Lisandro Lungato Efeitos da privação de sono na homeostase e metabolismo do cálcio em esplenócitos de camundongos Dissertaçãox apresentada àx Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, xpara a obtençãox do Títulox de Mestre em Ciências. São Paulo 2011 Lisandro Lungato Efeitos da privação de sono na homeostase e metabolismo do cálcio em esplenócitos de camundongos Dissertaçãox apresentada xà Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, xpara x a obtenção do Títuloxde Mestre em Psicobiologia. Orientadora: Profª. Drª. Vânia D’Almeida Co – orientador: Prof. Dr. Marcos Leoni Gazarini Dutra São Paulo 2011 Lungato Lisandro Efeitos da privação de sono na homeostase e metabolismo do cálcio em esplenócitos de camundongos / Lisandro Lungato – São Paulo, 2011. xix, 87f. Tese (mestrado) – Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de Medicina. Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia. Título em inglês: Effects of the sleep deprivation in calcium metabolism and homeostasis on splenocytes from mice. 1. Sinalização do Ca2+. 2. Esplenócitos. 3. Privação de sono. 4. Disfunção mitocondrial. 5. Estresse oxidativo. 6. Camundongos. Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia Chefe do Departamento de Psicobiologia Profª. Drª. Maria Lucia Oliveira de Souza Formigoni Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia Prof. Dr. Marco Túlio de Mello iii Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia Banca examinadora: Prof. Dr. Jair Ribeiro Chagas Prof. Dr. Emer Suavinho Ferro Prof. Dr. Tiago Rodrigues Suplente: Profa. Dra. Beatriz Duarte Palma Xylaras Aprovado em:___/___/___ iv “Aos meus queridos pais Florindo e Clarice e aos meus irmãos que sempre me incentivaram a seguir adiante na estrada da evolução, do trabalho e da justiça” v AGRADECIMENTOS É com imenso prazer que eu quero agradecer as maravilhosas pessoas que fizeram parte deste trabalho. Não tenho palavras para expressar tanta gratidão, carinho, amizade e alegria. Foram anos que marcaram um pedaço da minha história, quem sabe até do meu destino. Meus sinceros agradecimentos: À Profa Dra Vânia D’Almeida, minha orientadora, por ter acreditado em mim, pela oportunidade única e por me dar chances de crescer, errar e recomeçar, acertar e continuar. Foram sábios ensinamentos que serão a base da minha vida de pesquisador, de profissional e de amigo. Ao Prof Dr Marcos Leoni Gazarini Dutra, meu co-orientador, pela paciência e dedicação, pelas palavras de conforto, de humildade e de sinceridade. Aprendi muito com este homem, principalmente a operar um equipamento e ver vários ângulos de uma resposta na pesquisa. À Kênia, Joyce, Daniel, Suelen, Mônica, Tuka, Luciana e Tânia, pela ajuda direta ou indireta, umas mais recentes e outras mais antigas, mas que muito ajudaram na conclusão deste trabalho. Aos amigos de pesquisa Bruno, Allan, Francine, Marina Marques, Leandro, Vanessa C, Vanessa P, Karen, Sônia, Priscila, Ana Carolina, Michelle, Eduardo, Guilherme, Letícia, Marina R, Larissa, Gustavo, Vaneisse, André, Daniela, vi Rodolfo, Nicole e Cinthia que sempre colaboram com meu trabalho desde o inglês até a montagem da tese. Aos amigos de pesquisa que já não fazem mais parte do laboratório, Bruno Grego, Letícia Brandão, Karina, Karin, Lara, Elaine, Paulo, Márcia e Mayra mas que marcaram um pedacinho deste trabalho. À Laurinha, Diva, Sueli, Ivan entre outros que ajudaram com a parte técnica. À Bruna, Luciana e Renan, também companheiros de luta e pesquisas. Aos professores: Dr Ivarne L. Tersariol e Dr Edgar J. Paredes-Gamero pelas sugestões de pesquisa, confecção de artigo e interpretação de resultados; Dra Sônia Hix pela ajuda no protocolo de estresse oxidativo; Dr Jair Ribeiro Chagas, pela sabedoria e conhecimentos que foram passados sempre com boa vontade e dedicação. Dr Sergio Tufik, pelo apoio, crédito para minha pesquisa entre outras benevolências. Meus agradecimentos a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pela bolsa recebida, ao Programa FAPESP/CEPID e à AFIP (Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa) pelo apoio financeiro. vii Esta dissertação foi realizada no Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, com o apoio financeiro da FAPESP/CEPID Processo 98/14303-3 à Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa (AFIP) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CAPES-CNPq). viii SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO____________________________________________ 1 1.1 Sono e privação de sono____________________________________ 1 1.1.1 Privação de sono e o sistema imunológico______________________ 2 1.2 Sinalização celular_________________________________________ 4 1.3 Homeostase doi cálcio______________________________________ 5 1.3.1 Sinalização celular do cálcio em células imunológicas_____________ 1.3.2 Participação dai mitocôndria na homeostase do cálcio_____________ 10 1.4 Estresse ioxidativo_________________________________________ 14 1.4.1 Interrelação entre cálcio e espécies reativas do oxigênio___________ 17 2 OBJETIVO_______________________________________________ 19 3 MATERIAIS E MÉTODOS___________________________________ 20 3.1 Animais experimentais______________________________________ 20 3.2 Procedimentosi experimentais________________________________ 20 3.2.1 Privação de isono__________________________________________ 20 3.2.2 Isolamento dos iesplenócitos_________________________________ 22 3.2.3 Medidas e visualização de fluorescência em microscopiai confocal___ 23 9 3.2.3.1 Marcação da mitocôndria e lisossomos com inibidores fluorescentes__ 23 3.2.3.2 Estudo xxdos xmecanismos xxenvolvidos xnaxx manutençãox xdos gradientes iônicos (cálcio e hidrogênio) nas organelas intracelulares__ 24 3.2.3.3 Integridadex xdosx canaisx dex cálcioxx operadosx porx estoquexx na membranai plasmática______________________________________ 24 3.2.4 Acompanhamento xdax infecçãoxx porx maláriax emxx camundongos submetidos a diferentes períodos de rebote_____________________ 25 ix 3.2.5 População de células esplênicas imunológicas___________________ 25 3.2.6 Determinação de expressão gênica____________________________ 26 3.2.6.1 Reação em cadeia da polimerase quantitativai (tempo real)_________ 26 3.2.7 Determinação dos marcadores de estresse oxidativo______________ 27 3.2.7.1 Determinação dei lipoperoxidação_____________________________ 27 3.2.7.2 Determinação da atividade da catalase_________________________ 28 3.2.7.3 Determinação da atividade da superóxido dismutase______________ 29 3.2.7.4 Determinação de proteínasi totais_____________________________ 30 3.3 Análise estatística_________________________________________ 31 3.4 Comitê de ética em pesquisa________________________________ 31 4 RESULTADOS____________________________________________ 32 4.1 Medidasxx dax fluorescência xdox cálcioxx intracelularxx realizadas no espectrofluorímetro______________________________________ 32 4.2 Medidas da fluorescência da mobilização dox cálcio emx microscopia confocal_________________________________________________ 36 4.2.1 Medidas da fluorescência da mobilização do cálcio nos lisossomos___ 37 4.2.2 Medidas da fluorescência das flutuações do cálcio mitocondrial______ 38 4.2.3 Medidas da fluorescência do cálcio mitocondrial basal_____________ 39 4.2.4 Visualização da morfologia e fisiologia dos lisossomos_____________ 40 4.2.5 Integridade dos canais de cálcio operados por estoquex (SOCE) na membranai plasmática______________________________________ 41 4.2.6 Visualizaçãox daxx morfologiax ex fisiologiaix dax mitocôndriax ex do potencial deii membrana xmitocondrial_________________________ 43 4.3 Curvas de sobrevivência de camundongos, sob privação de sono, infectados com patógenos, em diferentes condições de rebote______ 46 x 4.4 Expressãox dex proteínasx envolvidasx nax sinalizaçãox dox cálcio Intracelular_______________________________________________ 47 4.5 Populações das células do baço______________________________ 48 4.6 Determinaçãoxxx daxx lipoperoxidaçãoixxx tecidualxx exx xpotencial lipoperoxidativoi___________________________________________ 51 4.6.1 Determinação da atividade da catalase_________________________ 53 4.6.2 Determinação da atividade da superóxido dismutase______________ 54 4.7 Determinação da expressão gênica das enzimas antioxidantes______ 57 5 DISCUSSÃO_____________________________________________ 59 6 CONCLUSÕES___________________________________________ 73 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS___________________________ 75 ABSTRACT______________________________________________ 85 xi LISTA DE ABREVIATURAS AO = Acridina Orange ATP = Adenosina Trifosfato Baf = Bafilomicina A Bcl-2 = Linfoma de celulas B Ca2+ = Íon cálcio cADP = Adenosina Difosfato cíclica CAT = Catalase CCE = Entrada capacitativa de cálcio CRAC = Cálcio ativado por liberação de cálcio CREB = cAMP response element binding CT = controle CuZnSOD = Cobre-zinco superóxido dismutase EO = Estresse oxidativo ERO = Espécies reativas do oxigênio FCCP = p-trifluoromethoxi carbonil cianeto fenil hidrazona F/F0 = Fluorescência/fluorescência basal GADPH = Gliceraldeido-trifosfato-dehidrogenase GSH = Glutationa H+ = Íon hidrogênio H2O2 = Peróxido de hidrogênio HeLa = Câncer do epitélio cervical humano IFNγ = Interferon - gama IL-1,2 e 6 = Interleucinas 1, 2 e 6 xii ip = intra peritoneal IP3 = Inositol trifosfato K+ = Íon potássio KCN = Cianeto de potássio MDA = Malondialdeído MnSOD = Manganês superóxido dismutase MP = Membrana plasmática Na+ = Íon sódio NAADP = Nicotinic acid adenine dinucleotide phosphate NAD/NADH = Nicotinamida adenina difosfato NBT = Azul de nitro tetrazolio NFAT = Fator nuclear de células T ativadas NF-κB = Fator nuclear kappa B Nig = Nigericina NK = Natural Killer O2 = Oxigênio O2•− = Ânion superóxido PLC = Fosfolipase C PMCA = Ca2+ATPase de membrana plasmática PMM = Potencial de membrana mitocondrial PMS = Metilssulfato de fenazina PS = Privação de sono RAM = Modo de captação rápida RE = Retículo endoplasmático ROC = Canais controlados por receptores xiii RT-PCR = Reação em cadeia da polimerase – tempo real SCID = Imunodeficiência combinada severa SERCA = Ca2+ATPase de retículo endoplasmático/sarcoplasmático SI = Sistema imunológico SMOC = Canais controlados por segundos mensageiros SNC = Sistema nervosa central SOC = Canais operados por estímulos SOCE = entrada de cálcio operada por estoque STIM1 = Molécula de interação estromal 1 TBA = Ácido tiobarbitúrico TBARS = Substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico Thg = tapsigargina TMRE = Tetrametil-rodamina-etil-éster TNFa = Fator de necrose tumoral - alfa UN = Uniport VOC = Canais operados por voltagem xiv LISTA DE FIGURAS FIGURA 1. Modelo das estruturas envolvidas na homeostase de Ca2+. FIGURA 2. Esquema representando a participação mitocondrial na homeostasia do Ca2+. FIGURA 3. Geração de radicais livres pela cadeia fosforilativa e vias de enzimas antioxidantes na mitocôndria. FIGURA 4. Ilustração mostrando a técnica de PS para camundongos pelo método de plataforma múltipla modificada. FIGURA 5. Representação esquemática da geração do ânion superóxido e ação de um antioxidante (SOD total) presente no meio. FIGURA 6. Efeito da PS sobre a mobilização do Ca2+ intracelular em esplenócitos de camundongos, realizados em espectrofluorìmetro. FIGURA 7. Histograma de mudanças da fluorescência de Ca2+ intracelular em cada período da PS. FIGURA 8. Resolução de Imagem de fluorescência de indicador de Ca2+ Fluo 3, nos esplenócitos de camundongos utilizando microscopia confocal. FIGURA 9. Medida da fluorescência da mobilização do Ca2+ em microscopia confocal. FIGURA 10. Flutuações do Ca2+ mitocondrial em esplenócitos camundongos privados de sono incubados com X-Rhod-1 AM. FIGURA 11. Fluorescência basal do Ca2+ mitocondrial durante a PS. FIGURA 12. Morfologia e fisiologia dos lisossomos. FIGURA 13. Atividade dos canais de Ca2+ de membrana (SOCE). FIGURA 14. Morfologia e fisiologia das mitocôndrias. xv de FIGURA 15. Morfologia e fisiologia do PMM. FIGURA 16. Curvas de sobrevivência de camundongos com infecção da malária de murinos (Plasmodium chabaudi) após a PS e períodos de rebote. FIGURA 17. Expressão de genes envolvidos no metabolismo do Ca2+ em células do baço de camundongos. FIGURA 18. População de células totais do baço. FIGURA 19. População das principais células do sistema imunológico localizadas no baço de camundongos. FIGURA 20. Análise de citometria de fluxo e dupla marcação com Anexina VFITC/PI. FIGURA 21. Determinação de lipoperoxidação em baços de camundongos. CT vs privados de sono/72h. FIGURA 22. Determinação do potencial lipoperoxidativo em baços de camundongos. FIGURA 23. Determinação da atividade da enzima antioxidante CAT em esplenócitos do baço de