reflexões contemporâneas sobre a coisa julgada

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REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS SOBRE A COISA JULGADA (MAIO DE
2007).
Ministro do STJ. Doutor Honoris Causa da Universidade
Estadual do Rio Grande do Norte. Professor de Direito Público
(Administrativo, Tributário e Processual Civil). Professor UFRN
(aposentado). Ex-professor da Universidade Católica de
Pernambuco. Sócio Honorário da Academia Brasileira de
Direito Tributário. Sócio Benemérito do Instituto Nacional de
Direito Público. Conselheiro Consultivo do Conselho Nacional
das Instituições de Mediação e Arbitragem. Integrante do Grupo
Brasileiro da Sociedade Internacional do Direito Penal Militar e
Direito Humanitário. Sócio Honorário do Instituto de Estudos
Jurídicos. Professor convidado do Curso de Especialização em
Direito Processual Civil do Centro de Estudos Universitários de
Brasília – CEUB. Especialista em Direito Civil.
1. INTRODUÇÃO.
A doutrina brasileira continua a discutir, de modo intenso, os fenômenos que, na época
contemporânea (maio de 2007), cercam a coisa julgada, com destaque para quando
considerada inconstitucional e necessita ser flexibilizada, revista ou relativizada.
Os pronunciamentos a respeito têm vinculação com os aspectos seguintes:
a) a relativização da coisa julgada tendo em vista a imposição dos princípios
constitucionais da Justiça, da moralidade e da legalidade;
b) coisa julgada inconstitucional;
c) não ser absoluto o princípio da intangibilidade da coisa julgada;
d) idem o princípio da segurança jurídica;
e) inconstitucionalidade originária da coisa julgada e superveniência da sentença;
f) ação declaratória de inexistência da coisa julgada;
g) sentença contrária à Constituição Federal e embargos à execução;
h) decisões incompatíveis com a ordem constitucional.
Cláudio Sinoé Ardenghy dos Santos, com absoluta fidelidade ao analisar a
relativização da coisa julgada, afirma, em capítulo intitulado “Breve histórico da revitalização
da coisa julgada no Brasil” in “Coisa Julgada Inconstitucional”, Ed. Fórum, p. 21:
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“Muito se tem estudado sobre o fenômeno da ‘relativização da coisa julgada’.
Vislumbra a doutrina casos especiais em que a perenidade do julgado não serve ao
direito, mas para contrariá-lo. Sob vários enfoques, deve ser afastada a autoritas
rei iudicatae e revistos os comandos ou declarações extraídas da sentença, mesmo
além do prazo decadencial dos 2 anos para ajuizamento da ação rescisória.
Com maior destaque nos meios acadêmicos, o ponto de partida para a
relativização da coisa julgada começou de acordo com o ramo do direito aplicável
e os precedentes como meio de manifestação. O Direito de Família teve seu
destaque nas ações de investigação de paternidade, onde o objetivo é de ser
apurada a verdade real de quem seja o sedizente filho e o indigitado pai. Pela
lógica, versando de um direito protegido pela Constituição, tal exemplo não está
sobre o manto do prazo da rescisória – não se relativizam, mas se estabilizam as
relações parentais de sangue”.
