(RE)CRIAÇÃO CAMPONESA E CITRICULTURA NO NOROESTE PAULISTA (RE)CREATION OF THE PEASANTRY AND CITRICULTURE IN NORTHWESTERN SÃO PAULO STATE WidsonTainanRos Martins [email protected] em Geografia pela UFMS/Três Lagoas Prof. Dr. Sedeval Nardoque [email protected] Professor dos cursos de Graduação e de Pós-Graduação da UFMS/Três Lagoas RESUMO Assiste-se no interior do desenvolvimento contraditório do capitalismo no campo o processo de (re)criação do campesinato. Neste sentido, as reflexões deste texto dedicam-se à tentativa de compreender por meio do conceito de monopolização do território pelo capital como a economia camponesa vincula-se à economia capitalista e contraditoriamente a ela se reproduz. Para tanto, fora selecionada, como recorte espacial, a Região Noroeste do Estado de São Paulo, especificamente a Microrregião Geográfica de Jales, cuja estrutura fundiária é marcada pelo predomínio de pequenas propriedades camponesa e a citricultura tem se mostrado importante atividade econômica como estratégia camponesa para a permanência na terra. Palavras-chave: monopolização do território, camponeses, resistência, citricultura. ABSTRACT Within the contradictory development of capitalism it’s possible to notice the recreation of the the peasantry. In this sense, the reflections in this text are dedicated to an attempt at understanding how the peasant’s economy is linked to the capitalist economy and contradictorily reproduces itself through the concept of monopolization of the territory through the capital. To achieve that, the northwest region of the São Paulo state was taken, specifically the microregion of Jales. This region’s land structure is marked by the prevalence of small properties of peasants, the citriculture has been important as an economy activity’s strategy of the peasants to remain in the land. Key words: monopolization of the territory, peasants, resistence, citriculture. INTRODUÇÃO Compreender a reprodução social camponesa, como parte integrante/coexistente à economia capitalista, pressupõe, de antemão, algumas reflexões conceituais. Inicialmente, é importante destacar que não é competência deste trabalho pormenorizar os debates teórico- metodológicos tocantes aos estudos agrários, cuja importância e densidade das reflexões exigiriam um estudo de maior fôlego. No entanto, isso implica reconhecer que é nos estudos agrários de Chayanov que os caminhos possíveis da existência social camponesa encontra sua base de sustentação (PAULINO; ALMEIDA, 2010, p. 15). Também, faz-se necessário saber que “entendemos o campesinato como uma classe social e não apenas como um setor da economia, uma forma de organização da produção ou um modo de vida” (MARQUES, 2008, p.58). Posteriormente, por compreendera (re)criação do campesinato como produto do desenvolvimento desigual e contraditório do capitalismo no campo, faz-se necessário recorrer ao conceito de monopolização do território pelo capital e, destarte, à discussão da sujeição da renda da terra camponesa. Em conformidade com Oliveira (1986; 2007; 2010), entende-se que o processo de reprodução ampliada do capital ocorre de modo desigual e contraditório, considerando que, para se reproduzir, o modo de produção capitalista cria, recria, e domina relações nãocapitalistas de produção. O processo de subordinação das relações não-capitalistas de produção se dá, no caso da agricultura, pela sujeição da renda da terra ao capital na circulação, sujeitando a produção à circulação. A (re)criação do campesinato é exemplo das contradições do desenvolvimento do capitalismo no campo, pois embora não faça parte da lógica desse sistema, a renda da terra proveniente da produção agrícola camponesa acaba submetida ao capital monopolista no momento da comercialização, que sob seu domínio, converte-a em capital. É o processo de sujeição do campesinato que está em marcha, uma sujeição que se dá sem que o trabalhador seja expulso da terra, sem que se dê a expropriação de seus instrumentos de produção. [...] Agora, se está diante de um processo distinto na agricultura: o processo de sujeição da renda da terra ao capital. Esse é o mecanismo básico do processo expansão do capital no campo. Esse processo se dá quer pela compra e venda da terra, quer pela subordinação da produção camponesa. (OLIVEIRA, 2007, p.12). A esse respeito, Fabrini (2007, p.16) acrescenta que, diferentemente dos operários assalariados, os camponeses são parte integrante de uma dinâmica produtiva que transfere renda da terra para os setores capitalistas, e não necessariamente mais-valia. Isso porque é pela circulação