento operário estadunidense...
mas medidas executadas sob
seu comando depois que assumiu a Casa Branca:
Operário Contra a Guerra), que
agrupa sindicatos representando a metade dos trabalhadores
sindicalizados dos Estados Unidos, publicou o resultado no seu
site, assim como dirigentes da
AFL-CIO em vários estados.
• escalada na guerra do Afeganistão, ordenando o envio de
21 mil soldados suplementares
que lá estão desde então;
A Verdade - Nós assistimos nesse momento uma
escalada perigosa da guerra
na Ásia Central (Paquistão,
Afeganistão, ameaças contra o Irã etc.). Dentre as
promessas feitas por Obama,
e que pesaram para a sua
eleição, falou-se muito sobre
a questão da guerra. Quais
eram essas promessas?
• anúncio que a retirada total das tropas estadunidenses
do Iraque será prorrogada até
o fim de 2011 (...);
• pedido ao Congresso que
autorizasse um gasto suplementar de 83 bilhões de dólares
para financiar a guerra no
Iraque e no Afeganistão, e isso
depois de ter prometido várias
vezes durante sua campanha
que não faria esses pedidos suplementares ao Congresso;
Alan Benjamin - Gostaria
de citar o que escreveu a esse
respeito um velho militante
operário anti-guerra bem conhecido, Jerry Gordon, no número
de abril de 2009 do boletim Unity
& Independance (Unidade e Independência), uma tribuna livre
para a defesa da independência
de classe do movimento operário
do qual nós participamos. Jerry
Gordon lembra que
• intensificação do bombardeio por aviões não-tripulados
no Paquistão, resultando na
morte de vários civis;
• publicação de um plano de
reforço das Forças Armadas de
100 mil homens (...);
• diretrizes aos procuradores gerais para privar presos
de ‘habeas corpus’, exatamente
como Bush fazia;
“Obama fez sua campanha
apresentando-se como um candidato anti-guerra, amigo do
movimento operário e defensor
dos direitos civis. Mas eis algu-
• diretrizes aos procuradores gerais para se oporem
82
Uma entrevista com Alan Benjamin
às perseguições judiciais contra as empresas e os indivíduos
que violaram as leis de escutas
telefônicas ilegais, exatamente
como Bush fazia;
nistão, e que pare todo o financiamento às intervenções militares dos Estados Unidos.
A Verdade – Como se
coloca hoje a questão do
combate pela ruptura do
movimento sindical com o
Partido Democrata, quer
dizer, o combate por um
Labor Party (Partido dos
Trabalhadores)
apoiado
nos sindicatos, integrando
um partido negro?
• promessa de não considerar
como responsável por crimes
aqueles que são culpados de terem cometidos atos de violência e
de tortura contra presos, invocando de fato o modo de defesa
rejeitado e desacreditado nos
processos do Tribunal de Nuremberg: ‘Nós obedecemos ordens’;
Alan Benjamin – Como
vocês acabaram de ver, a
questão de ruptura com o Partido Democrata está mais do que
nunca colocada, e, de nossa parte, nós a colocamos durante a
campanha eleitoral. Mais do que
nunca, vemos aonde leva essa
subordinação. Dizemos hoje que
preparar o terreno para avançar
em direção ao Labor Party é justamente levar esta campanha
independente. Hoje, a questão
central colocada é a defesa da
independência dos sindicatos, é
a defesa do movimento operário
a partir de suas próprias reivindicações, contra todos os planos
que visem a nos fazer aceitar os
compromissos e a linguagem do
sistema dos dois partidos (Republicano e Democrata, os dois
partidos da burguesia).
• Indiferença em relação à
legislação digna dos talibans
que o presidente afegão Hamid
Karzai promulgou, negando
às mulheres os direitos mais
elementares. Obama declarou
que, mesmo em desacordo com
essa legislação, sua prioridade
era a de combater a Al-Qaeda.”
Jerry Gordon insiste, com
razão, sobre a grande importância da Assembléia Nacional
contra a Guerra, em 10 e 11 de
julho, em Pittsburg, no qual um
dos oradores principais será um
dirigente do “US Labor Against
the War”, com a participação de
centenas de militantes sindicais, de grupos anti-guerra etc.,
para exigir a retirada imediata
das tropas do Iraque e do Afega
83
O movimento operário estadunidense...
Claro, nós não colocamos
pré-condições para os combates
a que eu me referi. Mas não é um
acaso que esta questão do Labor
Party venha à ordem-do-dia em
certos setores do movimento
operário. Por exemplo, em Los
Angeles, o Sindicato dos Professores acaba de reconstituir o
comitê por um Labor Party. O
sindicato decidiu liberar os fundos para constituí-lo e convidou
para isso o presidente nacional
do Labor Party, que continua
existindo.
os democratas e republicanos
“são a mesma coisa”, que uns e
outros aceitam que os imigrantes possam supostamente “vir e
roubar nossos empregos”, e aceitam reconhecer um “Estado palestino” contra Israel etc. Existe,
então, na direita, pessoas que
procuram ocupar o terreno da
rejeição dos “dois partidos” sob
uma base racista e reacionária.
É então nossa responsabilidade,
dentro do movimento dos trabalhadores, abrir o debate por
uma resposta política no terreno
da classe operária.
Além disso, à margem da
Conferência de 9 de maio, em
San Francisco (pois, como eu
disse, não apresentamos précondições), uma discussão
aconteceu para debater as
questões do Labor Party, a qual
vários representantes sindicais
participaram, pois esta questão
está colocada pela situação.
Alguns demagogos de direita
começam a utilizar o fato de que
Este debate que reaparece
na ordem-do-dia sobre o Labor
Party coloca-se de modo comparável em relação à ação política
negra independente. Militantes
negros, que são parte integrante
da campanha da Werc, reativaram depois da metade de abril
o Comitê Nacional do Partido da
Reconstrução.
84
Qual “paz” no Sri Lanka?
por François Forgue
Quando o exército do governo do Sri Lanka cercou o último reduto mantido pelos Tigres
de Libertação do Tamil Eclam
(LTTE), no nordeste da ilha, as
mais vivas inquietações se manifestaram quanto à sorte da população civil da região, uma vez que
entre 250 mil e 300 mil pessoas
já haviam abandonado seus lares
para fugir dos combates.
radamente minimizado a amplitude do massacre. Dezenas
de milhares de homens, mulheres e crianças, refugiados,
foram colocadas em campos.
Esses campos, aliás, não podem
ser definidos como “campos
de refugiados”, mas algo mais
próximo de campos de concentração, uma vez que os homens
são estritamente separados do
restante da família; somente o
exército controla esses campos
e nenhum representante de organismos independentes ou humanitários têm acesso a eles.
As piores previsões foram
superadas. Hoje está claro que
além da liquidação militar dos
separatistas do LTTE, foram
mortos de quinze a vinte mil
civis. O exército do Sri Lanka
usou armamento pesado numa
superfície cada vez mais exígua.
A derrota militar da última
região controlada pelo LTTE
– que se dizia invencível – foi
efetuada em alguns meses pelo
exército do Sri Lanka, o mesmo
exército que falhou durante
anos. Qualquer que seja a opi-
Posteriormente, os representantes da ONU no Sri Lanka
foram acusados de ter delibe85
Qual “paz” no Sri Lanka?
nião que se tenha sobre o LTTE
– para nós, ela não é nem uma
organização revolucionária nem
democrática, que não exprime
verdadeiramente
os
interesses da população tâmil -, sua
destruição militar foi acompanhada por um verdadeiro massacre da população civil tâmil. É
somente por serem tâmeis, por
falarem tâmil, por virem de vilas
tâmeis, que milhares de pessoas
inocentes foram mortas, que
hoje dezenas de milhares que
perderam tudo são privadas de
liberdade. Se não existia antes
uma “questão tâmil”, ela existirá
a partir de agora.
gando até a organizar negociações entre ele e o governo do
Sri Lanka, com o objetivo de
dividir a ilha, decidiu agora deixar de lado o LTTE e reforçar
diretamente sua pressão contra
o governo. Sua aparente preocupação sobre o destino das
populações civis, suas reservas
sobre os métodos empregados,
não possuem outro significado
senão o de constituir um meio
suplementar de pressão contra
o governo do Sri Lanka, que não
poderia levar a fundo sua ofensiva militar sem o “sinal verde”
de Washington.
O que surpreende, não é
tanto o cinismo do imperialismo, ao qual nós já estamos
acostumados, mas sim o silêncio do movimento operário do
Sri Lanka a respeito do que se
passa.
Logo após a vitória militar do
governo do Sri Lanka, o governo
dos Estados Unidos não festejou
o resultado. Ao contrário, a secretária de Estado Hillary Clinton
tornou público sua “preocupação” com a indiferença dos dois
campos com a população civil.
Comentário hipócrita da parte
de quem possui como tarefa dar
cobertura diplomática às várias
ações inomináveis cometidas contra a população civil no Iraque,
Afeganistão e no Paquistão pelo
exército estadunidense.
O movimento operário do Sri
Lanka foi constituído unindo nas
mesmas organizações sindicais
e políticas os trabalhadores cingalêses e os tâmeis. No período
em que o Sri Lanka adquiriu sua
independência, assim como nos
anos que se seguiram, uma organização que tinha suas raízes
na luta contra o domínio imperialista britânico e na constituição das primeiras organizações
O governo estadunidense,
que por muito tempo usou o
movimento separatista, che86
François Forgue
operárias, o LSSP, organização
que em seguida situou-se no
terreno da 4ª Internacional,
ocupava uma posição central no
movimento operário.
da Índia e praticam majoritariamente a religião hinduísta. Os
cingalêses são originalmente do
norte da Índia e sua religião majoritária é o budismo.
Um dos eixos principais de
seu combate era a unidade entre
os trabalhadores tâmeis e os trabalhadores cingalêses com base
na igualdade de direitos. A tragédia atual não pode ser compreendida sem levar em conta o
colapso político do LSSP, diretamente ligado à crise desagregadorada 4ª Internacional, em
1950 – 1953 (1).
Essa separação geográfica
da população foi mantida até
os dias de hoje: as regiões do
norte e do nordeste são majoritariamente tâmeis, as do
sul e do oeste são cingalêsas. Mas o desenvolvimento
econômico, sob o colonialismo
e depois da independência,
acabou por misturar a população: a indústria, em Colombo,
no sul do país, emprega uma
grande quantidade de tâmeis
e existem muitos cingalêses
no norte. É por essa razão que
o “enfrentamento étnico”, intensificado nos últimos anos,
conduziu a pogroms [massacres] anti-tâmeis em Colombo
e a expulsões maciças por parte do governo.
Às origens da
questão tâmil
A história do Sri Lanka sempre esteve ligada à história da
Índia, da qual ela forma, geograficamente, a ponta meridional. O povoamento da ilha do
Sri Lanka ocorreu a partir de
populações vindas da Índia.
As duas principais “etnias” da
ilha, os tâmeis e os cingalêses,
são componentes da população
da Índia continental. Os tâmeis
vêm majoritariamente do sul
Contrariamente ao que ocorreu em outros casos, a história
da formação do Sri Lanka não
foi a de um enfrentamento
constante entre essas duas
1- Esse artigo se apoia largamente nos materiais reunidos pelo camarada Bernard
Trinquet, e, para o que se trata do LSSP e de suas relações com a Internacional, em
dois artigos do camarada Jean-Marc Schiappa publicados na revista A Verdade
nºs 27 e 28, de abril/maio e novembro de 2001 (edição em português).
87
Qual “paz” no Sri Lanka?
componentes, cujas relações
serão, até a colonização, essencialmente pacíficas (2).
de-obra mal paga e sem direitos.
Esses problemas encontrarão
uma expressão acentuada durante a constituição do Estado
do Sri Lanka independente.
Mais uma vez, a adoção da constituição de 1948 está ligada aos
desenvolvimentos políticos na
própria Índia, mas as formas
pelas quais o imperialismo
britânico cede a independência
visavam a aumentar ainda mais
a separação entre o Sri Lanka e
a Índia. Aliás, na época, o LSSP
denunciava essa independência
consentida como uma tentativa
de constituir um “Ulster indiano” (3). Na própria constituição
do Sri Lanka se insere a questão
tâmil. Para começar, a nacionalidade do Sri Lanka é recusada
aos tâmeis indianos. Ademais,
na medida em que vai se constituindo o novo Estado, os tâmeis
são colocados numa situação de
inferioridade ora pela questão
da língua, ora, mais tarde, pela
religião. De fato, depois de um
período no qual o inglês (falado
por menos de 10% da população) era administrativamente
designado como a língua oficial,
A colonização do Sri Lanka
pela Grã-Bretanha está ligada
à penetração colonial em toda a
Índia, mas ela toma uma forma
diferente. Desde o começo do
século XIX, o Sri Lanka foi colocado sob dominação direta da
coroa britânica e não era uma
dependência da Campanhia das
Índias, que administrava as possessões britânicas na Índia.
É sob a dominação britânica
que se cristaliza a oposição entre a minoria tâmil e a maioria
cingalesa. Os colonizadores utilizam a arma da divisão e jogam
uns contra os outros. Por vezes
consentiam um lugar privilegiado
aos tâmeis na administração. Por
outras, apagavam com o poder da
caneta toda garantia à minoria
tâmil, como no estatuto de 1931.
Soma-se a isso que o desenvolvimento das plantações de
chá vai atrair uma imigração
considerável de tâmeis indianos, que compõem uma mão-
2 - Ver Sri Lanka, por Eric Meyer (A Documentação francesa - “La Documentation française”).
3 - Alusão ao Ulster (Irlanda do Norte), separado do resto do país, em 1921,
e tornando-se possessão britânica.
88
François Forgue
o cingalês foi em seguida proclamado como a única língua
oficial. Mais tarde, em 1972, o
budismo foi instituído como
“religião do Estado”.
Sama Samaja Party (LSSP) (4).
De imediato, esse partido antiimperialista busca se construir
no seio da classe operária. Seus
militantes – eles serão aproximadamente 3000 em 1940 –
participam da criação de sindicatos operários e estão à frente
de inúmeras greves. Em março de
1936, eles elegem dois membros
da Assembléia consultiva criada
pelo imperialismo britânico. A
partir desse desenvolvimento
e de suas experiências, os dirigentes do LSSP se voltam para o
marxismo. Participam dos debates sobre a “revolução por
etapas”, sobre a “Frente Popular”, etc., e alguns dentre eles tendem a se aproximar das posições
de Leon Trotsky e do movimento
pela 4ª Internacional (5).
A constituição e o
desenvolvimento
do LSSP
O desenvolvimento do Sri
Lanka sob dominação colonial
tem como resultado um desenvolvimento de grandes “plantations” (o Sri Lanka é, ainda hoje,
o terceiro exportador de chá
do mundo). 85% do proletariado rural que estava empregado
nessas plantações era de origem tâmil indiana. Ao mesmo
tempo, o desenvolvimento das
infra-estruturas necessárias aos
colonizadores, como as diversas indústrias exportadoras (em
particular a borracha) resultaram na constituição de um proletariado industrial integrado,
nas mesmas proporções, por
tâmeis e cingalêses.
Um historiador do movimento operário no Sri Lanka,
Charles Wesley Ervin, observa
que “um dos pontos fortes do
primeiro período do LSSP era
sua orientação em direção aos
tâmeis, o coração do proletariado do Sri-Lanka”.
Em 1935, jovens intelectuais
do Sri Lanka, muitos formados em Londres, criam o Lanka
Sobre esse assunto um militante do LSSP explica: “Numa
4 - Sama Samaja significa ao mesmo tempo igualdade e socialismo.
5 - Sobre a formação e desenvolvimento do LSSP, ver “Le trotskysme au Sri Lanka”
(O trotskismo no Sri Lanka), por Jean-Marc Schiappa, em “A Verdade” nº 27,
abril/maio de 2001.
89
Qual “paz” no Sri Lanka?
sociedade na qual as relações de trabalho assalariado
co-existem com restos do feudalismo, onde existiam classes, castas, divisões comunitárias e religiosas e onde as classes sociais
eram ao mesmo tempo estrangeiras e locais, as palavras de ordem
importantes eram a liberdade,
igualdade e a reforma social.”
se tornou um Estado independente, o LSSP se erguerá como
a principal organização política
operária da ilha, desenvolvendo-se em todos os terrenos e obtendo uma vasta representação
parlamentar. O LSSP era, então,
seção da 4ª Internacional, o que
não significava que era uma organização homogênea. Mas sua
direção, nessa época, se colocava claramente sob o terreno
da igualdade de direitos, recusando toda discriminação, combatendo pela legalização dos
tâmeis indianos e pela unidade
da classe operária com base
em suas reivindicações, única
força a garantir a constituição
democrática da nação do Sri
Lanka unificando suas diferentes componentes.
Em 1940, o LSSP, numa conferência nacional, expressa sua
desconfiança em relação à 3ª Internacional stalinista. Quando
se desencadeia a segunda guerra
mundial, os dois deputados do
LSSP votam contra os créditos
de guerra. Mas é somente em
abril de 1941 que uma conferência realizada na clandestinidade
afirmará a “solidariedade do
LSSP com a 4ª Internacional”.
Os desenvolvimentos no Sri
Lanka confirmam mais uma
vez o que explicou Léon Trotsky
quando escrevia que “nem uma
única etapa da revolução ‘burguesa’ pode ser resolvida num
país atrasado sob a direção da
burguesia nacional”. A burguesia cingalêsa, submissa ao imperialismo, para estabelecer sua
própria dominação política estabelecia uma opressão particular
em relação à minoria tâmil (os
elementos da pequena burguesia tâmil, por sua parte, somente
Sob as condições da guerra,
depois que o LSSP foi colocado
na ilegalidade, com vários de
seus dirigentes presos e outros
forçados a se exilar na Índia, o
vínculo com a política da 4ª Internacional será afirmado claramente, com a participação de
alguns quadros vindos do Sri
Lanka na construção de uma organização trotskista na Índia.
Depois da 2ª Guerra Mundial e depois que o Sri Lanka
90
François Forgue
formulavam suas reivindicações
em termos “comunitários”, depois, mais tarde, em termos
separatistas). Somente uma organização situada no terreno da
luta de classes operária poderia,
como o declara em 1955 o LSSP,
“se opor ao comunitarismo, seja
ele majoritário ou minoritário”,
e exigir que seja dada “à língua
tamil paridade como língua oficial junto com o cingalês”.
da classe operária, o LSSP será
igualmente levado à renunciar o
combate pela democracia, pela
igualdade de direitos.
Esse desmoronamento político do LSSP terá enormes consequências não somente no Sri
Lanka – abordaremos mais
adiante -, mas também para as
organizações que se reclamam
do trotskismo na Índia e, mais
do que isso, para toda a Ásia.
O partido político da burguesia cingalêsa durante a independência, o United National
Party (UNP – Partido da Unidade Nacional), se divide, dele
surgindo o Sri Lanka Freedom
Party (SLFP – Partido Liberdade
de Sri Lanka), partido que se
apresenta como anti-imperialista e, ao mesmo tempo, acentua
a defesa do lugar privilegiado da
maioria cingalêsa, negando os
direitos da minoria. É esse partido que vai exigir o reconhecimento da língua cingalêsa como
a única língua oficial e, mais
tarde, um status privilegiado
ao budismo. É a política desse
partido que o LSSP combate.
Mas em 1964, no fim de um processo de degeneração rápida e
profunda, o LSSP formará um
governo de coalizão com esse
partido. Capitulando, assim, em
relação à independência política
Esse desmoronamento procede de certos fatores internos
próprios do LSSP mas é inexplicável fora da crise da 4ª Internacional e do papel desenvolvido pelo centro liquidador
de Pablo e de Mandel.
Nos limites deste artigo, não
é possível retomar o conjunto do
processo político que resulta na
capitulação do LSSP. Nós daremos somente alguns elementos
nos apoiando notadamente no
artigo “O trotskismo no Sri Lanka”
ao qual nos referimos mais acima.
O LSSP, desde sua formação,
foi um partido que continha em
seu seio grandes contradições.
Ele constituía, sobretudo nos seus
primeiros anos, um agrupamento
lutando contra a dominação colonial e se apoiando sobre as lutas
da classe operária e dos campone91
Qual “paz” no Sri Lanka?
As consequências da
crise da 4ª Internacional
ses, sem, no entanto, definir uma
política clara correspondente aos
seus objetivos. No seio do LSSP, se
desenvolveu uma fração – de fato,
um certo número de dirigentes –
se reclamando mais precisamente
das posições do Leon Trotsky. Nas
condições do início da Segunda
Guerra mundial, esses dirigentes
puderam mobilizar os militantes
do partido contra o stalinismo,
rompendo com ele, sem que isso
tenha significado uma homogenização interna do partido.
Naquele momento, a 4ª Internacional sustentava aqueles
que se opunham à constituição
do Estado do Sri Lanka, mas
sem fazer disso uma questão de
princípio e, em janeiro de 1948,
numa declaração, ela ressaltava, antes de tudo, “a vitória
eleitoral dos trotskistas no Sri
Lanka”, colocando, assim, no
mesmo plano, aqueles que se
opunham à falsa independência
e aqueles que se abstiveram.
Os elementos mais avançados
do LSSP, banidos da ilha pelas
autoridades coloniais e enviados à
Índia, tiveram um papel central na
constituição da seção indiana da
4ª Internacional e nas posições tomadas durante a revolta de agosto
de 1942 contra o imperialismo
britânico.
Mais grave ainda, essa mesma declaração tira do sucesso
eleitoral daqueles que se reclamam trotskistas a conclusão de
que “é possível, ao menos nos
países coloniais, contornar o
obstáculo do stalinismo e da
social-democracia traidores”.
