O TRABALHO DO ENFERMEIRO NO SETOR DE URGÊNCIA/EMERGÊNCIA HOSPITALAR Abraham Freitas Costa1, Daísy Vieira de Araújo2, Wanessa Cristina Tomaz dos Santos Barros 1 Universidade Estadual da Paraíba/Departamento de Enfermagem. Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi/Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Endereço: Rua Joaquim Caroca, 220. Bairro Universitário. Campina Grande-PB, e-mail: [email protected] 2 Resumo- No Brasil, a formação do(a) enfermeiro(a) que trabalha em unidades de urgência e emergência foi postergada até a década de 1980, quando foi dado início à capacitação técnica destes profissionais para que pudessem atuar em situações em que lhes eram exigidas grande capacidade de raciocínio e tomada de decisão mais acertada. Portanto, desenvolveu-se um estudo exploratório-descritivo, com abordagem qualitativa, cujo objetivo foi compreender a prática dos(as) enfermeiros(as) do setor de urgência/emergência hospitalar no município de Campina Grande-PB. Constatou-se que a inadequação da infra-estrutura, a grande demanda e a consequente falta de insumos prejudicam o desenvolvimento das atividades dos(as) enfermeiros(as). Os dados mais alarmantes foram a quase inexistência de enfermeiros(as) emergencistas no setor e a ênfase dada no aspecto administrativo das funções deste profissional. Sugere-se uma discussão mais ampla sobre as necessidades do setor de urgência/emergência hospitalar e dos profissionais que nele atuam a fim de subsidiar políticas de saúde que atendam aos anseios e às demandas deste setor e destes profissionais. Palavras-chave: formação profissional; urgência/emergência; enfermagem Área do Conhecimento: Ciências da Saúde Introdução A Enfermagem no setor de urgência/emergência tem como função primordial oferecer a manutenção das funções fisiológicas vitais do indivíduo tendo como “foco do cuidado a preservação da vida, evitando a deterioração, antes que o tratamento definitivo possa ser fornecido” (SMELTZER; BARE, 2002). Entretanto, conforme Wehbe e Galvão (2001), no Brasil, a formação do(a) enfermeiro(a) que trabalha em unidades de urgência e emergência foi postergada até a década de 1980, bem como é reduzido o número de enfermeiros preparados para atuarem na área de urgência/emergência hospitalar, causando um déficit no atendimento às necessidades da clientela. Soma-se a este cenário, a estrutura física inadequada de muitas instituições, a escassez de materiais, equipamentos, medicamentos e a equipe de trabalho despreparada. A realização do estudo justifica-se pela possibilidade de aprofundamento das discussões acerca das contradições causadas por um processo formativo desvinculado da realidade das condições de trabalho dos enfermeiros emergencistas. Outro ponto que fomenta o desenvolvimento da presente pesquisa é a escassez de trabalhos sobre a formação do enfermeiro emergencista, o que contribuirá com a discussão acerca da necessidade de formar indivíduos dotados de capacidade técnica, científica, ética, crítica, reflexiva e questionadora, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Enfermagem, e que possam atender às necessidades sociais da saúde. Este trabalho tem como objetivo: compreender a prática dos(as) enfermeiros(as) do setor de urgência/emergência de uma instituição hospitalar no município de Campina Grande – PB. Metodologia Foi desenvolvido um estudo exploratóriodescritivo, com abordagem qualitativa por melhor se adequar ao objetivo da pesquisa. O estudo foi realizado com enfermeiros(as) que trabalham em uma instituição hospitalar no município de Campina Grande- PB e que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser enfermeiro do setor de urgência/emergência hospitalar e aceitar participar livremente da pesquisa. Fizeram parte da amostra 5 enfermeiros(as). Todos os participantes foram XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 informados acerca do objetivo do estudo e da justificativa da pesquisa. Além disso, foi esclarecido que a participação era voluntária, havendo a liberdade de se retirar