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Encontro
Revista de Psicologia
Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014
CONSIDERAÇÕES NEUROBIOLÓGICAS SOBRE A
DEPRESSÃO MAIOR
Um histórico neurocientífico
RESUMO
Leonardo Ferreira Almada
Universidade Federal de Uberlândia - UFU
[email protected]
Marllon Fernandes Borges
Universidade Federal de Uberlândia - UFU
[email protected]
Sergio Eduardo Carvalho
Machado
Universidade Salgado de Oliveira
Universo
[email protected]
O presente artigo procura retratar breves considerações sobre as bases
neurobiológicas envolvidas na Depressão Maior. O objetivo do estudo é
verificar quais são as bases neurobiológicas da Depressão Maior e
analisar as influências que elas exercem sobre os indivíduos
diagnosticados com Depressão Maior. Para isso, utilizamos para a
elaboração desse artigo uma busca eletrônica nas bases bibliográficas
MEDLINE/PubMed Google Acadêmico, associando os descritores
depression, brain circuits e neurobiology of depression entre os anos de
2000 e 2010, visando coletar artigos originais, revisões, comunicações
curtas, editorias publicados em periódicos indexados com fator de
impacto e livros. Os textos selecionados foram aqueles que julgamos
apresentar uma mais sólida relação entre os descritores. Percebemos
que as bases neurobiológicas relacionadas a depressão maior são
subdivididas em três categorias: a hipótese Monoaminérgica da
depressão, a significação do Eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal
(HPA), Sistema Serotonina (5-HT) - Córtex Pré-Frontal (CPF). Logo,
com aprofundamento desse estudo pode-se direcionar um
aprimoramento em um tratamento farmacológico direcionado a
sintomas específicos, bem como na elaboração de instrumentos
terapêuticos voltadas para pacientes com Depressão Maior.
Palavras-Chave: Depressão Maior,
monoaminérgica da Depressão.
bases
neurobiológicas,
hipótese
ABSTRACT
Anhanguera Educacional Ltda.
Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 4266
Valinhos, São Paulo
CEP 13.278-181
[email protected]
Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Artigo Original
Recebido em: 27/06/2013
Avaliado em: 24/02/2014
Publicação: 10 de julho de 2014
This article seeks to portray brief considerations about the
neurobiological bases involved in major depression. The objective of the
study is to determine what are the neurobiological bases of the Major
Depression and analyze the influences they have on individuals
diagnosed with major depression. For this, we prepare this article in an
electronic bibliographic databases MEDLINE/PubMed Google Scholar,
by associating the following descriptors: depression, brain circuits and
neurobiology of depression between the years 2000 and 2010, aiming to
collect original articles, reviews, short communications, editorials
published in indexed with impact factor journals and books. The texts
selected were those who believe present a stronger relationship
between the descriptors. We realize that the neurobiological basis
related to major depression are subdivided into three categories: the
monoamine hypothesis of depression, the significance of the
hypothalamic-pituitary-adrenal (HPA) system Serotonin (5-HT) - PreFrontal Cortex (PFC). Soon, with deepening of this study can target an
improvement in a drug treatment aimed at specific symptoms, as well
as in developing therapeutic tools aimed at patients with major
depression
Keywords: Major Depression, Neurobiological Bases; monoaminergic
hypothesis of Depression.
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Considerações neurobiológicas sobre a depressão maior: um histórico neurocientífico
1.
INTRODUÇÃO
O presente artigo procura retratar considerações sobre as bases neurobiológicas
envolvidas na Depressão Maior (DM). As inquietações que nortearam o interesse por este
trabalho podem ser problematizadas pelas seguintes questões: quais são as bases
neurobiológicas presentes na DM? Que influências as bases neurobiológicas exercem
sobre os sintomas de indivíduos diagnosticados com DM? Assim, os objetivos do estudo
são verificar as bases neurobiológicas presentes na DM e analisar a influencia que elas
exercem sobre os indivíduos diagnosticados com DM.
2.
MÉTODO E RESULTADOS DA PESQUISA
Para a elaboração desse artigo foi realizada uma busca eletrônica nas bases bibliográficas
MEDLINE/PubMed e Google Acadêmico, associando os descritores depression, brain
circuits e neurobiology of depression entre os anos de 2000 e 2010, visando coletar artigos
originais, revisões, comunicações curtas, editorias publicados em periódicos indexados
com fator de impacto e livros. Os textos selecionados foram aqueles que julgamos
apresentar uma mais sólida relação entre os descritores. O critério de busca quanto ao
período se limitou a artigos originais, revisões, comunicações curtas e editoriais. O critério
de busca quanto ao idioma buscou majoritariamente textos publicados em inglês. Tendo
em vista a grande quantidade de textos disponíveis, buscamos escolher três principais
textos e, a partir deles, as referências que mantinham em comum, o que levou os autores a
selecionar alguns poucos textos anteriores ao ano de 2000.
