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relatos de pesquisa
USO E ABUSO DE DROGAS ENTRE
MULHERES IDOSAS EM INSTITUIÇÃO DE
LONGA PERMANÊNCIA
Luana Araújo dos Reis*
Flávia Rocha Brito**
Vanessa dos Santos Moreira***
Vânia dos Santos Moreira****
Aline Cristiane de Sousa Azevedo Aguiar*****
RESUMO
O presente artigo discute fatores que interferem no
consumo, uso e abuso de drogas por mulheres
idosas que vivem num contexto institucional. Os
dados apresentados são resultantes de uma
pesquisa qualitativa desenvolvida com 20 idosas
que vivem numa instituição de longa permanência
localizada em uma cidade no interior da Bahia. As
informações foram coletadas através de entrevista
semi-estruturada realizadas no período de outubro
e novembro de 2010. Os dados coletados foram
analisados descritivamente, a fim de filtrar a parte
de interesse da avaliação através da análise de
conteúdo de Bardin. A alta prevalência de
sintomas depressivos e envolvimento com drogas
denota que a história de vida marcada pela
exclusão social das mulheres em estudo contribuiu
para o desencadeamento da drogadição.
Palavras-chave: Transtornos Relacionados ao Uso de
Substâncias. Idoso. Institucionalização.
*Enfermeira.
Doutoranda
em
Enfermagem
pela
Universidade
Federal da Bahia - UFBA. E-mail:
[email protected]
Endereço
para
correspondência:
Av.
Centenário, 33, APTO 304, CEP
40.155-150 Salvador, Bahia, Brasil.
Telefone: (71) 9284-3044
**Enfermeira no Programa de Saúde
da Família em Pau-a-pique, Bahia,
Brasil.
E-mail:
[email protected]
***Enfermeira.
Mestre
em
Enfermagem
pela
Universidade
Federal da Bahia - UFBA. Salvador,
Bahia,
Brasil.
E-mail:
[email protected]
****Psicóloga. Residente em Saúde
Mental pela UNEB. Salvador, Bahia,
Brasil.
E-mail:
[email protected]
*****Enfermeira. Doutoranda em
Enfermagem
pela
Universidade
Federal da Bahia - UFBA. E-mail:
[email protected]
1 INTRODUÇÃO
O envelhecimento (processo), a
redução da capacidade de adaptação
velhice (fase da vida) e o velho ou idoso
homeostática
constituem
sobrecarga funcional do organismo. A
um
componentes
cujos
relacionados.
situações
de
O
velhice e o velho compreendem a última
envelhecimento constitui um processo
fase da vida, são caracterizadas pela
natural, que se inicia com o nascimento e
redução
termina com a morte, caracterizado por
calvície,
188
estão
conjunto,
perante
da
capacidade
redução
da
funcional,
capacidade
de
C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 188-200, jul./dez. 2013
Luana A. Reis, Flávia R. Brito, Vanessa S. Moreira, Vânia S. Moreira, Aline C. S. A. Aguiar
trabalho e resistência, dentre outros.
margem da sociedade em condições de
Agregam-se a esses fatores a perdas de
extrema pobreza, onde são muitas vezes
papéis
obrigadas a possuírem as instituições
sociais,
psicológicas,
solidão,
motoras
perdas
e
afetivas
(PAPALÉO NETTO, 2006).
asilares
como
(FERNANDES;
No Brasil, o envelhecimento da
seu
único
RAIZER;
lar
BRETAS,
2007).
população tem sido gradual e contínuo,
Sabe-se que a grande maioria
sendo que o segmento idoso é o que mais
dessas instituições não estão preparadas
cresce no país. O número absoluto de
para proporcionar a essas mulheres,
idosos
valores
serviços individualizados que respeitem a
elevados, constituindo-se na sexta maior
personalidade, privacidade e modos de
população idosa do mundo. Segundo o
vida
Relatório Nacional Brasileiro sobre o
desvalorização
Envelhecimento da População Brasileira,
mulher idosa, por se acreditar que estas
há
se limitam a certas prioridades fisiológicas
apresenta-se
uma
população
maior
com
predominância
feminina
entre
os
da
idosos
diversificados.