camundongos. FIGURA 24. Determinação da atividade da SOD total (mitocôndria e citosol) em esplenócitos de camundongos. FIGURA 25. Determinação da atividade da MnSOD em esplenócitos de camundongos. FIGURA 26. Determinação da atividade da CuZnSOD em esplenócitos de camundongos. FIGURA 27. Expressão do gene da enzima antioxidante CAT em células do baço de camundongos. xvi FIGURA 28. Expressão do gene da enzima antioxidante MnSOD em células do baço de camundongos. FIGURA 29. Expressão do gene da enzima antioxidante CuZnSOD em células do baço de camundongos. xvii RESUMO O sono é um importante evento fisiológico que diretamente influencia a saúde e está relacionado com o sistema imunológico no qual o cálcio age como um importante mensageiro. Neste estudo, nós realizamos as medidas de mobilização do cálcio citossólico em células vivas com o objetivo de compreender as mudanças na sinalização deste íon em células imunológicas do baço de camundongos após diferentes períodos de privação de sono. Esplenócitos de camundongos privados de sono por diferentes períodos (12 à 72 horas) mostraram uma progressiva perda da manutenção do cálcio intracelular proveniente do estoque do retículo endoplasmático e um comprometimento do tamponamento de cálcio transiente pela mitocôndria. Estes dados foram confirmados por mudanças no desempenho dos canais de cálcio SOCE e STIM1 e na integridade da fisiologia mitocondrial e lisossomal. Estes resultados foram corroborados pelo aumento na atividade de enzimas antioxidantes como a Superóxido Dismutase mitocondrial e citossólica, o que reforça que o rompimento na integridade da mitocôndria e lisossomos possivelmente ocorreu pela geração descontrolada de estresse oxidativo. A redução da atividade da Catalase sugere comprometimento na integridade celular, uma vez que o excesso de cálcio e radicais livres provavelmente danificaram o mecanismo de sinalização da célula. Ademais observamos resposta imunológica deficiente quando um grupo de camundongos pode dormir por 24 e por 48 horas após a privação de sono por 72 horas, seguido de infecção com parasita de malária (Plasmodium chabaudi). O envolvimento das células imunológicas foi confirmado pela redução na população de células totais xviii do baço e, especificamente, na população de linfócitos B. Estes novos dados sugerem que a privação de sono prejudica a sinalização do cálcio provavelmente por um estresse no retículo endoplasmático, mitocôndria e lisossomos levando a um suprimento insuficiente de cálcio para eventos de sinalização com conseqüentes danos intracelulares. Estes dados confirmam mecanismos descritos previamente de efeitos imunossupressores da perda de sono. xix 1 1 INTRODUÇÃO 1.1 Sono e privação de sono O ciclo vigília-sono é regulado por dois processos fundamentais: o circadiano e o homeostático (Kim e cols., 2007). O circadiano é tido como uma adaptação do organismo ao ciclo dia e noite ocorrendo mesmo na ausência de pistas temporais (Aschoff, 1965). O homeostático regula a propensão para o sono, baseado na quantidade de vigília anterior fazendo com que o organismo recupere ou compense o recurso (sono) que foi insuficiente (Kim e cols., 2007). A descoberta de que o sono é um fenômeno ativo e regulado a partir de regiões específicas do sistema nervoso central (SNC) levou a uma predominância dos estudos quanto às conseqüências da perda de sono nos sistemas fisiológicos e nas funções cerebrais (Rots e cols., 1996). O sono é um estágio de reconstrução e reparo dos organismos e sua duração se correlaciona com o relógio molecular ou expressão rítmica dos genes relógio, e a sua privação compromete a expressão de vários genes em diferentes espécies, entre eles genes relacionados ao metabolismo lipídico e transportadores de membrana (Mackiewicz e cols., 2009). Há também, durante o sono, expressão aumentada de genes envolvidos no transporte intracelular, nas vias de sinalização de segundos mensageiros e alguns genes envolvidos na regulação de energia (Mackiewicz e cols., 2009). Neste contexto, o entendimento do seu papel fisiológico, bem como da sua falta na saúde dos indivíduos, ainda necessita de mais estudos. 2 1.1.1 Privação de sono e o sistema imunológico A privação de sono (PS) é uma condição comumente presente na vida moderna e resulta na predisposição a várias doenças. Estudos experimentais recentes em humanos têm mostrado que, uma restrição parcial crônica de sono de 2-3 horas por noite, leva a um prejuízo na estrutura cognitiva, função cardiovascular, endócrina e imunológica (Kim e cols., 2007; Palma e cols., 2007; Krueger e cols., 2001). O sistema imunológico (SI) é um aspecto fisiológico que está intimamente ligado à qualidade do sono realizado. Os trabalhos sobre esse tópico mostraram diferenças na produção de citocinas e no número total de células brancas dependendo da duração da PS imposta ao indivíduo (Zager e cols., 2008; Dimitrov e cols., 2007). Durante a vigília prolongada, intensifica-se o aumento de glicocorticóides na corrente sanguínea levando a uma redução da função imunológica por meio da supressão de citocinas e fatores da inflamação (Johnson e cols., 2004). Experimentos realizados em modelos animais envolvendo o processo infeccioso mostraram que, o aumento na duração do sono durante a infecção melhora o prognóstico de sobrevivência e recuperação desses animais (Toth e cols., 1993). Foi observado também que a PS em ratos por 96 horas desencadeou manifestações críticas, como lesões na pele, hipotermia e diminuição da resistência a infecções, diminuindo dessa forma a manutenção da integridade do SI (Bergmann e cols., 1989; Kushida e cols., 1989). Palmblad e colaboradores em um experimento com humanos privados de sono por 77 horas em um ambiente que simulava um campo de batalha constataram redução na atividade fagocítica e aumento na produção de 3 interferons (IFN) linfocitários, e em outro experimento com 48 horas de PS também em humanos, observaram uma diminuição na proliferação de linfócitos após estimulação com mitógeno (Palmblad e cols, 1976, 1979). Skurikhin e colaboradores em experimento realizado com culturas de células da medula óssea de camundongos privados de sono por 48h verificaram aumento de unidades formadoras de colônias de GranulócitosMacrófagos (Skurikhin e cols., 2006), sugerindo que a PS tem um papel fundamental na ativação da resposta inflamatória. As quantidades de algumas citocinas presentes na circulação estão diretamente relacionadas com o ciclo sono-vigília, por exemplo, IL-1, IL-2, IL-6, TNFα e IFNγ (Irwin, 2002) e apresentam flutuações na sua produção dependendo do momento do período de sono. A IL-1 e o TNFα são as principais citocinas envolvidas na fisiologia do sono, pois além do seu papel na regulação do sono, estão envolvidas na regulação térmica e resposta imunológica (Krueger e cols., 2001). Estas citocinas interagem com os principais sistemas de neurotransmissão ligados à regulação do sono, constituindo uma resposta adaptativa do organismo num processo inflamatório, e em situações adversas relacionam-se a mecanismos de preservação como, por exemplo, redução do gasto energético durante a sonolência causada pela febre (Zepelin, 2000; Krueger e cols., 2001; Toth e cols., 1993). Kim e colaboradores, em estudos de restrição de sono repetida e outras formas de PS desenvolvidas em ratos, mostraram alterações nos níveis de corticosterona e de citocinas pró-inflamatórias, bem como aumento nos níveis de marcadores de estresse oxidativo (EO) e processos neurodegenerativos no hipocampo destes animais (Kim e cols., 2007). Quando há produção 4 descontrolada de radicais livres na membrana de organelas como a mitocôndria, lisossomos e retículo endoplasmático (RE), ocorre vazamento de cálcio (Ca2+) de seu lúmen e de enzimas antioxidantes para o citosol, o que leva a citotoxicidade e disfunção enzimática respectivamente, (Stadman e Berllet, 1997; Mitch e Goldberg, 1996) podendo provocar morte celular por apoptose ou necrose. Estas organelas são cruciais para o bom desempenho da resposta imunológica. Os lisossomos, por exemplo, são compartimentos celulares essenciais para a manutenção do SI, uma vez que desempenham função importante no controle do processamento e apresentação de antígenos na membrana dos linfócitos, secreção de citocinas pelas células imunológicas e fagocitose pelos macrófagos (Castaneda e cols., 2008). 1.2 Sinalização celular As células reconhecem estímulos e mudanças fisiológicas extracelulares, utilizando-se de um complexo conjunto de reações bioquímicas que podem ter início na membrana plasmática (MP) (neurotransmissores, hormônios e outras moléculas) e desencadeiam uma cascata de reações e de mensageiros intracelulares de modo que a célula possa alterar seu metabolismo resultando, por exemplo, em divisão, diferenciação ou morte celular (Berridge e cols., 2003). A grande variedade de estímulos que as células estão recebendo a todo o momento depende da existência de inúmeros receptores protéicos que podem ser transmembrânicos e intracelulares (Le Deist e cols., 1995). Os receptores transmembrânicos podem ser subdivididos em ionotrópicos (canais 5 de membrana) e metabotrópicos (associados à proteína G e os enzimáticos – ex: tirosina quinases) (Berridge e cols., 2003). Embora, centenas de hormônios, neurotransmissores e outras moléculas possam estimular as células, o número de sistemas de segundos mensageiros que elas ativam é consideravelmente pequeno, sendo um dos mais importantes entre eles, o íon Ca2+ (Parekh, 2006). A quantidade de íons Ca2+ mantida em estoques intracelulares pode ser regulada por diferentes vias de entrada de Ca2+, como por exemplo, CCE (capacitative calcium entry), ativado somente pela depleção de estoques de Ca2+, que pode induzir a Fosfolipase C (PLC), ou ainda, por canais SOC (Stored Operated Calcium) induzidos pela proteína sensora de Ca2+, STIM1 (Stromal Interacting Molecule 1) (Morita e cols., 2008). 1.3 Homeostase do Ca2+ O Ca2+ é um íon importante para diversos eventos que ocorrem nas células eucarióticas, e um dos grandes desafios é entender como os inúmeros sinais de Ca2+ controlam os processos celulares tão heterogêneos em uma grande variedade de sistemas. Sua ligação às proteínas e enzimas leva às mudanças estruturais resultando, por exemplo, no controle da diferenciação celular, organização do citoesqueleto e divisão celular (Berridge e Irvine, 1984; Carafoli, 1987; Berridge e Irvine, 1989; Sambrook, 1990; Putney e Bird, 1993). Uma maquinaria celular diversificada para sinalização do Ca2+ é usada como um sistema de modulação com diferentes dinâmicas temporais e espaciais do fluxo de Ca2+ intracelular. Respostas rápidas são reguladas por picos de Ca2+ localizados, enquanto respostas mais lentas são controladas por flutuações de 6 Ca2+ intracelular sustentada ou por repetidos pulsos transientes (Berridge e cols., 2003). Porém, apesar de ser importante para as células, a concentração de Ca2+ deve ser bem regulada, devido ao seu efeito citotóxico quando em altas concentrações (Berridge e cols., 2003). A alta concentração de Ca2+ extracelular livre (em torno de mM), comparado com o Ca2+ intracelular livre (níveis de nM), resulta em um gradiente eletroquímico de Ca2+. Mudanças mínimas nessas concentrações induzidas por estímulos fisiológicos na permeabilidade da MP ao Ca2+ podem produzir flutuações significativas na concentração citossólica. As células eucarióticas possuem mecanismos de transporte de Ca2+ na MP, e no RE. A MP possui uma Ca2+ATPase específica (PMCA) que exporta o Ca2+ intracelular ativamente para o meio extracelular (Schatzmann, 1966; Scarpa e cols., 1993), e possui também diversas categorias de canais de membrana (“VOC” – canais operados por voltagem; “ROC” – canais operados por receptores; “SMOC” – canais controlados por segundo mensageiros) (Berridge e cols., 2003), e um trocador Na+/Ca2+ (Reuter e Seitz, 1968; Blaustein e Hodgkin, 1968). (figura 1). A Ca2+ATPase de membrana é uma bomba de Ca2+ regulada pela calmodulina (Gopinath e Vincenzi, 1977; Jarrett e Penniston, 1977). Quando a calmodulina estimula a Ca2+ATPase da membrana, essa bomba aumenta a afinidade pelo Ca2+, e consequentemente ocorre um aumento no transporte de Ca2+ (Carafoli e cols., 1996). O RE forma uma rede de túbulos e cisternas luminalmente interconectados pelo citoplasma e possui distribuição heterogênea de sítios de liberação e captação de Ca2+ (Spät e cols, 2008). Baseado nestas 7 propriedades, diferentes sinais citoplasmáticos podem convergir no RE para formar padrões de liberação de Ca2+ espaço-temporalmente controlados (Bootman e cols., 2002; Verkhrastsky, 2005). O RE possui uma Ca2+ATPase específica para a captação de Ca2+, cuja estrutura primária difere da Ca2+ATPase da membrana plasmática (Ebashi, 1958). Ambas transportam o Ca2+ numa razão