O DESENVOLVIMENTO DO JOGO MATH CITY EM UM CONTEXTO COLABORATIVO: PAIS, PROFESSORES E ALUNOS PARA A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS Vilmar Andrade do Nascimento1 Francisca das Chagas Soares Reis2 GT2 – Jogos eletrônicos e educação RESUMO Apesar das distintas obrigações entre pais e professores, há responsabilidades e objetivos comuns aos mesmos, dentre os quais: criar condições, ambientes e atividades favoráveis para o desenvolvimento cognitivo do aprendente. Neste sentido, cabe o seguinte questionamento: a utilização de jogos eletrônicos pode ser uma estratégia viável para que a interação pais, professores e alunos possa possibilitar o ensino e a aprendizagem de conceitos matemáticos de forma colaborativa, desafiadora e eficiente no âmbito familiar?Portanto, buscando responder a esta pergunta, este trabalho relata a experiência de criação e utilização de um jogo eletrônico em um contexto colaborativo: pais, professores e alunos do 6º ano do Colégio Militar de Fortaleza.Para tanto, foram realizadas palestras nas quais discutiu-se a relação pais-professoralunos e foram apresentados, de modo sucinto, os principais conceitos envolvendo jogos educativos e as fundamentações teóricas acerca do que vem a ser mediação segundo Feuerstein. Sendo, também, realizados minicursos no espaço do laboratório de matemática, a fim de possibilitar a utilização do software RPG Maker 2000 e o desenvolvimento do jogo Math City explorando-se os conceitos matemáticos trabalhados em sala de aula e buscando-se uma adequada postura dos pais enquanto mediadores do processo no ambiente familiar. Palavras-chave: Jogos eletrônicos, experiência de aprendizagem mediada. educação matemática, RPG, Introdução Atualmente, percebe-se o grande interesse por parte de pesquisadores e professores pela temática jogos (AGUIAR, 1997; BORIN, 1996; GRANDO, 2000; NASCIMENTO, 2004). Haja vista, não somente a formação de grupos de pesquisa, devotados especificamente ao tema, o grande número de artigos e teses, mais constantes a cada ano, ou mesmo a imensa procura pelas atividades programadas em congressos que discutem questões relativas a esses temas. No entanto, grosso modo, pouco se explora no que se refere a busca de estratégias ou metodologias para o uso significativo dos mesmos no ambiente familiar em uma relação pais-filhos. Neste sentido, este trabalho visa preencher uma lacuna ao expandir as possibilidades de uso dos jogos eletrônicos e a construção significativa de conceitos matemáticos em um ambiente extra sala de aula, com uma mediação realizada pelos pais, ou responsáveis, do aprendente. 1 Colégio Militar de Fortaleza [email protected] 2 Universidade Federal do Ceará [email protected] 1 Nos últimos anos, o envolvimento dos pais com a escola passou a ser considerado como uma preocupação necessária e legítima e tem sido amplamente reconhecido como maximizador do desenvolvimento da competência acadêmica das crianças (MARTURANO et al., 2005; BARHAM et al., 2004). Neste contexto, estabelecer relações concordantes entre pais e professores pode possibilitar a criação de atividades desafiadoras e favoráveis à construção de conceitos matemáticos. Portanto, este trabalho visa responder ao seguinte questionamento: a utilização de jogos eletrônicos pode ser uma estratégia viável para que a interação pais-filhos possa possibilitar a construção de conceitos matemáticos de forma colaborativa, desafiadora e eficiente no âmbito familiar? Desenvolvimento Este trabalho teve como objetivos a criação de um jogo denominado Math City, de modo colaborativo: pais-professor-alunos (PPA), e uma adequada utilização do mesmo em um ambiente familiar visando a construção de conceitos matematicos, tendo os pais como mediadores do processo ensinoaprendizagem. Para tanto, após uma análise da relação PPA foram apresentados, de modo sucinto, os principais conceitos envolvendo jogos pedagógicos e as fundamentações teóricas acerca do que vem a ser experiência de aprendizagem mediada, no sentido feuersteiniano, visando propiciar um aporte teórico-metodológico necessário a consecução dos objetivos traçados. Pais mediadores O termo mediação tem sido empregado ao longo do tempo na filosofia, antropologia, astronomia (MEIER; GARCIA, 2007) e serve como palavra-chave em um considerável número de estudos educacionais correntes. Uma vez que o desenvolvimento cognitivo da criança é fortemente dependente da mediação humana provida pela comunidade através dos pais, professores e colegas (GOMES, 2002). Japiassu e Marcondes (2001) apresentam o termo mediação, em seu sentido genérico, como a ação de relacionar duas ou mais coisas, de servir de intermediário ou ligação, de permitir a passagem de uma coisa à outra. Já, segundo Feuerstein e Bolívar (1983), mediar significa possibilitar a construção do conhecimento pelo mediado. Significa, segundo Meier e Garcia (2007), estar intencionalmente entre o objeto de conhecimento e o aprendente (Figura 1) de forma a modificar, alterar, organizar, enfatizar, transformar os estímulos provenientes desse objeto a fim de que o mediado construa sua própria aprendizagem, que o mediado aprenda por si só, sendo portanto necessária, segundo Fonseca (1998), a presença de um mediador efetivo, dirigente, conhecedor e competente para mediar esta interação, ou seja, o desenvolvimento cognitivo de uma criança é inseparável do desenvolvimento cognitivo dos seus mediadores, sejam eles pais ou professores (GOMES, 2002; MEIER; GARCIA, 2007), o que constitui um axioma da teoria da experiência de aprendizagem mediada e ratifica, portanto, o crescimento considerável da participação dos pais nas práticas educativas de seus filhos 2 (BERTOLINI, 2002; BARHAM, et al., 2004; DANTAS, et al., 2004; DESSEN; COSTA, 2005; CARVALHO, 2006) o que corrobora com as pesquisas desenvolvidas por Henderson e Berla (1994) que citam em mais de 85 estudos os reais benefícios para os estudantes, as famílias e as escolas quando os pais participam da educação e da vida de seus filhos. Figura 1: Mediação Pai-Filho segundo Feurestein Jogo Math City: concepção adotada Neste trabalho, considerou-se que a criação do jogo não deveria depender de quaisquer uma das linguagens mais comuns de desenvolvimento de jogos como: C++, Java, Lua, entre outras, uma vez que não dispúnhamos de uma equipe multidisciplinar envolvendo programadores ou designers de games e ,outrossim, não se objetivou “ensinar” uma linguagem de programação. Neste sentido, adotou-se a utilização do software RPG maker 2000 para a criação do jogo Math City visando promover a construção de conceitos matemáticos de forma colaborativa segundo a criação de um enredo, de uma competição e/ou colaboração entre pais e filhos; da formulação de hipóteses e da utilização de estratégias, propiciando uma experiência de início, meio e fim e oferecer desafios vinculados a um conteúdo teórico vistos em sala de aula. Software RPG maker 2000: uma breve descrição O RPG maker 2000 (Figura 2) do inglês Role Playing Game que significa “jogo de representação” ou “jogo do faz-de-conta” é um software de fácil utilização que possibilita a construção de jogos digitais sem a necessidade de conhecer qualquer linguagem de programação, o que auxilia sobremaneira o trabalho com os pais e alunos. Com versões gratuitas em inglês ou em português encontra-se disponibilizado para download em diversos endereços na Internet como: (www.superdownloads.uol.com.br) ou (www.baixaki.ig.com.br). Com o mesmo é possível criar mundos, cidades e toda uma gama de aventuras com base em enredos, personagens e batalhas que se queiram criar, possibilitando contextualizar e dar significado a diversos conteúdos matemáticos (ROSA; MALTEMPI, 2004). De um modo geral, os elementos básicos de uma aventura são o assunto abordado pela história (ex.: uma guerra, uma fuga, um desastre), o objetivo que se deseja alcançar após percorrer a aventura, as personagens, os diálogos, a construção dos cenários (casas, cidades, ilhas), o enredo (início, meio e fim da aventura), onde ocorrem as ações, a distribuição de pistas, os desafios que fazem o jogador pensar, refletir, conjecturar, objetivando prosseguir na aventura e a recompensa que, por sua vez consiste na finalização do jogo. 3 Figura 2. Tela inicial do RPG maker Desenvolvimento do jogo: interação entre os diversos saberes Inicialmente, foram realizadas palestras aos pais nas quais discutiu-se a relação PPA e foram apresentadas, de modo sucinto, os principais conceitos envolvendo jogos reais ou virtuais, consoante alguns exemplos obtidos na internet: (http://www.jogos.com) e (http://plastelina.net). Assim como, as fundamentações teóricas acerca do que vem a ser experiência de aprendizagem mediada no sentido feuersteiniano e a realização de minicursos, no espaço do laboratório de matemática, sob orientação do professor, a fim de possibilitar a criação e a utilização eficiente do jogo Math City no ambiente familiar, explorando-se os conceitos matemáticos trabalhados em sala de aula. Para tanto, foi ministrado um minicursos de RPG Maker 2000 objetivando propiciar uma visão geral do funcionamento do software e familiarizar os pais e filhos com uma nova alternativa de aprender e ensinar matemática através da construção de jogos digitais. O minicurso dividiu-se, no decorrer do ano de 2007, em três etapas: Elaboração do projeto do jogo Math City (Figura 3), identificando os conteúdos escolhidos, as relações dos mesmos com as situações diárias e construindo a história (aventura) que foi desenvolvida, como também, as personagens, os cenários e as ações que representam os conteúdos a serem trabalhados; Identificação e utilização de recursos oferecidos pelo software RPG Maker , familiarizando-se com tal ferramenta para o uso no ambiente extra sala de aula; Construção do RPG digital educacional já planejado, desenvolvendo criatividade e construindo o conhecimento matemático. 