das
(alimentação,
Há
uma
necessidades
vestuário,
da
moradia,
gerando importantes repercussões na
cuidados de saúde e higiene) remetendo
demanda aos serviços de atenção a esse
ao esquecimento das necessidades de
público.
nível social, afetivo e sexual (PIMENTEL,
Tal fato vem acarretando uma
2001).
série de conseqüências sociais, culturais,
Assim, ao adentrar este universo
econômicas, políticas e epidemiológicas,
por uma escolha de terceiros (filhos,
para as quais o país não está ainda
companheiros) estas mulheres tendem a
devidamente preparado, sendo que as
externar
repercussões mais marcantes são as
isolamento, ocasionando por muitas vezes
associadas
das
uma redução em sua alto estima. Todas
não
essas situações, dentre outros fatores
apresentar renda e depender de seus
direcionam as mulheres para o uso e o
familiares
(SCHOR;
abuso de drogas, sejam elas lícitas ou
vivem
ilícitas no período da institucionalização.
classes
ARTES,
as
menos
idosas
favorecidas
para
sobreviver
2001).
institucionalizadas
oriundas
Muitas
ou
por
abandonadas
à
tristeza,
indignação,
revolta,
Nessas instituições cerca de um quarto
C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 188-200, jul./dez. 2013
189
Uso e abuso de drogas entre mulheres idosas em instituição de longa permanência
das
idosas
fazem
medicamento
uso
de
psiquiátrico
algum
e
os
descrever
os
principais
fatores
que
dificultam o abandono do vício.
benzodiazepínicos são os mais utilizados,
A investigação do uso e abuso de
muitas vezes sem necessidade e em
drogas licitas e/ou ilícitas entre idosas
doses elevadas acarretando assim para
torna-se cada vez mais importante visto
essas idosas prejuízos cognitivos, risco de
que tal fato ainda é invisível para a
quedas, dentre outros (FINGERHOOD,
sociedade,
2000).
gestores. Além do mais o uso e abuso de
profissionais
de
saúde
e
Para o médico psiquiatra, Danilo
drogas causa severos danos à qualidade
Baltieri, mestre e doutor em Medicina pelo
de vida dessas mulheres, o que resulta
Departamento
em custos elevados para a sociedade em
de
Psiquiatria
da
Faculdade de Medicina da Universidade
geral.
de São Paulo, a busca pelas drogas entre
mulheres idosas surge na tentativa delas
2 MATERIAIS E MÉTODOS
lidarem com uma série de perdas do
passado
e/ou
e
Diante do problema que norteia
físicos
este estudo, foi adotada a abordagem
diretamente relacionados a idade. Baltieri
qualitativa por perceber que esta não se
aponta ainda que para outras pessoas, o
importa em medir a freqüência dos
uso da droga se reflete na continuidade
acontecimentos, mas importa-se com a
de um padrão de consumo que se iniciou
qualidade que os envolvem. Este estudo
na infância, adolescência e/ou vida adulta
ainda se caracteriza como descritivo, pois
e que permanece na atualidade, sem uma
o mesmo não se limita a observação de
adequada atenção dos profissionais de
fenômenos e sim busca a sua essência,
saúde.
tentando descrever a realidade que se
sofrimentos
lidar
com
psíquicos
Tendo
mostra perante nós, isto ocorre quando a
mencionados, este estudo tem como
pesquisadora investiga as causas de
objetivos
mais
existência do fenômeno, tentando com
utilizadas por mulheres idosas no contexto
isso explicar como este se originou, quais
institucional,
fatores
suas possíveis relações, suas mudanças
associados ao uso dessas drogas e
e entendendo as conseqüências que o
conhecer
vista
e
aspectos
190
em
dores
as
verificar
os
drogas
os
C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 188-200, jul./dez. 2013
Luana A. Reis, Flávia R. Brito, Vanessa S. Moreira, Vânia S. Moreira, Aline C. S. A. Aguiar
mesmo poderá trazer a vida humana
capacidade para responder de forma
(TRIVIÑOS, 2006).
coerente o instrumento de produção dos
Nesta pesquisa foi utilizado como
campo
uma
instituição
de
dados. Excluíram-se as idosas com alto
longa
grau de comprometimento mental e físico
permanência localizada em uma cidade
e as que não queriam participar da
no interior da Bahia. A escolha se deu
pesquisa.