Estudos sistematicamente nas ultimas três décadas tem direcionado suas
atenções sobre os transtornos de humor, sendo que a Organização Mundial da Saúde
(2001) e a Associação Americana de Psiquiatria (2002) relatam que a depressão é um dos
problemas mais comuns encontrados pelos profissionais em contextos de saúde.
A DM é caracterizada essencialmente por um período mínimo de duas semanas,
durante as quais existem um humor deprimido ou a perda de interesse ou prazer por
quase todas as atividades. Ademais há presença de pelos menos quatro sintomas
adicionais, a saber: mudanças no apetite ou peso, sono e atividade psicomotora,
diminuição da energia; sentimentos de desvalia ou culpa, dificuldades para pensar,
concentra-se ou tomar decisões, ou pensamentos sobre morte ou ideação suicida e, planos
ou tentativas de suicídio DSM-IV-TR (Diagnostic and Statistic Manual of Disorders, fourth
edition, text revision).
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Leonardo Ferreira Almada, Marllon Fernandes Borges, Sergio Eduardo Carvalho Machado
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Embora a depressão seja o problema de saúde prevalente nos dias atuais — com
alto e importante fator de impacto não só para os indivíduos afetados, mas também para
seus familiares, empregadores e sistema de saúde —, e embora muitos sejam os esforços
para compreender sua etiologia e propor novos mecanismos terapêuticos, há muitas
dificuldades no trato com este transtorno de humor, decorrentes do fato de que não é
possível considerar a depressão como uma ―entidade nosológica única. Sua
heterogeneidade deve ser levada em consideração na busca por qualquer substrato
biológico‖ (LACERDA et al., 2009, p. 238). No âmbito geriátrico, os transtornos
depressivos são extremamente comuns e de alta relevância clínica, com o agravante de
que um considerável percentual dos casos de depressão não é diagnosticado nessa faixa
etária. A depressão geriátrica está associada a uma série de déficits cognitivos e a uma alta
taxa de mortalidade, o que gera a necessidade ainda mais premente de distinguir com
clareza os critérios de diagnóstico, além de caracterizar determinados marcadores
biológicos.
Uma das primeiras dificuldades consiste no fato de que, apesar de grandes
avanços com a genética molecular, ainda não foi possível (e talvez não o seja) estabelecer,
de maneira consistente e definitiva, qualquer correlação entre genes e depressão. Por
outro lado, porém, as relativamente frustradas tentativas com estudos genéticos dos
transtornos psiquiátricos foram fundamentais para desmitificar simplistas associações
entre genes e comportamentos. Um gene não pode, per si, determinar a constituição de
qualquer transtorno psiquiátrico, tendo em vista que comportamentos normais ou
patológicos podem depender de uma ―complexa interação entre vulnerabilidade genética,
fatores do neurodesenvolvimento, eventos ambientais, modificações epigenéticas de DNA
e possíveis mecanismos estocáticos‖ (LACERDA et al., 2009, p. 238). Por isso, os critérios
de diagnóstico da depressão permanecem ainda muito dependentes de certas
considerações clínicas, dentre as quais: alterações no processamento emocional, alteração
da psicomotricidade, prejuízos neuropsicológicos e alterações do biorritmo. Esse aspecto,
no entanto, não exclui, de forma alguma, a pertinência e relevância de muitos avanços nas
pesquisas com os marcadores biológicos da depressão.
Atualmente, por exemplo, sabe-se a partir de estudos com modelos animais para
averiguar mecanismos de resposta a situações de estresse agudo, que existe uma forte
associação entre o estado depressivo e aspectos psiconeuroendócrinos. Estas novas
descobertas apontam para a significação dos neurônios noradrenérgicos no lócus ceruleus
(LC) e para o papel da liberação do hormônio liberador de corticotropina (CRH) por meio
de neurônios hipotalâmicos. De fato, sabe-se que a exposição prolongada ao estresse
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Considerações neurobiológicas sobre a depressão maior: um histórico neurocientífico
tende a gerar certas respostas biológicas e comportamentais que estão associadas com
variações significativas nos níveis de serotonina, dopamina e GABA no tronco e no córtex
cerebral (ELENKOV et al., 1999).