estequiométrica de 2 para cada ATP hidrolisado (MacLennan, 1970). Figura 1. Modelo das estruturas envolvidas na homeostase de Ca2+. O sistema de transporte de Ca2+ está representado por Ca2+-ATPases, presentes na MP e no RE; trocadores Na+/Ca2+ presentes na MP e na mitocôndria; um transportador uniporte na mitocôndria; mecanismos de efluxo/influxo na mitocôndria, um canal de Ca2+ sensível a IP3 no RE; um canal de Ca2+ na MP e poros nucleares (modificado de Brini e Carafoli, 2000). Os conjuntos de mecanismos de regulação e sinalização do Ca2+ intracelular são freqüentemente distintos em diferentes modelos celulares, mas apresentam um fator em comum, as flutuações de Ca2+ acontecem como breves pulsos (Berridge e cols., 2003). O Ca2+ proveniente do meio extracelular, que depende da abertura de canais de membrana, pode ocorrer em resposta a estímulos como: despolarização, contato, agonistas 8 extracelulares, mensageiros intracelulares e Ca2+ interno, enquanto a mobilização dos estoques intracelulares (RE, lisossomos e complexo de Golgi) em resposta a ação de uma série de segundos mensageiros (IP3, cADP-ribose, NAADP, Ca2+). Feske e colaboradores relataram que o peptídeo sinal do canal de Ca2+, ORAI1 é um componente essencial na ativação do complexo canal CRAC que se liga à proteína STIM1, esta interação é necessária para ativar o influxo de Ca2+ operado pela depleção de seu estoque (Feske e cols., 2006). Estas proteínas são responsáveis pela mobilização e manutenção de Ca2+ no RE como o influxo operado por estoque (SOCE), uma vez que ativação de STIM1 pode ser um sensor na membrana do RE que promove a redução de Ca2+ na organela (Korzeniowski e cols., 2009; Parekh, 2006; Feske e cols., 2006). A depleção do estoque de Ca2+ do RE causa uma mudança na conformação do domínio EF-hand luminal de STIM1, que leva a sua oligomerização. Esta aumenta a afinidade da proteína por regiões alvo de junções RE-MP e causa uma mudança conformacional da STIM1 para expor o domínio de ligação do canal CRAC (Park e cols., 2009). A capacidade de acumular Ca2+ intracelular é potencializada pela presença de proteínas que tamponam o íon livre e também participam na regulação de diversas funções celulares. As proteínas podem estar confinadas em compartimentos celulares específicos, por exemplo, no citosol (calbindina, calretinina, etc) e no lúmen do RE (calreticulina, calsequestrina, calnexina) (Berridge e cols., 2003). 9 1.3.1 Sinalização celular do Ca2+ em células imunológicas A participação do Ca2+ intracelular é essencial para a fisiologia de diferentes células do SI (macrófagos, monócitos, células NK, linfócitos T e B) e resulta na ativação celular e outros processos importantes, tais como, expressão gênica ou diferenciação (Dimitrov e cols., 2007). No caso dos linfócitos, a flutuação de Ca2+ intracelular em decorrência da ativação de receptores de membrana (TCR) depende principalmente da liberação de Ca2+ pelo RE e a consequente indução da abertura de canais de Ca2+ na MP (CRAC -“store operated”) (Gallo e cols., 2006). Estas etapas são ativadas pela proteína sensor de Ca2+ STIM1 quando ocorre a depleção do íon do RE e pela proteína ORAI1 (pertencente à família de canais CRAC), que ativada pela STIM1, promove a abertura deste canal (Lioudyno e cols., 2007; Luik e cols., 2006; Zhang e cols., 2005). As respostas celulares induzidas por Ca2+ podem ser de curta duração, como o controle da mobilidade celular e a exocitose de vesículas. Nessa situação o aumento intracelular do mensageiro Ca2+ desencadeia a diminuição da mobilidade celular dos linfócitos (Delon e cols. 1998), de modo a sustentar a interação entre diferentes células (células T CD4+ e APCs - apresentadoras de antígeno) pelo tempo suficiente para consolidar a sinapse imunológica (Bhakta e cols., 2005). Porém este aumento precisa ser sustentado por horas para permitir a indução de expressão gênica (Berridge e cols., 2003). As respostas de longa duração sustentada pelo aumento da concentração do Ca2+ intracelular promovem uma seqüência de eventos que 10 envolvem fatores de transcrição, tais como, CREB, NFAT, ou NF-κB, os quais são responsáveis por ativar a produção de citocinas dos linfócitos T e B, e que por sua vez, vão modular o perfil de suas funções celulares (Feske, 2007). Os elementos apresentados evidenciam a importância desse mensageiro celular, e as alterações nas vias em que o cálcio participa, resultam em prejuízo na fisiologia do SI, sendo que algumas imunodeficiências hereditárias são associadas a esta via de sinalização. Por exemplo, a perda da atividade do canal de Ca2+ da MP de linfócitos T (pacientes “SCID” - severe combined immunodeficiency), compromete a proliferação celular, a expressão de citocinas e as respostas associadas à apresentação de antígenos (Partiseti e cols., 1994 e Le Deist e cols., 1995). A concentração de Ca2+ intracelular é determinada por um balanço entre a reação “on” e a reação “off”. Durante a reação “on” ocorre o influxo do Ca2+ do meio extracelular para o citosol e da formação de segundos mensageiros responsáveis pela liberação do Ca2+ de seus estoques. Já na reação “off” a partir deste sinal (aumento da concentração de Ca2+ intracelular), o Ca2+ é removido pela ação combinada de trocadores, bombas e proteínas tampões (Berridge e cols., 2003). Além disso, várias condições fisiológicas ou patológicas podem estimular a produção de espécies reativas do oxigênio (ERO), que cujo alvo podem ser as chaperonas e canais de Ca2+ no RE, levando a liberação de Ca2+ para o citosol (Zhang, 2010). 11 1.3.2 Participação da mitocôndria na homeostasia do Ca2+ A mitocôndria tem despertado grande interesse com relação a sua função e fisiologia, particularmente relacionado com a mobilização de Ca2+ intracelular. A respeito da mitocôndria acreditava-se que por apresentar uma alta capacidade de armazenamento do íon Ca2+, porém com uma baixa afinidade, somente responderia a mudanças de concentrações de Ca2+ muito elevadas, ou seja, em situações pouco freqüentes no metabolismo celular. No entanto, recentemente, verificou-se que a mitocôndria é uma organela muito dinâmica que participa no metabolismo normal da célula, como também em situações patológicas (Duchen, 2000). Experimentos realizados em microscopia confocal mostraram que as mitocôndrias acompanham toda a interação na sinalização da proteína STIM1 durante a ativação e abertura dos canais dependentes de Ca2+ (SOCE), assim como a mitocôndria se transloca para a região da MP na abertura do canal CRAC ativado pelo influxo de Ca2+ (Korzeniowski e cols., 2009; Quintana e cols., 2006). A mitocôndria e o RE estão intimamente envolvidos na modulação da sinalização do Ca2+ (Rimessi e cols., 2008). Em condições fisiológicas a propagação do sinal de Ca2+ para a mitocôndria, resulta na estimulação da produção de ATP através da ativação de desidrogenases sensíveis ao Ca2+ e do efeito “feedback” na sinalização do Ca2+ citoplasmático (Feissner e cols., 2009; Roy e Hajnóczky, 2008). Deste modo é formado um gradiente eletroquímico de H+ na membrana interna, pela atividade dos complexos da cadeia respiratória (I, III e IV) atuando como bombas de H+ (figura 2). O potencial de membrana formado é fundamental para a produção de ATP pela ATP sintase (Nicholls e Budd, 2000). 12 Figura 2. Esquema representando a participação mitocondrial na homeostasia do Ca2+. Transporte de íons e metabólitos estão representados pelas setas finas passando por transportadores de membrana, vias metabólicas pelas setas grossas, cadeia respiratória de transporte de elétrons pelas setas pontilhadas, e enzimas do ciclo do ácido tricarboxílico pelos balões sombreados. O mecanismo de influxo e efluxo do Ca2+ mitocondrial estão ilustrados em amarelo. Enzimas e complexos estimulados pelo Ca2+ estão representados em verde, e a cadeia respiratória em azul. (Extraída de Feissner e cols., 2009). O potencial de membrana é também utilizado em outros processos, como o transporte de Ca2+. A entrada de Ca2+ é controlada principalmente pelo canal uniporte (UN), que pode ser desativado com a despolarização da membrana interna (Satrústegui e cols., 2007; Igbavboa e Pfeiffer, 1988) e pelo canal de captação rápida (RAM), que atua em ocasiões de pulsos de Ca2+ no citoplasma (Sparagna e cols., 1994, 1995). A transferência de sobrecarga do Ca2+ mitocondrial leva a abertura do poro de permeabilidade transitória, que se trata de um poro inespecífico que pode, ainda assim, promover a entrada de mais Ca2+, além de outros solutos (Roy e Hajnóczky, 2008; Bernardi, 1999). Na 13 situação de baixa condutância, ocorre uma abertura transitória do poro que permite o fluxo de íons, mas quando em alta condutância, o poro é aberto permanentemente, o que leva o direcionamento da célula para morte celular por apoptose (Mannella e cols., 1997). A homeostasia de Ca2+ mitocondrial é importante para a ativação de desidrogenases como a piruvato, NAD-isocitrato e a 2-oxoglutarato desidrogenases, (Denton e McCormack 1985), que por sua vez, catalisam a redução do NAD para NADH, ativando o processo de fosforilação oxidativa (Satrústegui e cols., 2007). O aumento da disponibilidade de NADH nas células, estimuladas pela alteração do Ca2+ intracelular, determina o aumento da atividade da cadeia respiratória e a conseqüente síntese de ATP na célula (Jouaville e cols., 1999) em resposta ao rápido aumento da demanda energética para promover processos tais como: secreção, motilidade celular e a própria recaptação do Ca2+ pelas ATPases. Uma característica importante da mitocôndria é a capacidade de tamponar o Ca2+ citoplasmático. Durante a estimulação por um agonista, há a produção do segundo mensageiro IP3 e, conseqüentemente, a liberação de Ca2+ dos estoques internos, como o RE. A mudança da concentração do Ca2+ citoplasmático deve ser rapidamente contida por mecanismos de recaptação de Ca2+ pelas organelas ou extrusão pela MP. Nesta situação o trabalho de Rizzuto e cols., 1998, utilizando-se de transfecções com a proteína fluorescente aequorina (sensível ao Ca2+) em células HeLa (linhagem de células cancerosas do epitélio cervical), mostrou que a mitocôndria pode acumular Ca2+ transientemente na faixa de 60-80µM, sendo que o aumento 14 citossólico é de 1-2µM (Rizzuto e cols., 1998), indicando que a capacidade de acumular Ca2+ pela mitocôndria tenha sido até então subestimada (Rizzuto e cols., 2000). A Bcl-2, uma proteína antiapoptótica, que está presente na membrana da mitocôndria e do RE pode modular potencialmente a sinalização do Ca2+. Uma vez que há excesso de Ca2+ pela mitocôndria, a Bcl-2 poderá sinalizar a ativação da Bax e do citocromo c e disparar o processo pró apoptótico mitocondrial (Rimessi e cols., 2008). 1.4 Estresse oxidativo (EO) A produção de espécies reativas de oxigênio (ERO) foi amplamente descrita em células fagocitárias, tais como, neutrófilos e macrófagos como também nas vias de sinalização celular (Forman e Torres, 2002; Li e Shah, 2003). O papel das ERO no SI ficou conhecido por estudos de resposta a agentes microbianos, o que possibilitou que fosse demonstrado que as ERO servem como mediadores ou reguladores de transdução de sinal em várias células do SI (Williams e Kwon, 2004). Apesar de a ativação de ERO permitir o burst respiratório e estabelecimento da defesa antimicrobiana, existem processos celulares em que ocorre um desequilíbrio entre a produção e a degradação de ERO, resultando em um processo de EO que pode levar à peroxidação lipídica da membrana, oxidação de proteínas e lesão de ácidos nucléicos, culminando inclusive com a morte celular (Halliwell e Gutteridge, 1999). Estudos também demonstraram que o EO é um fator que intensifica a manifestação de muitas condições fisiopatológicas, tais como, doenças inflamatórias crônicas, 15 vasculares e neurodegenerativas (Halliwell e Gutteridge, 1999; Nelson e cols., 2006). A mitocôndria é considerada a organela chave na produção de ERO. Durante a fosforilação oxidativa na membrana mitocondrial interna, elétrons provenientes da redução de substratos são transferidos para o O2 a partir da cadeia de transporte de elétrons formando o ânion superóxido (O2•-), que por sua vez, quando em excesso leva ao EO (Feissner e cols., 2009). As duas maiores vias de produção de O2•- na mitocôndria são: autoxidação ou oxidação de ubesemiquinona catalizada no complexo III e redução catalizada do complexo I a partir do reversível fluxo de elétrons na cadeia respiratória (Goldsteins e cols., 2008). Cabe lembrar que as células possuem mecanismos de defesa contra a formação desses radicais livres, sendo que as ERO são neutralizadas por enzimas antioxidantes como a catalase (CAT) e a superóxido dismutase (MnSOD, CuZnSOD) entre outras (figura 3). Há três enzimas que catalizam a reação de dismutação do O2•-. A CuZnSOD ou SOD1 localizada principalmente no citossol, a MnSOD ou SOD2 encontrada na matriz mitocondrial e a SOD3 que é extracelular. Na matrix a SOD2 converte o O2•- em peróxido de hidrogênio (H2O2), o qual é reduzido à água pelo sistema glutationa e tireodoxina oxirredutase/peroxidase. Já no espaço mitocondrial intermembranas e no citossol a conversão do O2•- a H2O2 é realizada pela CuZnSOD e pelo Citocromo C e, consequentemente, convertido em água pela CAT. 16 Figura 3 O ânion superóxido (O2•-) gerado pela cadeia respiratória é em sua maioria liberado para a matrix mitocondrial do complexo I e do complexo III para a membrana mitocondrial interna (indicado pelas estrelas). O O2•- pode ser dismutado naturalmente para peróxido de hidrogênio (H2O2) ou é enzimaticamente dismutado pela MnSOD na matrix ou pela CuZnSOD na membrana mitocondrial interna ou citosol. O H2O2 é destoxificado na matrix pela CAT, ou pelo sistema tireodoxina e glutationa oxirredutase/peroxidase. Alternativamente o H2O2 pode reagir com íons metálicos para gerar radical hidroxila, que é altamente reativo via reação de Fenton. (Extraída de Feissner e cols., 2009). Gopalakrishnan e colaboradores observaram redução do metabolismo cerebral durante a PS de 3 a 14 dias em ratos pela técnica do disco sobre a água. Estes resultados sugerem também um mecanismo adaptativo de defesa contra a produção de oxidantes durante a vigília prolongada (Gopalakrishnan e cols., 2004). Além disso, durante o sono há uma super ativação de genes codificadores de proteínas envolvidas no funcionamento de pools vesiculares (ex: proteínas heme, flotilina, segundos mensageiros), bem como aumento da atividade de todas as enzimas antioxidantes e componentes do transporte intracelular (Mackiewicz e cols., 2009). 