pelo fácil acesso e por já haver um vínculo
Os
dados
empíricos
foram
entrevista
semi-
entre as pesquisadoras e a instituição.
apreendidos
Trata-se de uma instituição filantrópica,
estruturada, por consistir em uma técnica
não governamental com o objetivo de
que
abrigar idosos e idosas sem vínculo
entrevistado e entrevistador e também a
familiar ou sem condições de prover a
captação
própria subsistência, e ainda idosos e
desejada,
idosas abandonados pela família, de
esclarecimentos
modo a satisfazer as suas necessidades
algumas questões não suficientemente
de
esclarecidas (RICHARDSON, 1999).
moradia,
alimentação,
saúde
e
convivência social, regendo a vida dos
pela
permite
o
relacionamento
imediata
bem
entre
da
informação
como,
correções,
e
adaptações
de
O roteiro da entrevista constou de
mesmos por meio de normas específicas.
algumas
A instituição é dirigida por freiras da Igreja
identificação
Católica Apostólica Romana, que residem
nome, idade, grau de escolaridade, tempo
na
permanecendo
de institucionalização e três questões
assim em tempo integral com os idosos e
orientadoras as quais buscaram conhecer
as idosas.
as drogas mais utilizadas por essas
própria
instituição,
No período da coleta de dados
haviam
35
idosas
institucionalizadas.
Desse total foram selecionadas 20 idosas,
seguindo os critérios de inclusão/exclusão
perguntas
das
voltadas
para
entrevistadas,
como
mulheres, os fatores associados ao uso
dessas drogas e as dificuldades para o
abandono do vício.
Considerando a resolução 196/96
estabelecidos: os critérios de inclusão
do CNS foi
foram concordância em participar da
consentimento livre e esclarecido, o qual
pesquisa e encontrar-se em bom estado
informou o sujeito em estudo a respeito do
de
tema, riscos e benefícios da pesquisa
saúde
mental,
demonstrando
elaborado o termo de
C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 188-200, jul./dez. 2013
191
Uso e abuso de drogas entre mulheres idosas em instituição de longa permanência
assegurando a ética na utilização das
analfabeta (85%). Com relação ao estado
informações coletadas.
civil 55% delas afirmaram serem viúvas
Os dados foram tratados adotando
com tempo de permanência na instituição
a técnica de Análise de Conteúdo (AC) de
que varia de 2 a 14 anos, sendo que 40%
Bardin
Inicialmente
têm menos de 5 anos vivendo na
organizamos o material coletado por meio
instituição, 40% tem de 5 a 10 anos
da entrevista transcrevendo-as na íntegra;
asiladas e 20% delas estão na instituição
em
leitura
a mais de 10 anos. Achados como estes
flutuante das informações coletadas. Após
foram também encontrados em pesquisas
essa primeira leitura nos direcionaremos
realizadas com mulheres em instituição de
para leituras de forma mais aprofundada
longa
do material coletado, com vista a registrar
VIRTUOSO, 2004).
(BARDIN,
seguida
realizamos
impressões
emitidas.
2009).
sobre
Por
categorias
fim
uma
permanência
as
mensagens
foram
elaboradas
estado de saúde 45,5% das idosas
abrangendo
referiram como regular, enquanto 44,7% e
temáticas
Com
relação
a
(TRIBESS;
consideraram
percepção
boa
e
do
características e elementos comuns ou
9,8%
má,
relacionados entre si.
respectivamente. Resultado similar foi
encontrado em pesquisa com o objetivo
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
de
descrever
a
situação
de
idosas
institucionalizadas em asilo filantrópicos e
Com o intuito de evidenciar as
como elas percebem sua saúde de forma
idosas informantes e contribuir para o
qualitativa (TRIBESS; VIRTUOSO, 2004).
tratamento dos dados, apresentaremos a
Ainda quanto à realização de exames de
caracterização
mulheres,
rotina (cuidado com a saúde), 87% das
grau
de
entrevistadas
tempo
de
enquanto o restante afirmou o oposto. A
enfocando
a
escolaridade,
dessas
idade,
estado
o
civil,
permanência na instituição e a percepção
seguir
quanto ao estado de saúde.
encontradas
As
entrevistadas
apresentam
relatam
apresentaremos
após
realizá-los,
as
categorias
análise
das
informações coletadas.
maior distribuição na faixa etária de 60 a
79
192
anos
(70%),
sendo
a
maioria
C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 188-200, jul./dez. 2013
Luana A. Reis, Flávia R. Brito, Vanessa S. Moreira, Vânia S. Moreira, Aline C. S. A. Aguiar
C1- DROGAS MAIS UTILIZADAS POR
MULHERES IDOSAS INSTITUCIONALIZADAS.
pesquisa.