Assim, discorreremos sobre as bases neurobiológicas em fases desagregadas,
contudo, interconectadas no processo de compreensão das influencias que elas exercem
sobre o quadro da DM, especialmente no desenvolvimento e aprofundamento dos
sintomas. Assim, observaremos certos fatores que são determinantes a serem
considerados ao contemplar a interação entre as causas desencadeadoras da DM, como
stress respostas, reações e patologia. Enfim, dividiremos o nosso desenvolvimento em a
hipótese Monoaminérgica da depressão, a significação do Eixo Hipotálamo-PituitáriaAdrenal (HPA), Sistema Serotonina (5-HT) e Córtex Pré-Frontal (CPF).
3.
A HIPÓTESE MONOAMINÉRGICA DA DEPRESSÃO
Há mais de trinta anos, as bases neurobiológicas dos transtornos depressivos têm sido
associadas, em nível significativo, à hipótese monoaminérgica, segundo a qual a
Depressão é uma consequência direta da menor concentração de aminas biogênicas
cerebrais, especialmente de serotonina, noradrenalina e/ou dopamina. Sem dúvida, a
hipótese monoaminérgica é a que constituiu quase todo o conhecimento que se tem acerca
dos mecanismos de ação dos antidepressivos. Os antidepressivos visam, por dois
caminhos
possíveis,
a
aumentar
a
concentração
e
a
disponibilidade
desses
neurotransmissores específicos na fenda sináptica, tanto pela (i) inibição (seletiva ou não)
de suas recaptações quanto pela (ii) inibição da enzima responsável por suas degradações,
no caso dos inibidores da monoaminoxidase (STAHL, 1997; NISHIDA et al., 2002).
A eficácia dos primeiros antidepressivos e a consequente formulação da
―hipótese monoaminérgica da Depressão‖ constituiu, em grande parte, o resultado da
descoberta de que a elevação do humor pode estar associada, pelo menos como
possibilidade, com o aumento do nível de monoaminas na fenda sináptica (SCHLOSS;
HENN, 2004). As monoaminas, como se sabe, interagem com segundos mensageiros a
partir da membrana pós-sináptica. A ativação de tais receptores é capaz de engendrar
alterações no modo como o neurônio é capaz de responder aos neurotransmissores
ubíquos cerebrais, como o GABA e o glutamato, os quais, por sua vez, se ligam a canais
dependentes de ligantes. De acordo com Lacerda et al. (2009, p. 24), ―há uma relação
consistente entre os efeitos de substâncias nas monoaminas e estados afetivos e
comportamentais‖. Nesse sentido, o mesmo grupo de pesquisadores reitera que as
―substâncias de ação central que causam depleção ou inativação da noradrenalina (p. ex.,
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Leonardo Ferreira Almada, Marllon Fernandes Borges, Sergio Eduardo Carvalho Machado
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reserpina) produzem sedação ou depressão‖, enquanto que as ―substâncias que
potencializam ou aumentam o tônus noradrenérgico cerebral (antidepressivos de
diferentes classes) estão associadas à estimulação e à excitação comportamental‖
(LACERDA et al., 2009, p. 24).
Por uma questão metodológica, podemos pensar, em isolado, na significação da
serotonina no âmbito da hipótese monoaminérgica. Cumpre destacar que os neurônios
serotoninérgicos se projetam do núcleo dorsal da rafe para regiões específicas, como o
córtex cerebral, o hipotálamo, o tálamo, os núcleos da base, o septo pelúcido e o
hipocampo. As vias serotonérgicas podem exercer funções inibitórias ou facilitadoras, o
que pode estar na base de uma série de comportamentos variados. Como se sabe com
clareza, a serotonina, em conjunto com a noradrenalina e com a dopamina, modula o
comportamento direcionado, atuando mais diretamente em situações específicas e
pontuais de estresse. Nestes casos, é verificado um aumento de sua liberação em
associação a situações de estresse agudo ao mesmo tempo em que é verificada uma
diminuição de sua liberação em associação com a atividade que é relacionada com o
estresse crônico. Segundo Lacerda et al. (2009, p. 241), ―o estresse crônico aumento a
síntese de autorreceptores do tipo 5-HT1a no núcleo dorsal da rafe, os quais
posteriormente diminuem a atividade serotonérgica‖. De acordo com Arango,
Underwood e Mann (2002), ―níveis elevados de corticoides tendem a aumentar o tônus
serotonérgico, tendo, portanto, um efeito compensatório em situações de estresse
crônico‖.