2 – CONCLUSÕES DA DOUTRINA SOBRE A RELATIVIZAÇÃO DA COISA
JULGADA
O exame das manifestações doutrinárias sobre a flexibilização da coisa julgada, na
atualidade (abril de 2007) podem ser apresentadas por via dos enunciados conclusivos
seguintes:
a) “... a preocupação dos juristas não é tão nova quanto parece ser em relativizar a
coisa julgada, no direito lusitano, Lobão já preconizava, em 1825, que: “A sentença nula não
tem força de coisa julgada; (...) a sentença dada contra parte não-citada; (...) cuja nulidade não
se pode suprir (...); ...” (Cláudio Sinoé Ardenghy dos Santos, in “Breve histórico da
relativização da coisa julgada”, capítulo da obra coletiva “Coisa Julgada Inconstitucional”,
Editora Fórum, p. 21);
b) Carlos Valder do Nascimento, “Natureza da Coisa Julgada: uma abordagem
filosófica”, capítulo da obra coletiva “Coisa Julgada Inconstitucional”, Editora Fórum, p. 61,
após consistente fundamentação, conclui:
“Da exposição feita ao longo do presente estudo, conclui-se que:
a) a natureza da coisa julgada encontra plena ressonância no âmbito filosófico
com supedâneo nas categorias gerais propostas por Aristóteles, tendo como ponto
de partida as formulações conceituais de substância e acidente. Dela não se pode
dizer que seja parte intrínseca da sentença, embora dela possa se afirmar que
apenas revele um dado qualitativo e, portanto, acidental;
b) a sentença por sua vez decorre da manifestação de uma das três funções do
Estado: a jurisdicional. Desse modo, dentre as categorias, corresponde ao que é
substancial bastando a si própria. Disso resulta o fato de que seu liame com a coisa
julgada constitui tão-somente uma aproximação determinada pela causalidade;
c) no plano jurídico os fatos devem dar o tom a qualquer iniciativa que
expresse um enunciado conceitual, considerando que é a partir deles que se busca
um ponto de partida para a estruturação das controvérsias postas sob a apreciação
do Poder Judiciário. Embora isso seja uma constatação inevitável, ter-se como
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costumeiro tomar-se o aparente pelo real, no momento em que se empresta ao
processo, que instrumentaliza as querelas, a condição de ser o ponto central da
aplicação do direito e da justiça;
d) nessa linha de raciocínio, é equívoco atribuir-se um caráter de
essencialidade à coisa julgada no sistema jurídico brasileiro, tanto sob ponto de
vista constitucional quanto processual. Essa postura enviesada, além de
desconectada da realidade do processo, revela desconhecer seu fundamento maior.
Na verdade, disso pode se inferir que a coisa julgada somente pode ser tratada
como mero aspecto acidental da sentença, o que vale dizer, sem existência própria
e como tal sujeita às interferências de ordem pessoal, política, ideológica e
histórica;
e) a natureza intrínseca da sentença não radica no processo nem tampouco na
res judicata (potência, vir-a-ser), enquanto problema de potencialidade. Logo, não
tem o menor sentido procurar na coisa julgada ou mesmo travesti-la no
fundamento da substância (ato) do direito/justiça, pois isso significaria igualar
coisas distintas como ato e potência (ou essência e acidente). Melhor dizendo:
seria o mesmo que afirmar identidade entre o mutável e o imutável.”
c) Gilmar Ferreira Mendes, em “Coisa Julgada Inconstitucional: considerações sobre a
declaração de nulidade da lei e as mudanças introduzidas pela Lei nº 11.232/2005”, capítulo
da obra coletiva “Coisa Julgada Inconstitucional”, Editora Fórum, pgs. 101/103, afirma:
“Tendo em vista o princípio da nulidade da lei inconstitucional e levando em
conta a separação de planos entre a nulidade da lei e do ato concreto, a Medida
Provisória n° 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, introduziu regra segundo a qual,
para os fins de execução judicial, “considera-se inexigível o título judicial fundado
em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal
Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a
Constituição Federal” (art. 741, parágrafo único, do CPC; art. 836, parágrafo
único, da CLT).
Previu-se, assim, a possibilidade de se argüir a inexigibilidade do título judicial
fundado em lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou em
interpretação tida por incompatível com a Constituição (pelo Supremo Tribunal).
Dessa forma, introduziu-se, no direito brasileiro, mecanismo semelhante
àquele previsto no § 79 (3) da Lei orgânica da Corte Constitucional alemã.
Embora a Ordem dos Advogados do Brasil tenha proposto a ADI n° 2.418
contra o art. 10 da MP n° 2.101 (a MP sofreu diversas reedições), na parte em que
acrescentou o referido parágrafo único ao art. 741 do CPC, argumentando violação
ao art. 62 da CF, sob alegação de falta de urgência, o tema não foi objeto de
decisão pelo Supremo Tribunal Federal.
Observe-se que a regulação prevista na Medida Provisória em apreço ganhou
tratamento dogmático diferenciado na Lei n° 11.232, de 23 de dezembro de 2005.