Ao analisarmos as falas das
idosas extraímos que a maior parte delas
já fizeram, fez e/ou continuam fazendo
As drogas comumente utilizadas
pelas
idosas
são:
medicamentos
uso
desses
Ah minha fiá teve uma época que eu
tive que tomar esses remédios ai pra
tal
daquela
doença,
aquela...depressão. O doutor trouxe a
amostra grátis pra mim, não sabe?!
(ENTREVISTADA 3)
em segundo lugar o cigarro com 32 %; e o
álcool com 13% em terceiro lugar. É
psicotrópicos
sistema
dos
agir
medicamentos
principalmente
nervoso
central,
no
[...] Agora tô tomando um monte de
compromidinho. É escuro, claro,
grande, pequeno, de todo jeito
doutora. Mas tem um que já me deixa
sonolenta, as vezes parece que eu
vou cair. (ENTREVISTADA 9)
alterando
temporiaremente ou não (a depender da
dosagem, quantidade, forma de uso) a
função cerebral, o humor, a consciencia, o
[...] Olha já fiz uso sim de remédio
para depressão, ansiedade e até usei
benzodiazepínico. Mas agora me
consultei com um médico novo, esse
é bem melhor, tirou tudo porque eu to
curada com a fé de Deus
(ENTREVISTADA 5)
comportamento e a percepção de quem
faz uso destes medicamentos. Esses
medicamentos
são
divididos
antidepressivos, ansiolíticos
segundo
prescrição médica
psicotrópicos em primeiro lugar com 55%;
característica
medicamentos
em:
(benzodiaestimulantes
Percebe-se que nesta instituição
psicomotores, antipsicóticos (neurolépti-
essas idosas tem um acompanhamento
cos) e potenciadores da cognição (RANG;
profissional, o qual está atento para o
DALE; RITTER, 2001).
consumo dessas substâncias por essas
zepínicos)
e
sedativos,
Não é raro encontrar o uso dessas
mulheres fato que se torna importante na
substâncias por idosos institucionalizados,
medida em que o uso descontrolado
mais especificamente as mulheres. Em
dessas substâncias podem causar danos
uma pesquisa (TRIBESS; VIRTUOSO,
irreversíveis para a saúde dessas idosas.
2004) constatou-se que das mulheres
Ao tratarmos do uso de cigarro,
idosas institucionalizadas grande parte
este aparece em segundo lugar com 32%
faziam
e
na escala do uso de drogas entre as
Tal
mulheres idosas, como podemos observar
uso
de
ansiolíticos
antidepressivos
cotidianamente.
achado não foi
diferente em nossa
a seguir
C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 188-200, jul./dez. 2013
193
Uso e abuso de drogas entre mulheres idosas em instituição de longa permanência
as mulheres idosas nas décadas que
As freras não gostam não doutora,
mas eu fumo um cigarrinho de vez em
quando (ENTREVISTADA 1)
virão (FREITAS et al, 2002).
Óia, eu fumo minha fiá, fumo a mais
de 20 anos (ENTREVISTADA 17)
agravar
[...]Ah! Já não vivo mais sem meu
cigarrinho de fumo, tem dia que é
dois, tem dia que é três, vai depender
de como eu tô no dia e se eu tenho
fumo tambem. Aqui quem mais fuma
são os véi, as véias até que não fuma
muito. As vezes eu pego fumo com
eles. (ENTREVISTADA 12)
risco à saúde, sobretudo nas mulheres
Vários estudos vem apontando a
alta prevalência de idosos fumantes em
instituições
asilares,
prevalência
geral
nos
quais
a
de
tabagismo
encontrada em idosos institucionalizados,
com idade de 60 anos ou mais, é de
23,0%, sendo de 25,8% nos homens e
18,7%
nas
mulheres
(CARVALHO;
foi
nosso
objetivo
comparar o uso do cigarro entre os sexos
feminino
e
masculino,
os
estados
patológicos
dos
idosos, pois é prejudicial e fator de alto
idosas no que tange a chance de
desenvolverem
câncer
de
mama,
problemas circulatórios e osteoporose
além de ser causador de diversas comorbidades e mortes prematuras e do
desembolso altíssimo das instituições de
saúde para com o tratamento dessas
idosas e idosos que fumam (S. FILHO,
2010).