No fim da guerra, quando esses
dirigentes voltam ao Sri Lanka,
as contradições no seio do LSSP
emergem. O partido chegou a sofrer uma cisão (entre 1944 e 1950)
que fez com que o grupo parlamentar eleito sob a bandeira do LSSP
tenha se dividido no momento
do voto sobre a independência
outorgada: os deputados da seção
da 4ª Internacional votaram contra o governo estabelecido e os dissidentes se abstiveram.
Em 1951, o Terceiro Congresso mundial da 4ª Internacional
é aquele da ofensiva liquidadora
conduzida por Pablo que resultou numa crise desagregadora.
Em relação ao Sri Lanka, o informe de Michel Pablo afirma:
“Nossa
organização
está discutindo com o PC
desse país para fechar
uma frente única com vistas nas próximas eleições
92
François Forgue
(…) abrindo uma via a
um governo de partidos
operários.”
situação na qual, como afirma
a direção do LSSP, “em regiões
inteiras, o conflito chegou a um
nível de rebelião”.
A frente única é então vista sob
o ângulo unicamente eleitoral e o
PC é definido como um “partido
operário”, sem outra precisão, e
então colocado no mesmo plano
que o LSSP. Alguns meses mais
tarde, a direção internacional de
Pablo dizia ao LSSP:
Mas, ainda uma vez, não
podemos separar o que se passa
no Sri Lanka da crise da 4ª Internacional. A direção do LSSP,
com oscilações e reservas, tinha
aceitado as decisões do Terceiro Congresso. Mas Pablo dá
seu apoio aos elementos mais
pro-stalinistas do LSSP, impulsionando assim sua liquidação,
como ele tentou fazer com o
SWP nos Estados Unidos.
“O poder está na mão de
vocês, não daqui a dez anos,
mas imediatamente, em
alguns anos, senão neste
ano mesmo”, por meio da
constituição de uma “maioria parlamentar”.
Quando, em 1953, se constitui o Comitê Internacional da
4ª Internacional, a direção do
LSSP se recusa a se associar a
esse agrupamento, que se organiza com base na defesa do
programa da 4ª Internacional
e rejeitando o pablismo. Ela
denuncia a “Carta aberta aos
trotskistas do mundo inteiro”,
do SWP, que chama à luta
contra o revisionismo liquidador de Pablo e Mandel como
sendo um ato divisionista.
Essa orientação ficará mais
precisa com a cisão do partido
burguês no poder, UNP, que dá
nascimento ao Sri Lanka Freedom Party (SLFP): a maioria parlamentar sonhada pelo Secretariado Internacional (SI) de Pablo
se torna uma maioria SLFP-PC
stalinista e LSSP. Apesar das
previsões otimistas de Pablo é o
UNP que ganha as eleições. Face
à sua política, os trabalhadores
reagem, com uma greve geral, no
dia 12 de julho de 1953, contra o
aumento vertiginoso do preço do
arroz. O LSSP tem um papel fundamental nesse combate, numa
Essa atitude vai ser decisiva
para a evolução do LSSP no
período seguinte. Com o apoio do
SI de Pablo, depois das eleições
de 1956 que levaram o Sri Lanka
93
Qual “paz” no Sri Lanka?
Freedom Party ao poder, o LSSP
assume uma política de “cooperação responsável” com o governo. E é justamente esse governo
que vai atiçar a oposição entre
a maioria cingalêsa e a minoria
tâmil proclamando o cingalês
como única língua oficial na
ilha, em contradição com toda
política anterior do LSSP.
consequentemente, de promover soluções democráticas
aos problemas existentes no
Sri Lanka.
O significado dessa liquidação se exprimiu no fato de que,
em 1971, toda uma fração da
juventude, levada ao limite pelos resultados catastróficos do
governo do LSFP, constitui uma
organização, o Janata Vimukthi Peramuna (JVP) – Frente
de Libertação do Povo -, que se
inspira largamente na luta revolucionária cubana e se engaja na
via da insurreição; nessa época,
o LSSP sofria uma repressão selvagem por parte do governo.
A via está então aberta à
desconstrução política do LSSP
que vai ocorrer em 1964. Após
as negociações com o governo
do SLFP dirigidas pela senhora
Bandaranaïke, os dirigentes
do LSSP entram num governo
burguês. É então – e só então
– que a direção Pablo-Mandel, esquecendo tudo o que ela
mesma fez para levar o LSSP
nesse caminho, condena tal
política. O desmoronamento
do LSSP, indissociável da crise
da 4ª Internacional, tendo em
conta a influência desse partido e de seu prestígio em toda
a Ásia, teve conseqüências
profundas sobre todo o movimento operário do continente.
As mais graves conseqüências
também se verificaram no
desenvolvimento político do
próprio Sri Lanka. Deixou de
existir um partido que exprimisse a independências da
classe trabalhadora e capaz,
Igualmente grave é o fato de
que em nome da colaboração
governamental, o LSSP aceita
a discriminação contra os tâmeis. Os acontecimento trágicos
destes últimos meses, o impasse
que eles demonstram são inexplicáveis se não é levada em conta essa falência política, produto
da crise da 4ª Internacional.
Um conflito ritmado
pela intervenção
estadunidense
A situação atual é resultado
claro da intervenção cada vez
mais direta do imperialismo es94
François Forgue
tadunidense, utilizando e manipulando os problemas reais
– como o problema tâmil – para
assegurar sua hegemonia.
novo ambiente constitucional que poderá servir de
exemplo para outros conflitos no sul da Ásia.
Um discurso do embaixador
dos Estados Unidos no Sri Lanka
resume a visão e as perspectivas
do imperialismo estadunidense
em relação ao país:
O Sri Lanka poderá
rapidamente se tornar um
país no qual os rendimentos se situarão num patamar médio, ele poderá se
tornar o Cingapura do sul
da Ásia.
“Nós começamos a reexaminar nossas relações
com o Sri Lanka agora
que a política desse país
se afastou das posições
do movimento dos países
não-alinhados e renunciou
a todas as experiências de
caráter socialista, reabrindo sua economia. Então,
nossas relações bilaterais
melhoraram.
Existem no Sri Lanka
imensas
oportunidade
para o comércio estadunidense e para os investimentos estadunidenses em
tecnologias da informação,
indústria leve, agro-indústria, turismo, joalheria e no
desenvolvimento de infraestruturas como os portos,
os aeroportos, as telecomunicações e a energia.
Os Estados Unidos tinha
uma certa simpatia pelos
tâmeis porque eles eram
claramente vítimas de
uma discriminação. Mas
terroristas se utilizaram
disso e adoptaram meios
e métodos que nós condenamos(...). Nós continuamos
a considerar o LTTE como
uma organização terrorista (…). No entanto, o atual
processo de paz oferece a
possibilidade de criar um
As empresas estadunidenses negligenciaram
o Sri Lanka, mas existe
aí um mercado de 19 milhões de pessoas, na porta
de um mercado de mais
de um bilhão.
O Sri Lanka é o único
país a ter assinado um
acordo de livre comércio
com a Índia. Eu prevejo
um forte aumento de inves95
Qual “paz” no Sri Lanka?
timentos estadunidenses
com o fim da guerra.”
dos que retomem as negociações de paz (…). Nossa
posição sobre o LTTE não
mudou. Ele precisa entender que nós estamos
disponíveis ao diálogo se
ele renunciar à violência.
Essa declaração do embaixador estadunidense foi feita um
ano depois de estabelecido um
cessar-fogo entre o governo do
Sri Lanka e o LTTE, promovido pela Noruega, ajudado por
países doadores, constituído notadamente pelos Estados-Unidos, Estados da União Européia
e o Japão.
A economia do Sri Lanka parece ter resistido aos
efeitos do tsunami melhor
do que poderíamos imaginar. Ainda assim, a vasta
tragédia humana terá
obrigatoriamente efeitos
negativos sobre a economia. E mais, com uma tal
devastação, surgirão déficits difíceis durante a reconstrução. Os Estados Unidos
querem ser parceiros do Sri
Lanka durante esse período.
O que esta declaração diz
claramente é que o LTTE, ontem organização terrorista, se
tornou um parceiro “aceitável”
para presidir uma “solução” que
poderá servir de exemplo para
todo o sul da Ásia. Nós vemos
aparecer aqui, além do Sri Lanka, a ameaça em direção à Índia,
onde existiam também, sob a
base de problemas lingüísticos,
organizações separatistas.
Os Estados Unidos são
um cliente essencial para
as exportações do Sri Lanka (…). É vital que o Sri
Lanka continue a avançar
no domínio das reformar
econômicas.”
A mesma visão estratégica
será expressa dois anos mais tarde pela sub-secretária de Estado
estadunidense Christina Rocca,
depois do tsunami. Ela disse:
Esta última frase resume os
objetivos da política estadunidense no Sri Lanka. A economia “aberta” que é aqui ressaltada, é aquela fundada na
privatização de todas as empresas e de todas as atividades
“Nós esperamos que o
governo e o LTTE se entendam rapidamente para
estabelecer um mecanismo
comum de ajuda pós tsunami. Nós pedimos a to96
François Forgue
que haviam sido colocadas sob
a tutela do Estado. É a política
de roubo do país por meio da
dívida. Quaisquer que sejam
os governos sucessores (uns
constituídos ao redor do UNP,
outros ao redor do LSFP), é esta
política que terá que ser seguida. Ela compreende a criação de
zonas especiais de exportação,
liberando os investidores que
ali se instalarem de todo tipo de
imposto e de todo respeito às
leis trabalhistas. As leis do Sri
Lanka não se aplicam no que
se refere à liberdade sindical:
os sindicatos são impedidos de
atuar nessas zonas. A primeira
zona especial de exportação foi
instalada em 1978, seguida por
várias outras. As condições especiais dessas zonas serão estendidas, a partir de 1992, a todas
as empresas voltadas à exportação, não importando sua localização geográfica.
sas visitas de oficiais superiores
estadunidenses. O tsunami de
2004 deu, em nome da ajuda
humanitária, o pretexto para
uma presença ostensiva da frota
estadunidense na região.
A política de “reformas”, quer
dizer de privatizações e de instalação de multinacionais, leva ao
agravamento da discriminação
e da opressão específica da minoria tâmil. As regiões “reconquistadas” são objeto de uma
“limpeza étnica” que facilita a
implantação de zonas onde a legislação trabalhista não se aplica
e onde os direitos sindicais são
destruídos. É na região leste,
precisamente em torno do porto
de Trincomalee, que o governo
do Sri Lanka quer constituir uma
nova zona econômica especial.
Em 16 de junho de 2007, o
governo anunciou que os distritos de Matur East e de Sampur (na região do Trincomalee)
foram considerados como zonas de “alta segurança”. Ao
mesmo tempo, está previsto
instalar nessa região uma zona
econômica especial de 675 Km²
de extensão. Os 50.000 tâmeis
que tinham deixado a região durante os combates não seriam
autorizados a retornar.
O controle das riquezas do
país, por meio da dívida e pela
criação de “zonas de exportações
especiais”, é acompanhado por
objetivos militares determinados pelo lugar estratégico do Sri
Lanka. A grande base militar de
Trincomalee, situada na região
costeira da ilha, tem, nestes
últimos anos, recebido numero97
Qual “paz” no Sri Lanka?
Essa é a região na qual o restabelecimento do poder central
foi facilitado pela passagem para
o campo governamental de toda
uma parte da direção do LTTE.
Qual será o destino dos 250.000 a
300.000 tâmeis que tiveram que
fugir do norte durante os recentes
e terríveis confrontos militares?
Ceylan Electricity Board. Em
março de 2003, sob um governo
UNP, milhares de trabalhadores
se manifestaram contra os planos de reestruturação. Em 2005,
eles se manifestaram novamente,
pelo mesmo motivo, mas desta
vez contra um governo do SLFP e
do JVP. Mas essa luta constante
carece de uma saída política.
A resistência
dos trabalhadores
A ausência de perspectiva
política é um fator que marca
toda a história das lutas sociais
e políticas no Sri Lanka depois
do desabamento do LSSP. A miséria, a ausência de empregos
empurra a juventude à revolta.
Mas essas revoltas da juventude
são enquadradas por organizações que não se situam no terreno da classe trabalhadora.
Por meio de um combate incessante, a classe trabalhadora vai
se opor a essa política. Greves vão
impor ao patronato concessões
em alguns setores. A vontade de
organização dos trabalhadores
das zonas especiais de exportação
vai impor às vezes o reconhecimento de organizações sindicais.
Não só em 1971, mas novamente em 1987, o JVP estará
na cabeça de uma verdadeira
insurreição que toca sobretudo
o sul do país. A repressão organizada pelo governo e o exército
será mais uma vez feroz: dezenas de milhares de mortos em
alguns meses. Mas anos depois,
em 2004, vamos encontrar a
direção do JVP associada a um
governo do SLFP cuja política
não é fundamentalmente diferente daquela do governo UNP.
Ao contrário, esse governo SLFP
O Sri Lanka vive uma alternância de governo, dirigido
às vezes pelo UNP, às vezes pelo
SLFP, com o apoio, num certo
momento, do JVP. Esses governos mantém, no essencial,
a mesma política econômica,
contra a qual se ergue a classe
tra-balhadora, não importando
qual seja o governo. É assim, por
exemplo, que os trabalhadores
do setor de energia resistiram
aos planos de reestruturação
– que levava à privatização – da
98
François Forgue
sideramos que somente a
democracia pode trazer a
paz. Enquanto nós nos esforçamos para desenvolver nosso país como um país
multi-cultural, multi-étnico e multi-religioso, nós
esperamos que os Estados
Unidos sigam na via que
tomaram depois da segunda guerra mundial quando
ajudaram a substituir os
ditadores fascistas por democracias fortes.”
que associa a JVP segue a política da privatização dos governos
anteriores, como testemunha
seu programa intitulado “Uma
nova ordem econômica para
uma forte economia nacional”:
“Atualmente, o Sri Lanka sente falta de um mecanismo institucional para
facilitar a reestruturação
das empresas em dificuldade. Um serviço formado
por especialistas do setor
público assim como das
empresas privadas será
criado para ajudar na reestruturação das indústrias que poderiam ser transformadas em empresas
financeiramente viáveis.”
O texto do JVP continua
explicando que é preciso se
basear sobre “a plena igualdade
dos cidadãos” e não sobre uma
divisão territorial artificial baseada em princípios étnicos.
Que relação existe entre as
aspirações democráticas e revolucionárias dos jovens que se
lançam na luta à chamado do
JVP e a carta dirigida por sua
direção à Christina Rocca, vicesecretária de Estado do governo
Bush?
Certo, mas a realidade do Sri
Lanka, sustentada pelo imperialismo e aceita pelos diferentes
governos que se sucederam, não
é a da igualdade de direitos, mas
sim a da discriminação. Essa é a
situação que levou a juventude
tâmil a apoiar a ação armada.
“No seu discurso de
posse, o presidente Bush
disse: ‘A liberdade no nosso
país depende do sucesso da
liberdade nos outros países’
(...) Conforme o presidente
Bush, nós, do JVP, con-
O LTTE, tal como se constituíu ao longo dos anos, não
somente utilizou as revindicações legítimas dos tâmeis, mas
se impôs pela violência como a
única organização que falava em
nome do povo tâmil. A combi99
Qual “paz” no Sri Lanka?
nação da repressão com a situação crítica da grande massa da
população, seja ela cingalêsa ou
tâmil, além dos métodos da direção do LTTE, apartou da cena
política as diferentes organizações tâmeis que procuravam
uma solução unitária.
Nessas condições, o LTTE
acabou se tornando, como já foi
dito mais acima, o interlocutor
“válido” do imperialismo, realidade que é afirmada no cessarfogo de 2002 entre o governo
do Sri Lanka e o LTTE, cessarfogo concluído sob a égide da
Noruega, agindo em nome de
um agrupamento de países doadores nos quais encontraremos
os Estados-Unidos, a União Européia e o Japão.
Nos últimos anos, o tom dos
representantes do imperialismo
estadunidense se modificou. É
assim que, no dia 10 de janeiro
de 2006, diante de uma multidão de homens de negócios srilanqueses, enquanto a vaga de
violência se desenvolvia tanto do
lado do exército como do lado do
LTTE, o diplomata estadunidense Burns ameaçava o LTTE. Ele
indicava que os Estados Unidos
forneceriam ao exército do Sri
Lanka todos os meios necessários para enfrentar o LTTE ao
mesmo tempo que elogiava as
reformas econômicas iniciadas
pelo governo do Sri Lanka.
É à partir daí que o aspecto
militar do conflito se transforma
completamente. A província do
leste que estava sob o controle
do LTTE é reconquistada depois
de uma ofensiva do exército do
Sri Lanka. Mais tarde, o LTTE
será desagregado por uma cisão
de toda uma parte do seu aparelho militar e administrativo. Karuna, um dos grandes dirigentes
do LTTE, passa com armas e
bagagens – e com toda uma série de quadros da organização –
para o lado do governo, do qual
agora ele é um dos ministros.
O embaixador estadunidense,
Robert Blake, declara no dia 18
de dezembro de 2007:
“O Sri Lanka tem uma
oportunidade importante
de estabilizar o leste de
modo a mostrar a todos os
sri-lanqueses, particularmente aos tâmeis, que eles
têm um futuro brilhante
num Sri Lanka unido.”
Esse futuro, nós o vimos, é
aquele das zonas econômicas
especiais, é aquele dos deslocamentos de populações, de operações de limpeza étnica desti-
100
François Forgue
nadas a facilitar a implantação
de empresas imperialistas.
É nesse quadro que ocorre a
última ofensiva e a derrota relâmpago do LTTE. Ela não anuncia
nem a paz nem a reconciliação
no Sri Lanka. Os massacres perpetrados contra a população civil
nas zonas dos últimos combates
mostram bem que o objetivo essencial do governo não era assegurar a eliminação militar do
LTTE. Esses massacres prenunciam novos ataques contra a
população tâmil e seus direitos,
mas não somente contra ela.
A imprensa oficial do Sri Lanka repete que é chegada a hora de
fazer sacríficios para pagar o custo
da guerra. O governo do Sri Lanka é levado a pedir ajuda ao FMI
ao mesmo tempo que declara que
as despesas militares continuarão
a ser elevadas. Isso só pode conduzir ao aumento dos ataques
contra toda a classe trabalhadora
e à militarização da vida política
sob pretexto da luta contra o
LTTE, prelúdio de uma escalada
contra os direitos democráticos
e sindicais de todos os trabalhadores do Sri Lanka. O exército que
hoje se vangloria dos seus “êxitos”
é o mesmo que esmagou com um
banho de sangue as revoltas sociais de 1971 e de 1987.
Repetindo, os últimos acontecimentos no Sri Lanka não podem ser separados da política do
imperialismo estadunidense em
toda a região, e, claramente, de
desestabilização do Paquistão.
A luta dos trabalhadores do
Sri Lanka, dos trabalhadores cingalêses como dos trabalhadores
tâmeis, em outras circunstâncias históricas distintas da luta
contra o colonialismo britânico,
coloca novamente a questão que
foi central no desenvolvimento
do LSSP: a da sua unidade com
os trabalhadores de todo o subcontinente indiano.
A situação dramática na qual
está hoje mergulhado o Sri Lanka mostra de novo que a questão
da direção revolucionária está
no centro de todos os problemas. O desabamento do LSSP,
que completa agora meio século,
indissoluvelmente ligado à crise
da 4ª Internacional, é ainda hoje
um fator fundamental do desenvolvimento da luta de classes no
Sri Lanka, e, sob outras formas,
isso é verdade para todo continente asiático.
A experiência dos últimos
anos mostrou que, mesmo nas
circunstâncias mais difíceis, a
classe trabalhadora do Sri Lan-
101
Qual “paz” no Sri Lanka?
ka procurava resistir, ela combatia. É a partir desse combate
que podem ser encontradas as
tradições da luta democrática e
revolucionária que haviam sido
encarnadas no LSSP. Trata-se
de uma questão na qual está em
jogo o próprio combate pela 4ª
Internacional.
O Programa da Revolução
• Manifesto do Partido Comunista
Marx e Engels
• Teses de Abril
Lênin
• Programa de Transição
Leon Trotsky
Coleção Estudos Revolucionários
EncomenDas e informações
[email protected]
102
Documento preparatório do
47º Congresso da Secção
francesa da 4ª Internacional
Tradução: Joaquim Pagarete (Portugal)
O 47º Congresso da Secção Francesa da 4ª
Internacional terá lugar a 26 e 27 de setembro
de 2009. O facto de se tratar do 47º Congresso
impõe desde já uma explicação.
O 1º Congresso da Secção Francesa da 4ª Internacional, unificando os diferentes grupos
que se reclamavam do trotsquismo em França, teve lugar em 1944, no último período da
2ª Guerra Mundial, num momento em que a
maior parte da Europa Ocidental se encontrava
ainda sob a ocupação dos nazistas. Foi pois na
clandestinidade, face a uma repressão selvagem, que os delegados da Secção Francesa garantiram – através da sua actividade – que a 4ª
Internacional seria assegurada e que a sua continuidade seria preservada.
Apesar das dificuldades e dos erros, foi o combate travado desde então – bem como a vontade
de intervir na luta de classes, de se enraizar no
movimento operário sobre a base da defesa do
programa e dos princípios da 4ª Internacional
– que permitiram esta continuidade.
103
Documento preparatório do 47º Congresso...
Ela exprimiu-se nomeadamente em 19511952, no momento em que, face a uma ofensiva revisionista que desmembrou a 4ª Internacional como organização mundial unificada
– ofensiva cujo conteúdo político foi antes de
mais mascarar a burocracia estalinista com
uma missão histórica progressista –, a maioria da Secção Francesa rejeitou o revisionismo
liquidador.