Referida lei conferiu a seguinte redação ao § 1º do inciso VI do art. 475-L e ao
parágrafo único do art. 741 do Código de Processo Civil:
Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:
[...]
II - inexigibilidade do título;
[...]
§ 1°. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se
também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados
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inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou
interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como
incompatíveis com a Constituição Federal.
[...]
Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão
versar sobre:
[...]
Parágrafo único - Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo,
considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo
declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em
aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal
Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.
Em outros termos, ressalvada a hipótese de uma declaração de
inconstitucionalidade com limitação de efeitos (art. 27 da Lei n° 9.868/99), a
declaração de inconstitucionalidade (com eficácia ex tunc) em relação a sentenças
já transitadas em julgado poderá ser invocada, eficazmente, tanto em ação
rescisória como nos embargos à execução, movidos pela Fazenda Pública, ou nas
impugnações efetivadas por particulares.
Vê-se, pois, que, com a adoção do novo modelo normativo, ampliou-se a
possibilidade de impugnação dos atos concretos inconstitucionais, especialmente
das sentenças ou decisões judiciais fundadas em leis inconstitucionais ou em
interpretação tida por incompatível com a Constituição.
É que tais sentenças trânsitas em julgado poderão ter a sua inexigibilidade
reconhecida em sede de embargos à execução nas execuções contra a Fazenda
Pública ou mediante impugnação proposta nas demais formas de execução
judicial.
Abriu-se, assim, uma nova perspectiva dogmática para o debate em torno da
superação da ‘coisa julgada inconstitucional’ no âmbito do próprio processo de
execução judicial.
Cuida-se de solução que, respeitando a separação de planos da validade da lei e
do ato concreto, concebe fórmula adequada de impugnação, no âmbito do
procedimento de execução, da sentença judicial proferida com base em lei
inconstitucional ou adotada com lastro em interpretação não compatível com a
Constituição.”
d) Donald Armelin, em “Flexibilização da Coisa Julgada”, capítulo da obra coletiva
“Coisa Julgada Inconstitucional”, Ed. Fórum, pgs. 230/232, alinha as conclusões seguintes:
“De todo o exposto supra pode-se concluir que os princípios respaldadores da
Justiça e Segurança Jurídica harmonizam-se no sistema jurídico, com prevalência
deste último valor no instituto da coisa julgada material. Isto decorre não apenas
da relevância da segurança jurídica para a higidez do tecido social como, ainda, da
adoção pelo sistema processual da suficiência da verdade formal para lastrear as
decisões judiciais. Essa prevalência, contudo, embora seja a regra, não deveria
subsistir nas hipóteses macroscópicas de afronta da decisão trânsita em julgado aos
demais princípios fundamentais e informativos do sistema, notadamente quando
expressamente engastados na estrutura da Constituição Federal.
Há extrema dificuldade em estabelecer regras objetivas definindo as hipóteses
em que o valor Justiça deve suplantar a Segurança Jurídica na área da estabilidade
das decisões judiciais. Ainda mister se faz o exame de cada caso específico, o que
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pode tornar essa aferição caracterizada por subjetivismos, considerando-se que a
Justiça enquanto valor e enquanto realidade tem seu conceito variável no tempo e
no espaço. Para evitar que isso ocorra há de se detectar o conflito aberto e
induvidoso do decidido com os aludidos princípios fundamentais e informativos,
reconhecendo que o valor Justiça é aquele para o qual essencialmente tende o
direito. São excepcionais essas situações consoante vêm reconhecendo a doutrina e
a jurisprudência.