Associado ou não ao uso de
medicamentos psicotrópicos e ao cigarro,
13% das idosas entrevistas afirmaram
fazer uso do álcool fora da instituição,
GOMES; LOUREIRO, 2010).
Não
O hábito de fumar concorre para
contudo,
foi
quando tem a oportunidade de sair para a
casa de parentes, amigos, vizinhos, entre
outros.
percebido na instituição estudada uma
maior prevalência do uso do cigarro entre
idosos do sexo masculino. Esta menor
prevalência entre o sexo feminino deve
ser
avaliada
com
cautela,
já
que
atualmente entre as mulheres mais jovens
tem havido um aumento deste hábito, o
que conseqüentemente se refletirá entre
194
[...] ôh dotora se quando eu não
morava nesse abrigo eu sempre
tomava minha cachacinha antes do
almoço com meu véi e não é agora
que eu vou deixar de tomar. Eu fico
chateada porque aqui as freras não
deixam entrar aí toda vez que eu saio
eu
bebo,
bebo
mesmo.
(ENTREVISTADA 2)
[...] Uma jurubeba de vez em quando
não faz mal. Eu não bebo pra ficar
bêbada não menina, é só pra abri o
apetite. (ENTREVISTADA 15)
C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 188-200, jul./dez. 2013
Luana A. Reis, Flávia R. Brito, Vanessa S. Moreira, Vânia S. Moreira, Aline C. S. A. Aguiar
Eu bebo, eu fumo que é pra ver se os
dias aqui passam mais rápido
(ENTREVISTADA 4)
Ah! Eu gosto mesmo é de uma
cevejinha. Humm chega dá água na
boca. Cê não gosta não dotora?
Nunca mais bebi porque aqui dentro
elas não deixa e ninguém nunca mais
veio aqui mim levar pra sair
(ENTREVISTADA 6)
e
os
cânceres
de
fígado,
esôfago,
pulmão, faringe, boca e mama nas
mulheres, são as causas mortis mais
associadas ao consumo de álcool entre
os idosos. Além disso, o consumo intenso
de álcool entre as mulheres idosas pode
aumentar em até duas vezes o risco de
doenças coronarianas.
O consumo de álcool entre os
idosos
constitui-se
atualmente
um
problema de saúde pública tendo em vista
o crescimento do consumo desta droga
por esta população e os efeitos em sua
saúde e qualidade de vida (CASTILLO et
al., 2008). Diversos são os estudos que
tentam
explicar
os
motivos
que
conduziram os idosos ao uso do álcool. O
desenvolvimento de sintomas depressivos
pode conduzir o idoso a uma maior
O abandono do vicio é dificultado
por acreditarem que pelo longo tempo de
uso e/ou abuso da droga tornaram-se
imunes aos malefícios causados pela
droga, principalmente no que tange ao
uso do cigarro. Em segundo lugar, as
idosas que possuem uma doença crônica,
decorrente ou não do uso da droga,
acreditam que pelo fato de já estar
doente, não fará mais diferença se vier a
largar a droga.
suscetibilidade em envolver-se com este
tipo de droga (GALLETI et al., 2008). No
caso das idosas pesquisadas houve uma
alta taxa de prevalência de depressão.
Na
proporção
que
C2- DEPRESSÃO COMO PROPICIADOR
DO USO E ABUSO DE DROGAS.
A depressão é o nome dado a um
vai
conjunto de alterações comportamentais,
envelhecendo, o idoso tende a tolerar de
emocionais
forma reduzida o álcool o que implica no
distúrbio do humor e perda ou diminuição
aumento dos seus efeitos principalmente
do interesse pela vida. Qualquer pessoa
sobre o sistema nervoso central, no déficit
pode em um momento da vida apresentar
de funcionamento intelectual, cognitivo e
sintomas depressivos, porém em idosos a
no
probabilidade
comportamento
de
forma
global
e
de
é
pensamento,
maior
por
ser
com
um
(FINGERHOOD, 2000). Traumas, cirrose
C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 188-200, jul./dez. 2013
195
Uso e abuso de drogas entre mulheres idosas em instituição de longa permanência
vôo,
me
disgostei,
(ENTREVISTADA 10)
transtorno que está ligado a perdas e
disgostei
limitações (FREITAS et al, 2002).