Depois, o combate da Secção Francesa –
como componente das forças que, à escala internacional, permaneceram organizadas sobre
a base do programa de fundação da Internacional – nunca mais parou. Este combate tomou
diferentes formas para exprimir, permanentemente, o mesmo conteúdo fundamental:
A luta entre as classes fundamentais da sociedade prossegue sem cessar, tanto à escala nacional como à escala internacional. O que está
em jogo é a barbárie ou a derrota do sistema de
exploração capitalista fundado na propriedade
privada dos meios de produção, sistema hoje
em plena decomposição;
Só o combate dos trabalhadores pela sua
própria emancipação poderá assegurar uma
solução positiva a esta alternativa. Para alcançar estes objectivos, a classe operária tem necessidade do seu partido político, tanto à escala
nacional como internacional;
Se, para a 4ª Internacional e para os seus
militantes, este partido não pode em definitivo
ser fundado senão sob o programa da 4ª Internacional, as formas pelas quais se desenvolverá
este combate não poderão ser antecipadamente
previstas, e, em cada etapa da luta de classes,
104
Secção Francesa da 4ª Internacional
este combate combina-se com a acção o mais
larga possível para realizar a unidade dos trabalhadores e das suas organizações, tendo como
base as reivindicações dos trabalhadores.
Foi por este motivo que a Secção Francesa
– que pagou bem caro o papel que desempenhou na defesa da 4ª Internacional – se desenvolveu sempre com base no combate para
a reconstrução da 4ª Internacional, sob diversas formas e denominações (PCI, OCI, OCI [u],
PCI, Corrente Comunista Internacionalista do
Partido dos Trabalhadores e, hoje, do Partido
Operário Independente).
Actualmente, a secção da 4ª Internacional
em França é a Corrente Comunista Internacionalista (CCI) do Partido Operário Independente, fundado há um ano com militantes operários de diversas origens unindo-se sob o terreno
de independência de classe. Os militantes da 4ª
Internacional empenham todas as suas forças
na construção deste partido, convencidos de
que é nesta via que se pode construir o partido
revolucionário necessário à classe operária,
convencidos de que é preciso fazer tudo para
– em igualdade de direitos e deveres com todos
os outros militantes e componentes do Partido
Operário Independente – ajudar à sua consolidação e à sua organização, implantando-o no
seio dos combatentes da classe operária e das
suas lutas.
Portanto, a Secção Francesa da 4ª Internacional prepara o seu 47º Congresso em condições
marcadas pelo passo em frente na concretização prática do combate da 4ª Internacional que
representa a construção do Partido Operário
105
Documento preparatório do 47º Congresso...
Independente, em condições que, em França,
mas como consequência e componente dos desenvolvimentos mundiais, desembocaram na
criação imediata de uma situação de crise prérevolucionária, em transição para uma crise
revolucionária aberta, enquanto todas as forças
políticas ligadas à ordem burguesa agem no sentido de um desenlace contra-revolucionário.
O Partido Operário Independente, nomeadamente pela campanha que desenvolve pela
frente única, pela proibição dos despedimentos, está no coração desta batalha, que é um elemento central da preparação do 47º Congresso
da Secção Francesa da 4ª Internacional.
A direcção da 4ª Internacional adoptou, em
abril de 2009, um texto que foi publicado integralmente num boletim de discussão interno e
que constitui o ponto de partida da discussão
que iremos ter no 47º Congresso.
Foi decidido reproduzir grandes extractos
deste boletim neste número de “A Verdade”,
porque é evidente que os problemas que estão
a ser discutidos na Secção Francesa da 4ª Internacional são, fundamentalmente, os mesmos
que estão colocados a toda a Internacional. E
também porque – como explica a Carta de Convocação do 7º Congresso Mundial da 4ª Internacional (1) – os problemas em discussão no seio
da 4ª Internacional são os mesmos que estão no
centro dos debates realizados em todo o movimento operário.
1 – “A 4ª Internacional convoca o seu 7º Congresso mundial” (“A Verdade”,
nº 63, outubro de 2008).
106
Secção Francesa da 4ª Internacional
PRIMEIRA PARTE
Análise da situação actual
e as tarefas da secção
francesa da 4ª Internacional
1. Não se deixar
surpreender pelos
acontecimentos...
Um período de 60 anos termina. Um período bastante
maior do que os 20 anos que
separaram as duas precedentes
guerras mundiais, e que nos leva
à beira de uma crise comparável
àquelas que provocaram estas
duas tragédias.
É verdade que este período
não é o período de estabilidade
e harmonia de que nos querem
convencer, agora que estamos
no início de um novo cataclismo. A luta de classes nunca parou. E o mundo nunca conheceu
a paz, desde que terminaram os
últimos combates da 2ª Guerra
Mundial – a “Guerra Fria”, a
Guerra da Coreia, as guerras de
emancipação colonial, a Guerra
do Vietname, as “guerras étnicas” em África, a guerra sem fim
contra o povo palestiniano, a
guerra nos Balcãs, no Cáucaso, a
primeira e a segunda guerras no
Iraque, a guerra no Afeganistão,
no Paquistão etc.
Mas a parte ocidental do Velho Continente dilacerada pela 2ª
Guerra Mundial foi, contudo, reinserida numa nova divisão internacional do trabalho, no quadro
das relações sociais de produção
capitalistas preservadas (a que
preço), sob o controlo e a direcção incontestados do imperialismo dos Estados Unidos.
Foi a grandeza da vaga revolucionária que abalou toda a Europa que obrigou o imperialismo estadunidense a agir assim,
para preservar a ordem capitalista mundial. Uma vaga revolucionária que teve origem em
França, em Itália, na Grécia…
mas também na Europa Oriental (Polónia, Hungria, Checoslováquia) e em todos os Balcãs.
Uma vaga revolucionária que se
107
Documento preparatório do 47º Congresso...
desenvolveu no Leste na base do
afundamento dos regimes que
colaboraram com o nazismo e
que foi espartilhada, controlada
e depurada pela ocupação militar
soviética no quadro da aplicação
dos acordos de manutenção da
ordem assinados em Yalta, para
chegar à integração destes países
na “barreira” das “democracias
populares” controladas pela burocracia estalinista.
A revolução que se desenvolvia foi sabotada pelos aparelhos
estalinistas e sociais-democratas.
Contudo, ela conseguiu arrancar
conquistas sociais incompatíveis
com o sistema da propriedade
privada. É o caso, por exemplo,
da Segurança Social em França,
uma conquista que contribui
para dar ao movimento sindical,
responsável pela sua gestão – em
nome da classe trabalhadora
–, uma importância nas relações
com a burguesia que resultaram
desse facto; importância que não
estava prevista nem era querida
pela burguesia. Estas condições
determinaram todas as relações
sociais a partir de 1945. Desde o
início, a burguesia, denunciando
o carácter “totalitário” da Segurança Social, combateu para a
pôr em causa e, com a ajuda dos
estalinistas, impôs a sua participação na gestão da Segurança Social. A seguir, a burguesia nunca
mais desistiu de querer destruir
estas conquistas. O afrontamento que agora se agudiza, outra
vez, em relação à Segurança Social – e por trás dela contra todas as relações sociais fundadas
sobre o reconhecimento da independência das organizações da
classe operária – tende a abrir a
via, cada vez mais claramente, a
uma situação verdadeiramente
revolucionária.
Neste período de sessenta
anos que agora termina, o sistema capitalista foi várias vezes
profundamente abalado.
Há perto de quarenta anos,
os primeiros sinais do afundamento de todo o sistema mundial fundado sobre a propriedade
privada dos meios de produção
foram “travados” e “adiados”
pelo recurso maciço à economia
de armamentos e ao parasitismo, o que implica pôr em causa
as conquistas operárias (desregulamentações etc.) (2).
Há vinte anos, a queda do
Muro de Berlim – sob a acção
2 – “Luta de Classes e Mundialização”, por Daniel Gluckstein (edição em francês).
108
Secção Francesa da 4ª Internacional
das massas alemãs – e o afundamento da URSS, cujos fundamentos tinham sido minados
pela burocracia estalinista (veja
a este propósito a segunda
parte do texto), modificaram
profundamente o dispositivo de
manutenção da ordem mundial.
O conjunto do sistema capitalista está, de novo, à beira do
abismo.
Está a terminar o período dos
últimos sessenta anos, em que
as relações sociais – apesar dos
afrontamentos gigantescos entre as classes – foram contidas
num quadro determinado, em
primeiro lugar, em função do papel decisivo desempenhado pelo
aparelho internacional da burocracia estalinista do Kremlin e
perfeitamente secundado pela
social-democracia. Um quadro
que assenta, em grande parte,
na capacidade das direcções das
organizações da classe trabalhadora (em que os estalinistas e os
reformistas ocupam cada um o
seu papel) em preservar o sistema capitalista, necessitando
para isso de gerir as conquistas
da Libertação (após a 2ª Guerra
Mundial) e de arrancar as contrapartidas indispensáveis ao
próprio equilíbrio do sistema.
Se estas contrapartidas (Se-
gurança Social, reformas, seguro
de desemprego, Código do Trabalho, estatutos…) têm sido, todas, objecto de tentativas de as
pôr em causa – tentativas cada
vez mais violentas ao longo de
dezenas de anos –, uma nova
etapa está em vias de se iniciar. A
crise de afundamento do sistema
capitalista não deixa à burguesia,
praticamente, nenhuma margem
de manobra. E, apesar do pânico
que essa perspectiva causa no seu
seio, esta crise obriga-a a atacar
em todas as frentes. Para tal, ela
é obrigada a pôr totalmente em
causa o lugar que era atribuído às
organizações e às suas direcções
nas antigas relações sociais. Relações essas em que – sendo certo
que os aparelhos conseguiram
preservar o sistema – a pressão
das massas organizadas nas suas
organizações de classe pôde, contra as direcções, pelo preço de
uma batalha sem fim no seu seio,
travar a contra-ofensiva e ganhar
tempo para se preparar para os
novos confrontos inevitáveis.
É nestes combates permanentes (greve da Renault, greve
geral de 1953, combate contra a
tomada do poder por De Gaulle
em 1958, combates contra os decretos que visavam a reforma da
Segurança Social em 1967, greve
geral de 1968, combate pelo du-
109
Documento preparatório do 47º Congresso...
plo “não” ao referendo corporativista de De Gaulle em 1969…)
que os pequenos núcleos trotsquistas de onde viemos – que
fizeram as suas primeiras lutas
na vaga revolucionária da Libertação – se inscreveram, se
desenvolveram e se enraizaram
nas organizações de classe.
Em França, em 1958, o
bonapartismo gaullista empenhou-se numa profunda reorganização do seu dispositivo
– abalado pela perda do seu império colonial, provocada pela
mobilização dos povos coloniais visando a sua emancipação
–, tentando pôr em causa todo
o quadro das relações sociais
estabelecidas no pós-guerra,
para conseguir dar um passo na
via da instauração de um sistema corporativista, ao qual De
Gaulle, aliás, havia sido obrigado
a renunciar em 1945. Face à resistência da classe operária, embora privada pelos seus aparelhos dirigentes da possibilidade
de impedir o golpe de Estado,
De Gaulle foi obrigado a recuar.
Ele não pôs em causa as grandes
linhas do seu plano (instituições
da Vª República), mas, para
preservar as relações políticas
indispensáveis à continuidade
da colaboração dos aparelhos,
em virtude da resistência da
classe, foi obrigado a renunciar
a pôr em causa a independência
das organizações e a preservar
um “Parlamento” sem poderes.
Nenhuma corrente do movimento operário formulou, tão
clara e firmemente como a
nossa, o que estava em jogo na
batalha em torno da questão
do corporativismo e da independência de classe das organizações. Face a De Gaulle
– que tentava, de novo, após a
greve geral de 1968, retomar o
domínio da situação, submetendo a referendo uma proposta de
reorganização corporativista da
sociedade em torno de uma “câmara das profissões” –, a nossa
corrente ganhou, durante esses
dez anos, uma influência dentro das organizações de classe
que ultrapassou as suas forças
numéricas efectivas, tornandoa numa componente essencial
para a defesa da independência
de classe dessas organizações.
Seja na França, ou na GrãBretanha, ou na Alemanha…,
sob formas políticas e institucionais diferentes, essa estreita
colaboração entre as cúpulas do
movimento operário e o Estado
– cheio de tensões e de contradições – só pôde manter-se
enquanto a produção, drastica-
110
Secção Francesa da 4ª Internacional
mente reestruturada em várias
ocasiões, se manteve, ainda que
num processo de declínio das
forças produtivas, atingindo todos os países.
Mas hoje, é de outra coisa
que se trata…
Todo o sistema produtivo
“mantido” ou “reestruturado” e
monstruosamente deformado
pelo quadro oficialmente designado por “mundialização” (3)
– que corresponde aos últimos
reajustamentos da divisão internacional do trabalho, decididos
pelo capital financeiro – se afunda como um castelo de cartas,
arrastado pelo desabar de todo
o sistema financeiro, expressão
do parasitismo de um modo de
produção destruído pela queda
da procura à escala do mercado
mundial (veja a este propósito
a Declaração do Comité Central da Organização Comunista
Internacionalista, de agosto de
1971, que voltou a ser publicada
na Verdade nº 58).
A sobrevivência (literal) de
milhões de homens e de mulheres, em França como em toda
a Europa, pela primeira vez
depois da 2ª Guerra Mundial,
depende exclusivamente da
capacidade da classe operária
em desenvolver, como nunca
dantes, a sua luta de classe. Uma
luta de classe que não poderá
circunscrever-se ou ser espartilhada no quadro que “organizou”, umas vezes melhor, outras
pior, as relações sociais do pósguerra.
É neste sentido que é necessário compreender que a selecção de centenas de quadros
operários trotsquistas, forjados
no decorrer destes anos, é chamada a desempenhar, politicamente,
um papel fundamental.
2. Todos os elementos
convergem para conduzir de uma situação de
crise pré-revolucionária
à abertura de uma crise
revolucionária
(Aqui, o texto analisa o modo
como a crise mundial desmantela o dispositivo político supranacional da União Europeia e
incide sobre o significado da reunião do G-20, questões às quais
é consagrado um artigo neste
número de “A Verdade”).
3 – Mundialização: no Brasil, usa-se mais comumente a palavra “globalização” (NdE).
111
Documento preparatório do 47º Congresso...
3. A crise atinge todos
os partidos e todas as
formações políticas que
se subordinaram (sob
qualquer forma) às
instituições da União
Europeia, à defesa da
propriedade privada dos
meios de produção…
Não se tratando de um fenómeno novo, toma agora uma
amplitude nova.
O lento processo de liquidação dos partidos, minados
pela lógica implacável das
instituições bonapartistas da Vª
República e pela subordinação à
União Europeia – o que põe em
causa as posições da classe dominante francesa, as suas instituições e partidos –, está em vias
de iniciar uma etapa decisiva.
Do lado dos partidos da burguesia, o partido “militar” por
excelência (para fazer referência
ao termo utilizado para qualificar um deputado que segue,
sem discutir, as directivas de
voto do seu partido; neste caso,
um partido que obedece ao governo sem discutir; De Gaulle
era fã deste termo para designar
o seu próprio grupo político),
organizado exclusivamente para
servir à política do presidente
bonapartista, está cada vez mais
dilacerado pelo impasse no qual
Sarkozy se afunda.
O descrédito que toca o presidente – o mais omnipresente e
omnipotente que a Vª República
já conheceu – paralisa as chefias. A sua incapacidade em influenciar os acontecimentos que
destroem os próprios alicerces da
existência deste país vira-se contra ele e abre a porta a grandes
ambições de uns e de outros.
“À esquerda”, o PS – já há
décadas privado da sua vocação
de partido parlamentar, pela
Constituição da Vª República,
e, depois, pela subordinação
destas instituições às decisões da
União Europeia – não consegue
recuperar do golpe crucial que
lhe foi desferido pela política de
Jospin. De crise em crise, entrou
num processo de destruição, no
qual o abandono de Mélenchon e
do seu Partido de Esquerda não
representa senão uma primeira
manifestação (uma outra manifestação, fundamental, é a trajectória de Ségolène Royal, com
o seu clube, a sua autonomia financeira etc.).
O Partido de Esquerda (PE)
escolheu as eleições europeias
do próximo dia 7 de junho para
112
Secção Francesa da 4ª Internacional
o seu lançamento. Decidiu utilizar todas as suas forças numa
“frente de esquerda” com o PCF
para tentar salvar a União Europeia e as suas instituições,
em nome do combate para a
construção de uma Europa social apoiada, politicamente, no
Parlamento Europeu, e, socialmente, na acção da Confederação Europeia dos Sindicatos. O
desmantelamento da União Europeia e a revelação clara da sua
verdadeira natureza – exclusivamente orientada para a defesa
dos banqueiros e dos especuladores – ameaçam gravemente
a tentativa de Mélenchon e dos
seus amigos (4).
O PCF, marginalizado pela
sua política de subordinação à
ordem mundial materializada
na União da Esquerda e utilizado por Mitterrand, desconsiderado pela sua participação no
governo de União da Esquerda
e atingido, há vinte anos, pela
queda da burocracia estalinista
do Kremlin, não para de se desfazer, apesar de todas as tentativas para se manter. M.-G. Buffet,
que escolheu a “frente de esquerda” com Mélenchon, não consegue conter nem os processos
de desagregação, nem de diferenciação, testemunhados por
exemplo pela iniciativa de André
Gérin, presidente da Câmara de
Vénissieux, que recentemente se
insurgia – nas colunas do jornal
“L’Humanité”(5) – contra a liquidação do Partido Comunista,
decorrente, para ele, da recusa
da direcção do PCF em romper
com a União Europeia.
Se este processo de desmantelamento e de atomização dos
grandes partidos tradicionais que
se reclamam da classe operária
e dos seus valores (mesmo se
isto não se exprime, para todos
eles, senão por referências cada
vez mais longínquas) esconde
qualquer perspectiva imediata
de iniciativa política visando a
tomada do poder por um bloco
destes partidos – o que constitui
um trunfo essencial para o partido que está no poder –, também coloca um problema.
Perante a formidável desafectação em relação aos partidos
4 – O Partido de Esquerda é uma formação nascida de certos elementos do Partido Socialista que fizeram uma aliança eleitoral com o PCF, com a sigla “frente
de esquerda”
5 – “L’Humanité” – jornal do Partido Comunista Francês.
113
Documento preparatório do 47º Congresso...
tradicionais da classe operária –
numa situação que vai conhecer
um potente desenvolvimento na
luta de classes, criando um espaço propício à construção de
um verdadeiro partido operário
independente –, o sistema capitalista tem necessidade, custe
o que custar, de organizar uma
“alternativa”.
É aqui que intervém o NPA.
A mediatização que antecedeu
o seu lançamento não tem precedentes e ultrapassa desde já
a de Le Pen, empreendida por
Mitterrand no seu tempo, com
um objectivo simetricamente
oposto.
Relembremos o que escrevemos “na abertura do 7º
Congresso Mundial da 4ª Internacional”, texto adoptado pelo
Conselho Geral em outubro de
2008:
“As organizações do Secretariado Unificado ocupam um novo lugar. Doravante, elas constituem um
obstáculo directo à luta de
classes e à revolução proletária. Neste sentido, não se
pode falar mais em centrismo reaccionário. Este novo
lugar do pablismo resulta
de uma combinação de fac114
tores: os aparelhos tradicionais estão em crise e veem
diminuída a sua influência
sobre a classe operária;
mas, na medida em que a
questão da independência
da classe operária é colocada com força por todos
os processos vivos da luta
internacional de classes, e
também na medida em que
as forças da 4ª Internacional (quaisquer que sejam
os seus limites) são levadas
a desempenhar um papel
fundamental para ajudar à
preservação da independência de classe das organizações operárias, e, por este
facto, no reagrupamento
político sobre um novo eixo
– por todas estas razões,
o imperialismo tem necessidade imperiosa em erigir
o Secretariado Unificado
como pretensa 4ª Internacional, directamente ao serviço da contra-revolução.
(…) Em França, a operação ‘NPA’ de Besancenot foi
desde o início servilmente
decalcada, à medida em que
o tempo decorria, em relação à construção do Partido Operário Independente.
Em cada etapa, as iniciativas tomadas para construir
Secção Francesa da 4ª Internacional
um Partido Operário Independente têm a sua contrapartida na operação ‘NPA’.
Mas a operação ‘NPA’
situa-se explicitamente no
quadro do respeito pelas
instituições da União Europeia, ao passo que o Partido Operário Independente
se pronuncia pela ruptura;
enquanto o ‘NPA’ está explicitamente no terreno da
atomização das organizações operárias, o Partido
Operário
Independente
pronuncia-se pela sua defesa; enquanto o ‘NPA’ agiu
explicitamente para a divisão das fileiras operárias,
o Partido Operário Independente combate pela
frente única. E é por isso
que o ‘NPA’ beneficia do
suporte aberto, público e
directo da Presidência da
República e dos media ao
seu serviço, ao passo que o
Partido Operário Independente, por razões evidentes, é objecto da hostilidade
e do ostracismo que todos
conhecem.”
A profissão de fé – centos
de vezes repisada pela direcção
pablista contra-revolucionária
(indo até ao fim da sua linha de
orientação) – de “ruptura com
o velho movimento operário e a
sua história” forneceu o quadro
de actividade deste “partido”,
que se virou, portanto, com toda
a lógica, para um vasto amontoado da “radicalidade”, juntando
partidos, sindicatos, associações
e ONGs numa frente “políticosocietal” centrada sobre a repartição da riqueza, o meio ambiente e a Europa social.