do estudo durante ou depois da finalização do processo de investigação, sem risco de qualquer penalização ou prejuízos de natureza pessoal ou profissional. Foi assegurado aos participantes o anonimato quando da publicação dos resultados, bem como o sigilo de informações consideradas confidenciais. Antecedendo a fase de investigação do material empírico, o estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba, o qual foi aprovado em 06 de novembro de 2008. A coleta dos dados ocorreu no Hospital Estadual de Emergência e Trauma Dom Luiz Gonzaga Fernandes localizado no município de Campina Grande – PB, no período de julho a agosto de 2008. O instrumento utilizado para a coleta do material empírico foi um roteiro de entrevista semiestruturado, e, para análise, foi utilizada a técnica de Análise de Discurso proposta por Fiorin (1990). Essa técnica é indicada para pesquisas qualitativas pelas possibilidades de relacionamento dos materiais que envolvem valores, juízos necessários e preferíveis como argumentos, ou como meios que conduzem a um fazer crer relacionado à totalidade do contexto sócio-histórico, pois o indivíduo não pensa e fala o que quer, mas o que a realidade impõe que ele pense e fale. A análise do material empírico se iniciou com a transcrição das fitas gravadas, leitura dos textos produzidos, identificação dos principais sub-temas, reagrupamento dos subtemas a partir dos discursos dos profissionais, relacionamento dos sub-temas com a literatura que aborda a prática do(a) enfermeiro(a) no setor de urgência/emergência hospitalar e, finalmente, a construção da categoria empírica resultante: O Cotidiano do Enfermeiro no setor de urgência/emergência hospitalar. Resultados Observa-se que o setor de urgência e emergência hospitalar, pelas características do próprio serviço, é um ambiente “agitado”, sendo necessário haver uma sistematização do trabalho em equipe, visando a um mesmo objetivo, que é o tratamento do paciente. Wehbe e Galvão (2001, p. 87) citando Gomes (1994) dizem que “as unidades de emergência são locais apropriados para o atendimento de pacientes com afecções agudas específicas onde existe um trabalho de equipe especializado [...]”. O que pode ser constatado na fala a seguir: “A unidade de urgência e emergência é o setor, ou seja, a porta de entrada de um hospital, então, naquela emergência, sala de urgência, sala de trauma é aonde a enfermeira ou o enfermeiro tem a autonomia de resolver várias situações.” (enfermeiro B) Por ser a porta de entrada do serviço, a importância de um profissional bem capacitado para atuar no setor de urgência/emergência é premente e vem do fato de que tanto o prognóstico do paciente, como o que o restante do hospital (UTI, centro cirúrgico ou clínica médica) pode fazer por este indivíduo, dependem do atendimento dado na urgência/emergência: “Primeiramente recebe os pacientes, então se a emergência falhar pode ser que a UTI não consiga salvá-lo, pode ser que a clínica médica não consiga salvá-lo ou até mesmo o bloco cirúrgico. Então, tem que ser profissionais resolutivos, pessoas que não deixem o tempo passar, por quê? A partir dali é que se decide o destino do paciente, ou alta, ou UTI ou bloco cirúrgico ou até mesmo um internamento.” (enfermeiro B) A dinamicidade do setor de urgência/emergência hospitalar requerem do(a) enfermeiro(a), além da execução da atividade assistencial, a execução de atividades administrativas, que não envolvem apenas o preenchimento de papéis, ou a coordenação da equipe de enfermagem, até situações como a convocação do médico para a sala de emergência, o que acaba interferindo na assistência ao paciente, como pode ser constatado na fala seguinte: “[...] geralmente a gente encontra dificuldades com os colegas médicos! É, eles nunca ficam de plantão na sala de traumas, por exemplo, nem na sala de emergência,o plantão deles é no repouso. Então a gente perde tempo em sair correndo e chamá-los onde eles estão e, muitas vezes, quando a gente vai chamá-los, eles já estão dormindo. Daqui que chame, que acorde, que