Vários
identificados
fatores
como
têm
[...] Meus parentes é tudo bem, é
tudo bem de vida, mas não me ajuda,
minha família sempre é bem. Fica lá
na fazenda, casa, meus filhos mora
em entroncamento, diz que não tem
casa pra me botar e manda eu voltar,
não me da nada, não ajuda em nada
(ENTREVISTADA 7)
sido
predisponentes
à
depressão na fase tardia da vida. Inclui-se
entre
elas
fragilidade
na
saúde,
notadamente por maior prevalência de
[...]eu não tenho encosto, não to
aposentada, a idade não deve, e vivo
assim, atoa, um trabalho ninguém
acha
mais
pra
fazer.
(ENTREVISTADA 8)
doenças cerebrovasculares, infarto agudo
do
miocárdio,
osteoartrose,
doença
pulmonar obstrutiva crônica e demência
(FREITAS et al., 2002).
Os sintomas da depressão são
Sentimentos de frustração perante
os anseios de vida não realizados e a
própria história do sujeito marcada por
perdas progressivas do companheiro, dos
laços
afetivos
e
da
capacidade
de
trabalho, bem como o abandono, o
isolamento social, a incapacidade de
reengajamento na atividade produtiva, a
aposentadoria que mina os recursos
mínimos de sobrevivência, são fatores
que comprometem a qualidade de vida e
predispõem
as
mulheres
idosas
institucionalizadas ao desenvolvimento da
depressão e conseqüentemente ao uso
ou abuso de drogas (PACHECO, 2002).
Esses fatores tornam-se notórios
nas falas das idosas entrevistadas
[...] Depois que o home morreu
descontrolei, eu dei pra beber, dei
pra fumar, fui serva de Deus por
nove anos, depois fastei da igreja aí,
tudo me tirou de tempo, fiquei banda
196
muito variados, indo desde as sensações
de tristeza, passando pelos pensamentos
negativos até as alterações da sensação
corporal
como
dores
e
enjôos.
Em
pacientes idosos, além dos sintomas
comuns,
a
depressão
costuma
ser
acompanhada por queixas somáticas,
hipocondria,
sentimentos
baixa
de
auto-estima,
inutilidade,
tendência
autodepreciativa, alteração do sono e do
apetite
e
pensamento
recorrente
de
suicídio intensificados com o consumo de
substancias psicotrópicas. Cabe lembrar
que nos pacientes idosos usuários de
drogas e deprimidos o risco de suicídio é
duas vezes maior do que nos não
deprimidos (PEARSON; BROWN, 2000).
Mim sinto muito só, por causa que
aqui não vejo meus parentes.
(ENTREVISTADA 11)
C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 188-200, jul./dez. 2013
Luana A. Reis, Flávia R. Brito, Vanessa S. Moreira, Vânia S. Moreira, Aline C. S. A. Aguiar
Sinto muita solidão, aqui não pode
sair e tenho que ficar sozinho.
(ENTREVISTADA 13)
sintomas de depressão por se encontrar
mim sinto triste por
(ENTREVISTADA 14)
uma mudança em seu estilo de vida,
esta
velha
isolada do seu convívio social e por sofrer
tendo
tenho saudade da rua e de casa
(ENTREVISTADA 20)
tem uns dias só pensando na vida
que eu levava quando era novo
(ENTREVISTADA 16)
No momento em que a idosa é
em
vista
que
horários
de
alimentação, lazer e interação sofreram
enormes mudanças, o que, geralmente,
resulta no uso e abuso de drogas lícitas
ou ilícitas, isolamento e em perda de
estímulos.