17 1.4.1 Interrelação entre Ca2+ e ERO As células são protegidas por várias vias de detoxificação de ERO que minimizam os danos oxidativos, porém, situações que levam a um excesso de produção de ERO provocam mudanças na homeostase redox celular. Desse modo, ocorrem alterações na mobilização do Ca2+ promovendo mudanças na produção dessas ERO (Feissner e cols., 2009). Experimentos realizados in vitro mostraram que o H2O2 induziu o aumento de peroxidação lipídica ativada pelo acúmulo de Ca2+ na sinapse de células neuronais (Das e cols., 2008). O principal papel do Ca2+ mitocondrial é estimular enzimas da fosforilação oxidativa e para isso a mitocôndria atua para moldar e intermediar a sinalização celular pelo Ca2+. Estudos sugerem que o Ca2+ pode regular sistemas de defesas antioxidantes por estimulação das enzimas CAT e glutationa redutase, que interagem com a calmodulina, que por sua vez, interage com enzimas envolvidas na homeostase das ERO, ou via de liberação precoce de glutationa (GSH) na abertura do poro mitocondrial induzido por Ca2+ (Feissner e cols., 2009). Brand e Esteves sugerem que o alto fluxo de elétrons na mitocôndria resulta do aumento da oxidação de ácidos graxos poliinsaturados produzidos pelo potencial de membrana e pela produção de O2•− na mitocôndria (Brand e Esteves, 2005). Uma vez que a PS prejudica a integridade do SI e as células deste sistema dependem de uma interação conjunta na atuação das organelas chaves como RE, mitocôndria e lisossomos para desempenhar seus mecanismos de defesa, nosso trabalho buscou avaliar o papel destes 18 mecanismos intracelulares em esplenócitos de camundongos após a PS paradoxal por diferentes períodos (12 à 72h). 19 2 OBJETIVO Uma vez que o sistema de sinalização intracelular é de fundamental importância para as células do SI (sistema imunológico) e este é prejudicado pela PS, o objetivo principal deste trabalho foi analisar as possíveis modificações no controle da sinalização por Ca2+ e no metabolismo celular em esplenócitos após a PS por diferentes períodos no modelo experimental de camundongo. Objetivos secundários: 1) Avaliar as possíveis alterações na homeostase iônica do Ca2+ e H+ intracelular de esplenócitos após a PS, promovendo a inibição específica dos transportadores iônicos em cada organela intracelular; 2) Acompanhar modificações na a morfologia e fisiologia das organelas intracelulares (RE, lisossomos e mitocôndria) com indicadores fluorescentes específicos para cada organela que estão diretamente envolvidas na homeostase dos íons Ca2+ e H+ em esplenócitos de animais privados de sono; 3) Verificar as possíveis variações em parâmetros relacionados ao EO (atividade das enzimas SOD e CAT) em esplenócitos de camundongos privados de sono, e correlacioná-las com as flutuações de Ca2+ intracelular. 20 3 MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 Animais experimentais Foram utilizados camundongos machos adultos (n = 8 por grupo experimental) da mesma linhagem (suíços albinos) provenientes do Biotério do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Os animais foram mantidos em uma sala com umidade e temperatura controladas (22 ± 2ºC), em um ciclo de claro-escuro de 12 h (7:00 -19:00h). Água e comida foram fornecidas à vontade aos animais durante todo o experimento. Os animais experimentais foram mantidos durante a fase de desenvolvimento em grupos de 20 animais, em caixas de polipropileno brancas (31 x 38 x 16,5cm) e tampas de aço inox com recuos para o fornecimento da ração. Para a forração das caixas-moradias foi utilizado maravalha de pinus, a qual era trocada 6 vezes por semana, no período da manhã, pelos técnicos de laboratório. 3.2 Procedimentos Experimentais 3.2.1 Privação de Sono A PS foi realizada a partir do método de plataforma múltipla adaptada para camundongos por Silva e colaboradores (2004). O método de PS paradoxal de camundongos é uma adaptação do método de plataformas múltiplas, originariamente desenvolvido para ratos 21 (Nunes e cols., 1994). Grupos com 3 a 4 animais foram colocados em caixas com água (41 × 34 × 16.5 cm), contendo 12 plataformas (3 cm de diâmetro) cada, com o nível de água 1 cm abaixo da superfície, por períodos de 24, 48 e 72 horas. O princípio dessa metodologia para a PS apóia-se no fato de que durante o sono paradoxal, há a ocorrência da atonia muscular, fazendo com que os animais toquem a água e acordem (figura 4). Figura 4. Ilustração mostrando a técnica de PS para camundongos pelo método de plataforma múltipla modificada (Silva e cols., 2004). Animais controle (CT) foram mantidos em suas gaiolas moradia sem plataformas, no mesmo ambiente. Comida e água foram fornecidas ad libitum através de uma grade colocada na parte superior da caixa com água (Silva e cols., 2004). 22 3.2.2 Isolamento de esplenócitos O protocolo de isolamento dos esplenócitos (Peres e Curi, 2005) utilizando os camundongos suíços albinos (dos grupos CT e privado) iniciou-se com o sacrifício por deslocamento cervical e os baços pinçados foram colocados em tampão Hanks (NaCl 137mM; KCl 5,7mM; CaCl2 1mM; Na2HPO4 0,3mM; MgSO4 0,4mM; KH2PO4 0,6mM; NaHCO3 4mM; pH 7.4). Os baços foram macerados gentilmente na peneira plástica contendo o mesmo tampão. As células obtidas foram centrifugadas a 2000 rpm por 10 minutos, seguidas por duas incubações em tampão de lise (hemólise) no gelo por 10 minutos com posterior centrifugação para isolamento dos esplenócitos. As células isoladas foram mantidas no tampão Hanks para a realização das incubações com os diferentes indicadores celulares específicos para mobilização iônica ou localização intracelular: • Indicador de Ca2+ citossólico Fluo 3 AM por 40 minutos à 37ºC; • Indicador de Ca2+ mitocondrial X-Rhod1 AM por 40 minutos à 37ºC; • Indicador de H+ lisossomal Acridina Orange (AO) por 10 minutos à 37ºC; • Marcador de potencial de membrana mitocondrial (PMM) TMRE por 30 minutos à 37ºC. Acompanhamos as alterações iônicas intracelulares (CT vs privados de sono), quando da inibição específica de transportadores iônicos no RE e lisossomos: 23 • Tapsigargina (Thg) – inibidor de Ca2+ATPase de RE; • Nigericina (Nig) – ionóforo trocador de K+/H+. • Bafilomicina A (Baf) - inibidor da H+ ATPase lisossomal 3.2.3 Medidas e visualização da fluorescência no microscópio confocal A visualização e as medidas de fluorescência com as amostras incubadas com os indicadores foram realizadas em placas de microscopia préincubadas por 1 hora com poli-lisina, para aumentar a adesão das células e depois analisadas no microscópio confocal (modelo Zeiss LSM-510). 3.2.3.1 Marcação da mitocôndria e lisossomos com indicadores fluorescentes A proximidade do RE e mitocôndria assim como a participação dos lisossomos, foram analisadas com diferentes indicadores fluorescentes, de modo a verificar o padrão de distribuição de fluorescência em diferentes células e poder verificar as modificações que possam ocorrer decorrentes das condições estudadas. Indicadores fluorescentes: • AO (Ex: 488nm Em: > 560 nm) 3µM (mobilização de H+ e localização lisossomal); • TMRE (Ex: 543nm Em: > 560nm) 0,5µM (PMM) 24 3.2.3.2 Estudo dos mecanismos envolvidos na manutenção dos gradientes iônicos (Ca2+ e H+) nas organelas intracelulares Para as medidas do Ca2+ presente nas organelas (RE, mitocôndria e lisossomos) nas células, os indicadores foram colocados no tampão Hanks e incubados por aproximadamente 40 minutos a 37oC e a fluorescência registrada no espectrofluorímetro ou no microscópio confocal (Zeiss). Parâmetros dos indicadores: • Fluo 3 AM – Ex: 488nm Em: 505-550nm (Ca2+ citoplasmático); • X-Rhod AM – Ex: 543nm Em: LP > 560nm (Ca2+ mitocondrial); • AO – Ex: 488nm Em: > 560nm (H+ lisossomal/citoplasmático). 3.2.3.3 Integridade dos canais de Ca2+ operados por estoque na MP (SOCE) Para avaliar a atividade dos canais de membrana envolvidos na manutenção do Ca2+ (SOCE), camundongos foram privados de sono por diferentes períodos (12, 24, 36, 48, 60 e 72h). Após a PS, as células foram isoladas e incubadas com o fluoróforo Fluo-4 (5mM) em tampão sem Ca2+. A leitura foi realizada em um espectrofluorímetro com leitor de placas (96poços) Flex Station. Após 20s de leitura foi adicionado a Thg (5µM) para possível esvaziamento dos estoques de Ca2+ do RE e após 200s foi adicionado o CaCl2 (100 mM) para avaliar a integridade dos canais de membrana envolvidos nas flutuações do Ca2+ e medir a fluorescência do influxo deste íon através dos canais SOCE de membrana. 25 3.2.4 Acompanhamento da infecção por malaria em camundongos submetidos a diferentes períodos de rebote Camundongos suíços foram submetidos à PS por 72h seguido por 24 e 48h de rebote de sono. Após a recuperação dos períodos, cada grupo (rebotes e CTs, n = 10 cada) foi inoculado intraperitonealmente (ip), com eritrócitos infectados 1x106 com Plasmodium chabaudi (malária de murino) para acompanhar a eficiência do SI. A infecção é acompanhada realizando a contagem de células infectadas (parasitemia) de laminas com esfregaços de sangue e corados com Giemsa (SIGMA). 3.2.5 População de células esplênicas imunológicas Para verificar a marcação de morte celular e contagem das células, os esplenócitos foram lavados com PBS e suspenso em tampão de ligação (0,01 M Hepes, pH 7,4, 0,14 M NaCl e CaCl2 22,5 mM) na concentração de 1 x 106 células /ml. As suspensões foram transferidas para tubos e foram marcadas com anti-B220-PE (1mg/ml) (linfócitos B), anti-CD3-APC (1,5 mg / ml) (linfócitos T), anexina V-FITC (5ml) e 7AAD (5mg/ml). Os anticorpos usados foram: CD3FITC e CD4-PerCP para linfócitos Th; Anticorpos CD3- FITC e CD8-PE para linfócitos Tc; Anticorpos CD19-APC para linfócitos B; Anticorpos CD11b-Alexa flúor para macrófagos e Anticorpos NK 1.1 – PerCP – Cy 5.5 para células Natural Killer (NK). As células foram incubadas a 25º C por 20 minutos e, após a adição de 0,3 ml de tampão de ligação a análise foi realizada em um citômetro de fluxo FACS Calibur (BD), utilizando o software CellQuest (50000 26 eventos foram coletados por amostra). Para acompanhar a porcentagem total de células esplênicas, uma alícota do homogenato do baço foi separada e contada em câmara de Neubauer, utilizando de um microscópio óptico Nikon TS100 na objetiva de 400 vezes. Os resultados foram apresentados como média ± D.P das triplicatas. Este experimento foi realizado no Departamento de Biofísica da UNIFESP, sob a supervisão do Prof. Dr. Edgar J. ParedesGamero. 3.2.6 Determinação da expressão gênica Os baços obtidos após sacrifício dos camundongos foram rapidamente macerados e processados de forma a isolar os esplenócitos, sendo os processos realizados em material estéril. Para extração do RNA total, os pellets de esplenócitos foram homogeneizados no aparelho IKA® T10 basic. O RNA total foi extraído com o reagente comercial TRIZOL®. Para avaliação da integridade do RNA extraído, 2µL de RNA total de cada amostra foi submetido à eletroforese em gel de agarose. Para quantificação do RNA total, 1µL de cada amostra foi analisada no Nanodrop Thermo Scientific 8000. 