4. O dilaceramento
das direcções das
confederações sindicais
Se é evidente que as direcções
das confederações se esforçam –
cada uma ocupando o seu lugar,
mas com Bernard Thibault e a
direcção da CGT a desempenharem o papel central – por “gerir,
ao longo do tempo, a avalanche
geral” (“Le Monde”, 14 de março),
a sua estratégia está a mostrarse, mais uma vez, mais difícil do
que elas imaginavam. Tal como
aconteceu em 1995, e depois em
2003…, os dois últimos apelos a
uma jornada inter-profissional
– com greves e manifestações –
dos passados dias 29 de janeiro
e 29 de março, longe de terem
conseguido acalmar os ânimos,
foram aproveitados pela classe
operária para se erguer, com as
suas organizações, e exprimir a
115
Documento preparatório do 47º Congresso...
vontade ultra-maioritária de encontrar os meios para fazer ceder
este governo.
nhar o seu papel se não conservarem a sua capacidade para canalizarem as massas trabalhadoras.
No momento em que estamos
a escrever este artigo, não é perceptível nenhum refluxo. E daí a
hesitação das direcções sindicais
em anunciar o seguimento da
acção, imediatamente após a de
19 de março, e o adiamento de
qualquer decisão clara para 31
de março. É a aspiração da classe
trabalhadora em tomar em mãos
as suas organizações, e em pressionar as suas direcções, que constitui o aspecto dominante nesta
primeira fase da gigantesca mobilização que está a amadurecer.
É este o cerne do problema.
Isto constitui a verificação
incontestável de uma das leis
fundamentais do desenvolvimento da luta de classes, oportunamente recordada por Leon
Trotsky no capítulo do Programa
de Transição dedicado aos “sindicatos na época de transição”.
Se, de novo, não existem dúvidas de que todas as direcções
– angustiadas pelo cataclismo
em que a crise mergulha toda a
sociedade – vão tentar tudo para
conseguir defender o sistema da
propriedade privada dos meios
de produção, também é verdade
que elas não podem desempe-
E dizer que nesta altura os
aparelhos não têm poder para
fazer recuar as massas, de forma
duradoura, não quer dizer que
será sempre assim. A História
está cheia de exemplos nos quais,
depois do apogeu de um movimento, a sabotagem, ou mesmo
uma “indeterminação” criminosa
das direcções, podem provocar o
desmoronamento da mobilização.
É por isso que nunca devemos
esquecer o laço estreito que
existe entre a abertura de uma
crise revolucionária e o aparecimento, conjunto e inevitável, da
ameaça contra-revolucionária.
Mas actualmente não estamos
numa tal situação. As forças da
classe trabalhadora continuam
a acumular-se. As direcções são
obrigadas, face à pressão, de ter
isso em conta. Elas são obrigadas a mostrar que desposam,
até certo ponto, as aspirações da
classe. Mas ao fazê-lo, são elas
próprias que abrem brechas – em
contradição com as exigências de
uma política rigorosa de “gerir,
ao longo do tempo, a avalanche
ge-ral”. Brechas que podem per-
116
Secção Francesa da 4ª Internacional
mitir a constituição de canais da
expressão de resistências no
próprio seio dessas organizações.
Tudo continua em aberto. As
massas puseram-se em movimento e os aparelhos não renunciaram em fazê-las recuar. Eles
fazem tudo para fechar as saídas
às massas. É preciso ter sempre
em mente que qualquer situação revolucionária encerra, em
simultâneo, a marcha para a revolução e o amadurecimento da
contra-revolução.
É aqui que nós intervimos.
É aqui que o papel do partido
em construção – e, portanto,
neste quadro, da corrente trotsquista do partido – assume uma
importância decisiva. O nosso
papel é tirar as lições dos acontecimentos, dia a dia, junto com
a vanguarda que se constitui
no próprio seio do movimento
operário, consolidar os pólos de
resistência à integração das organizações operárias e inscrever o
combate na perspectiva de abrir
uma saída política para a crise do
sistema capitalista (…).
Está a terminar um período
de sessenta anos – dizíamos nós
no início deste texto – e, com ele,
termina o conjunto das relações
sociais estabelecidas depois da 2ª
Guerra Mundial, incluindo o lugar
dos sindicatos e o papel que cabia às suas direcções: fazer deles
instrumentos encarregados de disciplinar a luta de classes, no quadro
estreito imposto pela preservação
do sistema capitalista.
Actualmente, é necessário que
o Estado ponha em questão o papel de representação reconhecida
da classe trabalhadora e dos seus
interesses específicos, concedido
às organizações sindicais. Mas
o formidável desenvolvimento
da luta de classes está em contradição com o processo iniciado
de negação do papel destas organizações sindicais independentes
e adia o seu desenlace, sem contudo interromper completamente
esse processo. Os militantes da
nossa corrente aprenderam a agir
neste contexto – evitando fazer
uma política de denúncia estéril, que só serviria, no final das
contas, para reforçar as posições
dos aparelhos –, numa situação
em que a massa dos militantes e
dos quadros procura definir uma
táctica de derrotar os ataques
do governo e, ao mesmo tempo,
preservar as suas organizações
para poder usá-las (…).
Trotsky alerta-nos para o
carácter instável deste período
histórico e as suas bruscas vira-
117
Documento preparatório do 47º Congresso...
arrar o proletariado à ‘arbitragem obrigatória’.”
gens, e incita-nos no Programa
de Transição a saber distinguir
entre as diferentes etapas do
movimento. Como trotsquistas,
é preciso que respeitemos escrupulosamente esta indicação.
E ele acrescenta:
“É somente com base
neste trabalho que é possível lutar com sucesso, no interior dos sindicatos, contra
a burocracia reformista, e,
em particular, contra a burocracia estalinista. As tentativas sectárias de edificar
– ou de manter – pequenos
sindicatos ‘revolucionários’, como uma segunda
edição do partido, significam, de facto, a renúncia à
luta pela direcção da classe
operária.”
É esta a condição para que
possamos ajudar os camaradas
com que combatemos em conjunto no POI a assimilar – conosco, passo a passo e pela livre
discussão – as principais conclusões teóricas tiradas da experiência prática do combate
operário entre a 1ª e a 2ª guerras
mundiais, que estão enunciadas
no Programa de Transição.
Trotsky enuncia, com precisão,
a linha que devemos seguir:
“Actualmente, na luta
pelas reivindicações parciais e transitórias, os
operários têm necessidade,
mais ainda do que dantes,
de organizações de massa
– primeiro que tudo de
sindicatos (…). (Os bolcheviques-leninistas) militam
de forma activa na vida dos
sindicatos de massa, visando reforçá-los e desenvolver
o seu espírito de luta; eles
lutam
implacavelmente
contra qualquer tentativa
de submeter os sindicatos
ao Estado burguês e de am-
(Aqui, o texto prossegue com
a análise de um certo número
de episódios recentes da luta
de classes, apoiando-se em particular sobre as resoluções e as
cartas da direcção da secção
francesa dirigidas aos militantes.) (...)
7. A actualidade do
Programa de Transição
e o papel da palavra de
ordem de proibição dos
despedimentos
A profunda destabilização,
que analisámos dia após dia,
118
Secção Francesa da 4ª Internacional
provocada pela resistência da
classe trabalhadora, tanto no
dispositivo dos aparelhos como
na política do governo (ainda
agravada pelo desmantelamento da União Europeia) – e que
já se manifestou numa série de
recuos importantes, no final de
2008 e no início de 2009, no
ensino, no trabalho ao domingo, e inclusive em relação ao
tratamento das conclusões da
Comissão Balladur… – coloca
a questão escaldante da saída
política, que todos os partidos
políticos recusam abordar.
pela ruptura com a União
Europeia e pela convocação
de uma Assembleia Constituinte soberana).”
E, neste momento da nossa
resolução, nós citámos novamente o Programa de Transição:
“É daqui que resulta o
papel fundamental da nossa campanha para a organização da marcha unida
pela proibição dos despedimentos” – escrevemos nós
na resolução da direcção
nacional de 14 de março.
“O programa socialista
da expropriação, ou seja,
do derrube político da burguesia e da liquidação da
sua dominação económica,
não deve em nenhum caso
impedir de reivindicar, no
presente período de transição e quando a ocasião o
oferece, a expropriação de
certos ramos da indústria
de entre os mais importantes para a existência nacional ou de certos grupos
da burguesia de entre os
mais parasitários (…).
“A palavra de ordem de
proibição dos despedimentos – repetimo-lo – está
no centro do programa de
reivindicações transitórias
da 4ª Internacional. É este
o fio através do qual se irá
colocar às massas, num futuro próximo, a questão do
governo e da sua natureza
(governo operário e camponês, ligado ao combate
A necessidade de lançar a
palavra de ordem da expropriação na agitação quotidiana – por conseguinte, de
uma maneira fraccionada,
e não somente de um ponto
de vista propagandista, sob
a sua forma geral – parte
do facto que os diversos ramos da indústria se encontram em diversos níveis de
desenvolvimento, ocupam
119
Documento preparatório do 47º Congresso...
lugares diferentes na vida
da sociedade e passam por
diversos estádios da luta de
classes. Sozinha, a ascensão revolucionária geral do
proletariado pode colocar
na ordem do dia a expropriação geral da burguesia. O
objecto das reivindicações
transitórias é preparar o
proletariado para resolver
este problema.”
dará lugar, nestes casos, a
uma administração directa
pelos operários.”
A Resolução da Direcção Nacional de 14 de março diz ainda:
E o Programa de Transição
prossegue, a propósito da luta
contra o desemprego:
“Em particular, a luta
contra o desemprego é inconcebível sem uma larga
e ousada organização de
grandes trabalhos públicos. Mas os grandes trabalhos não podem ter uma
importância durável e
progressista – tanto para
a sociedade como para os
próprios desempregados –
sem que eles façam parte de
um plano geral, concebido
para um certo número de
anos. No quadro de um tal
plano, os operários reivindicarão a retoma do trabalho, à conta da sociedade,
nas empresas privadas
fechadas no seguimento da
crise. O controlo operário
120
“A urgência da questão
da proibição dos despedimentos para o conjunto
das massas trabalhadoras
faz com que a nossa palavra de ordem encontre um
eco extraordinário, muito
para além da nossa superfície habitual.
O facto de que o PCF nos
tenha recebido indica até que
ponto esta palavra de ordem
está em vias de ser agarrada
pela sua própria base.
É preciso amplificar e generalizar aquilo que, no momento em que escrevemos, já
foi feito num número considerável de departamentos, e
envolver-se, em cada localidade, na construção efectiva de comités pela marcha
unida que tomem – sem
esperar – as iniciativas que
se imponham, e, sobretudo,
não esperar pela autorização das instâncias locais dos
partidos aos quais nós nos
dirigimos.”
Secção Francesa da 4ª Internacional
Poderemos nós ritmar a
discussão preparatória do 47º
Congresso pela discussão sobre
os passos dados nesse sentido,
os obstáculos encontrados e os
problemas de orientação levantados na construção desses comités? A implementação desses órgãos de combate político
pela marcha unida, largamente
abertos (e não cartéis da organização), constitui, com efeito, o
melhor trampolim para o reforço
dos comités locais do POI.
8. A questão da direcção
revolucionária…
Polemizando com aqueles que,
entre os militantes da 4ª Internacional, responsabilizavam a “nãomaturidade” do proletariado pelo
esmagamento do levantamento
operário de Barcelona, em 1937
– viragem maior na revolução
espanhola –, Trotsky responde a
uma questão que não pode deixar
de surgir na situação actual:
“O que significa a ‘nãomaturação’ do proletariado? (…) Este modelo de sofisma procede do conceito
de maturidade absoluta,
quer dizer, uma condição
de perfeição das massas na
qual elas não têm nenhuma
necessidade de uma di121
recção e, melhor ainda, são
capazes de vencer contra a
sua própria direcção. Ora,
uma tal maturidade não
existe e não pode existir.
‘Mas por que é que os
operários, que mostram
um instinto revolucionário
tão seguro e, neste ponto,
aptidões superiores no
combate, se iriam submeter
a uma direcção traidora?’–
objectam os nossos sábios.
Nós responderemos que
não há o mínimo traço de
uma tal submissão. A linha
de combate seguida pelos
operários cortava, a todo
o momento, sob um certo
ângulo, a da direcção, e, nos
momentos mais críticos,
este ângulo era de 180º. A
direcção, então, directa ou
indirectamente, ajudava a
submeter os operários pela
força das armas (…).
A direcção não é, de
modo nenhum, um ‘simples
reflexo’ de uma classe ou
o produto da sua própria
potência criativa. Uma direcção constitui-se através
de choques entre as diferentes classes ou de fricções entre as diferentes camadas
no seio de uma dada classe.
Documento preparatório do 47º Congresso...
Mas, após a sua constituição, uma direcção eleva-se
inevitavelmente acima da
sua classe e arrisca-se, por
isso, a ceder à pressão e à
influência das outras classes. O proletariado pode
‘tolerar’, durante muito
tempo, uma direcção que
já sofreu uma total degenerescência interior, mas
que não teve a ocasião de se
manifestar no decurso de
grandes acontecimentos.
É necessário um grande
choque histórico para revelar, de maneira aguda,
a contradição que existe
entre a direcção e a classe.
Os choques históricos mais
potentes são as guerras e
as revoluções. É precisamente por esta razão que a
classe operária é frequentemente apanhada desprevenida pela guerra e pela
revolução. Mas, mesmo
quando a antiga direcção
revelou a sua própria corrupção interna, a classe não
pode improvisar imediatamente uma direcção nova,
sobretudo se ela não herdou
do período precedente quadros revolucionários sólidos e
capazes de tirar proveito do
afundamento do velho partido dirigente (…).”
Juntando toda a experiência
que foi a sua na Revolução Russa, Trotsky responde à questão
de saber:
122
“Como se efectuou a
maturação dos operários
russos.
(…) Seria possível, por
volta de janeiro de 1917, ou
mesmo de março, depois
do derrube do czarismo,
responder à questão de saber se o proletariado russo
estava
suficientemente
‘maduro’ para conquistar
o poder daí a oito ou nove
meses? A classe operária
era, nesse momento, extremamente heterogénea,
social e politicamente. Durante os anos da guerra,
ela tinha sido renovada a
30% ou 40%, a partir de
camadas da pequena burguesia,
frequentemente
reaccionária, à custa de
camponeses atrasados, à
custa das mulheres e dos
jovens. O Partido Bolchevique não foi seguido, em
março de 1917, senão por
uma insignificante minoria
da classe operária, e, para
além disso, a discórdia reinava no seu seio. Uma
esmagadora maioria dos
Secção Francesa da 4ª Internacional
operários suportavam os
mencheviques e os ‘socialistas-revolucionários’, quer
dizer os social-patriotas
conservadores. A situação
era ainda menos favorável
no exército e no campesinato. Resta ainda mencionar o nível cultural geralmente baixo do país, a falta
de experiência política de
grandes camadas do proletariado, particularmente
nas províncias, para já não
falar dos camponeses e dos
soldados.
Qual era o activo do
bolchevismo? Somente Lenine possuía uma concepção revolucionária clara,
elaborada até aos mínimos
detalhes, no início da revolução. Os quadros russos
do Partido estavam dispersos e bastante desorientados. Mas o Partido tinha autoridade sobre os operários
avançados, e Lenine tinha
uma grande autoridade sobre os quadros do Partido.
A sua concepção política
correspondia ao desenvolvimento real da situação, e ele ajustava-a a cada
acontecimento novo. Estes
elementos positivos provocaram maravilhas numa
123
situação revolucionária, ou
seja, nas condições de uma
luta de classe encarniçada.
O Partido alinhou rapidamente a sua política até
fazê-la responder à concepção de Lenine, ou seja, ao
decurso verdadeiro da revolução. Graças a isso, ele
encontrava um forte apoio
em dezenas de milhares de
trabalhadores avançados.
Nalguns meses, fundandose sobre o desenvolvimento
da revolução, o Partido foi
capaz de convencer a maioria dos trabalhadores sobre
a justeza das suas palavras
de ordem. Esta maioria,
organizada nos sovietes, foi,
por sua vez, capaz de atrair
os operários e os camponeses. Como é que este desenvolvimento
dinâmico
e dialéctico poderá ser reduzido à fórmula de ‘maturidade’ ou ‘imaturidade’
do proletariado? Um factor colossal da maturidade
do proletariado russo, em
fevereiro de 1917, era Lenine. Ele não caiu do céu.
Ele incarnava a tradição
revolucionária da classe
operária. Mas, para que as
palavras de Lenine pudessem encontrar o caminho
das massas, era necessária
Documento preparatório do 47º Congresso...
a existência de quadros, por
mais fracos que eles fossem
no início; era necessário
que estes quadros tivessem
confiança na sua direcção,
uma confiança fundada
sobre a experiência do passado. Não considerar estes
elementos nos seus cálculos, é pura e simplesmente
ignorar a revolução viva,
substituí-la por uma abstracção – ‘a relação de
forças’ – porque a evolução
das forças não cessa de se
modificar
rapidamente,
devido ao facto que as camadas avançadas persuadem as mais atrasadas e
que a classe toma confiança
nas suas próprias forças. O
elemento principal, vital,
deste processo, é o Partido,
da mesma maneira que o
elemento principal e vital
do Partido é a sua direcção.
O papel e a responsabilidade da direcção, numa
época revolucionária, têm
uma importância colossal.”
É difícil resumir, de forma
mais concisa, toda a contribuição
do bolchevismo para o combate
emancipador do proletariado. É
difícil formular, de forma mais
acessível (por pouco que seja
dada a tradução concreta para
o momento actual), o lugar da
nossa corrente para toda a camada de militantes operários que
fazem, actualmente, a experiência de construção do Partido
Operário Independente, numa
situação que pode sofrer acelerações bruscas.
Nenhuma “exterioridade” da
nossa parte em relação aos processos concretos da luta de classes, nem nenhum “fetichismo
leninista” – de que nos acusam,
muitas das vezes, os nossos inimigos –, mas sim a exposição
de um método, que devemos assimilar o melhor possível, a fim
de ajudar a agregar todas as forças que se disponibilizam para
a construção do partido revolucionário, de que o POI constitui
a forma actual.
124
Secção Francesa da 4ª Internacional
SEGUNDA PARTE
Voltar aos fundamentos teóricos
da questão da transição na
construção do partido para
abordar os problemas actuais
Como já foi relembrado anteriormente, as
reflexões e propostas submetidas nas notas que
abrem a discussão preparatória do 47º Congresso da Secção Francesa da 4ª Internacional são,
tal como os primeiros passos práticos registrados na construção do POI, o produto da elaboração colectiva da 4ª Internacional e da secção
francesa quanto à definição da nossa orientação
de transição desde a emenda de 1948, em relação com os desenvolvimentos políticos e a luta de
classes desde há décadas, os resultados e dificuldades que nós ali registravámos…; esta elaboração esteve particularmente no centro dos 14º,
17º e 18º congressos. É o objecto desta segunda
parte voltar a este assunto em detalhe.
O último congresso da Corrente Comunista Internacionalista (46º Congresso da CCI
– Secção Francesa da 4ª Internacional, realizado em março
de 2008) comprometeu a nossa
organização na preparação do
congresso constitutivo do Partido Operário Independente.
Esta orientação inscreve-se na
colocação em marcha daquilo
a que chamámos a orientação
de transição na construção do
partido. Antes de desenvolver as
125
Documento preparatório do 47º Congresso...
condições particulares desta aplicação da transição na construção
do partido às condições de 2009,
é-nos necessário voltar aos fundamentos desta orientação.
O 47º Congresso deve, portanto, pôr no seu centro a necessidade de dar um passo em frente
na modificação das relações da
secção francesa com as massas.
É indispensável precisar: não
haverá partido revolucionário
antes da revolução, mas é preciso construir um partido revolucionário antes da revolução.
improvisar imediatamente
uma direcção nova, se ela
não herdou do período
precedente quadros revolucionários sólidos capazes
de aproveitar o desabar do
velho partido dirigente.”
O partido revolucionário não
surgirá automaticamente da
crise do movimento operário,
segundo o princípio dos vasos
comunicantes. É preciso, para
construir este partido, organizar
uma larga linha da frente, mas
isto é apenas a linha da frente.
Leon Trotsky precisa:
Como explica Leon Trotsky:
“É preciso um grande
choque histórico para pôr
em relevo de forma contundente a contradição que
existe entre a direcção e a
classe. Os choques históricos mais poderosos são as
guerras e as revoluções.
É precisamente por esta
razão que a classe operária
se encontra muitas vezes
apanhada desprevenida
pela guerra e pela revolução.
Mas até mesmo quando
a antiga direcção revelou
a sua própria corrupção
interna, a classe não pode
126
“É certo que, no decurso
de uma revolução, quer dizer, quando os acontecimentos se sucedem a um ritmo
acelerado, um partido fraco
pode rapidamente tornarse um partido poderoso,
apenas na condição que ele
compreenda lucidamente o
curso da revolução e possua quadros experimentados que não se deixem embriagar pelas palavras nem
aterrorizar pela repressão.
Mas é preciso que um tal
partido exista muito antes
da revolução, na medida
em que o processo de formação dos quadros exige
Secção Francesa da 4ª Internacional
demora considerável a que
a revolução não dá tempo.”
Nas condições actuais, a nossa orientação de “a 4ª Internacional constrói-se na linha da
transição” não depende de uma
táctica circunstancial (“depenar
as aves”), mas sim, através do
combate para construir o POI,
do avanço na via de um partido
operário independente – certamente “minoritário”, mas solidamente implantado – numa
orientação de frente única para
ajudar o proletariado a ultrapassar os obstáculos à sua própria
luta de classes emancipadora, e,
assim, modificar as relações entre a 4ª Internacional e as massas antes de abordar a crise revolucionária que está para vir.