Com efeito, tem sido relatada, de maneira muito frequente, uma associação entre
pacientes depressivos e uma redução considerável na responsividade serotonérgica, como
consequência de uma redução do metabólito 5-HIAA no líquido cerebrospinal e da
diminuição de recaptação da serotonina plaquetária. Chama a atenção o fato de que, em
pacientes depressivos, há uma diminuição da concentração de serotonina e de seus
metabólitos na urina e no líquido cerebrospinal. Segundo Lacerda et al. (2009), estudos
post-mortem examinando pessoas deprimidas que cometeram suicídio constataram
alterações em inúmeros marcadores adicionais de serotonina, incluindo níveis de
transmissores e metabólicos regionais, densidade de transportador e receptor póssináptico e proteínas de segundo mensageiro e de transcrição.
Na hipótese monoaminérgica, a noradrenalina tem também um papel
fundamental, sobretudo se levarmos em consideração o importante fato: projeções
noradrenérgicas para a amígdala e o hipocampo estão implicadas na memória emocional
e na sensibilização comportamental ao estresse. Como se sabe, nos neurônios
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noradrenérgicos, os corpos celulares se situam no lócus ceruleus (LC) do tronco cerebral e
são projetados para o hipotálamo, núcleos basais, sistema límbico e córtex cerebral. O
padrão noradrenérgico de neurotransmissão pode estar associado com a depressão por
sua capacidade de iniciar e manter a ativação límbica e cortical, assim como a modulação
de outros sistemas.
A ―hipótese monoaminérgica da depressão‖ também encontra uma relação bem
estabelecida com circuitos dopaminérgicos. Como mostra Lacerda e seus colegas (2009, p.
243), ―associações entre anedonia e disfunção do sistema de recompensa, ao lado da
demonstração da eficácia de antidepressivos que aumentam o tônus dopaminérgico‖,
bem como da ―indução de depressão com o uso de medicamentos que reduzem o tônus
dopaminérgico são à base da teoria dopaminérgica da depressão‖. Sem dúvida, doenças
caracterizadas pela perda dopaminérgica como principal fisiopatologia (Parkinson e
Coréia de Huntington, por exemplo) apresentam altos níveis de comorbidade com
depressão. É bem verdade que a estimulação dopaminérgica em isolado não é capaz de
aliviar todos os sintomas depressivos, mas também temos muitas evidências das
propriedades terapêuticas de uma série de drogas cuja função principal é a de inibir o
transportador dopaminérgico. Em estudo anterior (2004), publicado na Biological
Psychiatry, Lacerda e seus colegas constataram, por meio de estudos com neuroimagem
estrutural e funcional na depressão primária e secundária, ―projeções dopaminérgicas da
área tegmental ventral‖, com especificidade regional, ―para o córtex orbitofrontal, o corpo
estriado e o giro do cíngulo anterior — áreas repetidamente descritas como alteradas‖ em
pacientes depressivos.
O fato é que a ―hipótese monoaminérgica da depressão‖ apresenta um alto grau
de complexidade, sobretudo em função do fato de que sua gênese pode não estar
propriamente envolvida com a quantidade de neurotransmissores na fenda sináptica, mas
como o número de receptores e sua respectiva potência de ação. Segundo o modelo de
Schloss e Henn (2004), a depressão é devida a um aumento na expressão de receptores
monoaminérgicos pós-sinápticos na depressão, a qual se altera, posteriormente, com o
tratamento com antidepressivos.
Sem dúvida, a evolução da ―hipótese monoaminérgica da depressão‖ muito
contribuiu para o entendimento acerca dos eventos celulares mediados por receptores
aminérgicos, a partir de um relato clínico da relação entre alteração nas monoaminas e
depressão, o que foi realizado no âmbito de um estudo com hipertensos que
desenvolveram transtornos depressivos após altas doses de reserpina, um inibidor do
transporte ativo de noradrenalina e serotonina para os seus respectivos sítios de
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armazenamento.
Ora,
essas
aminas
livres
são
rapidamente
inativadas
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pela
monoaminoxidase, o que gera uma depleção acentuada no sistema nervoso central (SNC).