Por isso mesmo, não há como generalizá-la. Nesse particular é acertada a
assertiva de Araken de Assis no sentido de que “não é preciso infalível oráculo
para prever, abertas as exceções e proposta a flexibilização do instituto, a rápida
disseminação desse vírus do relativismo para todo o corpo. Nenhum veto, a priori,
barrará o vencido de desafiar e afrontar o resultado precedente de qualquer
processo invocando a pretensa ofensa desse ou daquele valor da Constituição. Esta
possibilidade multiplicará os litígios, nos quais o órgão judiciário de primeiro grau
decidirá, preliminarmente, se obedece ou não o pronunciamento transitado em
julgado do seu Tribunal e, até, conforme o caso, do Supremo Tribunal Federal. A
intervenção legislativa para estabelecer, previamente, as situações em que a
eficácia de coisa julgada não opera na desejável e natural extensão e o remédio
adequado para retratá-la, talvez nos termos já esboçados alhures, é o único
caminho promissor para banir a insegurança do vencedor, a afoiteza ou falta de
escrúpulos do vencido e o arbítrio e casuísmo judiciais”.
Entretanto, como o conceito de coisa julgada é relegado à lei ordinária,
enquanto esta permanecer como está atualmente vigendo, mister se faria, para o
equilíbrio dos valores Justiça e Segurança Jurídica, em casos especiais, reduzir a
área dessa excepcionalidade, sendo conveniente flexibilizar a sua rigidez,
adotando-se uma disciplina menos limitativa da ação rescisória, com a fixação de
termos iniciais para o prazo decadencial a ela imposta, variáveis conforme o tipo
de vício que inquina a decisão rescindenda. Assim esse prazo iniciar-se-ia a partir
do conhecimento da ocorrência do vício ensejador da rescisão ou do fato que a
justificaria. Com isso, sem maior prejuízo para a estabilidade das decisões
judiciais, mais amplas possibilidades existirão de serem elas trazidas mais rente à
Justiça. Ou então, como de há muito sugeriu Humberto Theodoro Jr., mediante a
criação, por lei expressa, de hipóteses adequadas para disciplinar essa matéria.
Deve-se, ainda, considerar que, em atenção ao valor segurança jurídica, as
formas e hipóteses de desconsideração da coisa julgada serão sempre excepcionais,
não podendo ser generalizadas através de uma ótica subjetiva a respeito da
violação de princípios constitucionais ou do valor justiça. O tema da coisa julgada
material, nem sempre bem explorado pela doutrina nacional recebeu agora, sob a
angulação da chamada relativização desse fenômeno processual, considerável
incremento, com o surgimento de várias obras a seu respeito. Todavia, é
fundamental não entender a possibilidade excepcional de relativização da coisa
julgada como uma autorização para a sua desconsideração sob pretexto de simples
injustiça, não atendendo à sua função indispensável na manutenção da segurança
jurídica e de todas as conseqüências sociais dela defluentes, além daquelas
inerentes ao plano exclusivamente jurídico.
Independentemente dessa modificação direcionada à ampliação da
admissibilidade das ações rescisórias, o sistema processual pode oferecer
instrumentos hábeis a afastar a injustiça de determinadas decisões judiciais já
trânsitas em julgado e insusceptíveis de serem objeto de ação rescisória. A
ampliação do âmbito das ações declaratórias, que não se submetem ao prazo
decadencial bienal, como a querela nullitatis insanabilis ressuscitada pela
doutrina, bem como das hipóteses em que ocorre erro material sempre que
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manifesta a incompatibilidade do decidido com a realidade dos fatos provados e do
reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido, quando este colide
frontalmente com normas ou princípios vigentes no sistema ou quando a sua causa
de pedir for flagrantemente ilícita, poderá, se conveniente e dosimetricamente
aplicada, reduzir, enquanto não se adota uma disciplina expressa da matéria, o
número de decisões judiciais em desarmonia com o valor Justiça. Isto porque,
como, em recente artigo publicado em periódico desta Capital, Miguel Reale
pondera, se não conseguimos definir a Justiça, não podemos viver sem ela.
