GESTÃO URBANA E REGULAÇÃO SOCIAL - joinpp

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UFMA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍCAS PÚBLICAS
QUESTÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO SÉCULO XXI
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GESTÃO URBANA E REGULAÇÃO SOCIAL:
políticas de habitação popular em Fortaleza e em Recife
Eliana Costa Guerra*
RESUMO
Este atigo versa sobre a problemática da habitação popular em duas grandes
cidades Nordeste brasileiro: Fortalezra e Recife. O objetivo é analisar as
mudanças engendradas por estas políticas tanto com relação aos modos de
gestão social urbana, quanto às modalidades de negociação das políticas
públicas no contexto contraditório de democratização e de ajuste do Estado
Brasileiro à nova ordem do capital. Constatamos que as políticas de
habitação, mais do que responder a reivindicações legítimas das populações
urbanas, revelam-se importante mecanismo de regulação social, em
particular, em momentos de maior intensidade dos movimentos sociais.
Palavras-Chave: habitação popular – cidades brasileiras – gestão urbana
ABSTRACT
This article talks about popular habitation issues in two major cities of the
Brazilian Northeast: Fortaleza and Recife. The aim is to analyze the changes
produced by these policies relating to the social urban management ways and
the modalities of public policies negotiation in the contradictory context of
democratization and the adjustment of the Brazilian state to the new share
capital order. We, then, notice that the habitation policies not only answer the
legitimate complaints of the urban populations, but show themselves as an
important social regulation mechanism, particularly, in times of higher social
activity intensity.
Key words: popular habitation, Brazilians cities, social urban management
1 INTRODUÇÃO
Dados do censo de 2000 confirmam que 81,2% da população brasileira vive nas
cidades e se concentra, sobretudo, nas áreas metropolitanas1. O crescimento da população
urbana se traduz, dentre outros, no aumento das zonas de habitação precária e de favelas.
Entre 1991 e 2000, 157 novas favelas foram recenseadas em Fortaleza, cerca de 612 em
São Paulo e 513, no Rio de Janeiro. No ano de 2000, o orçamento do Estado viabilizado
pela Caixa Econômica Federal possibilitou a construção de 413 000 novas moradias
populares, enquanto que o déficit habitacional brasileiro anunciado naquele ano era de mais
de 5 milhões de unidades compreendendo, em particular, famílias com rendas inferiores a
*
Professora Doutora. rofessora Adjunta a UFRN. professora Adjunta a UFRN.
No Brasil, a definição de população urbana tem sido objeto de intensos debates. O IBGE adota a terminologia
“entidades geográficas consideradas urbanas” em seu processo de recenseamento da população brasileira,
considerando como urbana toda pessoa que vive nestas entidades geográficas, desconsiderando
especificidades de modo de vida, existência de infra-estrutura e serviços urbanos, características da economia
local, etc. Para efeito deste artigo, adotamos os dados do IBGE, sem entrar nas polêmicas sobre a definição de
população urbana e rural nem sobre os métodos de recenseamento empregados no Brasil. Destacamos, todavia,
que existem divergências conceituais que podem nuançar as cifras anunciadas nas pesquisas de população.
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dois salários mínimos mensais (aproximadamente 85% das famílias sem moradia ou
vivendo em condições precárias).
Assim, a moradia continua sendo um problema importante para as populações
urbanas e mais ainda para as camadas populares. Isto se deve, em parte, ao processo de
ajuste estrutural, sobretudo, a partir da década de 1990 que resultou em cortes significativos
dos gastos na área social. Diante da restrição da ação pública e mesmo da retirada do
Estado Federal deste campo especifico de políticas sociais, os municípios são chamados a
dar respostas efetivas a esse déficit. Segundo dados do IBGE, entre 1997 e 1999, 3 760
municípios, dentre os 5 507 existentes à época, tinham desenvolvido projetos ou programas
habitacionais. Este número parece expressivo no cenário brasileiro contemporâneo.