Nesse caso específico, é de particular relevância a descoberta de que a isoniazida,
inicialmente usada no tratamento para tuberculose, elevava o humor dos pacientes
justamente em função de sua capacidade para inibir a monoaminoxidase.
Com efeito, tanto a descoberta dos primeiros medicamentos antidepressivos
quanto os rápidos avanços nas pesquisas conduziram à compreensão dos mecanismos de
ação dos transtornos depressivos e dos antidepressivos sobre o sistema monoaminérgico
do cérebro, gerando o início da chamada ―revolução psicofarmacológica‖, que
transformou a prática da psiquiatria. A descoberta de que a imipramina tem a capacidade
de inibir a recaptação de noradrenalina, em 1961, foi fundamental para que,
posteriormente, em 1968, novos pesquisadores descobrissem no cérebro um sistema de
captação semelhante para a serotonina. Esta é a origem dos medicamentos triciclos
clássicos (imipramina e amitriptilina), que são fortes inibidores da captação de
noradrenalina e serotonina. Tais descobertas só reforçaram ainda mais a hipótese da
depressão como um estado de deficiência de monoaminas, e gerou a primeira formulação
da ―hipótese monoaminérgica da depressão‖ como estado de deficiência de noradrenalina
e/ou de serotonina no cérebro. Em 1965, apareceu a hipótese da catecolamina, segundo a
qual algumas manifestações da depressão estão associadas à redução absoluta ou relativa
das catecolaminas, particularmente a norepinefrina, que está disponível em espaços
centrais de receptores adrenérgicos (LICINIO; WONG, 2007).
O que temos de mais concreto, porém, é o fato de que a etiologia da depressão
permanece ainda incerta, assim dificultando muito o consenso acerca de suas efetivas
bases neurobiológicas, ou melhor, acerca do que realmente está na base dos transtornos
de humor. Nos EUA, prevaleceu, nos meios psiquiátricos, a versão da noradrenalina,
enquanto que, na Europa, prevaleceu a versão da serotonina. As pesquisas perpetradas
pelas indústrias farmacêuticas visaram, assim, a buscar novos inibidores da captação de
monoaminas e outros mecanismos que fossem capazes de aumentar sua atuação no
funcionamento
cerebral
(LICINIO;
WONG,
2007).
De
fato,
foi
a
―hipótese
monoaminérgica da depressão‖ que deu início a uma importante Era de pesquisas no
âmbito da ‗psiquiatria biológica‘ e a tentativas concretas e pertinentes de se obter
evidências diretas para essa hipótese por meio de mensurações da função cerebral de
pacientes depressivos. O que ocorreu foi à elaboração de milhares de publicações, mas
poucas conclusões efetivamente consistentes. É nesse sentido que podemos dizer que a
etiologia da Depressão permanece incerta, ainda que muitos avanços tenham acontecido,
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Considerações neurobiológicas sobre a depressão maior: um histórico neurocientífico
e em especial a elaboração do psicofármaco mais importante do século XX, a Fluoxetina,
um Inibidor Seletivo de Recaptação da Serotonina (ISRS).
Após a inicial formulação da ―hipótese monoaminérgica da depressão‖, as
pesquisas frutificaram não só em direção ao funcionamento monoaminérgico dos
pacientes depressivos, mas também em direção aos metabólitos das monoaminas, os
mesmos que são constituídos após sua metabolização. Apesar dos resultados terem sido
um pouco decepcionantes, grandes alterações ocorreram desde então. O fato é que a
hipótese monoaminérgica foi capaz de abrir novos caminhos para as pesquisas em
psiquiatria biológica, sobretudo para a abertura de hipóteses mais interessantes, como as
que privilegiam os mecanismos neurotróficos ou neuroendócrinos, ou ainda as que
relacionam o sistema de serotonina (5-HT) com o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal
(HPA).
4.
A SIGNIFICAÇÃO DO EIXO HIPOTÁLAMO-PITUITÁRIA-ADRENAL (HPA)
De fato, se muitos são os neurotransmissores e hormônios associados ao desenvolvimento
da depressão, há também uma grande quantidade de estudos que apontam para
distúrbios no sistema de serotonina e disrupções no eixo hipotálamo-pituitária-adrenal
(HPA) como duas das alterações mais consistentemente relacionadas com os principais
transtornos de humor. Provavelmente, a interação entre esses dois sistemas exerce papelchave no desenvolvimento da Depressão, sendo preciso ressaltar, ainda, a importância do
famoso ―hormônio do estresse‖, o glucocorticóide adrenal.