ele chegue é perda de tempo para o paciente e isso é desvantagem, não só aqui, em outros locais, todos funcionam assim.” (enfermeiro C) Outra dificuldade encontrada pelo(a) enfermeiro(a) nesse setor refere-se à grande demanda. Almeida e Pires (2007) confirmam isso quando dizem, em seus estudos, que a maioria dos atendimentos nas emergências são de quadros clínicos mais simples que poderiam ser resolvidos nas Unidades Básicas de Saúde da Família. Tal situação fica evidente na fala a seguir: XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2 “Problema que há é:... demanda grande demais...” (enfermeiro D) “Além do Estado da Paraíba todinho, ainda vem pacientes de Pernambuco pra cá. Recebemos muitos pacientes de Pernambuco aqui. Então quer dizer que chega uma hora que você fica sem ter onde colocar paciente e isso é ruim pra família, pro paciente, pra quem tá aqui de plantão, pro médico, pra enfermagem, pra turma toda...” (enfermeiro A) A escassez de material é mais um entrave encontrado pelo(a) enfermeiro(a). A quantidade e a qualidade do material a ser usado nas 24 horas de atendimento da unidade de urgência/emergência devem ser compatíveis com a demanda apresentada, evitando, assim, que durante a realização de um procedimento falte qualquer material, medicamento ou insumo, muito menos que algum equipamento apresente defeito. No serviço que estudamos foi unânime a preocupação dos profissionais com a quantidade de materiais e medicamentos e com o bom funcionamento dos equipamentos: “A falta de material! Por que a gente tem médico, tem ortopedista, tem pediatra também de plantão, tem toda uma equipe de plantão. A maior dificuldade realmente seria essa de não ter o material suficientemente necessário.” (enfermeiro B) “Então! Quando não está em ordem eu chamo o responsável que é o supervisor para trocar aquele material ou então repor de alguma forma que vá suprir a necessidade quando necessária...” (enfermeiro C) Dentro da unidade de urgência/emergência se utiliza uma ferramenta bastante útil, que é a triagem. Essa triagem é feita para que se possam selecionar quais os pacientes mais graves, colocando-os, para o atendimento, por ordem de gravidade de cada caso e não por ordem de chegada, como vinha acontecendo na instituição em que fizemos nosso estudo: “Como antes não tava sendo feita uma seleção maior de quem é emergência e de quem é urgência realmente, aqui é um hospital de urgência/emergência aí eu tô na recepção também, vendo os casos se realmente é para aqui ou para ambulatório, porque tava supersaturando aqui.” (enfermeiro E) Discussão A unidade de urgência/emergência hospitalar é um ambiente especializado e tem atribuições específicas não sendo diferente com os profissionais que ali trabalham. Neste cenário é imprescindível que o(a) enfermeiro(a) possa contar com todos os outros profissionais que constituem a equipe prestadora de assistência à saúde do paciente, além de ter senso crítico para tomar a decisão correta, uma vez que o custo de um erro pode ir desde uma pequena confusão administrativa até o óbito do paciente. A enfermagem acaba sendo solicitada para participar da elucidação da maior parte dos problemas de uma unidade hospitalar, seja uma situação de emergência ou não, pois apesar de o(a) enfermeiro(a) ter sua formação acadêmica voltada para a área assistencial, este profissional acaba se envolvendo, na maior parte do tempo, no cumprimento de tarefas administrativas (BATISTA; BIANCHI, 2006). A urgência/emergência hospitalar é um setor que exige do(a) enfermeiro(a) um conhecimento detalhado acerca das diversas situações de saúde e este deve ter controle sobre as particularidades da assistência, como por exemplo, o raciocínio rápido, destreza manual e resolutividade dos problemas que se apresentam, tendo em vista o grande número de procedimentos a serem desenvolvidos, o estado de saúde do paciente e a limitação do fator tempo (ALMEIDA, PIRES 2007 apud OLIVEIRA et al., 2004). Pelos discursos apresentados, pode-se observar a iminência da necessidade de se