I. Foi no congresso da
Secção Francesa (então
PCI), em 1948, que se apresentou pela primeira vez
uma emenda que dizia em
substância:
“Se, para os trotsquistas,
é indiscutível que o ‘programa’ da 4ª Internacional
é o único programa sobre
o qual se pode construir
o partido revolucionário,
sobre o qual pode ser construído o partido mundial
da revolução socialista em
França, não está provado
que este partido, de que a
classe operária tem necessidade para vencer, se construirá no quadro formal
que representa hoje o PCI.”
Esta emenda de 1948 (que
foi então rejeitada) inscrevia-se
ela própria no prolongamento
do Programa de Transição, programa de fundação da 4ª Internacional, redigido e adoptado
dez anos mais cedo. Recordemos que o Programa de Transição
caracteriza, por um lado, a crise
da humanidade como a crise da
direcção revolucionária do proletariado, fixando à 4ª Internacional a tarefa estratégica de resolver esta crise de direcção; e,
por outro lado, como o seu nome
o indica, este Programa de Transição formula toda uma série de
reivindicações transitórias, cada
uma delas devendo ajudar as
massas a progredir na sua mobilização e a colocar, em relação
com o seu estado de espírito e
a sua consciência (e também
com as suas ilusões, em particular a sua confiança nas velhas
direcções), invariavelmente, a
questão do poder.
Eis a razão por que o Programa de Transição concede
127
Documento preparatório do 47º Congresso...
um lugar central à orientação da
frente única, directamente inspirada (generalizando-a) na marcha da Revolução Russa: a todos
os partidos e organizações que
se reclamam da classe operária,
a 4ª Internacional lança a acusação capital de que eles não se
querem separar do semi-cadáver
político da burguesia; de todos
estes partidos, ela exige que deem
um passo na via da ruptura com
a burguesia; a 4ª Internacional
trará – sem renunciar à defesa
independente do seu programa
– um apoio incondicional a todo
o passo em frente. De uma certa
forma, os elementos de orientação de transição aplicada à construção do partido estavam inscritos em filigrana no Programa
de Transição, se bem que Trotsky
tenha respondido negativamente
à questão colocada: a orientação de transição aplica-se à construção do partido? Portanto,
dez anos mais tarde – tendo em
conta a maneira como o impulso
revolucionário das massas contido a seguir à 2ª Guerra Mundial
tinha imposto os maiores recuos
à classe capitalista à escala mundial, sem que, por via da política
dos aparelhos, o seu poder tenha
sido derrubado nos países capitalistas mais industrializados da
Europa; tirando lições do facto de
que os aparelhos (em particular o
aparelho estalinista) tenham saído reforçados (se bem que incapazes de abrir uma qualquer perspectiva histórica) na sequência
da 2ª Guerra Mundial – a emenda de 1948 procurou prolongar a
reflexão sobre a transição, sobre o
plano da construção do partido(6).
A emenda de 1948, tal como
a elaboração que a partir dela foi
feita pela Secção Francesa – em
particular, do 14º ao 17º Congressos –, representa o ponto
mais elevado da elaboração feita,
a este respeito, no período que se
seguiu à 2ª Guerra Mundial.
6 – Nessa época, o PCI estava atravessado por uma crise expressa pela oposição
entre uma corrente cuja política a levaria ao abandono da 4ª Internacional – e que
defendia um agrupamento alargado – e uma outra corrente que, formalmente, se
apoiava sobre a necessidade de manter a 4ª Internacional, ao mesmo tempo em
que se contentava com um enquistamento sectário. A emenda – que introduzia a
noção da transição na construção do partido revolucionário – indicava, de forma
concreta, como é que a defesa indispensável da 4ª Internacional e do seu programa só podiam encarnar-se numa política permitindo o desenvolvimento efectivo
da Secção Francesa da 4ª Internacional. O autor dessa emenda foi o camarada
Pierre Lambert.
128
Secção Francesa da 4ª Internacional
da organização revolucionária” de maneira a que
“ela fosse ao máximo dona
dos seus objectivos e que
ela exprimisse, em cada
uma das fases pelas quais
passasse o movimento da
classe operária, a perspectiva unificadora do seu
combate”.
Mas a necessidade de transição na construção do partido
revolucionário e da 4ª Internacional está presente no combate e na
reflexão de Trotsky e dos militantes trotsquistas desde que se desencadeou a acção para a constituição de uma nova Internacional.
A construção da 4ª Internacional
é inseparável da reconstrução do
movimento operário internacional segundo um novo eixo.
Tratava-se, em particular, de
“lhe dar os meios para
atacar a resistência dos
aparelhos, a sua vontade
de sabotar a realização da
frente única operária, tão
mais ferozmente quanto era
sentida a necessidade dela
cada dia um pouco mais
claramente por milhares e
milhares de trabalhadores”.
O problema era, a cada
momento – enquanto se construíam as organizações da 4ª
Internacional –, ligá-las, assegurar a sua junção com as forças que tendiam a reunir-se em
volta de um novo eixo.
II. Foi o 14º Congresso
da Secção Francesa (1965)
que, colocando na ordem
do dia a passagem do grupo
à organização, constituindo
a Organização Comunista
Internacionalista (a OCI),
desenvolveu
plenamente
esta orientação.
Proclamando a constituição
da OCI, o 14º Congresso considerava necessário que esta “se
afirmasse politicamente”, o que
passava pela
“homogeneização e a
centralização
políticas
O 14º Congresso adoptou
a linha estratégica da Liga
Operária Revolucionária. Esta
apoiava-se em dois termos de
uma perspectiva. O primeiro
era constituído pela correcção
de 1948. O segundo pela compreensão de que “a primeira
etapa de toda a mobilização
revolucionária passa sempre
em parte pelas grandes organizações tradicionais, mesmo
numa situação soviética”.
129
“Os
dois
termos
da
Documento preparatório do 47º Congresso...
nossa perspectiva tomam
como ponto de partida que
‘a emancipação dos trabalhadores será obra dos
próprios trabalhadores’ e
que, para assegurar por
eles próprios a sua emancipação, é indispensável
a mediação do partido.
Por outras palavras, é no
movimento da classe e
para o exprimir em termos de consciência que o
partido revolucionário se
constrói. Mas o movimento da classe é histórico,
quer dizer, condicionado
pela luta de classes; estes
resultados – organizações,
direitos, garantias – que
fundamentam a classe enquanto classe são dominados por aparelhos ao
serviço da burguesia. O
movimento da classe é o
movimento total que leva
consigo toda a herança do
passado, com todas as suas
determinações e estratificações. O movimento da
classe para se realizar – o
que passa pela experiência que ela própria faz,
ajudada pela vanguarda
– choca-se inevitavelmente
com a política burguesa
dos aparelhos. Mas estes
130
controlam a classe, porque
controlam as organizações
que a classe criou para a
sua emancipação; a classe
continua a ver – pelo menos na primeira etapa da
mobilização revolucionária
– essas organizações dominadas por aparelhos como
instrumentos da sua emancipação. Mas os aparelhos
controlam as organizações
através dos militantes,
quadros
organizadores
do combate operário, que
conservam a confiança
nas direcções tradicionais.
É assim que um outro
movimento se desenvolve,
em parte dependendo, em
parte contraditório com
o movimento da classe: é
o movimento dos militantes e quadros organizadores, sob o controlo dos
aparelhos. O movimento
destes militantes é contraditório. Aceitando seguir a
direcção do aparelho, eles
conduzem ao impasse o
movimento da classe para
a sua emancipação; mas,
procurando permanecer
fiéis à sua classe, esses militantes entram em conflito
com a política burguesa
do aparelho. Os militantes
Secção Francesa da 4ª Internacional
e quadros organizadores
– que querem ser fiéis aos
interesses do proletariado
– devem igualmente, ajudados pela vanguarda, fazer a sua própria experiência. Formados na escola
dos partidos tradicionais,
estes militantes não podem
de repente dar o salto até
à vanguarda organizada
com base no ‘programa’ da
4ª Internacional. A perspectiva da Liga Operária
Revolucionária agarra os
militantes e quadros organizadores a partir da sua
vontade de continuarem
militantes fiéis à sua classe,
portanto em oposição aos
aparelhos burgueses. Ela
representa uma formação
de carácter transitório em
direcção ao partido revolucionário, que assegura aos
militantes a possibilidade,
respeitando a democracia operária, de permanecerem militantes ‘luta de
classe’.”
Polónia, enquanto que a intervenção militar do imperialismo
estadunidense se chocava com
uma resistência crescente da juventude e da classe operária nos
próprios EUA. Em 1970, a brochura “Alguns Ensinamentos
da Nossa História” tirava, como
o seu nome indica, algumas
conclusões sobre a história da
Secção Francesa da 4ª Internacional, voltando em particular
ao significado da orientação estratégica da Liga Operária Revolucionária. Em junho de 1971, o
17º Congresso da OCI adoptava
teses que ligavam a perspectiva
da Liga Operária Revolucionária
à análise do período caracterizado como sendo marcado pela
“iminência da revolução”. Nessa
publicação pode ler-se:
III. Esta elaboração
política prosseguiu após
a Greve Geral de Maio de
1968, que se conjugou, à escala internacional, com o desenvolvimento da revolução
política na Checoslováquia e na
131
“1. A crise de decomposição do imperialismo
atingiu um estádio em que
tende a transformar-se em
cada país, inclusive nos Estados Unidos, numa crise
da dominação de classe de
cada burguesia. Mas a crise
de dominação de classe das
burguesias de cada país
converge na concentração
dos problemas levantados
por esta crise, nos principais países do Ocidente e,
em particular, na Europa,
Documento preparatório do 47º Congresso...
que se torna assim numa
aposta do período da iminência da revolução.
política que se anuncia na
União Soviética, bem como
a firme vontade do imperialismo de não ceder à utilização da pressão da luta
de classes internacional,
conduzem a casta contrarevolucionária do Kremlin
a aceitar que a direcção da
luta contra-revolucionária
seja confiada ao imperialismo dos Estados Unidos.
2. A crise conjunta da
burocracia
estalinista
atingiu um limiar em que
– depois de se ter expressado nos países do Leste,
na China – o processo da
marcha em frente da revolução política ameaça
desencadear-se na própria
União Soviética.
3. O imperialismo mundial – e particularmente o
seu chefe de fila, o imperialismo estadunidense – e
a burocracia do Kremlin,
perfeitamente
conscientes do que está em jogo de
imediato na luta de classes
internacional, tendem a
unificar as suas forças e a
sua política contra a revolução. Mas, ao contrário do
que se passou em 1944 nos
Acordos de Yalta, a burocracia de Moscovo já não
está na situação em que –
para conduzir a sua política contra-revolucionária
de acordo com o imperialismo, utilizando a pressão
revolucionária das massas
– podia conservar uma plena autonomia. A revolução
4. O proletariado internacional e em cada país
– apesar dos insucessos,
dos quais nenhum teve um
carácter decisivo – não
somente conserva intacto
o seu potencial de classe,
mas é conduzido, em relação com o aprofundamento
das condições objectivas, a
empenhar-se em combates
cujo objectivo é directamente o poder.”
(O texto contem aqui longas
citações de teses do 17º Congresso que retomam a questão
da transição na construção do
partido. O texto integral destas
teses – em conjunto com a resolução política do 18º Congresso
do OCI – foi reproduzido numa
brochura publicada pela livraria
Selio.)
132
Secção Francesa da 4ª Internacional
IV. O 18º Congresso
(dezembro de 1972) prolonga a elaboração iniciada
pelo 17º Congresso. Numa
situação marcada pela assinatura
do Programa Comum (entre os
dirigentes do Partido Socialista,
do Partido Comunista e do partido burguês dos Radicais de Esquerda), o relatório preparatório
ao 18º Congresso recorda:
“Nós somos, absoluta e
incondicionalmente pela
defesa das liberdades
democráticas e pelo seu
alargamento. Pronunciamo-nos contra a ‘democracia política’ (burguesa), porque sabemos que
a manutenção do próprio
domínio democrático da
burguesia, na época do imperialismo, é ‘a reacção em
toda a linha’.”
O relatório preparatório cita
Trotsky:
“Durante
numerosas
décadas, no interior da
democracia burguesa, servindo-se dela e lutando
contra ela, os operários edifica-ram as suas fortificações, as suas bases, os seus
lares de democracia proletária: sindicatos, partidos,
133
clubes de educação, organizações desportivas, cooperativas etc. O proletariado pode chegar ao poder
não nos quadros formais
da democracia burguesa,
mas somente pela via revolucionária. Isto está demonstrado tanto pela teoria como pela experiência.
Mas é precisamente para
poder construir a via revolucionária que o proletariado tem necessidade das
bases de apoio da democracia operária no interior
do Estado burguês.”
E o relatório comenta:
“É assim que, em relação com o seu estado de espírito, nós ajudaremos as
massas – para que o aprofundamento da democracia
signifique a extensão das
suas próprias liberdades,
garantias e direitos contra a exploração – a compreender, pela sua própria
experiência, o conteúdo
burguês do Programa (Comum) e a necessidade de
pôr fim à dominação reaccionária da burguesia (…).
Nós não adaptamos,
em nenhum caso, a nossa
Documento preparatório do 47º Congresso...
política a uma política de
manutenção de domínio da
burguesia, mesmo sob uma
forma democrática. Mas
todo o marxismo nos ensina que, até à instauração
da ditadura do proletariado, a luta pelas liberdades
democráticas é inseparável da luta para alargar
as conquistas operárias e
para a revolução.
a classe operária, organizando-se como classe, pode
garantir as liberdades
democráticas.”
Com base nestes princípios, o
18º Congresso da OCI devia resumir o lugar da estratégia da construção do partido revolucionário,
segundo a perspectiva da Liga
Operária Revolucionária (LOR),
num certo número de pontos, de
que citamos aqui os seguintes:
Nós não faremos nenhuma concessão política
aos aparelhos que defendem a dominação da burguesia contra a revolução,
mas aceitaremos todos os
compromissos que visem
desenvolver as liberdades
democráticas,
sabendo
que, na nossa época, a luta
para as reivindicações
democráticas não pode
organizar-se senão contra
todas as camadas da burguesia, todas perfeitamente
conscientes do facto de
que a sobrevivência do regime burguês – no quadro
da crise irremediável do
sistema da burguesia – é
incompatível com o desenvolvimento da democracia
política (burguesa).
É por isso que somente
134
“1. A experiência das lutas revolucionárias demonstra que o proletariado não
aborda nunca o período
directo da revolução com
um partido revolucionário
reconhecido como direcção.
Nós analisámos com bastante detalhe, ao longo
deste relatório, o conteúdo
da conclusão que precisamos de tirar da experiência
histórica: em todas as revoluções, os primeiros confrontos revolucionários reforçam as velhas direcções.
2. É preciso ao proletariado, para vencer, um partido revolucionário dirigente
unido com base no programa da 4ª Internacional.
3. A OCI – ainda que construída com base no pro-
Secção Francesa da 4ª Internacional
grama da 4ª Internacional
– não é o partido dirigente,
para o qual ela combate.
4. Se os ritmos abertos
pela situação dão à OCI
todas as possibilidades
de passar, rapidamente,
da fase de grupo à de organização, reconhecemos
que a experiência das lutas revolucionárias que as
massas devem fazer pelo
seu próprio movimento,
bem como a relação de forças – no interior da classe
e da juventude, e entre os
partidos e a OCI – não permitem à OCI pretender ser
reconhecida como direcção
no início do período dos
confrontos revolucionários. Será necessário tempo.
Os grandes abanões revolucionários, agitando a
dominação dos partidos
no movimento operário,
abrindo directamente um
período em que – se nós
tivermos construído antecipadamente a organização comunista centralizada, que não será o partido
dirigente – as possibilidades de construir efectivamente o partido revolucionário dirigente estarão
abertas.
135
5. O período de iminência da revolução, a crise
internacional da burocracia estalinista e a nossa
própria intervenção já
criaram uma corrente potencial – no seio de uma
camada de militantes controlada pelos partidos, bem
como entre os jovens e os
trabalhadores não organizados – que tende a pôr
em causa a política burguesa das velhas direcções,
a um nível que já não é o da
espontaneidade dos movimentos de massas.
6. Esta corrente potencial
tenderá a organizar-se como
uma corrente centrista.
7. O poder de controlo dos aparelhos sobre a
classe, as ilusões desta corrente potencial na eficácia
de uma política de pressão
sobre as velhas direcções,
o centrismo reaccionário
organizado (…) e os seus
aliados do esquerdismo decomposto (apontam) ainda
para a passagem directa a
uma organização centrista.
8. Se é indispensável
medir a força potencial
desta corrente – que não
Documento preparatório do 47º Congresso...
pode senão reforçar-se no
decurso dos acontecimentos –, isto não quer dizer
que não possamos canalizar para nós uma larga
fracção dessas camadas,
dando assim duros golpes
no centrismo reaccionário.
9. É aqui que se insere a
perspectiva estratégica da
Liga: um quadro de militantes, controlados pelas
velhas direcções, esforçase por fazer pressão sobre
elas para as levar a responder às aspirações das
massas. A este quadro de
militantes, nós oferecemos
uma política, explicações,
palavras de ordem que são
as únicas aptas a responder às aspirações das massas. Devemos oferecer-lhes
uma forma de organização
ao nível da sua própria experiência. Nós dizemos a
estes militantes:
dada política, palavra de
ordem, táctica de luta, ou
explicação – vocês mesmos
o admitem – pode unir os
trabalhadores e a juventude
contra o capital e o Estado.
Vocês aprovam esta política da OCI, mas não aceitam a conclusão que dela
tiramos: construir um novo
partido. Vocês pensam que
podem utilizar as velhas
organizações para a defesa
dos interesses dos trabalhadores; é o vosso direito,
tal como é o nosso pensar
de maneira diferente. Combatamos juntos com base
na política, nas palavras de
ordem e na táctica sobre a
qual estamos de acordo.
Organizemo-nos para agir
com base nesta política,
nestas palavras de ordem e
nesta táctica. A experiência
e a livre discussão nas fileiras da classe operária indicarão quem tem razão.’
‘Para nós, há apenas um
partido que pode responder
às aspirações das massas:
o partido revolucionário
da 4ª Internacional, que
constitui o objectivo do
combate da OCI. Mas o
combate da OCI sobre uma
(…) 14. A perspectiva
da LOR – visando a construção do partido revolucionário e reintegrando
a transição na luta para
a sua construção – deixa,
portanto, abertas todas as
possibilidades, segundo as
136
Secção Francesa da 4ª Internacional
circunstâncias. O ponto de
partida continua a ser a
construção da OCI que –
ao passar da fase de grupo
à organização comunista
– dotou-se dos meios para
resistir, como organização
independente, à formidável
pressão dos aparelhos que
dirigem as organizações
tradicionais, combinada
com a pressão das organizações centristas.”
V. Voltar a estes elementos é indispensável para
aqueles que querem assimilar a continuidade da
elaboração teórica que nos
conduz ao Partido Operário
Independente, mas também a relação que une
a análise das condições
objectivas à dos processos
na classe operária e, ainda,
às conclusões que devem
daqui ser retiradas do ponto de vista das formas que
reveste a transição na construção do Partido.
Passados todos estes anos,
o que é necessário reter da
análise desenvolvida pelo 17º e
18º Congressos?
a. A formulação feita pelos 17º e 18º Congressos do
período de iminência da
revolução apoiava-se, vimo-lo,
sobre toda uma série de elementos objectivos que o desenvolvimento histórico ulterior verificou perfeitamente: falhanço
do regime capitalista fundado
sobre a propriedade privada dos
meios de produção, marcha para
a crise de desmantelamento da
burocracia da URSS, cuja falência era inevitável, junção entre
os processos da revolução social
e da revolução política, colocando efectivamente na ordem do
dia a revolução proletária.
b. A Revolução Portuguesa foi, deste ponto de vista, a
última revolução proletária clássica no Velho Continente (197475), com todos os elementos
“clássicos” de uma tal revolução,
incluindo tanto a procura, pelas
massas, da constituição de “comités/conselhos”, como o movimento em direcção às “velhas organizações” consideradas como
instrumentos para a satisfação
das reivindicações, inclusive as
reivindicações democráticas.
Esta revolução – em que se
apoiou o movimento ascendente
da classe operária, no Oeste da
Europa, no final da década de
1970 (incluindo o movimento
que, ligando a luta de classes
137
Documento preparatório do 47º Congresso...
directa à sua tradução eleitoral,
expulsou Giscard do poder, em
1981, em França) – liga-se, no
tempo, à marcha para a revolução política directa, em que a
irrupção das massas na Polónia,
que dá origem ao primeiro sindicato operário independente
no Leste da Europa (1980), foi
um momento de viragem.
Contudo, a iminência da revolução não significava, de maneira mecânica, a iminência da
vitória da revolução.
“Falta ao proletariado,
para vencer, um partido revolucionário dirigente unido
com base no programa da
4ª Internacional”, avisava o
18º Congresso.
c. Contudo, a Revolução
Portuguesa – revolução proletária de uma profundidade
considerável – foi contida pela
classe burguesa e pelos aparelhos (em primeiro lugar pelo
aparelho estalinista, secundado
pelo Secretariado Unificado,
mas também pela social-democracia) em limites que levaram
ao estabelecimento de uma democracia política que não teve
paralelo no resto do continente,
mas, ao mesmo tempo, impedindo que o proletariado se apode-
rasse do poder, devido à fraqueza do factor subjectivo. Num
outro plano, a Revolução Polaca
– também ela de uma profundidade e de um carácter operário
sem precedentes – foi contida
pela acção conjunta dos aparelhos que controlavam o movimento operário e do aparelho
da Igreja Católica, em limites
que deram, por um lado, uma
folga à burocracia estalinista
(se bem que, desde aí, ela tenha
ficado mortalmente atingida), e,
por outro lado, permitiram que
o imperialismo mantivesse o
controlo da situação. O conjunto
destes processos verificou-se, de
maneira concentrada, em 19891991.
d. A queda do Muro de
Berlim foi, indiscutivelmente,
o produto de um processo de
mobilização
revolucionária
das massas exigindo, objectivamente, a unidade da nação
alemã e a unidade da classe trabalhadora, e colocando assim na
ordem do dia a marcha conjunta
para a revolução social no Oeste
e a revolução política no Leste
– contra a divisão da Alemanha,
imposta conjuntamente, em
Yalta e Potsdam, pelo imperialismo e pela burocracia. O afundamento da burocracia estalinista que se seguiu foi apenas uma
138
Secção Francesa da 4ª Internacional
confirmação desta realidade.
e. No entanto, somos forçados a constatar que, tanto a queda do Muro como
o afundamento da URSS
não desembocaram na revolução política vitoriosa.