O glucocorticóide adrenal — que é produzido pela glândula adrenal, e que ajuda
a regular o metabolismo — interage de maneira significativa com os receptores de 5-HT
no cérebro durante as condições de estresse crônico. A interação entre esses dois sistemas
ocorre por diversos mecanismos e, como se sabe, o HPA regula a capacidade para
experienciar e buscar o prazer, assim como a excitação, o sono, o apetite e o humor. É
nesse sentido que a depressão guarda significativas relações com o hormônio do estresse,
tendo em vista que a percepção do estresse provoca a liberação do glucocorticóide a partir
da glândula adrenal, a mesma que regula o HPA. A hiperatividade do eixo HPA tem sido
muito associada com a depressão, pois não só produz grande quantidade de cortisol, o
hormônio do estresse, mas também é encontrado em um significativo grupo de vítimas de
suicídio com historio de depressão (LEE et al., 2007; SILVA et al., 2006; DIACONU;
TURECKI, 2007).
A resposta de estresse inclui, primariamente, uma significativa liberação do
hormônio de liberação de corticotropina (CRH), cujo efeito imediato consiste em ativar o
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eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA). É inegável que os transtornos de ansiedade e
ideações suicidas em pacientes depressivos guardam fortes relações com uma série de
mudanças neuroquímicas no HPA. Nesse sentido, uma atenção particular tem sido
oferecida não apenas às variações de monoaminas, mas também às elevações de certos
peptídeos, dentre os quais o CRH (HOLSBOER, 2003; MITCHELL, 1998; NEMEROFF;
VALE, 2005). Tendo em vista as relações entre o funcionamento do CRH e das
monoaminas, Brower et al. (2001) sugerem que a depressão envolve uma disrupção na
interface entre os circuitos de CRH, norepinefrina (NE) e serotonina (5-HT). Por isso
mesmo, o funcionamento do CRH tem sido cada vez mais investigado em vista de um
desenvolvimento mais efetivo para o tratamento das principais depressões.
Tendo em vista o significativo papel do funcionamento do eixo hipotálamopituitária-adrenal (HPA) na depressão, estudos sobre o CRH enfatizam inicialmente a
atividade hipotalâmica. Afinal, um elevado número desses peptídeos foi encontrado no
fluido cerebrospinal dos indivíduos depressivos com ideação suicida, assim como um
aumento da imunoreatividade foi verificado no núcleo hipotalâmico dos suicídios por
depressão (ARBORELIUS et al., 1999). As alterações do CRH, no entanto, não ficam
limitadas ao hipotálamo, mas também aumentam no núcleo do lócus coeruleus e no
núcleo da rafe dos indivíduos depressivos. Entre os indivíduos com ideação suicida, as
elevações de CRH foram detectadas no córtex frontopolar, e no córtex frontal foram
verificadas reduções deste hormônio (NEMEROFF et al., 1998).
O neuropeptídeo fator de liberação da corticotropina (CRF), que estimula a
secreção do hormônio estimulante da suprarrenal, o hormônio adrenocorticotrófico
(ACTH), tem sido profundamente considerado no desenvolvimento e manifestação de
certos transtornos psiquiátricos, dentre os quais ansiedade e depressão, além de
transtornos com alto nível de comorbidade (HEIM; NEMEROFF, 2009). Este último fato
está, sem dúvida, inspirando inúmeras pesquisas nacionais e internacionais, sobretudo
porque a comorbidade dá outra coloração ao quadro clínico, dificultando o processo
etiológico e o reconhecimento dos transtornos e suas patofisiologias comuns (EMMERIK,
KAMPHUIS, 2011). As relações entre o CRF e os transtornos de ansiedade e de humor têm
sido evidenciadas por uma série de estudos que demonstram que (i) a administração do
CRF, (ii) antagonistas de CRF ou (iii) manipulações genéticas que mudam os níveis de
expressão dos receptores do CRF podem alterar, de maneira significativa, o
comportamento de ansiedade e depressão nos mamíferos.
Como é notório, os sistemas relacionados ao CRF são bastante conhecidos por
sua capacidade de interação com outros sistemas de neurotransmissores associados com a
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ansiedade e depressão. Da mesma forma que o CRF interage com a norepinefrina,
averiguamos sua interação com o sistema da serotonina, a 5-hidroxitriptamina ou 5-HT.