de mercadorias que os camponeses se inserem na dinâmica produtiva, momento em que sua produção adquire caráter mercadológico, sendo inserida nas relações de trocas locais, nacionais e até mesmo internacionais. Neste sentido, as reflexões seguintes dedicam-se à tentativa de compreender, por meio do conceito de monopolização do território pelo capital (OLIVEIRA, 1986; 2007; 2010), como a economia camponesa vincula-se à economia capitalista, processo que, contrapondo-se à lógica da reprodução ampliada do capital, possibilita a (re)criação social do campesinato. Para tanto, fora selecionada como recorte espacial a Região Noroeste do Estado de São Paulo, especificamente a Microrregião Geográfica de Jales1, cuja estrutura fundiária é marcada pelo predomínio de pequenas propriedades camponesas, nas quais a fruticultura destaca-se entre as demais atividades agrícolas (NARDOQUE, 2007). CITRICULTURA NO BRASIL: BREVES CONSIDERAÇÕES Atualmente o Brasil é o maior produtor mundial de laranja, destacando-se entre os principais países exportadores de suco concentrado e congelado da fruta. O Estado de São Paulo, por sua vez, lidera o ranking da produção nacional, gerando cerca de 80% da renda do setor em 2006(LOPES, 2009, p. 10-12).A citricultura consiste, portanto, em importante atividade agrícola para o país, sobretudo para o Estado de São Paulo, pois, segundo a Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade (INVESTE SP), foi responsável por mais de 28,8% do total de laranja produzida no mundo em 2012. Segundo Welch e Fernandes (2008), até início da década de 1960, a produção paulista de laranja era basicamente destinada ao mercado doméstico de “suco fresco”. Somente a partir de 1962 foi que a atividade citrícola do Estado começou a ser reorganizada, objetivando sua exportação para o mercado estadunidense, haja vista que, naquele ano, uma forte geada comprometeu a produção do Estado da Flórida, a maior daquele país, abrindo caminho para a entrada do produto brasileiro. Desde então, o Brasil e, principalmente, o Estado de São Paulo, tornou-se alvo de investimentos de ambiciosas empresas norte-americanas, e com a assistência técnica e financeira por elas oferecidas, “iniciou-se o processo de industrialização do suco concentrado e a exportação para os EUA”. (WELCH; FERNANDES, 2008, p. 178). Contudo, foi apenas em 1989, por razão de outra geada que abateu os pomares floridianos, que, pela primeira vez, a importação de suco concentrado brasileiro ultrapassou a capacidade de produção da Flórida, correspondendo a mais da metade do suco consumido nos Estados Unidos. O agronegócio da laranja consolidou-se na década de 1990, concomitantemente à concentração do poder de negociação nas mãos de grandes empresas 1 O conceito aqui empregado de Microrregiões Geográficas é utilizado pelo IBGE para regionalizar o Brasil. A MRG de Jales abrange um total de 23 municípios, sendo eles: Aparecida d’Oeste, Aspásia, Dirce Reis, Dolcinópolis, Jales, Marinópolis, Mesópolis, Nova Canaã Paulista, Palmeira d’Oeste, Paranapuã, Pontalinda, Populina, Rubinéia, Santa Albertina, Santa Clara d’Oeste, Santa Fé do Sul, Santa Rita d’Oeste, Santa Salete, Santana da Ponte Pensa, São Francisco, Três Fronteiras, Urânia e Vitória Brasil. processadoras de suco, resultando na diminuição da participação camponesa no processo produtivo (WELCH; FERNANDES, 2008, p. 174-9). Como assegura Neves (2010), o Brasil exporta 98% de sua produção de laranja, correspondendo a 3/5 do suco consumido no mundo. Das 278,9 milhões de caixas de laranja de 40,8 quilos estimadas para a safra 2015/16 para São Paulo e Triângulo Mineiro, a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos (CitrusBR) estima que apenas 30 milhões de caixas serão absorvidas pelo mercado interno para o consumo de frutas in natura, sendo as 248,9 milhões de caixas restantes destinar-se-ão para processamento(REVISTA CITRUSBR, 2015, p. 31). No entender de Lopes (2009): a citricultura tornou-se uma commodity, cujos preços são determinados pelo mercado internacional de suco concentrado de laranja e a sua dinâmica não mais depende de decisões dos produtores, senão do setor industrial, ao qual está umbilicalmente ligada e, mais que isso, de forma subordinada. (LOPES, 2009, p. 70). Sob os ditames do agronegócio, a produção nacional de laranja passou a ser articulada de forma a atender aos interesses do grande capital, representado pelas indústrias processadoras de suco. Apesar de seu reduzido número, essas empresas monopolizaram o mercado da laranja e drenaram grande parte da renda gerada pelo setor, subjugando