4 Figura 3. Tela de abertura do jogo Math City Vale destacar que dentre as famílias envolvidas no projeto que não possuíssem um computador tinham acesso livre, mesmo aos fins de semana, ao laboratório de matemática, e, conforme os que possuíam computador em suas residências, podiam modificar o jogo. Alterando um mapa, acrescentando uma personagem, substituindo diálogos, explorando os desafios, de modo que o objeto de aprendizagem Math City pudesse adequar-se conforme as necessidades de cada grupo familiar. Dentre as atividades e conteúdos trabalhados, cita-se como exemplo de aplicação a trilha dos divisores (Figura 4) com base no jogo do resto (SEESP, 1994) no qual cada jogador começa na casa 25 e, somente os que chegam a casa 5 podem mudar de fase. Regras: O jogador começa na casa 25; Em cada rodada uma caixa de dialogo é aberta e um número de 1 a 4 é apresentado ao jogador; O número de casas que cada jogador avançará é igual ao resto da divisão do número da casa em que se encontra (Figura 5), pelo número escolhido pelo mesmo de 1 a 4; Muda de fase ao chegar na casa 5. 5 Figura 4: Trilha dos Divisores 6 Figura 5: Números das casas Vale ressaltar que no percorrer da trilha, algumas questões foram discutidas e justificadas explorando-se ao máximo a atividade, como, por exemplo: qual o maior número de casas que um jogador pode andar? Em que casas um jogador não gostaria de cair? No começo do jogo que casa pode significar a morte, de modo que jamais possa sair do lugar? Quais as melhores casas da trilha? Resultados O universo de alunos envolvidos no desenvolvimento do jogo consistiu, essencialmente, dos que foram considerados inaptos ou aptos com restrição para cursar o 6º ano. Considerações estas devido aos resultados obtidos em um teste denominado: teste de sondagem aplicado aos alunos que não adentram ao Colégio Militar de Fortaleza através de concurso e sim pelo fato de serem filhos de militares vindos das regiões de fronteira ou transferidos de outros estados ou países, com direito a vaga no colégio. Portanto, representam um grupo, de um modo geral, com dificuldades até mesmo nas quatro operações, haja vista poderem ter vindo de regiões distantes com raras ofertas de um ensino de qualidade. Considerando-se os anos de 2004 à 2007 têm-se na Figura 6 os percentuais referentes aos índices de alunos reprovados em matemática, com o percentual tomado em relação à totalidade dos alunos inaptos ou aptos com restrição. 7 Figura 6: Alunos reprovados em matemática Como pode-se observar nos anos de 2004 à 2006 aproximadamente 40% dos alunos (cerca de 20 alunos), inaptos ou aptos com restrição, foram reprovados em matemática, já no ano de 2007 a reprovação caiu para 15% (cerca de 07 alunos), dentre os quais quatro (04) alunos, juntamente com seus pais, participaram do projeto de construção do objeto Math city. Ou seja, cerca de 77% do total de 20 alunos que vinham sendo reprovados, conseguiram aprovação. Com o fato do professor de matemática ser o mesmo em todo o período considerado, pode-se mostrar que o fato de participarem do projeto, segundo uma interação pais-professor-alunos e uma mediação pais-filho no ambiente familiar, pode ter possibilitado a tais alunos uma melhor compreensão dos conteúdos e, conseqüentemente, um melhor desempenho nas provas. Considerações finais Vale destacar que pelo fato das personagens, enredo e cidades terem sido elaborados ou criados de forma colaborativa envolvendo: pais, professor e alunos, pode-se constatar que a interação entre os diversos saberes (da dona de casa, do engenheiro, do militar reformado, do aluno com dificuldades) levou ao aparecimento de personagens interessantes, como, por exemplo, o soldado que nunca dormia, a cidade dos preços altos, o monstro dos números. O que, de certo modo, indica o envolvimento efetivo de todos e reflete a experiência e vivência de cada um dos envolvidos no projeto. De modo que a partir dos resultados obtidos pode-se concluir que: A utilização de jogos eletrônicos pode ser uma estratégia viável para que a interação pais-professor-alunos possibilite a construção de conceitos matemáticos; Os pais se corretamente orientados podem assumir uma adequada postura de mediação e compreender que a qualidade da experiência de aprendizagem mediada somente pode ser alcançada se houver uma intencionalidade e um significado em cada uma das ações no processo ensino-aprendizagem de seus filhos. Haja vista a flexibilidade de se efetuar mudanças nos jogos no ambiente familiar possibilitou a construção de objetos de aprendizagem que melhor se adequassem aos contextos familiares específicos. 8 O envolvimento dos pais na educação dos filhos pode ser reconhecido como potencializador do desenvolvimento de competência acadêmica das crianças. Referências AGUIAR, J. S. Jogos para o Ensino de Conceitos. Campinas: Papirus, 1997. BARHAM, E. J., CIA, F., D’AFFONSECA, S. 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