Não obstante, o afã em atingir a Justiça nas decisões judiciais não deve
permitir que a vida social seja conturbada pela eternização de litígios que se
renovam. As decisões injustas vêm de longe. Basta atentar-se ao julgamento de
Cristo. Nem por isso constituíram-se em fatores de desagregação social, que
podem resultar de um alto grau de insegurança jurídica afetando aquela social. O
que importa não são soluções individuais para o tema das decisões injustas e sim o
reflexo destas para a sociedade. Nesta tormentosa questão a respeito da
necessidade de se flexibilizar a coisa julgada material, esse deve ser o norte a
orientar o Legislador para redisciplinar esse fenômeno jurídico que se constitui em
um dos embasamentos mais fortes da segurança jurídica.”
e) Ivo Dantas, em “Coisa Julgada Inconsistente: declaração judicial de inexistência”,
capítulo da obra coletiva “Coisa Julgada Inconstitucional”, Editora Fórum, pgs. 279/280,
conclui:
“Diante deste raciocínio, podemos chegar às seguintes conclusões, a partir das
quais novos aspectos poderiam ser analisados, desde que aceita a trilogia da Tese,
Antítese e Síntese. São elas:
a) se a inconstitucionalidade significa inexistência da lei e/ou ato, não se
poderá falar em Coisa Julgada, por encontrar-se esta fundamentada em algo
que não existe. A expressão Coisa Julgada Inconstitucional, neste caso, a
rigor, seria utilizada mesmo reconhecendo-se a contradição intrínseca que
representa. Teria, possivelmente, um sentido mais retórico que científico;
b) sendo a Coisa Julgada calcada em norma inconstitucional, não se há de
falar em relativização ou flexibilização da Coisa Julgada Inconstitucional,
razão pela qual os meios processuais utilizáveis para a sua impugnação
apenas irão reconhecer, através de novo pronunciamento, que a decisão
rescindenda, juridicamente, nunca existiu, por estar calcada em
Inconstitucionalidade. Na prática, contudo, sem a rescisão, e como foi dito
com base em Pontes de Miranda, “a eficácia da sentença rescindível é
completa, como se não fosse rescindível”;
c) como a Argüição de Inconstitucionalidade poderá ser feita a qualquer
tempo, em qualquer instância ou Tribunal, neste caso não se aplicaria o
elemento tempo, ou seja, não se há de falar em Decadência, Preclusão e/ou
ainda Prescrição;
d) se, por qualquer motivo, a Ação Rescisória for apontada como ilegítima
em razão do tempo, a saída seria o uso do Mandado de Segurança ou da
Ação Declaratória de Nulidade Absoluta da Sentença, em razão da
inconstitucionalidade em que se encontra fundamentada. Vale lembrar que
esta última hipótese já foi aceita pelo STF no Recurso Extraordinário n°
97.589, de 17.11.1882, Rel. Min. Moreira Alves (v. u., DJU, 03.06.1983),
dentro do prazo da Ação Rescisória;
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e) não se há de falar neste caso (e a repetição é didaticamente necessária)
em atentado à segurança jurídica, vez que esta não se poderá assentar no
nada, no inexistente;
f) dizendo de forma objetiva: lei ou ato eivados de inconstitucionalidade
não geram direitos nem deveres, pelo que o ato judicial inconstitucional
não faz coisa julgada, da mesma forma que não faz ato jurídico perfeito ou
direito adquirido.
Necessário, entretanto, é que o Poder Judiciário, necessariamente provocado
pelo interessado, o diga em casos concretos, visto que, só assim, poderão ser
desconstituídas as decisões que, pretensamente, geraram Coisa Julgada
Inconstitucional.”
f) Alexandre Freitas Câmara, em “Bens Sujeitos à Proteção do Direito Constitucional
Processual”, capítulo da obra coletiva “Coisa Julgada Inconstitucional”, Editora Fórum, pgs.
298/300, firma as seguintes conclusões:
“Conclui-se este ensaio com a reafirmação de uma convicção: a de que é
perfeitamente admissível a desconsideração da coisa julgada material (ou, como se
tem preferido, sua relativização) corno forma de preservar a supremacia
constitucional. Essa desconsideração - pede-se vênia para insistir no ponto - é,
porém, de todo excepcional, já que em regra as sentenças judiciais estarão em
conformidade com a Constituição da República e, por isso, ao transitar em julgado
levarão a que se respeite a imutabilidade do que tenha sido decidido.
Não posso, porém, encerrar sem uma breve reflexão sobre um ponto.