3.2.6.1 Reação em cadeia da polimerase quantitativa (Tempo – Real) – (Quantitative Polimerase Chain Reaction – qPCR) A taxa de expressão relativa do RNA mensageiro dos genes: CAT, CuZn-SOD, Mn-SOD, STIM1 e ORAI1, foram determinados usando o gene Gliceraldeído-fosfato desidrogenase (GADPH) como gene de referência. Os 27 iniciadores das reações de qPCR foram desenhados no site da IDT (integrated DNA technologies – www.idtdna.com) e os oligonucleotídeos foram sintetizados pela Prodimol. As reações de qPCR foram realizadas usando o SYBR GREEN PCR Master Mix (Fermentas) e o aparelho utilizado foi o CFX96 Real Time System Bio Rad. As reações foram realizadas em placas clear de 96 poços com capacidade para 200µL (ABgene® Thermo scientific). As placas foram seladas com filmes de qualidade óptica (Platemax ultraclear sealing film). Previamente ao ensaio de quantificação, nós otimizamos e determinamos à eficiência da reação de cada gene (entre 90 e 110). A determinação das eficiências das reações foram realizadas a partir de uma curva de diluição seriada de um “pool” de cDNA das amostras. A análise da expressão relativa foi realizada usando o método 2-∆∆CT e confirmada pelo método 2-∆CT. 3.2.7 Determinações dos marcadores de EO 3.2.7.1 Determinação da Lipoperoxidação A medida dos níveis de lipoperoxidação do macerado do baço foi realizada por meio da determinação das substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS). Para a quantificação do TBARS esplênico, as amostras de tecido foram incubadas com uma solução de ácido tiobarbitúrico (TBA) a 1% como reagente cromogênico (adaptado de Winterbourn e cols, 1985). O princípio da reação baseia-se na reação do malondialdeído (MDA), o principal 28 produto da oxidação dos lipídios de membrana com o TBA. A quantificação foi realizada a partir de uma curva padrão de MDA. A determinação do potencial lipoperoxidativo esplênico foi realizada por meio da avaliação da produção de substâncias reativas ao TBA durante a incubação de homogenatos de baço a 37ºC por 1 hora. Para a quantificação do TBARS esplênico, após a incubação das amostras de homogenato, estas foram desproteinadas e novamente incubadas em uma solução de TBA (0,67%) como reagente cromogênico (Ohkawa e cols., 1979). A quantificação foi realizada a partir de uma curva padrão de MDA. 3.2.7.2 Determinação da atividade da CAT Para a determinação da CAT dos esplenócitos, os baços foram macerados em tampão Hanks e o homogenato passou por uma centrifugação e duas incubações em tampão de lise no gelo por 10 minutos cada com posterior centrifugação e por último, as células foram centrifugadas em tampão fosfato de potássio (K2HPO4/KH2PO4) 100mM e pH 7,0. Após foi realizada a sonicação das células com posterior centrifugação a 13000 rpm por 45 minutos a 4ºC. O extrato celular resultante foi submetido ao meio de reação (Tris HCl 1M EDTA 5mM pH 8,0; H2O2 10mM) para as medidas da atividade da CAT. A atividade da CAT foi determinada cinéticamente a 230nm a 30ºC por 3 minutos no espectrofotômetro Hitachi modelo U-2010, utilizando-se o H2O2 decompondo-o em oxigênio e água, o que por sua vez, está diretamente relacionado com a alteração da absorbância do meio de reação (Beutler, 1975) conforme esquema abaixo. 29 3.2.7.3 Determinação da atividade da SOD A determinação da SOD dos esplenócitos, foi realizada em tampão fosfato (K2HPO4/KH2PO4) 50mM EDTA 0,1mM pH 7,4. A atividade da SOD foi determinada em espectrofotômetro a 560nm, 25ºC por 3 min. pelo método de microplaca (Ewing and Janero, 1995), utilizando-se o Azul de Nitrotetrazólio (NBT) como marcador da atividade da SOD. A reação baseia-se na oxidação da Nicotinamida Adenina Dinucleotídeo (NADH) pela Fenazina metil-sulfato (PMS) reduzida, que no retorno da reação gera o O2•-. A partir disso o NBT é reduzido pela acepção do elétron do O2•- com a formação de produto formazan (azul) (figura 5). Na reação a SOD existente na amostra compete pelo O2•- e a quantificação, por sua vez, é realizada a partir do grau de inibição da taxa de redução do NBT (para cada 50% de NBT reduzido, utiliza-se 1 U de SOD) (figura5). Para a determinação da atividade da MnSOD (SOD mitocondrial), acrescenta-se 15mM de cianeto de potássio (KCN) ao meio de reação para inibir a atividade da CuZnSOD. 30 Figura 5. Representação esquemática da geração do ânion superóxido e ação de um antioxidante (SOD total) presente no meio. (modificado de De Oliveira e cols., 2009). 3.2.7.4 Determinação de proteínas totais A normalização da medida de lipoperoxidação foi realizada, pelo peso seco presente em um dado volume da amostra (Por exemplo, se usou 200 µL deve-se separar 200 µl dentro de um microtubo e deixa-la secando na estufa a 37ºC). Para a normalização do potencial lipoperoxidativo e da atividade das enzimas antioxidantes esplênicas (CAT e SOD), o conteúdo de proteínas totais foi medido a partir de uma alíquota adquirida dos respectivos homogenatos pelo método de Kolodny e Munford a partir do kit Bio Rad (Kolodny e Munford, 1976). 31 3.3 Análise estatística Para os experimentos realizados em microscopia confocal, um mínimo de três diferentes preparações de células extraídas de três baços isolados dos camundongos foi realizado para cada medida e expressa como a média ± EP. Nos experimentos promovidos pela atividade enzimática e expressão de cDNA, o n foi de aproximadamente 8 animais por grupo. As comparações foram determinadas por teste t não pareado para análise de dois grupos independentes, ANOVA de uma via para análise de três grupos independentes seguido de teste a posteriori de Tukey, e ANOVA de duas vias para análise de dois fatores diferentes (CT vs PS; presença e ausência de Ca2+), seguido de análise de teste a posteriori de Tukey com nível de significância aceito p < 0,05. A significância estatística de sobrevivência entre os grupos CT e experimental, foi analisada com o teste Log-rank. Os cálculos foram realizados utilizando PrismTM versão 4,03 para Windows (GraphPad, E.U.A.). 3.4 Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP Todos os procedimentos foram aprovados pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP-EPM, sob o nº de protocolo 0183/08. 32 4 RESULTADOS 4.1 Medidas da fluorescência do Ca2+ intracelular realizadas no espectrofluorímetro Estudamos a influência de diferentes períodos de PS sobre a dinâmica de manutenção e mobilização de Ca2+ no citosol de células esplênicas isoladas. As células não apresentaram diferenças significantes entre os grupos CT e privado de sono por 24h, na fluorescência do Ca2+ (Fluo3 AM 5µM) proveniente dos estoques como o RE, quando estimuladas com Thg (10µM) e dos lisossomos, pela adição da Nig (10µM) (figuras 6 A e B), o que foi confirmado tanto na presença ou ausência de Ca2+ extracelular (figuras 7 A e B). Ambas as análises foram verificadas em espectrofluorimetria. Ao avaliarmos as flutuações da fluorescência do Ca2+ das organelas estoques, tanto o RE (estimulado com Thg 10µM) quanto os lisossomos (com adição da Nig 10µM) na situação de privação por 48h tiveram redução significante da fluorescência (p < 0,05) comparada ao grupo CT (figura 6 C). Este resultado também se repetiu, quando as flutuações da fluorescência do Ca2+ proveniente de seus estoques (RE e lisossomos) foram avaliadas em células de camundongos privados por 48h, foram incubadas em tampão com Ca2+ e tampão sem Ca2+ (figura 7 C). A fluorescência do Ca2+ proveniente do RE (p < 0,01) e dos lisossomos (p < 0,05) também permaneceu menor (figura 6 D) após 72h de PS. Assim como a redução da razão da fluorescência do Ca2+ proveniente dos estoques 33 intracelulares (RE e lisossomos) das células de camundongos privados por 72h mantidas em tampão com e sem Ca2+ (p < 0,05) (figura 7 C). Figura 6. Efeito da PS sobre a mobilização do Ca2+ intracelular em esplenócitos de camundongos, realizados em espectrofluorìmetro. Medidas de fluorescência de Ca2+ intracelular de esplenócitos isolados de camundongos após a PS e marcados (107 células / mL), com o indicador de Ca2+ Fluo 3 (5 µM por 40 min a 37ºC). A liberação de Ca2+ intracelular foi promovida com 10 µM do Thg e do Nig (10µM). (A) células CT; (B) 24h de PS; (C) 48h de PS; (D) 72h de PS. Uma redução significativa na liberação de Ca2+ a partir do RE foi observada após a adição da Thg e Nig nas células de animais privados de sono por 48 e 72 h, em comparação com as células de animais do grupo CT (Figuras 6 C e D). A PS em camundongos por 24h não resultou em qualquer alteração significativa de liberação de Ca2+ a partir do RE após a adição de Thg (10 µM), seguido pelo Nig (10 µM) (Figura 7 A). Observamos uma diminuição 34 significativa na mobilização de Ca2+ induzida pela adição de ambas às drogas (Thg e Nig). Após 48 e 72h de PS, quando o Ca2+ foi retirado do tampão de ensaio, a variação da fluorescência também foi significativa para a adição da Thg e Nig (Figuras 7 B e C). 35 Figura 7. Histograma de mudanças da fluorescência de Ca2+ intracelular em cada período da PS. As medidas no espectrofluorímetro foram realizadas após a adição de Thg (10µM), seguido por Nig (10µM), em duas condições de tampão (com ou sem CaCl2 (1 µM)). (A) 24h de PS, sem diferença significativa; (B) 48h (∗ANOVA em duas vias, p < 0,05 vs CT com teste a posteriori de Tukey) e (C) 72h (∗ANOVA em duas vias, p < 0,01 vs CT com teste a posteriori de Tukey). Os dados são: Média ± EP dos valores a partir de 3 experimentos. 36 4.2 Medidas da fluorescência da mobilização do Ca2+ em microscopia confocal Realizamos medidas de Ca2+ intracelular utilizando microscopia confocal, acompanhando a cinética dos íons em células isoladas após estimulação com baixas doses de Thg. Neste ensaio procuramos modificações na homeostase do Ca2+ induzida pela PS usando células do baço aderidas em uma placa de microscopia, comparando a manutenção e liberação de Ca2+ intracelular das organelas (Figura 8). Figura 8. Resolução de Imagem de fluorescência de indicador de Ca2+ Fluo 3 AM, nos esplenócitos de camundongos utilizando microscopia confocal. Os círculos vermelhos representam a adição do inibidor Thg (10µM), em ambas as condições (CT e 72h de PS). Escala de barra de 20um. 37 4.2.1 Medidas da fluorescência da mobilização do Ca2+ nos lisossomos em microscopia confocal A participação de organelas ácidas (por exemplo, lisossomos) na mobilização de Ca2+ foi avaliada utilizando inibidores vesiculares específicos. Medimos a razão da fluorescência do Ca2+ liberado dos lisossomos adicionando a Nig (10µM) seguida da Thg (10µM). Observamos uma redução significante na fluorescência do Ca2+ liberado para o meio (p < 0,05) após PS por 72h. Para maior especificidade da liberação de Ca2+ e H+ dos lisossomos adicionamos a Baf (1µM). Não verificamos diferença na emissão da fluorescência do Ca2+ comparando o grupo privado 72h ao grupo CT (figura 9B). Para avaliarmos melhor esta organela, marcamos as células com AO (5µM). As imagens foram analisadas em microscopia confocal. Como mostra a figura 9B, houve uma ruptura no gradiente eletroquímico de H+ nas células dos camundongos privados de sono por 72h. 38 Figura 9. Medida da fluorescência da mobilização do Ca2+ em microscopia confocal. Células esplênicas de camundongos foram adicionadas em placas de microscopia com tampão CaCl2 (1mM), comparando a mobilização do Ca2+ entre CT e privado de sono por 72h. (A e B) Célula típica mostrando o efeito de medição vesicular do inibidor Baf (1µM). (C) Aumentos na fluorescência não revelam diferenças significativas entre os CTs e 72h de PS (média ± EP, n = 50 células). (D e E) Efeito do ionóforo Nig (10µM), seguido pelo inibidor Thg (10µM). (F) histograma representando o aumento razão da Fluorescência (F / F0) efeito da Nig (média ± EP, n = 50 células; ∗ teste t não pareado p < 0,05 vs CT). 4.2.2 Medidas da fluorescência das flutuações do Ca2+ mitocondrial Medimos a razão da fluorescência da captação de Ca2+ pela mitocôndria proveniente do RE e lisossomos usando o fluoróforo TMRE (0,5µM). Notamos que houve uma redução significante da fluorescência da captação de Ca2+ pela mitocôndria somente do Ca2+ liberado do RE (p < 0,05) em células de 39 camundongos privados por 72h. Não foi significante a captação do Ca2+ proveniente dos lisossomos (figura 10). A flutuação do Ca2+ mitocondrial foi confirmada pela inibição completa dos sinais fluorescentes com a adição de FCCP (p-trifluorometoxi-carbonilcianeto de fenil-hidrazona), um desacoplador da fosforilação oxidativa. Figura. 10. Flutuações do Ca2+ mitocondrial em esplenócitos de camundongos privados de sono por 72 h, incubados com TMRE. A recaptação de Ca2+ mitocondrial foi medida após adição de drogas específicas para a mobilização do íon intracelular: Thg (1 µM), Nig (1 µM) (F/F0; ∗ teste t, p < 0.05 vs CT). 