capacitar os profissionais que trabalham nesse setor, pois existe a necessidade de educação continuada, envolvendo atualizações, oficinas, treinamentos com as equipes, buscando aprimorar a bagagem técnica e aumentar a autoconfiança dos profissionais (FISCHER; AZEVEDO; FERNADES, 2006). Um grave problema constatado foi a superlotação do serviço observado. Essa saturação se dá por vários motivos, dentre eles, pode-se citar a incapacidade que as Unidades Básicas de Saúde da Família têm de não acolherem seus pacientes agudos ou crônicos agudizados de sua área adscrita, fazendo com que os mesmos procurem um estabelecimento de atenção à saúde em nível de emergência (BRASIL, 2006). Outro problema observado foi a escassez de material, o que gera, segundo Batista e Bianchi (2006), a adoção de um ritmo acelerado de trabalho para a finalização de tarefas prédeterminadas em decorrência da insuficiência de recursos humanos e materiais na unidade, XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 3 acarretando duvidosa. um atendimento de qualidade Conclusão Um ponto que determina a qualidade do atendimento prestado é a infra-estrutura oferecida pelo hospital. A estrutura física deve ofertar ao público espaço suficiente para que todos os procedimentos sejam realizados de modo a prosseguir sem nenhum acidente de percurso. Vale salientar que a infra-estrutura é relativa à demanda do serviço e se esta demanda aumenta consideravelmente, tanto o espaço físico como toda a equipe de assistência à saúde acabam sendo prejudicados. Outro ponto é a triagem dos pacientes que dão entrada no hospital. Na instituição analisada, este serviço está em fase de implementação, o que já vem surtindo efeito, visto que o atendimento antes realizado por ordem de chegada, e que, por isso, gerava certa desorganização e alvoroço, agora já tem padrões de gravidade de doenças e agravos baseado em pulseiras coloridas, o que determina a prioridade no atendimento. Diante do exposto, é imprescindível a necessidade de revisão dos processos de formação e capacitação dos profissionais da saúde que trabalham com atendimento às urgências/emergências no intra-hospitalar e, particularmente, o(a) enfermeiro(a), tendo em vista as diversas realidades existentes e a especificidade do seu trabalho. Aliada a esta necessidade, acrescenta-se a responsabilidade que os gestores devem assumir: contratação de profissionais; investimento na infra-estrutura das instituições; suprimento de materiais; equipamentos e medicamentos; investimento no material humano; com incentivo aos programas de educação em serviço. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAUDE. Política Nacional de Atenção às Urgências. 3 ed. ampliada. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006. FIORIN, J. L. Elementos de Análise Discurso. São Paulo: Contexto, 1990. do FISCHER, V. M. R.; AZEVEDO, T. M. V. E.; FERNANDES, M. de F. P. O enfermeiro diante do atendimento pré-hospitalar: uma abordagem sobre o modo de cuidar ético. Revista Mineira de Enfermagem. v. 10, n. 3. Belo Horizonte, julho/2006. SMELTZER, S. C.; BARE, B. G. Brunner & Suddarth: tratado de enfermagem médicocirúrgica. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 1822. WEHBE, G.; GALVÃO, C. M. O enfermeiro de unidade de emergência de hospital privado: algumas considerações. Revista LatinoAmericana de Enfermagem. Ribeirão Preto. mar. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php. > Acesso em: 28/04/2008. Referências ALMEIDA, P. J. dos S.; PIRES, D. E. P. de. O Trabalho em Emergência: entre o prazer e o sofrimento. Revista Eletrônica de Enfermagem. v. 9, n. 3, set/dez. 2007. Disponível em: <http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n3/v9n3a05.htm> Acesso em: 12/09/2008. BATISTA, K. M.; BIANCHI, E. R. F. Estresse do enfermeiro em unidade de emergência. Revista Latino-Americana de Enfermagem. v. 14, n. 4. Ribeirão Preto, jul/ago. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php. > Acesso em: 05/06/2008. XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 4