Respeitável processualista., contrário a tudo o que aqui se sustenta (o que não o
torna, evidentemente, menos respeitável, já que as divergências de opinião fazem
parte do jogo democrático e da vida científica), fez uma pesada crítica à teoria da
relativização da coisa julgada que eu não gostaria de deixar sem resposta. Refirome ao notável professor Nelson Nery Júnior, cujas palavras transcrevo:
Adolf Hitler assinou, em 15.7.1941, a Lei para a Intervenção do Ministério
Público no Processo Civil, dando poderes ao parquet para dizer se a
sentença seria justa ou não, se atendia aos fundamentos do Reich alemão e
aos anseios do povo alemão (art. 2° da Gesetz über die Mitwirkung des
Staatsanwalts in büergerlichen Rechtssachen [StAMG] - RGB1 I, p. 383).
Se o MP alemão dissesse que a sentença era injusta, poderia propor ação
rescisória (Wiederaufnahme des Verfahrens) para que isso fosse
reconhecido (HANS Popp, Die nationalsozialistische Sicht einiger Institute
des Zivilprozeâ-und Gerichtsverfassungsrechts, 1986, p. 200). A injustiça
da sentença era, pois, uma das causas de sua rescindibilidade pela ação
rescisória alemã nazista. Interpretar a coisa julgada, se justa ou injusta, se
ocorreu ou não, é instrumento do totalitarismo, de esquerda ou de direita,
nada tendo a ver com a democracia, com o Estado Democrático de Direito.
Desconsiderar-se a coisa julgada é ofender-se a Carta Magna, deixando de
dar-se aplicação ao princípio fundamental do Estado Democrático de
Direito (CF, 1°, caput). De nada adianta a doutrina que defende essa tese
pregar que seria de aplicação excepcional, pois, uma vez aceita, a cultura
jurídica brasileira vai, seguramente, alargar os seus espectros - vide MS
para dar efeito suspensivo a recurso que legalmente não o tinha, que, de
medida excepcional, se tornou regra, como demonstra o passado recente da
história do processo civil brasileiro -, de sorte que amanhã poderemos ter
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como regra a não existência da coisa julgada, e como exceção, para pobres
e não poderosos, a intangibilidade da coisa julgada. A inversão dos valores,
em detrimento do Estado Democrático de Direito, não é providência que se
deva prestigiar. Anote-se, por oportuno, que mesmo com a ditadura
totalitária no nacional-socialismo alemão, que não era fundada no Estado
Democrático de Direito, os nazistas não ousaram “desconsiderar” a coisa
julgada. Criaram uma nova causa de rescindibilidade da sentença de mérito
para atacar a coisa julgada. Mas, repita-se, respeitaram-na e não a
desconsideraram. No Brasil, que é República fundada no Estado
Democrático de Direito, quer-se desconsiderar a coisa julgada, isto é, querse ser pior do que os nazistas. Isso é intolerável. O processo é instrumento
da democracia e não o seu algoz.
Com todo o respeito que me merece o prof. Nery, penso que há algumas falhas
no seu pensamento. Em primeiro lugar, vejo em sua exposição um inegável
maniqueísmo. Parece ao ilustre jurista que tudo que se faz em um Estado
autoritário é imprestável. Longe de mim defender qualquer ditadura. A pior
democracia é sempre melhor que qualquer ditadura. Não se pode, porém, ser
maniqueísta ou tratar a História com simplificações. Afinal, como disse Raymundo
de Lima, “O maniqueísmo é uma forma de pensar simplista em que o mundo é
visto como que dividido em dois: o do Bem e o do Mal. A simplificação é uma
forma primária do pensamento que reduz os fenômenos humanos a uma relação de
causa e efeito, certo e errado, isso ou aquilo, é ou não é”. Ora, o Mundo não é
assim, nem o é a Humanidade. Somos muito mais complexos do que o pensamento
maniqueísta pode descrever.
Basta pensar em um exemplo simples: a primeira lei brasileira a prever a
existência de Juizados Especiais de Pequenas Causas foi aprovada em 1984, ainda
em pleno regime militar ditatorial. Nem por isso deve-se desprezar essa belíssima
e democrática experiência, buscando aperfeiçoá-la (como se tentou fazer com a
substituição da Lei n° 7.244/84 pela Lei n° 9.099/95).