4.2.3 Medidas da fluorescência do Ca2+ mitocondrial basal Uma vez que observamos a redução do Ca2+ de seus estoques intracelulares e sua baixa captação pela mitocôndria, realizamos então as medidas da fluorescência do Ca2+ mitocondrial basal e observamos um 40 aumento de aproximadamente 30% na situação experimental de privação por 72h (Figura 11). Figura 11. Fluorescência basal do Ca2+ mitocôndrial em esplenócitos de camundongos privados de sono por 72 h . As células foram incubadas com X-Rhod1 AM e as medidas foram sem adição de drogas (n = 6 por grupo; test t , p < 0.05 vs. CT). 4.2.4 Visualização da morfologia e fisiologia dos lisossomos realizados em microscopia confocal Para avaliarmos os lisossomos, marcamos as células com AO (5uM). As imagens foram analisadas em microscopia confocal. Como mostra a figura 12, houve alteração na manutenção do gradiente eletroquímico de H+ nas células dos camundongos privados de sono por 72h. 41 Figura 12. Morfologia e fisiologia dos lisossomos. Os lisossomos foram incubados com fluoróforo AO (3µM). Comprimentos de ondas analisados em verde e vermelho e controle negativo para visualização das células (n = 50 cel/gpo, PS vs CT). Barra de escala 20um. 4.2.5 Integridade dos canais de Ca2+ de membrana (SOCE) e influxo do íon Ca2+ Para avaliar a atividade dos canais de membrana (SOCE) envolvidos na manutenção do Ca2+ intracelular, realizamos a PS dos animais em diferentes períodos (12, 24, 36, 48, 60 e 72h). Após os períodos de PS, as células do baço foram isoladas e marcadas com fluoróforo Fluo4 AM em tampão sem Ca2+ e levadas para medidas da fluorescência em resposta a elevação de Ca2+ em um leitor de placas no espectrofluorímetro. Após 20s de leitura foi adicionado Thg (5µM) e com 200s foi adicionado o CaCl2 (1,3mM). Nós verificamos um aumento significante na fluorescência do Ca2+ transportado pelos canais SOCE na situação de 12h de PS (p < 0.05) após a adição do 42 CaCl2 e uma significante redução desse influxo de Ca2+ nas células dos animais privados de sono por 60 e 72h (p < 0.01) comparadas ao CT (figura 13). Não houve diferença na mobilização do Ca2+ durante os períodos de 24, 36 e 48h de PS. 2+ Figura 13 Atividade dos canais de Ca fluorescência do Ca 2+ de membrana (SOCE). Gráfico mostrando a razão de intracelular proveniente do meio extracelular em esplenócitos de camundongos privados de sono durante 12, 24, 36, 48, 60 e 72h vs CT. As células foram 2+ incubadas com fluoróforo Fluo4 AM em tampão HBSS sem Ca . Foi adicionado Thg (1µM) 2+ após 20s de leitura para depletar os estoques de Ca do RE e após 200s de leitura o CaCl2 (1,3mM) foi adicionado em leitor de placas de espectrofluorímetro Flex Station. Os resultados foram expressos como média ± E.P da diferença entre a fluorescência basal e após a adição 6 do CaCl2 (n = 3 baços/grupo, 10 células; ANOVA de uma via com teste a posteriori de Tukey *p < 0.05 vs. CT). 43 4.2.6 Integridade da morfologia e fisiologia da mitocôndria e do potencial de membrana mitocondrial (PMM) analisados em microscopia confocal Durante as primeiras 12h de PS, a observação da fluorescência da mobilização do Ca2+ mitocondrial (células incubadas com fluoróforo X-Rhod1 AM (1µM), assim como do PMM (TMRE 0,5µM)), apresentaram valores similares (figura 14 e 15). Durante 24 horas de PS, ocorreu um aumento significante na fluorescência do Ca2+ mitocondrial analisada em microscopia confocal. Este aumento permaneceu elevado até 72h de PS (figura 14). O PMM permaneceu estável até 36h de PS. Após 48h de PS, observa-se o rompimento do PMM, o qual permaneceu até 72h de PS (figura 15). 44 A B 2+ Figura 14. Morfologia e fisiologia das mitocôndrias. (A) Fluorescência do Ca mitocondrial em esplenócitos de camundongos privados de sono por períodos de 12, 24, 36, 48, 60 e 72 h vs CT incubados com fluoróforo X-Rhod1 AM (1µM) e analisadas em microscopia confocal. (B) Controle negativo das células. Barra de escala 20um. 45 A B Figura 15. Morfologia e fisiologia do PMM. (A) Fluorescência do PMM em esplenócitos de camundongos privados de sono por períodos de 12, 24, 36, 48, 60 e 72 hs vs CT incubados com fluoróforo TMRE (0,5µM) analisados em microscopia confocal. (B) Controle negativo das células. Barra de escala 20um. 46 4.3 Curvas de sobrevivência de camundongos infectados com patógenos (Plasmodium chabaudi) sob PS em diferentes condições de rebote O SI de camundongos foi testado pela infecção com patógenos após PS em diferentes condições de rebote. O nosso ensaio de sobrevivência foi realizado com camundongos (n = 20) submetidos a 72h de PS e permitidos dormir durante 24 e 48h após a PS (Figura 16). Após a recuperação dos períodos, cada grupo (rebotes e CTs, n = 10 cada) foi inoculado intraperitonealmente (ip), com eritrócitos infectados 1x106 com Plasmodium chabaudi. A sobrevivência dos camundongos foi acompanhada durante 20 dias, e o grupo com 24 horas de rebote de sono mostrou uma redução significativa na sobrevivência (p < 0,05) (Figura 16 A), Por outro lado, o rebote de 48h de sono foi suficiente para recuperar o nível de sobrevivência comparado ao grupo CT (Figura 16 B), tal como analisados pela curva de sobrevivência cumulativa de Kaplan-Meier e o teste log-rank. 47 Figura 16 Curvas de sobrevivência de camundongos com infecção da malária de murinos (Plasmodium chabaudi) após a PS e períodos de rebote. Camundongos suíços foram submetidos à PS por 72h seguido por 24 e 48h de rebote de sono antes da infecção com P. chabaudi. Cada grupo (rebote e CT) constou de 10 camundongos suíços infectados intra peritôneal com 106 iRBC após rebote de sono. (A) curva de sobrevivência de camundongos infectados após 24h de rebote de sono (p < 0,05). (B) curva de sobrevivência de camundongos infectados após 48h de rebote do sono (p > 0,05, ns). A significância estatística das diferenças entre os grupos CT e experimental foi determinada com o teste Log-rank para experimentos da sobrevivência cumulativa. 4.4 Expressão de proteínas envolvidas na sinalização do Ca2+ intracelular Verificamos também a expressão da STIM1 e do canal de Ca2+ ORAI1 que é ativado pela STIM1. As análises realizadas em RT-PCR mostraram um aumento significante da expressão da STIM1 (p < 0,05 vs CT), mas não houve diferença na expressão do canal de Ca2+ ORAI1 (figura 17). 48 Expressão STIM1 e ORAI1/GADPH (u.a.) STIM1/ORAI1 3 controle privado de sono 72h * 2 1 0 STIM1 ORAI1 Figura 17 Expressão de genes envolvidos no metabolismo do Ca2+ em células do baço de camundongos. Expressão do gene STIM1 (n = 7/grupo, teste t de Student, p < 0:05 PS vs CT. ). Expressão do gene ORAI1 (n = 8 e 7 respectivamente. Teste t de Student, p > 0.05). O GADPH foi usado como gene de referência. Os valores estão representados como Média ± EP. 4.5 População das células do baço Avaliamos também a contagem de células totais do baço e observamos que a PS por 72 horas resultou na redução significativa da população dessas células (figura 18) (p < 0,03 vs CT) de aproximadamente 42%. 49 Figura 18 População de células totais do baço. As células do baço foram isoladas em tampão HBSS e uma alícota (20 µL) foi adicionada na câmara de Neubauer e a contagem das células foi realizada em microscopia óptica (n = 4 baços/grupo, p < 0,03 vs CT). Os resultados foram expressos em média ± DP). Considerando que o baço é um órgão importante para o SI, nós marcamos estas células com anticorpos fluorescentes específicos para medir em citometria de fluxo o percentual das principais células esplênicas (linfócitos Th; Tc e B; natural killer (NK) e macrófagos). Nós observamos uma redução significativa de linfócitos B (p < 0,05) após a PS por 72h em relação ao CT (figura 19). 50 Figura 19. População das principais células do sistema imunológico localizadas no baço de camundongos. As células do baço foram marcadas com anticorpos fluorescentes específicos e analizadas em citometria de fluxo. (CT n = 4, PS n = 7, Test – t de Student; para população de linfocitos B p < 0.01 vs CT, ns para os outros grupos). Os valores estão representados como Média ± DP. Uma vez que os linfócitos B foram reduzidos, nós realizamos a marcação de morte celular por apoptose e por necrose após a PS por 72h e não observamos diferenças entre os grupos (figura 20). 51 A C B D Figura 20. Análise de citometria de fluxo e dupla marcação com Anexina V-FITC/PI. Os esplenócitos foram marcados com anticorpos anti-B220-PE (linfócitos B), anexina V-FITC e 7AAD (apoptose/necrose) na concentração celular de 1 x 106 (A) Marcação da população de linfócitos B grupo CT. (B) Percentual de necrose/apoptose e células viáveis do baço no grupo CT. (C) Marcação da população de linfócitos B do grupo PS 72h. (D) Percentual de necrose/apoptose e células viáveis do baço no grupo PS 72h. Os resultados foram apresentados como média ± DP das triplicatas. 4.6 Determinação da lipoperoxidação tecidual e potencial lipoperoxidativo Para a verificação de possíveis alterações relacionadas ao EO tecidual em baço, determinamos as medidas de peroxidação lipídica entre os grupos (CT vs PS por 72 horas) usando o TBA como reagente e o MDA como produto 52 da reação. Como mostra a figura 21, não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos. Uma vez que não houve aumento de peroxidação lipídica em esplenócitos em decorrência da PS buscamos investigar se o tecido esplênico estava mais predisposto a sofrer oxidação. Para isso determinarmos o potencial lipoperoxidativo nos diferentes grupos e também não encontramos diferenças significantes (figura 22). Figura 21 Lipoperoxidação em baços de camundongos. CT vs privados de sono/72h (n = 16/grupo; teste-t, p = 0,72) não houve diferença estatística entre os grupos. 53 Figura 22. Potencial lipoperoxidativo em baços de camundongos. CT vs privado de sono/72h (n = 7 e 8 respectivamente; test-t, p = 0,44) não houve diferença estatística. 4.6.1 Determinação da atividade da enzima antioxidante CAT Com o intuito de verificar se a PS é capaz de induzir estresse oxidativo em baço de camundongos avaliamos a atividade de algumas enzimas antioxidantes. No caso da CAT, nós verificamos uma redução na atividade após a PS por 72h (figura 23; *p < 0.05) comparado ao grupo CT. 54 Figura 23. Média dos valores de atividade da enzima antioxidante CAT em esplenócitos do baço de camundongos. CT vs privado de sono por 72h (n = 8/grupo; teste-t, *p < 0,05). 4.6.2 Determinação da atividade da superóxido dismutase (SOD) Realizamos a determinação da atividade da SOD total (mitocondrial e citossólica) nos homogenatos do baço e verificamos que houve diferença estatisticamente significante na atividade da SOD total, com aumento da atividade enzimática total no grupo PS em relação ao CT (figura 24, teste-t, p < 0,05). 55 Figura 24. Determinação da atividade da SOD total (mitocôndria e citosol) em esplenócitos de camundongos. CT vs PS (n = 7/grupo; teste-t, p < 0,01). Para determinar a atividade da MnSOD, inibimos a ação da CuZnSOD com KCN, uma vez que a mitocôndria é a principal geradora de O2•-. Como mostra a figura 25, encontramos diferenças estatisticamente significante entre os grupos PS vs CT usando o teste-t (p < 0,03). 56 Figura 25. Determinação da atividade da MnSOD em esplenócitos de camundongos. CT vs PS (n = 6/grupo; teste-t, p < 0,05). A partir destes resultados, nós então subtraímos a atividade da MnSOD da atividade da SOD total e obtivemos dessa forma a atividade da CuZnSOD. Verificamos então que houve um aumento significante na atividade da enzima no grupo privado comparado ao CT (p < 0,01) (figura 26). Figura 26. Determinação da atividade da CuZnSOD em esplenócitos de camundongos. CT vs PS (n = 7/grupo; teste-t, p < 0,01). 