os produtores aos seus interesses, principalmente os do tipo camponês. Como assegura Oliveira (2010, p. 41), apenas duas empresas (a saber, CUTRALE e CARGILL) controlam aproximadamente 80% da produção de laranja do Estado de São Paulo, configurando um monopólio que tem permitido o controle dos preços da fruta, tanto ao produtor quanto ao consumidor. Comparando a soma da área ocupada pelo plantio de laranja nos municípios que compõe a Microrregião Geográfica de Jales, em 1996 e 2008, – segundo dados do Levantamento Censitário de Unidades de Produção Agrícola do Estado de São Paulo (LUPA)2 –, nota-se claramente o progressivo aumento, como já mencionado por Melo (2012). Para ser mais preciso, em 1996 a área ocupada por pomares de laranja, nos 23 municípios, 2 O LUPA segue as regiões dos Escritórios de Desenvolvimento Regional (EDR). Tratam-se de recortes estabelecidos pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), entidade ligada a Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) do Estado de São Paulo, que difere-se da regionalização estabelecida pelo IBGE. O EDR de Jales abrange 22 municípios, cuja área territorial total é de 311.733,2 ha., e é composto pelos municípios de Aparecida d'Oeste, Aspásia, Dirce Reis, Dolcinópolis, Jales, Marinópolis, Mesópolis, Nova Canaã Paulista, Palmeira d'Oeste, Paranapuã, Pontalinda, Rubinéia, Santa Albertina, Santa Clara d'Oeste, Santa Fé do Sul, Santana da Ponte Pensa, Santa Rita d'Oeste, Santa Salete, São Francisco, Três Fronteiras, Urânia e Vitória Brasil. Optou-se, então, pela regionalização IBGE e pelo uso dos dados da CATI, por serem, neste momento, mais atualizados em relação aos do IBGE, No caso, os dados referentes ao município de Populina, integrante da MRG de Jales, foram retirados de outro EDR, o de Fernandópolis. totalizavam 14.191,60 hectares, enquanto em 2008, essa área saltou para 17.852,80 hectares, ou seja, aumento de 3.661,20 hectares em 12 anos. É importante mencionar que os cálculos utilizados para se chegar ao resultado, acima apresentado, representam o conjunto de municípios que compõe a Microrregião de forma homogênea, o que não significa dizer que, na realidade singular de cada um dos municípios, se observa o mesmo fenômeno, como se observa na figura 1. Figura 1 - Microrregião Geográfica de Jales (SP): área cultivada com laranja (HA) – 1996 e 2008. 3,000.00 2,500.00 1996 2,000.00 2008 1,500.00 1,000.00 500.00 Vitória Brasil - SP Urânia - SP Três Fronteiras - SP São Francisco - SP Santa Salete - SP Santa Rita d'Oeste - SP Santana da Ponte Pensa - SP Santa Fé do Sul - SP Santa Clara d'Oeste - SP Santa Albertina - SP Rubinéia - SP Populina - SP Pontalinda - SP Paranapuã - SP Palmeira d'Oeste - SP Nova Canaã Paulista - SP Mesópolis - SP Marinópolis - SP Jales - SP Dolcinópolis - SP Dirce Reis - SP Aspásia - SP Aparecida d'Oeste - SP 0.00 Fonte: LUPA, Levantamento censitário de unidades de produção agrícola do Estado de São Paulo. Observa-se que, embora preponderante número (16) dos municípios tenha registrado aumento na área ocupada pelo cultivo da laranja, em outros (7) ocorreu redução. Neste momento, torna-se evidente que os números e as estatísticas não dão conta, por si só, de explicar o complexo movimento da realidade. Poder-se-ia especular, criar hipóteses, tentar associar a diminuição da atividade citrícola nesses municípios com o aumento de determinadas atividades que se expandiram no mesmo período, configurando a substituição de cultivos. Ainda assim, poder-se-ia não chegar a resultados significativos, ou mesmo coerente com a realidade. Pela complexidade do tema e, também, pelas especificidades da Microrregião, faz-se necessário o trabalho de campo, reservado a umas das etapas futuras da pesquisa de mestrado em andamento3. O DOCE AMARGO DA LARANJA: RESISTIR PARA EXISTIR E A LUTA CAMPONESA PELA PERMANÊNCIA NA TERRA Em conformidade com as colocações de Welch e Fernandes (2008, p. 164-8), acreditase na existência de citricultores camponeses, realizando todas as etapas do trabalho exigido durante a produção de laranjas, utilizando-se apenas o trabalho familiar, portanto não remunerado; e citricultores capitalistas, que contratam toda a mão de obra a ser utilizada durante o processo produtivo, seja ela assalariada ou diária; e também as processadoras de suco, que territorializam o capital no campo ao produzirem parte dos frutos a serem processados em pomares próprios. Para os autores, “o campesinato não é parte integrante do agronegócio. Ele é subalterno a este modelo de desenvolvimento, pelo fato de não possuir poder para impor