A burocracia corrompida fragmentou-se em diversos segmentos de uma camada mafiosa intermediária, oferecendo os seus
serviços e entregando as riquezas nacionais ao imperialismo,
ao mesmo tempo em que constituía pequenos clãs mafiosos que
se apropriaram da propriedade
social. As massas revoltadas e
activas na Polónia, na Alemanha
– e mesmo na URSS – não foram
capazes, pelo seu próprio movimento, de ultrapassar a ausência de direcção revolucionária. É
necessário sublinhar aqui que,
novamente, é a falta do factor
subjectivo que está em causa. Em
particular, é preciso destacar o
papel abertamente contra-revolucionário de todos os dirigentes
do PS, do PC e do SU, que, numa
madrugada de 1989 ou de 1990,
despertaram como partidários
declarados da economia de mercado, rebaptizada com o nome
de “economia social de mercado” por alguns deles (Mandel
e companhia) e decretada horizonte intransponível da História
humana. Pelo contrário, foi com
base na verificação do marxismo pelos factos – e, portanto,
da falência definitiva do capitalismo em agonia – que nós nos
empenhámos, depois de 1991,
na via da reproclamação da 4ª
Internacional.
f. O desmoronamento da
URSS criou uma situação
inédita. A alternativa fixada
por Trotsky: ou triunfo da revolução política, ou a destruição
da propriedade social, acelerando um processo de bonapartização, de fascização e de dominação capitalista à escala mundial,
não teve o seu desfecho nestes
termos. De uma certa maneira,
essa alternativa foi diferida no
tempo. A queda da URSS – o
desmantelamento daquilo que
foi a principal conquista do
proletariado mundial durante
o século XX – provocou, e continua a provocar, um golpe crucial contra a classe operária,
não somente da ex-URSS, mas
do mundo inteiro. Ela abriu a
porta à mais formidável ofensiva de desmantelamento dos
direitos adquiridos e conquistas
da democracia operária, no seio
do regime capitalista, à escala
mundial. Ela alimentou formas
desenvolvidas de decomposição
no movimento operário.
139
Documento preparatório do 47º Congresso...
g. Mas, ao mesmo tempo,
a impotência histórica do
regime capitalista fundado
sobre a propriedade privada
dos meios de produção,
longe de ser momentaneamente
ultrapassado pela “abertura de
novos mercados” no Leste da
Europa, precipitou-se pelo contrário, mais brutal e rapidamente do que nunca, numa fase de
apodrecimento generalizado.
A crise actual – a mais profunda, a mais brutal, sem comparação alguma com nenhuma
das crises anteriores, incluindo
a de 1929, uma crise sobre a
qual ninguém pode dizer até
onde vai, em que é que desembocará, e que já é a mais gigantesca crise destrutiva de forças
produtivas que o capitalismo
teve em tempos de “paz” – confirma as posições da 4ª Internacional sobre a impossibilidade
de “restaurar” o capitalismo no
Leste da Europa e, mais geralmente, de ver nessa restauração a mínima abertura para um
novo futuro da “economia social
de mercado”.
VI. O facto de que o desenvolvimento da revolução
política tenha podido, assim,
ser contrariado, e que, num
primeiro tempo, longe de
levar a um reforço do proletariado, a queda da burocracia – porque se combinou
com a queda das próprias
bases da URSS e de todas as
conquistas saídas de Outubro de 1917 – tenha marcado o ponto de partida de
uma fase de recuo, situação
inédita sob esta forma, teve
um certo número de consequências políticas, inclusive
sobre a maneira de abordar
a questão da transição na
construção do partido.
Por um lado, a crise das organizações operárias, principalmente dos PCs, não tomou a
forma do afastamento de “sectores inteiros”, constituindo-se
em correntes que, apoiando-se
sobre o combate de defesa das
conquistas de Outubro, tivessem ficado disponíveis para
um processo de reagrupamento
transitório; é mais uma fragmentação dos partidos, ou mesmo o seu desaparecimento, que
foram provocados pela queda
da URSS, libertando mais forças
sob a forma de indivíduos e de
militantes (em grande número,
aliás) que correntes constituídas e cristalizadas. Tal como era
precisado na resolução do 17º
Congresso:
140
Secção Francesa da 4ª Internacional
“Muitas outras eventualidades estão abertas.
De momento, é necessário
construir a OCI, recrutar,
reforçar a organização
dos partidários da 4ª Internacional, reintegrando
o combate pela construção
do partido revolucionário
na transição: a perspectiva
da Liga Operária Revolucionária dando-nos assim
toda a flexibilidade indispensável, toda a agilidade
necessária para cumprir
as nossas tarefas, tanto de
imediato como na futura
situação revolucionária.”
Por outro lado, isto teve consequências sobre a maneira
de colocar todas as questões
da democracia política. Desde
1983-1984, quando o governo
Miterrand-Fiterman-Delors(7) operava a “viragem do
rigor” – o que constituiu, pela
primeira vez, um ataque brutal
contra as conquistas que constituem a classe trabalhadora,
levado a cabo por um governo
dito de “esquerda” – a Secção
Francesa da 4ª Internacional
começa a desenvolver aquilo a
que chamámos, nessa época, “a
linha da democracia”. Desde
1972, já o vimos, o 18º Congresso
tinha sublinhado a “incompatibilidade” entre “a sobrevivência
do regime burguês, no quadro
da crise irreversível do sistema
da propriedade privada” e “o
desenvolvimento da democracia
política (burguesa)”.
Depois de 1983, prolongando
a Teoria da Revolução Permanente, compreendemos que o
imperialismo, tendo entrado
na sua fase de decomposição, é
levado a ir extremamente longe
no ataque a todas as formas da
democracia burguesa, mesmo
formais. É por isso que cabe ao
proletariado encarregar-se da
defesa e reconquista de todos os
elementos da democracia burguesa formal, o que é de uma
certa maneira indissociável da
existência do proletariado no
regime capitalista. É sobre esta
linha que se desenham convergências, principalmente com
sectores de militantes que, na
classe, procuram defender “as
reformas” contra as “contra-re-
7 – François Mitterrand tinha sido eleito presidente da República em 1981. Delors, dirigente do Partido Socialista, tinha sido nomeado ministro das Finanças e
da Economia. Fiterman era um dos dirigentes do Partido Comunista Francês, que
nessa época fazia parte do governo.
141
Documento preparatório do 47º Congresso...
formas” corporativistas, conduzindo à formação do Movimento
Para um Partido dos Trabalhadores (MPPT, 1984-1985) e, na
sua continuidade, à proclamação do Partido dos Trabalhadores, em 1991.
Precisemos: a partir do momento em que o imperialismo
decomposto, estrangulado pela
ausência da própria margem de
manobra que o caracteriza, é
levado a recusar aos aparelhos as
migalhas de que se serviam até aí
para tentar comprá-los, foi criada uma situação nova. Obrigado
a tomar a seu cargo as contrareformas, o aparelho reformista
encontra-se perante uma alternativa: ou ceder, e tornar-se um
aparelho contra-reformista que
se destrói a si próprio; ou então
– para não renunciar a defender as reformas – ser obrigado
a manter-se (ou a orientar-se)
no sentido da independência de
classe (não sem ziguezagues ou
contradições). Esta compreensão
(que estava já presente no famoso compromisso de 1969 sobre o
“não” no referendo) encontrou,
a partir do início da década de
1980, uma expressão nova na
luta de classes directa comum.
Este reconhecimento da linha da
democracia levou-nos, de uma
certa maneira, a precisar o nosso
ponto de vista sobre a democracia política.
Não que, a partir dos anos
1980, a democracia política fosse
um fim em si mesmo: a 4ª Internacional permanece partidária
da democracia operária, o seu
fim não é democratizar o regime
capitalista da exploração, mas
sim derrubá-lo. Nós compreendemos, perfeitamente, que a
democracia política permanece uma arma possível entre as
mãos da burguesia para conter
a revolução proletária e opor-se
a ela. Mas nós compreendemos
também que, na transição, deve,
a partir de agora, ser inscrita a
defesa e a reconquista da democracia política, uma vez que
a classe capitalista se empenha
em destruí-la em todos os seus
aspectos. É também esta mesma
orientação que levará a 4ª Internacional a considerar que, face
ao desmantelamento de todas
as nações pelo imperialismo
decomposto, lhe cabe a responsabilidade de colocar na ordem
do dia a defesa da soberania
das nações, ligada à questão da
soberania dos povos, como elementos que colocam sobre as
costas do proletariado a defesa
de tudo o que de progressista a
burguesia construiu, e que nenhum dos seus segmentos está
142
Secção Francesa da 4ª Internacional
actualmente em medida de defender. É necessário ao proletariado, como dizia Lenine, “voltar
ao seu próprio 1789, ao seu
próprio 1848, ao seu próprio
1871”. Isto é, sem dúvida, mais
verdadeiro hoje do que nunca.
VIII. A constituição do
Partido Operário Independente inscreve-se numa
situação nova. A queda da
URSS, abrindo a via a uma fase
de mafiosação acelerada de toda
a economia mundial, encontrou a sua continuidade no 11 de
Setembro de 2001. No entanto, o
imperialismo reivindicava abertamente o recurso a meios de
facto extraordinários para manter o seu domínio. A queda da
URSS encontrou sobretudo a sua
continuidade na extraordinária
crise de decomposição que atinge
a economia capitalista nos seus
fundamentos, desde há mais de
um ano, e em que, repitamo-lo, o
pico não foi ainda atingido. Uma
tal situação é, de uma certa maneira, a mais propícia ao desenvolvimento da 4ª Internacional.
Os golpes desferidos contra as
massas empurram-nas, necessariamente, para a via da radicalização política (de que uma
das expressões deformadas é a
eleição de Obama, que marca, do
ponto de vista do imperialismo,
uma reorientação necessária depois dos oito anos do governo
Bush que, através de uma constante fuga para a frente, a conduziu à beira do abismo).
A incapacidade do regime
capitalista em garantir que não
tocará senão a sobrevivência
mais elementar – o simples direito ao trabalho, ao salário, a
possibilidade de se alimentar, de
se alojar, de se vestir – levanta as
massas na via da acção de classe,
alimenta uma radicalização que
se exprime a todos os níveis, inclusive no seio das organizações
(radicalização para que nós também contribuímos). Ao mesmo
tempo que esta falência do regime
capitalista coloca na ordem do dia
– com uma actualidade infinitamente superior à verificada nos
últimos trinta anos – todas as palavras de ordem de expropriação
do capital, da confiscação e da socialização dos meios de produção.
Contudo, isto não significa que as
massas, num primeiro tempo, se
irão voltar para o programa da 4ª
Internacional. Seguindo as leis
históricas, numa primeira fase da
luta de classes elas voltam-se para
as suas organizações tradicionais.
Isto é verdade, em primeiro lugar,
no plano sindical – e nós vimo-lo
nos últimos processos, principalmente a 29 de janeiro, a 19 de
143
Documento preparatório do 47º Congresso...
março etc. –, mas também pode
ser verdade no plano político.
Deste ponto de vista, não se deve
confundir o grau extremo de decomposição atingido pelo Partido
Socialista ou pelo Partido Comunista com o facto de que, em nenhum caso, nos meses que vêm,
estes partidos (ou, sob uma outra
forma, o Partido de Esquerda ou
o NPA) possam desempenhar um
certo papel – inclusive ao nível
eleitoral – como expressão deformada da busca pelas massas de
uma saída política.
É necessário agora, mais do
que nunca, evitar qualquer hegemonismo e compreender quais
são as exigências de uma autêntica política de frente única, bem
como o lugar exacto do POI. Este
partido, já o dissemos, não foi
fundado com base no programa
da 4ª Internacional. É preciso
compreender – e fazer compreender, na discussão do 47º
Congresso – que a batalha para
ter 10 mil filiados, em junho, é
essencial para construir e estruturar o POI. E, ao mesmo tempo,
o POI não se construirá e não se
desenvolverá, de maneira linear,
por um simples recrutamento individual, nem aliás pela afluência
espontânea de milhares e mil-
hares aliando-se à nossa bandeira, mas sim pelo facto que,
através do combate quotidiano
para reforçar o POI, pelo recrutamento, nós ficamos por dentro das reviravoltas da classe
– cisões, fusões, realinhamentos,
centrismo e rupturas –, que não
deixarão de brotar da crise do
movimento operário, sob o efeito
da luta de classes e da nossa intervenção consciente nesse processo. O Congresso de fundação
do POI marcou, pela primeira
vez a esta escala, a capacidade da
corrente trotsquista se associar:
• por um lado, a uma larga camada de militantes e dirigentes
sindicais entalados pela ofensiva
destrutiva de todas as formas de
democracia política (incluindo os
sindicatos), colocada em marcha
pelo imperialismo, e procurando
uma saída política;
• por outro lado, pela junção
com uma larga camada de presidentes de Câmaras e de outros
eleitos (8), que – para defender a
República e as comunas – não encontraram outro ponto de apoio
senão a acção organizada por
iniciativa dos militantes da 4ª
Internacional. É necessário, em
permanência, mantermos bem
8 – Eleitos – referência ao que, no Brasil, chama-se de prefeitos e vereadores (NdE).
144
Secção Francesa da 4ª Internacional
presente no espírito que o POI
é também o partido de milhares
de presidentes de Câmara que se
agruparam em torno da candidatura de Gérard Schivardi (9), em
defesa das comunas; e também
o partido que tomou a iniciativa
do Apelo de Roquebrun, com as
suas 6.000 assinaturas de eleitos
etc. Este capital político, estejamos certos disso, ser-nos-á seguramente disputado no próximo
período.
Nestas condições, nós estamos confrontados, sobre a linha
da transição, a uma necessária
elaboração sobre aquilo que é o
POI, sobre aquilo em que ele deve
tornar-se e sobre a maneira como
os trotsquistas devem trabalhar
nesse sentido. O POI não é o partido da 4ª Internacional. Mas, ao
mesmo tempo, o seu programa
não contém nada de contraditório
com o programa da 4ª Internacional.
Hoje – numa fase de decomposição, na qual, ao mesmo tempo, termina um período e a classe
não pode combater senão apoiando-se na defesa e na preservação
de tudo aquilo que foi arrancado
no decurso desse período –, a
construção do POI, como autêntico partido operário independente,
significa, de facto, a ajuda à reconstrução do movimento operário
segundo um novo eixo, não de
uma maneira proclamatória e hegemonista, mas inscrevendo-se
constantemente numa política de
frente única cada vez mais audaciosa. Até agora, ninguém pode
dizer que forma tomará amanhã
o partido revolucionário capaz
de conduzir a classe operária à
vitória. Ninguém pode predizer as
formas que tomará este partido e
que relação terá com o programa
da 4ª Internacional. Numerosas
hipóteses podem ser encaradas.
Tudo está em aberto. Mas qualquer
que seja a evolução, quanto mais
nós formos capazes de fazer progredir o POI na sua construção
como pólo político – agregador
de todos os sectores e de todos os
elementos que vão no sentido da
reconstrução da independência
de classe do movimento operário,
no quadro de uma política de
frente única –, mais nós ajudaremos a nossa classe a progredir na
direcção de uma solução positiva.
9 – Gérard Schivardi – militante socialista de longa data e presidente da Câmara
de uma comuna rural – foi o candidato às eleições presidenciais das forças que
se situavam sobre o terreno da democracia e da independência de classe. Actualmente, ele é um dos secretários nacionais do Partido Operário Independente.
145
Documento preparatório do 47º Congresso...
A cada dia sua pena. Na discussão preparatória deste 47º
Congresso são estas as questões
que nos estão colocadas. Elas
exigem a compreensão de que a
transição é uma questão de cada
instante. A amálgama política (no
bom sentido do termo) que se deve
operar no seio do POI – entre os
elementos gradualmente assimilados saídos do programa da 4ª Internacional (não como uma coisa
em si, mas como a generalização
de toda a história do movimento
operário e da sua experiência) e
as camadas e os militantes que se
juntam ao POI – só pode ser feita
no próprio processo de construção
do POI como partido, sem reservas e sem restrição da nossa parte,
sempre preservando (e reforçando) o quadro específico da Secção
Francesa da 4ª Internacional.
No futuro irão ter lugar os
maiores afrontamentos de classe
– eles terão um carácter seguramente inédito, e mesmo surpreendente. O movimento operário
está numa crise sem precedentes,
submetido ao fogo da destruição
e da integração corporativista; ele
vai passar por novas convulsões,
cisões, reagrupamentos, cristali-
zações centristas, rupturas, recomposições, ou mesmo desmoronamentos e desaparecimentos.
É para isso que nos devemos preparar e preparar “quadros revolucionários sólidos, capazes de
tirar proveito da derrocada do
velho partido dirigente”.
Este partido não surgirá de
um processo puramente linear
de construção de um partido
acabado. O seu desenvolvimento
inscreve-se na sua própria intervenção nos processos de decomposição e de recomposição,
nas diferentes etapas da luta de
classes. Ele passará necessariamente por evoluções e choques;
para responder a esses acontecimentos, será necessário manter
firmeza em defesa dos princípios
do programa, bem como “agilidade” e “flexibilidade” na sua
aplicação, porque o que está em
jogo neste 47º Congresso é a preparação organizada dos grandes
afrontamentos de classe que estão
à frente.
146
Notas adoptadas por
unanimidade pelos
membros da direcção
da Secção Francesa de
18 e 19 de abril de 2009
Venezuela: a era Chávez
por Julio Turra
Há pouco mais de 10 anos,
Hugo Chávez era eleito presidente.
Em 1998, apresentando-se
como candidato contra os partidos que há 30 anos repartiam o
poder na Venezuela, a Ação Popular (AP) e o Copei (democracia-cristã) (1), o ex-tenente coronel Hugo Chávez Frias foi eleito
pela primeira vez presidente da
nação, com extraordinário apoio
popular.
Chávez havia se tornado
conhecido por liderar outros jovens oficiais do Exército numa
tentativa de golpe de Estado
em abril de 1992 contra o então
corrupto governo de Carlos Andrés Perez (AD), responsável
anos antes (1989) pela violenta
repressão contra a insurreição
popular conhecida como “Caracazzo”, em que o povo saiu às
ruas de Caracas, a capital venezuelana, em protesto contra um
pacote do FMI de alta de preços.
A repressão causou mais de mil
mortos. Essa insurreição anunciou a crise mortal do regime e
abalou todas as instituições de
Estado, incluindo o Exército.
O próprio Chávez, anos depois,
data o início do processo revolucionário na Venezuela na eclosão
do “Caracazzo”, que demonstrou
à luz do dia o enorme fosso existente entre as massas exploradas e
o “bi-partidarismo” AD-Copei, que
estava instalado no país desde o final da ditadura de Perez Jimenez
1 – A alternância AD e Copei era chamada de “regime do ponto fixo”.
147
Venezuela: a era Chávez
(1958). Um amplo reagrupamento
do baixo oficialato constituiu-se
então no interior do Exército sobre a base de uma posição nacionalista e anti-imperialista.
Desde que sai da prisão (1996),
com um reagrupamento chamado de Movimento Bolivariano,
Chávez passa a fazer campanha
contra a “4ª República” dos
políticos vendidos aos interesses do imperialismo dos Estados
Unidos (muito fortes no país),
agitando a bandeira do “bolivarianismo” (do nome de Simon
Bolívar, herói da independência
contra a Espanha no século 19) e
propondo uma Constituinte.
O vazio político existente na
chamada “esquerda” venezuelana, tendo o PCV, a Causa R e o
MAS (2) se associado a governos
seja da AD, seja do Copei (no
caso, o antecessor de Chávez,
Rafael Caldera), deixou o terreno aberto para que Chávez fosse
visto pelas amplas massas como,
finalmente, a oportunidade de
mudanças profundas em benefício dos mais pobres.
Uma vez eleito, Chávez convoca de imediato, em julho de
1999, a Assembléia Constituinte.
Uma vez instalada, com uma
maioria ligada ao Movimento
5ª República, por ele criado, o
presidente entrega seu cargo e é
por ela confirmado no poder.
O processo que se abre a
partir daí, com a aprovação da
nova Constituição da rebatizada
República Bolivariana da Venezuela em referendo popular,
ilustra a vigência do prognóstico feito por Leon Trotsky no
programa de fundação da 4ª
Internacional (1938), de que
“circunstâncias excepcionais...
podem levar direções pequenoburguesas a ir além do que pretendiam na via da ruptura com
o imperialismo”.
Ou, como gosta de repetir o
próprio Chávez, parafraseando
Bolívar: “Eu sou uma pluma soprada pelo vento da revolução”.
Os anos Chávez:
revolução e
contra-revolução
O novo regime da “5ª República” sempre foi hostilizado pela
classe dominante local, uma bur-
2 – PCV: Partido Comunista Venezuelano; Causa R: na origem, um grupo de sindicalistas revolucionários; MAS: nascido de uma ruptura de setores da AD e do PCV,
em ligação com ex-militantes do MIR, antigos guerrilheiros pró-castristas.