57 4.7 Determinação da expressão gênica das enzimas antioxidantes Também realizamos a expressão das enzimas antioxidantes CAT, MnSOD e CuZnSOD para esclarecer melhor os parâmetros de geração de EO nas células experimentais. Como mostra a figura 27, não observamos diferença na expressão da CAT entre os grupos avaliados. Verificamos que houve aumento significante na expressão da enzima MnSOD durante a PS (p < 0,05) (figura 28). Não houve diferença significante na expressão da CuZnSOD (figura 29). Figura 27. Expressão do gene da enzima antioxidante CAT em células do baço de camundongos. Expressão do gene CAT (n = 8/grupo, teste t, p > 0,05 PS vs CT). O GADPH foi usado como gene de referência. Os valores estão representados como Média ± EP. 58 Figura 28. Expressão do gene da enzima antioxidante MnSOD em células do baço de camundongos. Expressão do gene MnSOD (n = 8/grupo, teste t, p < 0,05 PS vs CT). O GADPH foi usado como gene de referência. Os valores estão representados como Média ± EP. Figura 29. Expressão do gene da enzima antioxidante CuZnSOD em células do baço de camundongos. Expressão do gene CuZnSOD (n = 8/grupo, teste t, p > 0,05 PS vs CT). O GADPH foi usado como gene de referência. Os valores estão representados como Média ± EP. 59 5 DISCUSSÃO O sono é um importante evento fisiológico que influencia diretamente a saúde e é relacionado com o SI no qual o Ca2+ age como um importante mensageiro. Neste trabalho, nós realizamos as medidas de mobilização do Ca2+ citosólico em células vivas com o objetivo de compreender as mudanças na sinalização do Ca2+ em células imunológicas do baço após diferentes períodos de PS. O ciclo sono-vigília está diretamente influenciado pelos níveis de várias moléculas sinalizadoras, tais como citocinas produzidas pelas células do SI, contribuindo para uma comunicação bidirecional com o SNC (Majde e Krueger, 2005). A hipótese de que o sono contribui para a manutenção do SI têm sido discutidas por vários autores (Moldofsky, 1994; Dinges e cols., 1995; Bollinger e cols., 2009). Assim, as citocinas parecem flutuar em suas concentrações durante o ciclo sono-vigília (Irwin, 2002). O efeito do prejuízo de sono sobre o SI é frequentemente estudado em animais (ex: ratos e camundongos) usando o paradigma da PS (48 e 72h) e os resultados geralmente mostram uma redução na contagem de linfócitos (CD3+, CD4+ e CD8+) (Zager e cols., 2007; Satoh e Satoh, 2007; Bollinger e cols., 2009). Também uma infecção bacteriana no intestino de ratos pode ser observada após 5-20 dias de PS pela técnica de disco sobre água (Everson e Toth, 2000). Neste trabalho, nós observamos uma interessante influência da PS na homeostase do Ca2+ em esplenócitos de camundongos. A PS por períodos maiores do que 48h promoveu uma significante redução da mobilização do 60 Ca2+ intracelular em esplenócitos após a adição do inibidor da SERCA, Thg (figura 6). A diminuição da manutenção do Ca2+ no RE leva a um estresse celular devido ao envolvimento dinâmico do RE na síntese e processamento de proteínas, o qual pode resultar no acúmulo de proteínas malformadas (Mackiewicz e cols., 2007). Interessantemente, o rompimento na homeostasia do Ca2+ levando a um estresse no RE após a PS, poderá comprometer a maturação e ativação de células imunológicas, o que requer a síntese de citocinas e imunoglobulinas seguidas da translocação para a MP (Naidoo, 2009), e, por sua vez, é uma explicação razoável para a redução da resposta imunológica que ocorre após a PS em humanos e animais (Majde e Krueger, 2005; Everson, 1993; Irwin, 2002). Como mencionado previamente, a liberação de Ca2+ dos estoques intracelulares induz seu influxo da MP devido à abertura dos canais CRAC. Isto pode ser observado comparando os resultados das células incubadas em tampão com e sem Ca2+ extracelular (figuras 6 e 7), mostrando que a presença de Ca2+ no meio é essencial para manter os altos níveis de Ca2+ necessários para a sinalização intracelular. O acúmulo de Ca2+ nas organelas ocorrem principalmente pela atividade de ATPases (Ca2+ e H+) e, para organelas ácidas (lisossomos/endossomos, Golgi) pelo influxo de Ca2+ via trocador de Ca2+/H+ que é um importante contribuinte para a fusão de membranas entre endossomos e lisossomos ou para a sinalização intracelular (Christensen, 2002). Ensaios realizando o rompimento do gradiente de H+ nos lisossomos de células imunológicas 61 (macrófagos) em que foi usado o ionóforo Nig mostraram uma direta correlação do pH luminal da organela e a manutenção de Ca2+ (Christensen, 2002). Considerando que organelas usadas na manutenção do Ca2+ além do RE, poderão ser afetadas pela PS, em nosso trabalho, ensaios realizados com Nig, corroboraram com os achados de Penning e cols, que observaram em organelas acídicas, rompimento do gradiente de pH pelo uso da Nig, levando à extrusão do Ca2+ destas organelas e mudanças no potencial de K+ na MP (Penning e cols., 2000). Quando a Nig foi adicionada nos esplenócitos de camundongos sujeitos a 72h de PS, o aumento da fluorescência do Ca2+ foi menor do que dos animais CT (figura 9). Como pode ser visto, os animais privados de sono não apresentaram o padrão normal de resposta para a concentração do gradiente, indicando um possível rompimento nas flutuações do Ca2+ e H+ talvez por um estresse celular nas organelas ácidas (figura 12). López e cols (2005) sugerem que, após a depleção de estoques ácidos pelo rompimento do gradiente de H+, estes estoques são repostos por um mecanismo parcialmente dependente da atividade da SERCA. A existência de organelas que contem diferentes concentrações de Ca2+ pode ser diferentemente regulada, dependendo do estímulo celular. Por outro lado, o Ca2+ ou H+ATPases vacuolar, são essenciais para uma grande variabilidade de sinais de Ca2+ espaço-temporal que precisamente regulam uma variedade de funções celulares (López e cols., 2005). É conhecido que o pH ácido dos lisossomos é mantido principalmente por uma H+ATPase vacuolar que bombeia H+ do citosol para o lumen da organela (Luzio e cols., 2007). Desse modo, a distribuição alterada de H+ entre 62 os lisossomos e o citosol encontrada nos camundongos provavelmente tem uma relação direta na resposta celular. O estresse no RE observado por Mackiewicz e cols (2007), resultando na perturbação da homeostase do Ca2+, estado redox, elevada síntese de proteínas secretórias, proteínas malformadas, privação de glicose e glicosilação alterada (Mackiewicz e cols., 2007) podem ser relacionados com as alterações observadas em nosso estudo. A modulação da homeostase do sono e sua correlação com as funções do SI são um corrente foco de pesquisas (Zager e cols., 2007; Dimitrov e cols., 2007). Por sua vez, os modelos de PS são importantes para compreensão da interrelação entre estes sistemas. Por exemplo, o aumento de corticosterona plasmática associado com uma redução no peso do baço e na contagem de leucócitos totais e linfócitos em ratos privados de sono foram recentemente relatados (Zager e cols., 2007). Nossos dados esclarecem as mudanças celulares envolvidas, demonstrando uma redução da sinalização do Ca2+ nos esplenócitos que está relacionada a eventos como, desenvolvimento celular, proliferação e mortalidade celular que são essenciais para o funcionamento do SI. Nossos resultados mostram uma redução na mobilização de Ca2+ do RE e lisossomos dos camundongos privados de sono, demonstrado pela menor liberação do íon sob exposição a drogas específicas como a Thg e a Nig (figura 6). Estes dados sugerem uma perda na regulação do conteúdo iônico nas células estudadas, junto com a alteração de H+ dos compartimentos acídicos (figura 12). A liberação diferencial do RE pode representar uma ação compensatória da célula promovendo um maior acúmulo do íon, como 63 resultado do comprometimento dos lisossomos e consequente alteração iônica citossólica. Uma das organelas chave envolvida na homeostasia do Ca2+ é a mitocôndria. Esta organela é crucial para a captação do Ca2+ liberado dos estoques intracelulares quando a célula recebe um estímulo (Balaban, 2002; Hansson e cols., 2008; Feissner e cols., 2009). Nós verificamos o envolvimento da mitocôndria no rompimento da homeostase do Ca2+ em situações de PS, observando uma redução significante na captação deste íon do RE (figura 10), nas células dos animais privados de sono quando a Ca2+ATPase do RE foi inibida com a adição de Thg. Nós também avaliamos a fluorescência do Ca2+ intracelular antes da adição da droga e vimos que na situação experimental houve um aumento na concentração de Ca2+ mitocondrial (figura 11). Nikonova e cols (2010) relataram que após 3 e 12h de PS em camundongos, a atividade de proteínas e enzimas do complexo IV da mitocôndria foi significantemente aumentada e a subunidade catalítica do complexo V foi significantemente aumentada somente após 12h de PS. Entretanto, níveis aumentados da proteína UCP2 após 12h de PS sugerem que, possivelmente, houve alterações na razão ATP/AMP quando a vigília foi extendida (Nikonova e cols., 2010). Após analisarmos a sequência temporal das concentrações de Ca2+ mitocondrial, nós observamos que, depois de 24h de PS houve um aumento exacerbado de Ca2+ nesta organela (figura 14) com consequente rompimento do PMM após 48h de PS (figura 15). Yang e cols (2008) verificaram que a PS paradoxal induziu a translocação da Bax para a mitocôndria, enquanto o citocromo c foi liberado desta para o citoplasma e a excitabilidade de neurônios piramidais da região CA1 cerebral de ratos foi 64 reduzida (Yang e cols., 2008). Estas mudanças induzidas pela PS são fortemente relacionadas à homeostase do Ca2+ e é possível também que mudanças observadas neste estudo contribuam para a disfunção mitocondrial. A morfologia dos lisossomos (figura 12) mostra a disfunção desta organela induzida pela PS. Houve um rompimento do gradiente de pH lisossomal e disfunção ou perda da integridade mitocondrial (figura 14), que pode ser devida ao rompimento do pH intracelular e homeostase do Ca2+ que, por sua vez, comprometeram o PMM (figura 15). Se houve um aumento de Ca2+ citossólico e uma redução de Ca2+ no RE, uma alteração nos mecanismos envolvidos na sinalização do Ca2+ poderá ser esperada. A depleção dos estoques de Ca2+ intracelular evoca a entrada de Ca2+ através da MP pela indução de canais CRAC em vários tipos celulares (Hawkins e cols., 2010). Recentemente, as proteínas ORAI1 e STIM1 foram identificadas como uma subunidade de canais CRAC e uma proteína sensora de Ca2+ no RE, respectivamente (Cai, 2007). A expressão de RNAm de ORAI1 e STIM1 foram analisadas, e como mostra a figura 17, um aumento significante na expressão da proteína STIM1 foi observado nos camundongos privados de sono por 72h, porém não houve diferença na expressão do canal ORAI1. Hawkins e cols (2010) demonstraram um relacionamento entre EO e a proteína STIM1 que são mediados pela entrada de Ca2+. A contínua ativação do canal CRAC facilita um aumento nos níveis de Ca2+ tanto na célula em repouso, quanto após a ativação celular. Este aumento sustentado de Ca2+ aumenta a sobrecarga de Ca2+ na mitocôndria e influencia a função desta organela, a qual por longo tempo pode disparar a morte celular (Hawkins e cols., 2010). 65 Entre todas as diferentes funções do Ca2+ na fisiologia celular (Berridge e cols., 2003; Luzio e cols., 2007), o papel deste íon nas vias endocíticas pode ser de grande importância para a habilidade imunológica e/ou fagocitose. Dessa forma, a supressão da homeostase do Ca2+ observada nos esplenócitos de camundongos privados de sono poderá refletir a redução na resposta imunológica, porém podem ocorrer resultados mais drásticos nestas células como a desregulação do processo autofágico, o que por sua vez, leva à morte celular (Naidoo, 2009). Entretanto, nossos resultados sugerem que alterações secundárias, como mudanças na homeostase do Ca2+ e H+, podem ser fatores importantes que contribuem para danos e morte celular entre os efeitos deletérios da PS. O trabalho mostra que pode haver uma correlação entre a PS e a perda da viabilidade celular através de mecanismos envolvidos na homeostase iônica (Ca2+ e H+), que pode ser evidenciada por uma baixa eficiência das células do SI, uma vez que a expressão de citocinas, fatores inflamatórios e sinalização celular são dependentes da homeostase do sono (Feske, 2007; Satoh e Satoh, 2007; Christensen e cols., 2002; Feske e cols., 2001; Bootman e cols., 2002). Os dados apresentados na figura 13 mostram que durante as 12 primeiras horas de PS, houve um aumento significante na captação de Ca2+ pelos canais SOCE de membrana de animais privados de sono comparados aos animais do grupo CT. Em períodos que vão de 24 a 48h, houve uma similaridade com o grupo CT e o PS, porém, a partir de 60h de PS, ocorreu uma redução significante (p < 0,01) na captação do Ca2+. Estes achados sugerem que já nas primeiras horas de PS ocorreu a depleção dos estoques de Ca2+ promovendo uma rápida mobilização dos mecanismos de influxo de Ca2+. 