Essa associação entre os sistemas relacionados ao CRF e o sistema da serotonina tem sido
bastante estudada, com interessantes repercussões para a Psiquiatria e para a
Psicofarmacologia Clínica (RESSLER; NEMEROFF, 2000; LOWRY; MOORE, 2006). Mais
que isso, é possível que a interação CRF-5-HT exerça papel predominante em uma
constelação de sintomas primariamente reconhecidos como patofisiológicos (AUSTIN;
JANOSKY; MURPHY, 2003). Em pesquisas com roedores e mamíferos, por exemplo, a
administração conjunta do fator liberador de corticotropina com alguns pepítedeos
relacionados, como por exemplo, a Urocotina (UCN, membro da família do CRH), pode
ter ao mesmo tempo efeito excitatório ou inibitório nos neurônios do 5-HT do núcleo
dorsal da rafe (NDR ou DR), um núcleo da rafe extremamente rico em autoreceptores da
serotonina. O CRF ou UCN em pequenas doses inibe, enquanto que em altas doses tende
a excitar os neurônios do 5-HT (PERNAR et al., 2004). Tem sido proposto que o núcleo
dorsal da rafe guarda relações estreitas com o efeito antipânico dos antidepressivos
justamente por sua capacidade de aumentar a inibição serotonérgica do NDR sobre a
matéria periaquedutal dorsal. É nesse sentido que a administração do CRF tem sido usada
para demonstração do aumento, diminuição ou ausência de efeitos sobre a liberação do 5HT, no tanto quanto depende de sua projeção para a área de Rafe (GROOTE et al., 2005;
KAGAMIISHI; YAMAMOTO; WATANABE, 2003).
5.
SISTEMA SEROTONINA (5-HT) E CÓRTEX PRÉ-FRONTAL (CPF)
Ao mesmo tempo, tem-se estudado com afinco o sistema de serotonina como um
elemento-chave na geração e constituição da depressão e do suicídio (BRUCE et al., 2004).
Como se sabe, embora o sistema 5-HT tenha muitos componentes, há duas moléculas de
serotonina que estão muito associados com a neurobiologia do humor: o receptor de
serotonina 1a (5-HT 1a) e o receptor de serotonina 2a (5-HT 2a). Com efeito, a mesma
capacidade evolutiva e adaptativa que tem o homem de, por meio de certo nível de
ansiedade, motivar o desempenho de tarefas motoras e cognitivas para a solução de
problemas cotidianos, pode se transformar em resposta exacerbada. Quando isso ocorre, a
ansiedade passa a interferir negativamente nas habilidades e funções do indivíduo,
perturbando seu desempenho.
Sem dúvida, muitas são as evidências de que a neurotransmissão serotonérgica
seja sensível a diferentes estresses, assim como há indicativos claros de que esteja
envolvida com os processos de adaptação a eventos aversivos (JOCA; PADOVAN;
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GUIMARÃES, 2003; DEAKIN; GRAEFF, 1991). De acordo com Joca, Padovan e
Guimarães (2003, p. 48), ―a adaptação à imobilização forçada é acompanhada de aumento
da sensibilidade da neurotransmissão serotoninérgica e a administração de agonistas 5HT 1A previne o desenvolvimento dos déficits comportamentais induzidos por esse
estresse‖. Ainda de acordo com este grupo, muitas são as evidências que atribuem ao
hipocampo o local da específica interação entre o estresse repetido e a serotonina.
Em função disso, Deakin e Graeff (1991) apontaram para o fato de que as
projeções serotonérgicas eferentes que partem do núcleo mediano da rafe (NMR) para o
hipocampo, estrutura rica em receptores 5-HT, são as responsáveis pela adaptação ao
estresse repetido, mediante a dissociação entre as associações aversivas previamente
adquiridas de suas consequências comportamentais. De fato, o NMR tem papel
fundamental na modulação das funções do hipocampo. Nesse sentido, ―projeções
hipocampais oriundas deste núcleo, por meio de ativação de receptores serotonérgicos do
tipo 5-HT1A, poderiam atenuar a formação de memórias relacionadas ao medo e diminuir
as respostas do hipocampo a eventos ameaçadores‖ (JOCA; PADOVAN; GUIMARÃES,
2003, p. 48). Ora, quando o estresse repetido é muito intenso, o número e a função de
receptores 5-HT1A no hipocampo são significativamente reduzidos, o que parece
depender dos glicocorticoides.