O próprio exemplo dado por Nery Jr. mostra isso. Cita o professor paulista
uma lei aprovada durante o regime nazista que dava ao Ministério Público o poder
de atuar em todos os processos civis para defender a justiça das decisões. Ora, um
jurista brasileiro cujo compromisso com a democracia é notório defendeu tese
análoga, sustentando a necessidade de se determinar a intervenção do Ministério
Público em todos os processos de natureza civil.
Outros exemplos podem ser aqui referidos: a CLT foi aprovada durante a
ditadura Vargas e até hoje, em plena democracia, regula as relações de emprego. O
Código Civil português foi aprovado durante o regime salazarista. O Código de
Processo Civil foi aprovado durante o regime militar. O Código Civil italiano foi
aprovado durante o regime fascista de Mussolini. O mero fato de uma lei ter sido
aprovada durante um período ditatorial, portanto, não pode ser suficiente para que
se considere que nada do que ali consta é compatível com a democracia.
Aliás, há uma contradição na crítica de Nery Jr., que afirma que é pior do que
ser nazista defender a relativização da coisa julgada, mas diz também que os
nazistas não admitiram tal relativização. Ora, não seria então o caso de considerar
nazista quem é contra a relativização, já que os nazistas não a admitiram? É claro
que isso seria tão maniqueísta quanto defender a posição oposta. Além disso, faz o
autor um exercício de futurologia ao tentar prever que o que hoje é exceção
acabará por se tornar regra geral. A cultura democrática já alcançada pelo Brasil
(que dá mostras disso quando mantém em perfeito funcionamento as instituições
estatais ainda quando se atravessa grave crise política) permite prever exatamente
o oposto (se é que alguma previsão é legítima ou mesmo possível).
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Concluo, pois, convencido de que a desconsideração da coisa julgada material
é perfeitamente compatível com o Estado Democrático de Direito e é
absolutamente essencial para a preservação da supremacia constitucional, tão
importante para essa mesma democracia que tanto custou para ser conquistada, e
que deve agora ser preservada a todo custo.”
g) Teori Albino Zavascki, em “Embargos à execução com eficácia rescisória: sentido e
alcance do art. 741, parágrafo único do CPC”, capítulo de obra coletiva “Coisa Julgada
Inconstitucional”, Editora Fórum, pgs. 343/344, apresenta a suma conclusiva do teor seguinte:
“Em suma, a eficácia rescisória dos embargos à execução, prevista no
parágrafo único do art. 741 do CPC, está submetida aos seguintes pressupostos: (a)
que a sentença exeqüenda esteja fundada em norma inconstitucional, seja por
aplicar norma inconstitucional (2ª parte do dispositivo), seja por aplicar norma em
situação ou com um sentido tidos por inconstitucionais (1ª parte do dispositivo); e
(b) que a inconstitucionalidade tenha sido reconhecida em precedente do STF, em
controle concentrado ou difuso, independentemente de resolução do Senado,
mediante declaração de inconstitucionalidade com redução de texto (1ª parte do
dispositivo), mediante declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto
ou, ainda, mediante interpretação conforme a Constituição (2ª parte). Estão fora do
âmbito material dos referidos embargos, portanto, todas as demais hipóteses de
sentenças inconstitucionais, ainda que tenham decidido em sentido diverso da
orientação do STF, como, v.g, quando o título executivo:
a) deixou de aplicar norma declarada constitucional (ainda que em controle
concentrado);
b) aplicou preceito constitucional que o STF considerou sem autoaplicabilidade;
c) deixou de aplicar preceito constitucional que o STF considerou autoaplicável;
d) aplicou preceito normativo que o STF considerou revogado ou não
recepcionado, deixando de aplicar ao caso a norma revogadora.
Também estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as
sentenças, ainda que eivadas da inconstitucionalidade nele referida, cujo trânsito
em julgado tenha ocorrido em data anterior à da sua vigência. O dispositivo,
todavia, pode ser invocado para inibir o cumprimento de sentenças executivas lato
sensu, às quais tem aplicação subsidiária por força do art. 744 do CPC.”
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