148
Julio Turra
guesia estreitamente associada
aos interesses do imperialismo
dos Estados Unidos e que se beneficiava da riqueza petrolífera
da nação, ainda que a PDVSA
(Petróleos de Venezuela) fosse
uma empresa estatal desde 1971,
mas administrada como um “estado dentro do estado”, a serviço
das elites parasitárias.
Nos seus primeiros anos
de governo, no front interno,
Chávez tentou conciliar os interesses da oligarquia local com
as aspirações profundas que as
massas depositavam no seu governo de mudanças, no sentido
de que atacasse a pobreza da
grande maioria da população. A
adoção da Lei de Terras e outras
medidas populares, que afetavam os interesses do empresariado, o levou rapidamente a se
ver confrontado a uma virulenta
oposição anti-chavista (em novembro de 2001, ele garantiu a
adoção de 48 decretos-leis).
No plano externo, o governo
Chávez começa a desafiar as
ordens emanadas de Washington, que sempre tratou a América do Sul como seu “quintal”.
Ele proibiu o sobrevoo do espaço aéreo nacional por aviões dos
Estados Unidos (envolvidos em
operações de “combate ao nar-
cotráfico” na vizinha Colômbia),
adotou uma postura de valorização do preço do petróleo na
Opep (Organização dos Países
Exportadores de Petróleo), atacou o caráter belicista do governo Bush
Essa situação levou ao frustrado golpe de Estado de abril
de 2002 contra Chávez, organizado por grandes empresários
e oficiais das Forças Armadas,
em conjunto com a embaixada
dos Estados Unidos, e com o
apoio da Comissão Executiva
da Central dos Trabalhadores
Venezuelanos (CTV), e particularmente seu secretário-geral,
Carlos Ortega (a CTV era uma
correia de transmissão do regime do “ponto fixo”).
O presidente chegou a ser
sequestrado pelos golpistas e
detido numa ilha do Caribe pelos golpistas. Foi a irrupção espontânea das massas populares
em Caracas e o levante nas principais casernas (sobretudo do
baixo oficialato e de uma parte
dos oficiais) – que cercaram o
Palácio de Miraflores (sede do
governo), que tinha sido ocupado pelo “novo governo” de
Pedro Carmona (presidente da
Fedecamaras, a Fiesp venezuelana), provocando a fuga em
149
Venezuela: a era Chávez
helicóptero dos golpistas –, que
definiu a situação a favor de
Chávez, resgatado em seguida
por militares leais a ele e reconduzido a Caracas.
O pêndulo se move
para a esquerda
Reconduzido ao poder pela
ação das massas, ainda assim
a atitude de Chávez foi conciliatória com a oposição, convocada pelo presidente para “mesas
de diálogo”, tendo sido processados apenas alguns de seus líderes, os que já haviam abandonado o país.
Mas, no final do mesmo ano
de 2002, a oposição pró-imperialista, apoiando-se nos burocratas sindicais da CTV (que já
haviam participado do golpe
fracassado) e nos gerentes da
PDVSA – os mesmos homens
que, antes, deviam seus cargos
às trocas de favores que caracterizavam o velho esquema
AD-Copei –, deflagra o “paro
petrolero” (3), na verdade um
locaute promovido pela direção
da estatal com a cobertura da
CTV (sem que os trabalhadores
tenham sido consultados para
nada). O objetivo era forçar uma
renúncia de Chávez, paralisando a produção de petróleo (70%
das exportações), e, portanto, o
próprio país.
A ação da classe operária organizada nos sindicatos de base
que se opunham à cúpula da
CTV foi decisiva. As refinarias
de petróleo, sabotadas pelos gerentes que haviam inutilizado o
equipamento (incluindo computadores), foram ocupadas
pelos trabalhadores petroleiros que as puseram a funcionar manualmente. Nos bairros populares e concentrações
operárias, enormes sacrifícios
foram feitos para amenizar a falta de combustível, enquanto em
todo o país se ouvia a mensagem
dirigida a Chávez: “Não capitule
presidente, estamos contigo”!
Foram quase três meses
de batalha, e, finalmente, a
produção de petróleo foi restabelecida, os gerentes demitidos,
e Chávez iniciou um processo de
“refundação da PDVSA”. Assim,
pela primeira vez na história do
país, os bilhões de dólares que a
indústria petrolífera gerava pas-
3 – “Paro Petrolero” – literalmente, greve do setor petrolífero, mas, na verdade, um
locaute patronal.
150
Julio Turra
saram a ser investidos em programas sociais – chamados de
“missões” – nas áreas de saúde,
educação, moradia e infra-estrutura para os setores mais pobres
da população.
A pressão internacional contra o governo, liderada desde
Washington, não parou. Até a
OIT (Organização Internacional do Trabalho) foi palco dessa
ofensiva, através de uma queixa
conjunta da Fedecamaras e da
CTV contra o governo Chávez,
por “atropelos à liberdade sindical”, em função da demissão
dos gerentes da PDVSA. Uma
contra-ofensiva de sindicalistas venezuelanos, apoiada pelo
Acordo Internacional dos Trabalhadores, impediu a condenação do governo Chávez pela
OIT.
para a fundação da União Nacional dos Trabalhadores (Unete),
em abril de 2003, que rapidamente transformou-se na central sindical com maior número
de sindicatos filiados, com uma
base de mais de 1 milhão de trabalhadores.
A Unete jogou um papelchave na campanha “Trabalhadores em Batalha pelo Não”,
quando a oposição, em 2004,
utilizando-se de um recurso
previsto na própria Constituição
bolivariana que combatia, conseguiu reunir o número de assinaturas necessárias para submeter o presidente Chávez a um
“referendo revogatório” de seu
mandato.
Um passo para
a organização
independente
Realizado em agosto, a vitória
do “Não”, que confirmava Chávez
no poder, aconteceu por quase
70% dos votos, comemorados
pelas massas como sinal de aprofundamento do processo revolucionário que tanto ansiavam.
Como resultado direto do engajamento dos setores operários
na luta contra o “paro petrolero”
sabotador, e diante da passagem
da CTV de armas e bagagens
para o campo da oposição burguesa pró-imperialista, várias
correntes sindicais confluíram
Em 2006, Chávez é reeleito
com praticamente a mesma votação do referendo, anunciando
que o rumo da revolução seria o “socialismo do século 21”,
ainda que os contornos desse socialismo não se apresentem de
forma clara (por exemplo, nele
151
Venezuela: a era Chávez
caberiam “empresários”, vários
tipos de propriedade, incluindo
a propriedade privada etc.).
Fortalecido pelo respaldo popular, Chávez nacionaliza empresas (como a Invepal)
abandonadas por empresários
que saíram do país ou simplesmente as largaram, e incentiva experiências de cooperativas e de “auto-gestão”. Essas
experiências provocaram uma
viva polêmica no movimento
operário, pois, além do fracasso
de várias delas, “a autogestão”
esconde a inevitável integração
da organização sindical, e, portanto, sua dissolução.
Algumas dessas emendas, como
a que previa conselhos de trabalhadores nas empresas, sem
delimitar claramente que lugar
teriam os sindicatos, provocaram polêmicas no movimento
sindical (num momento em que
a própria Unete vivia uma crise
interna desde seu 2º Congresso,
em junho de 2006) e entre os
próprios chavistas.
Nos últimos dois anos, sentindo a necessidade de uma base
de apoio organizada, Chávez
propõe acabar com o Movimento
5ª República, e constituir, junto
com outras formações políticas
que apoiavam o seu governo,
o Partido Unido Socialista da
Venezuela (PSUV).
O fato é que o “Não”, pelo
qual a oposição pró-imperialista fez campanha, ganhou por
estreita margem, mas, na verdade, o que lhe deu a vitória foi
a grande abstenção de setores
populares que anteriormente
haviam votado com Chávez.
Muitos dirigentes e militantes
venezuelanos atribuíram a “culpa” pela derrotada à rejeição que
existe a autoridades e ministros
“chavistas”, que além de se enfrentar contra os trabalhadores
e setores populares que lutam
por suas reivindicações, seriam
reconhecidamente corruptos.
Mas, antes disso, seu governo sofre a primeira derrota eleitoral, em dezembro de
2007, quando Chávez propôs
a refe-rendo um conjunto de
emendas constitucionais, incluindo a possibilidade de reeleição
indefinida para presidente.
Entretanto, o PSUV, formalmente constituído em seu 1º
Congresso de julho de 2008, é
uma formação policlassista, que
agrupa desde setores da burguesia local e da pequena-burguesia, passando por militares e altos funcionários (que, no seio do
152
Julio Turra
partido, são chamados de “direita endógena”), até correntes
que se declaram marxistas.
A situação atual
O período de preparação do
congresso do PSUV coincidiu
com uma série de greves e mobilizações em distintos setores
para defender os salários da inflação (que é alta no país, cerca
de 50% ao ano) e contra a degradação das condições de trabalho (em particular contra a
terceirização, inclusive em empresas públicas).
Uma delas ganhou relevância
nacional e tornou-se um símbolo
da situação que vive a Venezuela
hoje. Trata-se da mobilização
dos trabalhadores da Sidor, no
Estado de Bolívar, maior siderúrgica do país e que tinha sido
privatizada no passado. Iniciada
pelos trabalhadores terceirizados (subcontratados), a greve
se chocou com a multinacional
que era dono da Sidor, ultrapassou a direção sindical e acabou
forçando o governo Chávez a reestatizar a empresa, bem como
a assumir o compromisso de
transformar os trabalhadores
terceirizados em trabalhadores
fixos da Sidor (processo ainda
em curso).
Uma vez mais, foi a atuação
independente do movimento
operário que acabou pressionando Chávez a adotar medidas
de ruptura com os interesses
dos capitalistas.
Diante da crise mundial do
capitalismo, que sacode o mundo desde o final de 2008, Chávez
criticou diretamente o FMI e
Banco Mundial, apontando-os
como responsáveis pelas políticas que a criaram, dispensando
qualquer “contribuição” que
pudesse vir desses organismos.
Condenando a brutal agressão
do Estado de Israel na Faixa de
Gaza, no final de 2008 e início de
2009, o governo venezuelano não
ficou só nas palavras, mas expulsou o embaixador de Israel, tal
como já havia feito antes com o
embaixador dos Estados Unidos,
em solidariedade ao governo de
Evo Morales, da Bolívia, quando
este enfrentou a ameaça secessionista de Santa Cruz e outras
regiões, patrocinadas por Washington. Hoje, conjuntamente
com os governos de Correa, do
Equador, e o mesmo Evo Morales,
a Venezuela realiza uma auditoria
de sua dívida externa.
Essas demonstrações de independência diante dos ditames
153
Venezuela: a era Chávez
do imperialismo dos Estados
Unidos anteciparam a recente
vitória do “Sim” no referendo
de 15 de fevereiro passado, que
permite a reeleição indefinida
para todos os cargos (e não só o
de presidente).
papel principal, a burguesia
nacional ocupa, do ponto de
vista de sua situação social,
uma posição bem inferior à
que ela deveria ocupar com
relação ao desenvolvimento
da indústria.
É uma vitória que renova o
mandato que o povo venezuelano
dá a Chávez: defender a nação do
imperialismo, defender a força
de trabalho que constrói a nação
contra a exploração capitalista.
Como o capitalismo estrangeiro não traz junto
os trabalhadores de fora,
mas proletariza a população nativa, o proletariado
nacional começa, muito
rapidamente, a ocupar o
papel mais importante na
vida nacional. Em tais
condições, na medida
em que o governo nacional tenta oferecer
uma resistência ao
capital estrangeiro, ele
se vê levado, em maior
ou menor medida, a se
apoiar no proletariado.
Qual é então a natureza do
governo Chávez? Para esclarecer este fenômeno contraditório
– o de um governo pequenoburguês levado ao poder e mantido pela ação das massas, que
adota medidas de ruptura com
a política ditada pelo imperialismo estadunidense, mas que
busca um equilíbrio entre as
classes na Venezuela – é útil nos
reportarmos, como base teórica,
ao texto inacabado que Trotsky
deixou sobre sua mesa de trabalho no dia em que sofreu sua
agressão mortal, em agosto de
1940. Analisando os “países
atrasados”, ele escreveu:
“Como
nos
países
atrasados, é o capitalismo
estrangeiro e não o capitalismo nacional que joga o
154
Por outro lado, os governos dos países atrasados que consideram como
inevitável ou mais vantajoso marchar lado a lado
com o capital estrangeiro
destroem as organizações
operárias e instauram um
regime mais ou menos totalitário. Assim, a fraqueza da burguesia nacional,
a ausência da tradição de
Julio Turra
governo próprio, a pressão
do capital externo e o
crescimento relativamente
rápido do proletariado
cortam pela raiz qualquer
possibilidade de um regime democrático estável.
Os governos dos países
atrasados – quer dizer,
países coloniais ou semicoloniais – assumem, em
seu conjunto, um caráter
bonapartista ou semibonapartista. Eles se distinguem entre si pelo
fato de que alguns tentam se orientar para a
democracia, buscando
o apoio dos trabalhadores e dos camponeses, enquanto outros
instauram uma ditadura político-militar
rígida. Isso determina
também a sorte dos sindicatos: ou eles ficam
sob a tutela do estado,
ou são submetidos a
um cerco cruel.
Esta tutela corresponde a duas tarefas
antagônicas às quais
o Estado deve fazer
frente: primeiramente,
atrair a classe operária
para ganhar um ponto
de apoio para a re-
sistência às pressões
excessivas do imperialismo, mas, ao mesmo
tempo, disciplinar estes mesmos trabalhadores,
colocando-os
sob o controle de uma
burocracia” (destaques
da edição).
A situação atual não é, certamente, a mesma dos anos 40
do século passado. A fraqueza
da “burguesia nacional” a transformou em uma burguesia compradora do imperialismo (neste
caso, dos Estados Unidos), sócia menor de suas iniciativas.
Mas a análise sobre o caráter
bonapartista ou semi-bonapartista do governo dos países
atrasados continua válida. No
caso de Chávez, na Venezuela,
orientando-se sobre uma linha
de resistência ao imperialismo,
ele busca “o apoio dos operários e camponeses”, mas sempre
tentando colocar suas organizações sobre a tutela do estado,
para discipliná-las.
A estrutura do estado continua sendo a de um estado
semi-colonial, mesmo abalado
de alto a baixo, de um lado, pelo
processo revolucionário, e, de
outro, pela ofensiva imperialista. O governo toma medidas
155
Venezuela: a era Chávez
parciais de ruptura com o imperialismo, mas ele se orienta,
antes de tudo, pela afirmação da
defesa da unidade nacional.
A ofensiva imperialista passa
também pelo apoio aos movimentos regionalistas, como
no Estado de Zulia. Esta situação é transitória. O movimento
instintivo da classe tende a exigir a formação de um verdadeiro
governo operário e camponês,
que varra de cabo a rabo todas
as instituições do estado semicolonial. Esse movimento corresponde aos processos revolucionários em curso na América
do Sul. Mas o fator subjetivo,
quer dizer, o grau de organização da classe, é o elemento fundamental. E Chávez, ao mesmo
tempo, tenta impedir a organização independente da classe.
Assim, aproveitando-se da
crise da Unete, setores do governo ligados à burocracia do
Ministério do Trabalho criaram
uma central sindical (a Central
Socialista dos Trabalhadores,
CST), ligada diretamente ao
PSUV e a membros da Força Bolivariana dos Trabalhadores.
cialismo – quer dizer, na via da
abolição da propriedade privada
dos meios de produção e da “expropriação dos expropriadores”
– é que a classe trabalhadora da
Venezuela progrida em sua organização independente. Um
primeiro passo nesse caminho
é superar a crise da Unete, para
que a central possa jogar o papel
ao qual está chamada, a fim de
que o processo revolucionário
que está aberto na Venezuela
tenha o desfecho mais positivo,
o que teria repercussões em
toda a América Latina e em outras regiões do mundo.
Para isso, existem elementos
desde já, e é sobre eles que se
apoia a construção da seção da
4ª Internacional na Venezuela.
A declaração política adotada
pela Federação dos Trabalhadores de Zulia, da Unete, para
as comemorações do 1º de Maio
de 2009, coloca em evidência o
que acabamos de afirmar:
A condição para uma progressão efetiva na via do so156
“Neste 1º de Maio, o
movimento da classe trabalhadora está confrontado a problemas como o
desrespeito às convenções
coletivas; a recusa de fato
e/ou de direito, por parte dos patrões públicos e
Julio Turra
privados, de discutir novas convenções coletivas;
a manutenção do trabalho
informal, em violação à
Constituição nacional e a
várias sentenças do Tribunal Superior de Justiça
a esse respeito; a perseguição judicial contra
trabalhadores e dirigentes
sindicais etc.
Apesar de tudo, a classe
trabalhadora não cessou
o seu combate. Mas ela
se viu obrigada a fazê-lo
de forma dispersa e parcial, com avanços que não
significam uma mudança
substantiva na relação
de forças em nível nacional favorável aos trabalhadores. É por isso que o
movimento da classe e de
suas organizações deve ser
socialmente colocado no
centro da luta.
No contexto da grande
crise internacional do sistema capitalista, só a classe
operária organizada pode
e tem os meios para dar
uma resposta à barbárie
que esta crise prepara de
forma acelerada.
A vontade de luta re157
afirmada pelos trabalhadores dos setores público e
privado é uma das formas
pelas quais se exprime esta
crise na Venezuela. O G-20
e as organizações internacionais como o FMI dão
apenas um remédio, cujo
resultado é praticamente o
de enviar o doente ao cemitério. Suas resoluções, para
punir os países que não
praticam o livre-comércio
e que protegem seu mercado interno, buscam, entre outros objetivos, isolar
o processo revolucionário
em curso na Venezuela.
Na Venezuela, há setores
que, apesar das medidas
adotadas pelo presidente
Chávez, querem (tal como
os capitalistas do mundo
inteiro e suas organizações, como o FMI e o Banco
Mundial) despejar o peso
da crise nas costas dos trabalhadores.
Como eles não têm
outro jeito, usam a velha
cantilena segundo a qual
não há dinheiro, é preciso
reduzir os custos (o que
inclui os salários e os empregos), é necessário se
sacrificar pelo país etc.,
Venezuela: a era Chávez
tentam falsificar o socialismo (poder dos trabalhadores) e ficam repetindo as
mesmas coisas, agora com
um verniz vermelho, para
defender as empresas ‘socialistas’ e as convenções
‘socialistas’.
Lembramos hoje que a
PDVSA e as empresas estatais foram recuperadas em
proveito da nação, para os
trabalhadores e não para
os gerentes hipócritas (vermelhos por fora, brancos
por dentro).
Digamos claramente:
eles não têm nenhuma coragem. Eles são os gerentes capitalistas de companhias anônimas que apenas
aplicam as diretrizes impessoais do capital, por um
lado, e por outro tentam
desviar o dinheiro das empresas em benefício pessoal
ou de um grupo – dinheiro
do povo trabalhador.
Atacar os interesses dos
trabalhadores só beneficia
ao capital e a todos que
trabalham para ele: o imperialismo estadunidense,
os partidos de oposição, a
Fedecamaras, os sindicatos a serviço do patronato,
os meios de comunicação,
a hierarquia eclesiástica
etc.
Os aumentos salariais,
não somente o reajuste
do poder de compra dos
trabalhadores, são estímulos econômicos para
a produção interna, pois
sustentam outras empresas, outros trabalhadores,
garantindo um consumo
sustentável. Nós, os traba-lhadores, investimos o
dinheiro em compras no
nosso país, não o enviamos
para as ilhas Cayman ou
outros paraísos fiscais.
158
Apoiamos as medidas
tomadas pelo presidente
Chávez, mas afirmamos
que é preciso aprofundálas, que é necessário ir
mais longe. É preciso estatizar o sistema bancário,
decretar o monopólio estatal do comércio exterior,
criar rapidamente os sistemas complementares de
aposentadorias e pensões
para começar a construir
um verdadeiro e efetivo
sistema de Previdência Social integral, que será também uma fonte importante
Julio Turra
de renda (na casa dos 20
bilhões de dólares) para financiar obras de infra-estrutura, escolas, hospitais,
agroindústria etc.
As organizações sindicais
são conquistas do movimento operário venezuelano. A Unete é também uma
conquista, um concentrado
histórico dos combates dos
trabalhadores da Venezuela, apesar de todas as críticas que possam lhe fazer.
Nós, os trabalhadores,
não iremos renunciar a
ela para embarcar em
uma nebulosa ‘solidariedade operária’ erguida
por patrões, militares
facciosos, juízes destituídos
por terem tomado decisões
contra o programa Barrio Adentro, velhos e novos
intelectuais partidários da
4ª República, um vereador
de Chacao, membros de
ONGs financiadas pelo imperialismo, trânsfugas da
esquerda, todos agrupados
no Movimento 2D. Uma
iniciativa ferozmente hostil
aos trabalhadores, que tem
a coragem de lançar um
chamamento público para
reivindicar... o 1º de Maio!
159
Finalmente,
somos
pela defesa e pelo aprofundamento, de forma
decidida, das conquistas
da revolução bolivariana
em matéria de saúde, de
educação, de emprego,
de aumentos salariais, da
constituição de redes de
alimentação e de atenção
aos setores excluídos, de
estatizações, do exercício
da solidariedade nacional e
da solidariedade ativa com
os povos de nossa América
e do mundo.
A unidade ocorre na
luta, com os sindicatos
autênticos dos trabalhadores, e na revolução bolivariana, em torno do combate por:
• respeito às convenções
coletivas;
• discussão das convenções coletivas encerradas;
• eliminação do trabalho informal nos setores
público e privado;
• uma nova lei do trabalho;
• um sistema integral de
Previdência Social;
Venezuela: a era Chávez
• liberdade sindical
completa e direito de greve,
sem restrições patronais
ou judiciais à luta social;
• pleno exercício de todas as liberdades e direitos
sindicais e democráticos.