66 Estes dados corroboram com os nossos resultados de 24h de PS (figuras 6 e 7) mostrando que não houve diferença no aumento da liberação de Ca2+ das organelas (RE e Lisossomos). Há vários trabalhos mostrando a baixa eficiência do SI durante a PS (Benca e Quintans, 1997; Majde e Krueger, 2005; Everson e Toth, 2000; Everson, 1993; Zager e cols., 2007; Dinges e cols., 1995; Bollinger e cols., 2009; Todd e cols., 2008). A razão para esta baixa eficiência é ainda desconhecida, mas nossos dados sugerem fortemente que o comprometimento da homeostase de Ca2+ no interior das organelas celulares dispara mecanismos que, por sua vez, podem resultar na disfunção imunológica. Uma importante correlação entre a deficiência no SI e prejuízo na sinalização celular foi observada quando diferentes grupos de camundongos privados de sono, que foram infectados com parasitas de malária no período após a PS (rebotes de sono). Nós verificamos uma clara deficiência na resposta à infecção por malária após 24h de rebote de sono (figura 16 A). Entretanto, após 48h de rebote de sono, nós observamos uma recuperação da resposta do SI (figura 16 B). Estes dados são muito interessantes, uma vez que eles mostraram o tempo necessário para a restauração da função normal do SI após a PS em camundongos sob condições experimentais. Uma importante evidência já confirmada por diversos trabalhos na literatura é a interrelação entre o segundo mensageiro Ca2+ e a geração de espécies reativas de oxigênio, podendo acarretar em EO (Das e cols., 2008; Feissner e cols., 2009; Peng e Jou, 2010). A sinalização pelas vias do Ca2+ e também pelas vias das ERO são importantes para o metabolismo celular quando ocorrem de forma natural e controlada pela célula (Feissner e cols., 67 2009). Há uma interação recíproca entre o Ca2+ e as ERO, uma vez que, um pode ativar a via de sinalização do outro (Peng e Jou, 2010). Porém, um excesso de Ca2+ intracelular pode disparar a geração de radicais livres levando a célula ao desequilíbrio, o que resultará na ativação de vias apoptóticas ou mesmo necrose celular (Mammucari e Rizzuto, 2010). Uma vez que nós detectamos elevados níveis de Ca2+ mitocondrial com conseqüente rompimento do PMM nos esplenócitos de camundongos privados de sono, nós também buscamos verificar como poderiam estar os parâmetros de EO nestas células. Em um primeiro momento, nós determinamos as medidas de peroxidação lipídica em tecido do baço e não observamos diferença estatística entre os grupos (figura 21), assim como após a estimulação tecidual à geração de potencial lipoperoxidativo (figura 22). A CAT é uma das enzimas antioxidantes responsáveis pela conversão do H2O2 em água e oxigênio, peróxido este gerado pela dismutação do O2•−. O H2O2 gerado naturalmente pela célula é um importante bactericida e age também na eliminação de resíduos intracelulares (Miller e Britigan, 1997). Nós determinamos a atividade da CAT após a PS por 72h e observamos uma redução significante da atividade desta enzima no modelo experimental de PS (figura 23). Estes dados corroboram com os achados de Everson e cols (2005) que mostraram redução da atividade da CAT de 23 e 36% em fígados de ratos privados de sono por 5 e 10 dias respectivamente, usando do método de disco sobre água (Everson e cols., 2005). Estes resultados sugerem que a PS causa um desequilíbrio nos mecanismos antioxidantes com possível aumento nos níveis de H2O2 livres que 68 poderão romper membranas de organelas e danificar a estrutura de proteínas e outros metabólitos. Ao fazermos a expressão de RNAm da CAT, não observamos diferenças estatísticas entre os grupos (figura 27). Isso sugere que o excesso de Ca2+ mitocondrial vazado para o citosol, possivelmente levou a célula a citotoxidade e interferiu na atividade da enzima CAT. A CAT é uma enzima que age principalmente no citosol, embora uma pequena quantia possa ser ativa no espaço intermembranas mitocondrial (Feissner e cols., 2009). A mitocôndria é considerada a organela chave na geração de O2•–, que é aumentado pela ativação da cadeia fosforilativa na produção intensa de ATP e pela consequente captação de Ca2+ (Cardoso e cols., 2010). O excesso de Ca2+ é um dos fatores mais importantes para intensificar a atividade dos complexos I, II, III, IV e V da cadeia fosforilativa (Hajnoczky e cols., 1995). Dessa forma ocorre a intensa produção de O2•– que, quando livre e em excesso leva a cadeia fosforilativa a colapso e, conseqüente, perda do PMM (Kleszczynski e Sktadanowski, 2011), o que corrobora com nossos achados (figuras 14 e 15). As medidas da atividade da SOD total realizadas em nosso trabalho mostraram um aumento significante após a PS. Por esse motivo, nós verificamos a atividade da MnSOD e CuZnSOD (figuras 25 e 26). O aumento significante da MnSOD observado na PS, confirmado também pela maior expressão de RNAm desta enzima (figura 28), sugere que a mitocôndria está tentando controlar o aumento na geração de O2•– livres nesta organela. Nichols (2004) mostrou em culturas de células que o excesso de Ca2+ captado pela mitocôndria constitui o passo essencial para a geração de ERO mitocondrial e, conseqüente, excitotoxicidade celular (Nichols, 2004). Nós não encontramos 69 diferenças na expressão da CuZnSOD (figuras 29), porém, nós observamos que a atividade dessa enzima foi aumentada no modelo de PS (p < 0,01; figura 26) sugerindo que houve vazamento de ERO para o citosol (O2•–). Estes achados levantam a hipótese de que a PS leva os esplenócitos a um desequilíbrio na sinalização celular (Ca2+, H+ e ERO) que por sua vez, pode desencadear morte celular. Como mostrado em nossos resultados, a redução da atividade da CAT e a não diferença da expressão da CuZnSOD na PS, corrobora com os achados de Hansson e cols., (2008) que mostra que o excesso de Ca2+ no citosol de células do cérebro de ratos induzido pela abertura do poro mitocondrial levou a um aumento na geração de H2O2 por abolir a capacidade endógena de destoxificação da célula pela GSH e NADPH (Hansson e cols., 2008). Jung e cols (2011) observaram que a PS em humanos leva a um aumento no gasto energético comparado ao sono, à vigília e mesmo durante a recuperação do sono (Jung e cols., 2011). Há aumento dos níveis de adenosina em neurônios colinérgicos e córtex cerebral de camundongos, seguido do aumento nos níveis de fosforilação do piruvato e lactato e aumento da AMP quinase ativada durante a PS (Porkka-Heiskanen e Kalinchuk, 2010). Nossos resultados sugerem que a necessidade da célula manter suas funções durante a PS, requer uma grande quantidade de ATP. Dessa forma, a mitocôndria possivelmente recebe este sinal já nas primeiras horas de PS. Este sinal recebido pela mitocôndria, possivelmente ativa a liberação de Ca2+ de seus estoques com conseqüente entrada de Ca2+ extracelular através de canais de membrana (CRAC, SOCE). Sarsour e cols (2010) mostraram que culturas de células expostas à concentração de 21% de O2 tiveram maior 70 geração de ERO mitocondrial com subseqüente aumento na atividade da MnSOD comparadas a culturas expostas à apenas 4% de O2 (Sarsour e cols., 2010). O acúmulo de Ca2+ citossólico observado em nossos resultados (figura 13), possivelmente foi captado pela mitocôndria (figura 14), o que acelerou o seu metabolismo. A intensa atividade dos complexos da cadeia fosforilativa eleva a geração de ERO que, por sua vez, leva a um aumento na expressão e atividade da enzima antioxidade MnSOD. Foi demonstrado que a super expressão da MnSOD em culturas de fibroblastos da pele de camundongos reduz os níveis de ERO e preserva a morfologia da mitocôndria contra danos associados ao envelhecimento e, consequente capacidade proliferativa (Sarsour e cols., 2010). Estes dados sugerem que o aumento da atividade e expressão da MnSOD observados em nosso trabalho possivelmente é uma forma da mitocôndria tentar proteger a célula contra danos provocados por um overload de Ca2+. O aumento na sobrecarga de Ca2+ mitocondrial como resultado da excitotocixidade celular tem sido associado com a geração de O2•– induzindo a liberação de proteínas pró apoptóticas mitocondriais. Isto ocorre através do processo de fragmentação/condensação do DNA, lipídios e proteínas, assim como perda da integridade da membrana e desbalanço iônico culminando na morte celular por apoptose ou necrose (Vanlangenakker e cols., 2008; Rego e Oliveira, 2003). A partir de 48h de PS, o gasto energético possivelmente foi tão intenso, que a mitocôndria provavelmente entrou em exaustão, em consequência do aumento exacerbado de Ca2+ nesta organela, que com elevados níveis de ERO, pode ter provocado a abertura do poro de transição mitocondrial e o rompimento do PMM levando o vazamento de Ca2+, ERO e 71 enzimas mitocondriais (SOD, citocromo c etc). Este vazamento mitocondrial, possivelmente provocou danos nos canais de membrana (MP e organelas) e comprometeu a integridade de enzimas, proteínas e metabólitos citossólicos, assim como a integridade de organelas como os lisossomos e o RE. Esses achados estão de acordo com a significante redução na contagem de células totais observadas no baço dos camundongos privados de sono por 72h (figura 18). A marcação com anticorpos específicos mostrou também uma redução significante na população de linfócitos B e ainda, embora não significativa, uma considerável diminuição na população de linfócitos Tc (20%) e células NK (26%) (figura 19). Uma vez que populações de células imunológicas estão baixas na PS, nós buscamos uma proximidade maior com as vias de morte celular (apoptose e necrose) em camundongos privados por 72 horas de sono em experimento realizados em citômetro. A marcação com anexina e 7AAD não mostraram diferenças entre os grupos (figura 20) tanto para necrose e necrose secundária, bem como para apoptose. Porém, a marcação com anticorpos para linfócitos, mostrou uma redução na população de células B (figura 20) confirmando os resultados mostrados na figura 19. Estes dados sugerem que a PS poderá levar os linfócitos B a uma migração (para outros órgãos, como por exemplo, o sangue periférico), ou ainda, uma disfunção na autofagia. Para fornecer novos focos no tratamento para desordens do sono, uma compreensão mais clara da regulação dos processos celulares na resposta imunológica e o SNC são fundamentais. Nossos achados revelam que mudanças na homeostase do Ca2+ após a PS é uma das alterações 72 responsáveis pela disfunção imunológica observada após os distúrbios do sono. 73 6 CONCLUSÕES 1. A PS alterou a mobilização e homeostase do Ca2+ e do H+ intracelular levando a disfunção nas mitocôndrias com possível efeito citotóxico e conseqüente rompimento do PMM; 2. As concentrações de Ca2+ no RE e organelas acídicas foram reduzidas nos esplenócitos de camundongos após a PS; 3. A PS por diferentes períodos possivelmente alterou a função dos canais de membrana com consequente quebra nas flutuações do Ca2+; 4. O rompimento do gradiente eletroquímico de organelas acídicas como os lisossomos com possível mudança no pH citossólico e dessas organelas foi observado após 72h de PS; 5. A resposta imunológica de camundongos infectados com parasitas da malária foi prejudicada mesmo após rebote de 24h de sono; 6. Houve geração aumentada de espécies reativas de oxigênio mitocondrial evidenciada pelo aumento da atividade e expressão da MnSOD e aumento da atividade da CuZnSOD o que possivelmente 74 reforçou o desequilíbrio na homeostase iônica e conseqüente a disfunção de vias de sinalização e metabólicas durante a PS; 7. A atividade da enzima CAT foi reduzida após a PS, sugerindo que a célula entrou em colapso pelo efeito citotóxico dos elevados níveis de Ca2+ mitocondrial e citossólico; e 8. A redução na população das células do baço após a PS, confirmada pela redução de linfócitos B, sugere que o desequilíbrio iônico na sinalização celular levou as células à morte celular com conseqüente efeito imunossupressor. 75 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aschoff, J., (1965). Circadian rhythms in man. Science. 148:1427-32 Balaban, R.S., (2002). 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In this study, we performed measurements of cytosolic calcium mobilization in living cells in order to understand the changes in this ion signaling in immune cells from mice after different periods of sleep deprivation. Splenocytes of mice deprived of sleep for various periods (12 to 72 hours) showed a progressive loss of the intracellular calcium maintenance from the endoplasmic reticulum store and a commitment of transient calcium buffering by mitochondria. These data were confirmed by changes in the performance of calcium channels SOCE and STIM1 and in the integrity of lysosomal and mitochondrial physiology. These results were corroborated by the increase in activity of antioxidant enzymes such as mitochondrial and cytosolic superoxide dismutase, which reinforces the idea that the disruption in the integrity of mitochondria and lysosomes possibly occurred by uncontrolled generation of oxidative stress. The reduction of catalase activity suggests involvement in cellular integrity, since excess of calcium and free radicals probably compromise cell signaling. Moreover, deficient immune response was observed when a group of mice was allowed to sleep for 24 and 48 hours of sleep deprivation for 72 hours, followed by infection with malaria parasites (Plasmodium chabaudi). The involvement of the immune cells was confirmed by the reduction in the total population of cells in the spleen and, specifically, the population of B lymphocytes. These new data suggest that sleep deprivation 86 affects calcium signaling probably by a stress in the endoplasmic reticulum, mitochondria and lysosomes, leading to an insufficient supply of calcium to signaling events and consequent intracellular damage. These data confirm previously described mechanisms of immunosuppressive effects of sleep loss. 87