levada a uma instituição asilar ela sente-
Ao fazer o uso da droga, seja ela
se abandonada e deixada para trás assim
qual for, as crises de depressão tendem a
ela tende a se questionar o porquê do
aumentar. Somado a esse processo a
abandono o que muitas vezes traz o
própria institucionalização eleva o nível de
isolamento
estresse
e
consequentemente
entre
essas
usuárias
e
aparecimento de sinais de depressão do
potencializa a depressão após o consumo
seu estado emocional.
da droga (LIMA, 2007). Contudo, a ênfase
Além disso a institucionalização
gerada em torno dos riscos iminentes
quase sempre torna-se algo traumático e
decorrentes do consumo de drogas tem
que acarreta inúmeros problemas, pois as
ocultado a percepção de outros riscos,
idosas dificilmente escolhem viver longe
como o de suicídio no auge da depressão
da família, na presença de pessoas
comórbida (TOSCANO, 2003).
estranhas
e
muitas
vezes
O
isoladas,
tratamento
da
depressão
sentindo-se quase sempre abandonadas,
concomitante as crises de dependência
dependentes e inúteis, o que também
deverá
ser
desenvolvido
pode contribuir para o aparecimento de
perspectivas:
inicialmente
sinais e sintomas de uma depressão.
rompimento da dependência química e
Ao analisar as falas, observamos
em
com
duas
o
posteriormente o tratamento da depressão
que 60% das entrevistadas apresentavam
tendo
sinais e sintomas de depressão. A idosa
geralmente, é apenas um sintoma da
institucionalizada
dependência. Ao desintoxicar o corpo
desenvolve
sinais
e
haverá
em
vista
uma
que
melhor
esta
doença,
resposta
C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 188-200, jul./dez. 2013
ao
197
Uso e abuso de drogas entre mulheres idosas em instituição de longa permanência
tratamento
medicamentoso
desta
patologia (TOSCANO, 2003).
de novas drogas, gerando normalmente
uma interação entre essas substâncias
Acreditamos que qualquer proposta
terapêutica para estas mulheres deve
que repercutirão de forma negativa para a
saúde dessas mulheres.
incluir entre os seus objetivos a melhora
A estimativa da gravidade dos
do estado clínico geral, o tratamento ou
problemas
estabilização de doenças crônicas pré-
institucionalizadas, por meio de uma alta
existentes e a reinserção social.
prevalência
de
depressivos
e
4 CONCLUSÃO
de
saúde
sinais
nas
e
envolvimento
idosas
sintomas
com
as
drogas lícitas, denota que a história de
vida
marcada
pela
exclusão
social
É sabido que atingir a terceira
contribuiu para o desencadeamento da
idade é uma conquista para muitos, no
drogadição, já que muitas dessas idosas
entanto,
com
perdem o suporte dado pela família, sua
dignidade tem sido um grande desafio. Ao
identidade e a direção da vida, sentem-se
findar este trabalho, observamos que
inferiores diante da sociedade e da
envelhecer no contexto de instituições de
própria família, assumindo com isso, uma
longa permanência pode desencadear e
vida cheia de sentimentos de tristeza,
ou exacerbar ou uso e/ou abuso de
abandono, inferioridade, impotência, sem
drogas entre mulheres idosas, tendo em
perspectivas e objetivos, com ausência de
vista que grande parte das idosas que
futuro, tendo seu viver minimizado na
responderam ao instrumento de pesquisa
espera da morte.
viver
a
melhor
idade
demonstrou a continuidade do uso da
droga dentro da instituição e a inserção
DRUG USE AND ABUSE IN ELDERLY WOMEN AT LONG-STAY
INSTITUTIONS
ABSTRACT
This article discusses the factors interfering with the consumption,
use and abuse of drugs by elderly women living in an institutional
context. Data presented results from qualitative research carried out
198
C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p. 188-200, jul./dez. 2013
Luana A. Reis, Flávia R. Brito, Vanessa S. Moreira, Vânia S. Moreira, Aline C. S. A. Aguiar
on 20 elderly women living in a long-stay institution located in a town
in the state of Bahia. Information was collected employing partially
structured interviews held during the period of October to November
2010. Data collected was descriptively analyzed in order to filter out
the part of interest for assessment using Bardin Thematic Content
Analysis (TCA). The high prevalence of depressive symptoms and
drug-involvement denotes that life history marked by social
exclusion of the women in the study contributed to trigger drug
addiction.
Keywords:
Substance-Related Disorders. Aged. Institutionalization.
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