outro modelo na correlação de forças com o capital” (WELCH; FERNANDES, 2008, p.164). Não descartando a existência de relações capitalistas de produzir, pode-se dizer que a produção citrícola da Microrregião de Jales é predominantemente camponesa. De acordo com Nardoque (2002; 2007; 2014), a configuração fundiária da microrregião é marcada pelo predomínio das pequenas propriedades camponesas, sendo a maioria delas ocupada por agricultores camponeses, característica que, segundo o autor, possibilita melhor distribuição da riqueza, garantindo melhor qualidade de vida à população nela existente. Melo (2012), ao estudar as formas de resistência camponesa, na contramão da expansão canavieira nesta microrregião, constatou que a produção de laranja constitui importante atividade que, ao lado de outras, contribui para a permanência dos camponeses no campo. Tabela 1 – MRG de Jales: número e área ocupada pelos estabelecimentos em 1960 e1995/6 e os imóveis rurais – 2003. Ano Grupos de área (ha) - 100 100 - 500 500 - 1.000 + 1.000 Total 1960 Nº % Área 13.135 98,03 153.623 215 1,61 43.661 29 0,22 21.413 19 0,14 57.749 13.398 3 276.436 Monopolização do território pelo capital e resistência camponesa: as contradições pela citricultura no noroeste paulista. Projeto filiado ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul / UFMS-CPTL - Três Lagoas – MS, sob orientação do Professor Doutor Sedeval Nardoque. 1995/6 2003 % 55,58 23,54 7,75 20,89 Nº % Área % Nº % Área % 7.883 93,01 167.210 48,15 9.234 94,48% 170.653,8 51,06% 518 6,11 103.945 29,92 477 4,88 98.916,97 29,59 45 0,53 32.121 9,25 38 0,38 25.022,3 7,48 29 0,34 44.031 12,67 24 0,24 39.611,8 11,85 8.475 347.307 9.773 334.204,87 Fonte: IBGE - Censo Agrícola de 1960 e Censo Agropecuário de 1995/6. INCRA – Sistema Nacional de Cadastro Rural, 2003. Apud NARDOQUE, 2007, p. 240. A autora indica um aumento progressivo na produção de laranja nos últimos anos, destinada, em sua maioria, ao abastecimento do mercado interno (popularmente denominada entre os citricultores de “laranja de mesa”). Segundos informações de alguns produtores, aproximadamente 20% da produção, que não consegue atingir o padrão de qualidade exigido pelo mercado, é destinado às indústrias processadoras de suco (MELO, 2012, p. 138). A venda dos frutos in natura para o abastecimento do mercado interno é uma das estratégias utilizada pelos camponeses para driblar o monopólio da indústria de suco concentrado, pois geralmente oferece maiores rendimento, o que tem possibilitado sua permanência na terra. De toda forma, a subordinação da renda da terra camponesa ocorre diante dos “compradores” de laranja, nome dado aos atravessadores, geralmente proprietários de barracões que intermediam a comercialização com redes de distribuição em vários centros consumidores do país. Ainda, a produção de laranja para o consumo in natura depara-se com outros entraves.Uma das dificuldades encontradas durante a produção de laranja, voltada ao abastecimento do mercado interno, são os maiores custos de produção, se comparada com a produção destinada à indústria. Para atingir o padrão de qualidade exigido pelo mercado, os cuidados com a estética dos frutos impõe aos produtores a necessidade de maior uso de fertilizantes e agrotóxicos, elevando, assim, os custos da produção. Também, nos últimos anos, as plantações de laranja no Estado de São Paulo sofreram com problemas fitossanitários, destacando-se doenças como o greening e o cancro cítrico, que têm levado muitos produtores (sobretudo os pequenos e médios) a não renovarem seus pomares e quando não, erradicandoos. Neste cenário, destacam-se as políticas adotadas pelo poder público para o controle de tais doenças, a exemplo da rígida legislação de combate ao cancro cítrico que vigorou no Estado durante determinado período, que além de exigir a erradicação das plantas contaminadas e das demais contidas em um raio de 30 metros, também chegou a proibir o plantio de citros nas áreas erradicadas por um período de 24 meses (REIS, 2008). Como asseguram Welch e Fernandes (2008, p. 184), as políticas públicas também fazem parte dos sistemas de dominação utilizados pelas processadoras de suco para obter o controle quase que absoluto sobre os citricultores. Estas políticas afetaram especialmente os pequenos proprietários, muitas vezes obrigados a eliminarem proporções de seus pomares correspondentes a mais da metade da área plantada, desestabilizando, consequentemente, toda a economia familiar, pois a diminuição da produção suscita a diminuição dos rendimentos. Analisando as resoluções da Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo dos anos 2000 e 2013, observa-se o abrandamento nas políticas de controle do cancro cítrico. Enquanto a primeira exigia a eliminação da planta ou plantas contaminadas e das demais contidas num raio mínimo de 30 metros, por serem consideradas suspeitas de contaminação, a segunda prevê, como método de controle, apenas a eliminação da planta contaminada pela doença, devendo as demais plantas contidas no raio suspeito de contaminação, serem pulverizadas com os agrotóxicos especificados. Todavia, a ação do Estado no campo é demais violenta. Além da elaboração de políticas públicas de controles de doenças fitossanitárias, não se pode deixar de mencionar a agressividade do Estado durante a definição de preços mínimos, muitas vezes incompatíveis com os custos de produção. Até mesmo quando se ausenta, faz-se entender que a não-ação do Estado é um ato conivente com as relações de mercado predatórias. Sobre o assunto, Paulino (2003, p. 275) acrescenta que os baixos preços dos alimentos básicos que compõe a mesa dos brasileiros “não são um fato isolado, mas que se articulam a um processo de desvalorização social dos agentes dessa produção, perpetuado pela sistemática transferência de renda a outros setores da sociedade”. Apesar das dificuldades encontradas para se manterem na terra como citricultores, muitos camponeses, proprietários na Microrregião de Jales, têm resistido à proletarização e à possibilidade de arrendarem suas terras para o plantio de cana-de-açúcar, pois “o sítio não é apenas terra de rendimento, é também terra de trabalho, de vida. Um bem de valores simbólicos que precisa ser preservado” (MELO, 2012, p. 217). Neste caso, além do constante embate contra o capital monopolista, estes camponeses também enfrentam as investidas da indústria sucroalcooleira, instalada em Santa Albertina, um dos municípios da Microrregião, agindo para expandir e promover a territorialização do capital4. Mapa 1 – Microrregião Geográfica de Jales: unidades de produção de laranja em 2008. Por tais motivos, o campesinato brasileiro não deve ser entendido apenas como subalterno ao capital, mas como classe constituída por sujeitos que lutam pela terra diariamente, em duas frentes, como assegura Oliveira (2007, p.135): “uma para entrar na terra, para se tornarem camponeses proprietários, e em outra frente, lutam para permanecerem na terra como produtores de alimentos fundamentais à sociedade brasileira.” Lutam também para superar os momentos de dificuldades, decorrentes das investidas do capital no campo. As colocações de Marques (2008, p.59) são claras nesse sentido: “o campesinato se caracteriza por uma organização social específica que ora serve aos interesses capitalistas, ora lhes é contraditória. O modo de vida camponês apresenta simultaneamente uma relação de subordinação e estranhamento com a sociedade capitalista”. Neste sentido, Melo (2012, p. 113) acrescenta que, “depois de imperar, soberana, nas regiões de ocupação mais antiga do Estado, onde antes se encontravam grandes fazendas do ciclo do café, os empresários do setor sucroalcooleiro não encontram outra opção que expandir seu Império [...] arremessar-se para a última franja da fronteira agrícola, o Oeste Paulista, disputando espaço com um território tomado por pequenas propriedades.” 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Assiste-se, então, na Microrregião de Jales, um duplo processo: o de expansão do capital no campo, via territorialização, no caso da indústria sucroalcooleira, e de monopolização do território pelo capital, tocante à citricultura (além de outros produtos oriundos da produção camponesa). Contudo, apesar da existência de ambas as formas apropriação da renda da terra no espaço estudado, observou-se a ampliação da área plantada de laranja na maioria dos municípios, conforme sugerem os dados da figura 1, e a manutenção da estrutura fundiária (Tabela 1). Neste sentido, compreende-se, contraditoriamente, a resistência camponesa às investidas do capital e a luta desses sujeitos pela permanência na terra. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. (Re) criação do campesinato, identidade e distinção: a luta pela terra e o habitus de classe. São Paulo: UNESP, 2006. FABRINI, João Edmilson. A resistência camponesa para além dos movimentos sociais. Revista Nera, n.11, ano 10, Presidente Prudente, jul./dez. 2007. LOPES, Eliano Sérgio Azevedo. O gosto amargo da fruta: crise na citricultura sergipana e (des) organização dos produtores. 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