Viva o 1º de Maio!
Viva os trabalhadores!
Viva os sindicatos!
Viva a união nacional
dos trabalhadores!
Os elementos para avançar
na constituição de um Partido
dos Trabalhadores existem. É
possível se apoiar em setores
da Unete que combatem para
reconstituir a central sindical a
nível nacional. Além disso, tratase de afirmar uma clara posição
de defesa incondicional do
governo Chávez face aos ataques
do imperialismo, apoiando-se
em todo o passo adiante de ruptura, de estatização etc., mas
preservando toda a independência política.
Maracaíbo, 29 de abril
de 2009”
160
maio de 2009
O Secretariado Internacional
da 4ª Internacional comunica:
Guillermo Lora
(1921-2009)
Saudamos a memória do dirigente revolucionário Guillermo
Lora, que morreu em 17 de maio
de 2009, aos 88 anos.
O nome de Guillermo Lora
ficará indissoluvelmente ligado
à história da Bolívia e ao combate de seu povo contra o imperialismo e seus agentes locais, ao
desenvolvimento do movimento
operário na Bolívia e à luta internacional dos trabalhadores por
sua emancipação, em função do
lugar que Guillermo Lora teve no
combate da 4ª Internacional.
Guillermo Lora nasceu na
região mineira do país, na qual viria
a desempenhar um importante papel. Ele começou os estudos de direito, que interromperia após sua
adesão ao Partido Operário Revolucionária (POR), em 1943. O POR,
fundado em 1935, reclamava-se da
4ª Internacional.
A partir de 1944, Guillermo
Lora concentra sua atividade
nas minas, setor fundamental
da classe operária na Bolívia.
Em 1947 é eleito deputado pelo
“Bloco Parlamentar Mineiro”.
Mas, em 1949, teve que se exilar no Chile. É preso quando retorna, permanecendo detido até
abril de 1952.
Em abril de 1952, com o governo da Bolívia nas mãos de
uma junta militar, um golpe de
Estado fracassado provoca a mobilização das massas, que exigem
o fim do governo militar.
O Movimento Nacional Revolucionário (MNR), partido
nacionalista pequeno-burguês,
que esperava se beneficiar da
situação, canalizando a ação das
massas, vê-se confrontado com
o início da guerra civil. Os dirigentes se resignam a armar os
161
Guillermo Lora (1921-2009)
galidade, o programa desta campanha foi lançado
publicamente, ao mesmo
tempo em que lançamos
um apelo a todos os partidos de massas, entre os
quais o MNR, para organizar uma frente comum de
luta contra o imperialismo.
O partido não alimenta
ilusões sobre o anti-imperialimo pequeno-burguês,
mas está particularmente
interessado em ajudar os
trabalhadores e os setores
explorados da classe média
a encontrarem o caminho
revolucionário.”
operários. A insurreição varre o
poder de estado.
Nesses acontecimentos, no
desenvolvimento da Revolução
Boliviana em 1952-1953, o POR,
sob a direção de Lora, desempenha um importante papel. Ele
preserva a independência do
movimento operário frente à burguesia. Para isso, enfrenta uma
grave luta interna, na qual a corrente animada por Lora se opõe
aos representantes bolivianos do
“Secretariado Internacional” revisionista de Pablo e Mandel.
Em uma entrevista ao semanário A Verdade– então
publicado pelo Partido Comunista Internacionalista, a seção
francesa da 4ª Internacional,
que tinha se oposto à política de
liquidação pró-stalinista conduzida por Pablo-Mandel –, ele declara notadamente:
“O Partido Operário
Revolucionário,
nossa
seção,
fortemente
enraizado nos setores mais
importantes do proletariado, tem desenvolvido nos
últimos meses uma grande
campanha política, polarizando
politicamente
amplos setores dos explorados. Mesmo na ile-
Se o POR foi então capaz de
apontar com sua ação o “caminho
revolucionário” e de preservar
a ação do movimento operário,
após uma nova ditadura militar
imposta com sangue, e isto ao
preço de grandes sacrifícios, entre
os quais o de César Lora, irmão de
Guillermo, é porque a atividade
do POR junto à classe operária,
particularmente nos setores mineiros, foi desenvolvida sobre uma
clara linha política.
Esta linha foi notavelmente
traduzida nas teses adotadas
pela Federação Sindical dos Trabalhadores Mineiros da Bolívia,
em novembro de 1946. Esta fed-
162
Comunicado do Secretariado Internacional da 4ª Internacional
artesãos. Dizemos que, se
não quisermos afogar no
nascimento a revolução
democrático-burguesa,
temos de considerá-la apenas como uma fase da revolução proletária (...).
eração, em seguida, desempenhou um papel central na constituição da Confederação Operária
Boliviana (COB), que ainda hoje
é a base de organização do proletariado boliviano. Essas teses,
chamadas “Teses de Pulacayo”,
foram redigidas por Guillermo
Lora. Elas constatavam que:
“O proletariado na
Bolívia, como em outros
lugares, constitui a classe
social revolucionária por
excelência (...). A Bolívia é
um país capitalista atrasado; no seio de sua economia, coexistem diferentes
estágios de evolução e diferentes modos de produção,
mas é o modo de produção
capitalista o qualitativamente dominante. A hegemonia do proletariado na
política nacional decorre
desse estado de coisas (...).
Nós, trabalhadores mineiros, não insinuamos
que se pode passar por alto
das tarefas democráticoburguesas, ou seja, da luta
pelos direitos democráticos
elementares e pela reforma
agrária anti-imperialista.
Não negamos a existência
da pequena burguesia, em
sua maioria camponeses e
Nós, trabalhadores das
minas, denunciamos aos
explorados os que pretendem substituir a revolução
proletária pelas revoluções
palacianas fomentadas pelos diversos setores da burguesia feudal.”
Durante a sucessão de governos militares ou ditatoriais que esmagaram as liberdades democráticas, Guillermo Lora continuou a
assumir suas tarefas de dirigente
do POR, tanto na clandestinidade,
quanto no exílio.
Ele deixa, igualmente, considerável obra histórica consagrada à história da Bolívia e, em
especial, à história de seu movimento operário.
Em 1970, Guillhermo Lora
desempenhou um papel considerável no combate que levou
não apenas à queda da junta
militar e ao estabelecimento de
um governo nacionalista burguês presidido pelo general Torres, mas também à constituição
163
Guillermo Lora (1921-2009)
da Assembléia Popular, o ponto
mais elevado atingido em sua
luta pelas massas exploradas e
oprimidas na Bolívia.
Esta assembléia, formada
a partir das organizações da
classe operária, de sua mobilização nas localidades e nas empresas, englobando os setores
oprimidos dos camponeses
e da pequena burguesia das
cidades, reuniu-se em 21 de
junho de 1971. Uma vez aberta
uma situação de duplo poder,
a hierarquia militar reagiu com
um levante armado a partir da
província de Santa Cruz, que,
após duros comba-tes, fez submergir novamente a Bolívia
num regime ditatorial.
Guillermo Lora publicou um
livro sobre essa experiência, do
qual foi extraído o texto discutido,
em abril de 1972, na Conferência
Latino-Americana pela Reconstrução da 4ª Internacional (texto
publicado em “A Verdade” nº 557,
de julho de 1971, páginas 36 a 53).
Neste texto, Lora explica:
“A Assembléia foi, antes de tudo, uma autêntica
criação das massas bolivianas, e, em particular,
do proletariado (...). A Assembléia Popular foi desde
o início um organismo de
caráter soviético.”
Lora estava então associado
ao Comitê de Organização pela
Reconstrução da 4ª Internacional (Corqui), com a corrente
política que reproclamou a 4ª
Internacional em 1993.
Seria desrespeitoso à memória
do camarada Guillermo Lora não
assinalar aqui as sérias divergências políticas que, em diversas
ocasiões, opuseram nossa corrente às posições que ele defendeu. Essas divergências levaram
a uma ruptura quando Guillermo Lora, abandonando toda
uma parte de sua elaboração
anterior, rejeitou, nos fatos, a
frente única anti-imperialista,
relegando a um segundo plano
as reivindicações democráticas.
Esses desacordos surgiram,
essencialmente, como resultado
de apreciações diferentes da situação e das tarefas na Bolívia. Na
verdade, tiveram suas raízes na
posição de Guillermo Lora, para
quem a solução dos problemas e
da crise da 4ª Internacional dependia exclusivamente da prévia
construção de um partido revolucionário na Bolívia, o que o levou
a abandonar o combate pela reconstrução da 4ª Internacional.
164
Comunicado do Secretariado Internacional da 4ª Internacional
Hoje, quando as massas bolivianas estão escrevendo um
novo capítulo de seu combate
contra a dominação imperialista e contra a exploração, está
se reconstituindo uma seção da
4ª Internacional. Junto com ela,
saudamos a memória do camarada Guillermo Lora, militante
revolucionário com o qual trabalhamos em comum e que, aos
nossos olhos, permaneceu um
revolucionário, apesar dos profundos desacordos políticos que
levaram a uma ruptura com ele.
O legado da vida militante
e da obra de Guillermo Lora é
parte integrante do próprio desenvolvimento do movimento
operário. Isso ocorre pela ação
e pela construção de uma seção
da 4ª Internacional na Bolívia,
que recuperará o que afirmou,
em 1953, a resolução adotada
pelo 10º Congresso do POR:
165
“Os filisteus podem
prender e perseguir os
combatentes da vanguarda revolucionária, podem
caluniar aqueles que lutam lado a lado com os
operários nas fábricas,
nas minas e com os camponeses, podem pagar
detratores para insultar
o POR, mas não têm nenhum poder para deter a
roda da história. A vitória
final será dos operários
e camponeses! É assim
que triunfará a revolução
boliviana, que, pelo seu
caráter permanente, é
parte integrante da revolução socialista mundial que acontece sob nossos
olhos.”
Paris, 22 de maio de 2009
Budapeste (Hungria), 4 de abril de 2009
Debate de lançamento do
livro “1956, a Revolução
dos Conselhos Operários”
por A.K.
No sábado, 4 de abril, em
Budapeste, as camaradas
Marika Kovacs e Liliane
Fraysse apresentaram
a edição em língua
húngara de seu livro
“1956, a Revolução dos
Conselhos Operários”
vita” (“Informações e debates”),
publicado há dois anos.
Lembremos que a versão
francesa deste livro surgiu há
três anos, editada por Cahiers
du Cermtri, sob o título de “Outubro Húngaro de 1956 – A Revolução dos Conselhos”, no qual
nossa camarada Marika Kovacs
relata as lembranças de sua participação, como jovem militante
comunista, na Revolução Húngara. Ele foi traduzido para o
húngaro por uma camarada que
está na origem da existência do
boletim húngaro “Informacio es
Esta reunião na Hungria
foi um duplo acontecimento.
Primeiro porque, pela primeira
vez, aparece na Hungria e em
húngaro um livro que, como
destacaram diversos participantes do debate, restabelece a
verdade histórica sobre o que foi
a Revolução Húngara dos Conselhos Operários : uma revolução política contra a burocracia stalinista, uma revolução
na qual a classe operária húngara, se reapropriando de suas
tradições cuja origem é a Revolução de 1919, na continuidade
da Revolução Russa, dotou-se
de seus próprios órgãos: os conselhos operários.
166
A.K
Ora, depois de 1956, não
somente a burocracia buscou
sufocar esta verdade histórica
sob a tumba das calúnias, mas
após sua queda, no final dos
anos 1980, todos os regimes
sucessivos que privatizaram e
dividiram a propriedade social
estão obstinados em impedir a
classe operária húngara de tomar conhecimento desta página
fundamental de sua história. E
isto por causa, precisamente,
da continuidade entre o regime
burocrático que acabou por esmagar os conselhos operários e
o “novo regime” que surgiu depois de 1989.
Prova viva desta continuidade: alguns dias antes desse
debate, foi anunciada a demissão do primeiro-ministro
“socialista” Ferenc Gyurcsany.
Primeiro-ministro de 2004 a
2009, Gyurcsany começou sua
carreira no final dos anos 1980
na direção da organização da juventude do regime burocrático.
Em seguida, converteu-se aos
“negócios”, após a queda do regime stalinista em 1989, antes
de retomar o serviço no “Partido Socialista”, o principal partido oriundo do partido único
da burocracia. Seus quatro anos
à frente do governo foram marcados por uma ofensiva bru-
tal contra a classe operária e o
campesinato, pela entrada da
Hungria na União Europeia em
1º de maio de 2004, e, há alguns
meses, pela submissão do país à
tutela do FMI.
Uma demissão que diversos
militantes húngaros têm acordo
em comentar assim: Gyurcsany,
cuja política de privatização-pilhagem a serviço da União Europeia foi rejeitada pelas massas,
não era capaz de servir até o fim
de correia de transmissão das
exigências que o FMI acaba de
formular ao governo húngaro
“em troca” dos créditos concedidos. E isso quando as multinacionais, implantadas na Hungria
há mais de quinze anos devido
ao “baixo custo de trabalho”
(particularmente por causa da
proibição dos sindicatos nessas
empresas), multiplicam as ondas de demissões.
O novo governo – dirigido,
por proposta do mesmo Gyurcsany, por seu antigo ministro
da Economia Gordon Bajnai
– informou imediatamente que
convocaria os sindicatos a fim
de comprometê-los a aceitar os
drásticos cortes nas despesas
públicas. Está previsto, em particular, tentar impor, em todos
os setores do estado, “a semana
167
Debate de lançamento do livro “1956, a Revolução dos Conselhos Operários”
de quatro dias de trabalho”... com
uma redução de 20% dos salários.
“É contra isso”, afirma uma militante húngara, “que todos os sindicatos se opõem até o momento”.
Compreendemos então para
que serve a verdadeira campanha de progrons (1) contra a
minoria cigana (17 mortos, homens, mulheres e crianças, desde 1º de janeiro de 2009), organizada pelo grupo provocador
“A Guarda Húngara”, visando
opor os trabalhadores entre si,
como aconteceu, sob outras formas, na ex-Iugoslávia.
“Muitos livros foram
escritos sobre 1956, mas a
maioria é parcial, partindo de pré-julgamentos
políticos e ideológicos. Eu
mesmo me perguntei o que
realmente foi 1956: uma
revolta? Uma revolução?
Aqueles que, como Marika, o viveram, podem responder, para pertimitir a
cada um julgar a questão
por si mesmo.
O debate organizado pelas camaradas Marika Kovacs e Liliane
Fraysse (que ocorreu no Club
Kossuth (2)) não esteve limitado
a aspectos históricos, mas associou permanentemente as lembranças de Marika Kovacs com a
sua atualidade, em relação direta
com a situação internacional e a
da própria Hungria.
Depois de ter lido este
livro, eu diria que está
claro que os conselhos
operários foram uma revolução, pois os conselhos
sempre
proclamaram:
‘Não entregaremos as fábricas e as terras, que pertencem aos operários e aos
camponeses’. Os conselhos
recusaram o retorno do
capitalismo e combateram
pelo socialismo numa Hungria independente.
Abrindo a discussão, uma
militante do grupo húngaro “Informacio es vita” declara:
O conselho de estudantes (do qual Marika era
uma militante) declarou:
1 – Progrom – Perseguição e massacre étnico contra minorias (NdE).
2 – Lajos Kossuth (1802-1894) – Herói do movimento revolucionário nacional e
democrático na Hungria. Deputado durante a Revolução de 1848, tomou posição
no fim de sua vida por uma federação dos povos e nações livres da região dos
Bálcãs e do Danúbio.
168
A.K
‘A fábrica pertence aos
operários, e os conselhos
operários são a forma de
organização mais elevada’.
Para mim, este livro foi útil,
e vai servir a outros. É um
ponto de vista diferente.
A pessoa que o escreveu
se comporta como uma
militante comunista e leninista. Convido-os então a
uma discussão livre e sem
constrangimentos.”
Marika Kovacs tomou então
a palavra para apresentar o livro e contar como, “durante um
longo tempo, depois de ser constrangida a deixar a Hungria
após a revolução, buscamos um
caminho”... caminho que a levou a conhecer a obra de Trotsky
analisando a degenerescência
da URSS, o livro “A Revolução
Traída”, por meio de militantes da Organização Comunista
Internacionalista (OCI, pela reconstrução da 4ª Internacional), e a unir-se ao combate pela
4ª Internacional.
assistir ao debate. Uma destas
jovens militantes operárias nos
confidenciou, após o debate:
“Eu poderia escutá-los durante
toda a noite!”
Outros vieram de ainda mais
longe, como camaradas de uma
região da Eslováquia onde vive
uma importante minoria húngara. Na partida, todos pegaram
exemplares do livro para difundir.
“É necessário um partido?”
Um professor de filosofia
– que tomou conhecimento do
conteúdo do livro em sua versão
francesa – foi um dos primeiros
a tomar a palavra:
Na sala, perto de 35 militantes, de todas as gerações, escutaram atentamente e também
falaram. Alguns, como três militantes de um comitê sindical da
metalurgia, percorreram 160
quilômetros de ida e volta para
169
“A primeira coisa que
me surpreendeu foi o título, pois é indispensável
para afirmar o que verdadeiramente foi 1956:
uma revolução operária,
a revolução dos conselhos
operários. Em segundo
lugar, é muito importante
o que Marika conta sobre
sua infância no interior.
Agora, muitos jovens não
sabem o que era a vida
difícil no campo há 60 anos
ou mais. É importante
lembrar, pois isso permite
ver como a vida dos cam-
Debate de lançamento do livro “1956, a Revolução dos Conselhos Operários”
poneses melhorou e também para medir o que nós
perdemos nos últimos 15
anos.
Este livro é, além disso,
na minha opinião, particularmente importante
para a nova geração. Pois,
através da história pessoal de Marika, a maneira
como ela se tornou membro do partido, permite-se
compreender o que a levou a abrir os olhos, compreender que a realidade
não era o que ela tinha
pensado, entender a cegueira do stalinismo até
o ponto da ruptura com
ele. Enfim, este livro coloca uma questão política
abordada por Marika e
que abre uma discussão:
é necessário um partido?
Os conselhos operários fizeram uma demonstração
de que eram capazes de assumir a organização da sociedade, a revitalização, a
organização da produção.
Então, há realmente necessidade de um partido?”
livro! É um excelente instrumento de propaganda, que
ajuda a descobrir os fatos.”
Uma novidade: a edição
em húngaro do Programa de
Transição
Numa de suas intervenções,
Marika retomou estas questões
políticas:
Ele concluiu sua intervenção
novamente sublinhando:
“Que a juventude leia este
170
“É verdade que, em 1956,
os conselhos operários tinham assumido a sociedade
e que demonstraram que
eram capazes de dirigi-la.
Minha opinião, e aquela
de meus camaradas, é que
é necessário destruir este
sistema capitalista mundial em plena crise, que já
causou tantos prejuízos.
Quem pode acabar com
este sistema?
Vivemos num nundo no
qual há classes sociais. Como
Marx demonstrou há mais
de 150 anos, toda a riqueza
é produzida pela classe trabalhadora. Podemos utilizar
não importa qual máquina
moderna: ela não existiria
nem funcionaria sem o trabalho humano. Mas a classe
que produz todas as riquezas é sempre oprimida por
A.K
aquela que possui os meios
de produção.
Hoje, esta classe dominante tornou-se um fator
de guerra, de decomposição
por meio da especulação. O
que deixaremos a nossos
netos se não revertermos
este sistema? Então, o problema colocado é ainda hoje
o do combate pelo socialismo, por uma sociedade
baseada no trabalho, sem
exploração nem opressão.
Os conselhos operários
fracassaram em 1956, pois
estavam sós; o stalinismo,
para esmagá-los, os havia isolado do movimento
operário internacional. Os
conselhos hesitaram e não
derrubaram o governo,
deixando em suas mãos o
poder político. Portanto,
creio que os operários têm
necessidade de um partido
que ajude a desenvolver
a consciência das massas, que ajude a combater
pela democracia, ou seja,
por representantes eleitos,
mandatados e revogáveis
pelos trabalhadores.
Para isso é necessário
nos organizarmos. Pode
ser dito que não somos
muitos? Mas se aqueles que
estão aqui disserem: ‘Não
podemos continuar como
antes’, nós ajudaremos a
expressar o que é a aspiração da maioria do povo.”
Marika abordou em seguida
os problemas políticos da luta
de classes na França, os obstáculos para as “jornadas de ação”, a
campanha do Partido Operário
Independente (POI) pela marcha unida pela proibição das demissões, a necessidade do combate para acabar com a União
Europeia, por uma Federação
Livre dos Povos da Europa e da
Região
Balcânica-Danubiana
etc. E concluiu:
“Então, sim, eu tenho
meu partido. Mas qual
deve ser o dever de um partido? Demonstrar os fatos
e permitir aos trabalhadores avançarem.”
É precisamente para contribuir com esta reflexão que foi
apresentada aos participantes
do debate uma edição em língua húngara do programa da
4ª Internacional, “A Agonia do
Capitalismo e as Tarefas da 4ª
Internacional”, conhecido como
Programa de Transição, que acaba
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Debate de lançamento do livro “1956, a Revolução dos Conselhos Operários”
de ser traduzido pela primeira vez
para o húngaro desde sua redação
e adoção em 1938, e cuja difusão
e discussão foram assumidas por
um grupo de militantes que preparam o 7º Congressso Mundial
da 4ª Internacional.
Trata-se de um reagrupamento de militantes que, por
toda parte, começou a submeter à discussão dos militantes
operários de todas as tendências um projeto de chamamento
visando a formular uma saída
para a crise.
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