Se em humanos a depressão é claramente associada à diminuição de 5-HT1A em
regiões
prosencefálicas,
da
mesma
maneira
o
prejuízo
da
neurotransmissão
serotoninérgica hipocampal, em função de exposição repetida a severos estímulos
estressores, dificulta a adaptação ao estresse crônico e predispõe o desenvolvimento de
depressão em humanos. Tal é a razão porque o uso prolongado de drogas
antidepressivas, na mesma medida em que aumenta a neurotransmissão serotoninérgica,
é capaz de reverter o quadro de dificuldade de adaptação ao estresse crônico. No
laboratório destes pesquisadores, demonstrou que a administração hipocampal de
zimelidina, um inibidor seletivo da recaptação de serotonina, agonista 5-HT1A, é capaz de
prevenir o efeito ansiogênico provocado nos ratos pela exposição à imobilização forçada.
Como se sabe, o córtex pré-frontal medial (CPFM) é uma importante região
cerebral implicada nos transtornos de ansiedade e de humor, na mesma medida em que
constitui um dos principais alvos dos percursos ascendentes do 5-HT (SHIN; RAUCH;
PITMAN, 2006). Sobre isso, encontramos comprovações significativas em uma série de
estudos que mostram um aumento considerável no 5-HT ou nos metabólicos de 5-HT
após a administração do fator liberador de corticotropina (FORSTER et al., 2006).
Curiosamente, o tempo que o CRF leva para induzir liberação de serotonina no CPFM é
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Considerações neurobiológicas sobre a depressão maior: um histórico neurocientífico
relativamente similar ao tempo que o CRF leva para gerar seus efeitos comportamentais
mais consideráveis. Parece, nesse sentido, que o tempo de ativação do CRF das vias
eferentes do NDR para o CPFM pode ser um componente importante na constituição de
alguns tipos de comportamento ansioso (MELONI et al., 2008).
Sem dúvida, portanto, as relações entre estresse e depressão, que supõem o eixo
HPA e o sistema de serotonina, podem ser de fato extremamente importantes para a
compreensão dos mecanismos neurais dos transtornos depressivos.
Correntemente, são reconhecidos os papéis exercidos pelos lobos frontais e
gânglios de base na patofisiologia dos transtornos de humor, especialmente em função de
lesões cerebrais adquiridas. Outros estudos têm identificado uma correlação significativa
entre estados depressivos e lesões nos gânglios da base e no córtex pré-frontal (doravante
CPF), particularmente no lado esquerdo do cérebro (STARKSTEIN; ROBINSON, 1989).
Estudos sistemáticos têm questionado essa associação (CARSON et al., 2000), mas por
outro lado, investigações têm mostrado que condições neurológicas relacionadas com os
gânglios da base (doença de Parkinson e Huntington) estão relacionadas com altos níveis
de depressão (MCDONALD; RICHARD; DELONG, 2003). De fato, os lobos frontais e os
gânglios de base são de fato muito interconectados e prejudicados dentem a desencadear
transtorno de humor, inclusive a depressão.
6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para a execução deste artigo, selecionamos resultados de um amplo alcance da literatura
considerando as implicações que as bases neurobiologicas exercem sobre individuos
diagnosticados com DM. Logo, por tudo que foi apresentado, percebemos que a DM é um
transtorno muito complexo, o qual apresenta grandes variedades de sintomas
psicológicos e fisiológicos. Por isso, o grau de importância da compreensão das bases
neurobiológicas envolvidas nos indivíduos diagnosticados com DM e suas influencias
sobre os sintomas, pois são justamente esses mecanismos os responsáveis pelo
detalhamento das características dos sintomas e pela capacidade de um diagnostico bem
feito e especializado.
Não obstante, é em virtude do aprofundamento desses estudos que se pode
direcionar um aprimoramento em um tratamento farmacológico direcionado a sintomas
específicos bem como na elaboração de programas psicoterapêuticos voltadas para
pacientes com DM.
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Leonardo Ferreira Almada, Marllon Fernandes Borges, Sergio Eduardo Carvalho Machado
123
Enfim, deixamos claros que foram analisados a hipótese Monoaminérgica da
depressão, a significação do Eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal (HPA), Sistema
Serotonina (5-HT) e Córtex Pré-Frontal (CPF), contudo, são necessários novos estudos
para alcançar mais detalhes sobre todos os mecanismos envolvidos no processamento de
desencadeamento e manutenção dos sintomas envolvidos na DM.
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