Esta situação levanta certo número de questões com relação às escolhas e às
soluções técnicas adaptadas à complexidade das situações das populações urbanas. Que
ensinamentos podemos tirar das experiências em curso desde o final dos anos 1980, em
particular daquelas realizadas em Fortaleza em Recife? Que bloqueios e que dificuldades
têm aparecido na implementação de políticas de habitação popular em escala local? O
aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão, graças a uma maior participação das
organizações sociais e dos usuários tem resultado em maior eficácia às políticas de
habitação popular? O objetivo de integração urbana das zonas de habitação precária sobre
o qual se apóiam tais políticas reformistas é realizável em uma estrutura tão desigual como
é o caso da sociedade brasileira?
O presente artigo apresenta algumas reflexões realizadas na tese de doutorado
em torno destas questões considerando as evoluções da sociedade brasileira e o papel do
Estado com relação às políticas sociais, com ênfase nesta área específica. Os estudos de
campo concernem o Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social
(PREZEIS), desenvolvido em Recife pelo governo municipal e os programas de mutirões
habitacionais realizados na cidade de Fortaleza. Acrescentamos algumas reflexões relativas
à interface entre o serviço social e a questão da moradia popular, considerando que a
precarização do trabalho nos dias de hoje, o agravamento e a complexificação das
situações de pobreza em nossa sociedade têm reflexos evidentes nas condições de
habitação temas de interesse histórico do serviço social.
2 CONCEPÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS LOCAIS DE HABITAÇÃO
POPULAR
Inicialmente esclarecemos que o PREZEIS é um programa de regularização
fundiária e de urbanização de áreas precárias que tem como objetivo principal contribuir
para a consolidação e a permanência das populações pobres em seus locais de moradia.
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Para tanto, dispositivos legais e urbanísticos sãos previstos no sentido de desapropriar
áreas, mudar a afetação de áreas públicas, viabilizar o estatuto da usucapião urbana, dentre
outros com vistas à legalização da situação fundiária de famílias pobres residentes em áreas
delimitadas como áreas de interesse social (ARAÚJO E COSTA, 1995).
Os dois casos estudados nos permitem confirmar a pertinência das abordagens
e das soluções adotadas a partir de iniciativas organizadas pelo PREZEIS. A política de
regularização fundiária e de urbanização desenvolvida em Recife resulta do reconhecimento
pelo governo municipal de uma necessidade real, expressa em uma reivindicação popular
bem precisa: possibilitar à população das áreas de habitação precária a permanência em
seus locais de implantação através da regularização fundiária destas áreas, mas também
intervir no sentido de melhorar as condições de vida através de ações de urbanização,
saneamento, apoio à melhoria habitacional, dentre outras. As análises realizadas
evidenciam que este reconhecimento não se traduz necessariamente em resultados
concretos à altura das necessidades evidenciadas; nem é objeto de um consenso constante
e durável.
Os programas de mutirão desenvolvidos em Fortaleza, pelo governo estadual e
pelo município, procedem, em um primeiro momento, do reconhecimento de conflitos
fundiários em meio urbano, materializados nas ocupações de terra e nas reivindicações
delas decorrentes (BRAGA, 1995). Em um segundo momento, passam a ser realizados para
apoiar grandes operações de reurbanização, em especial, alargamento, abertura, ampliação
de vias públicas ou a urbanização de áreas com a construção de equipamentos de uso
coletivo, tendo como justificativa a “legalização” da situação das famílias que autoconstruíram suas moradias e que passam a ser transferidas e até mesmo forçadas a
participar de operações de mutirão em bairros, muitas vezes distantes de seu local original
de moradia.
Considerando que a “erradicação” das favelas, com a transferência de seus
moradores gera custos sociais e econômicos consideráveis, o PREZEIS materializa a opção
por políticas de regularização fundiária e de urbanização, que têm dado prova de certa
eficiência, mas que, todavia, apresentam limites.
As políticas de mutirão, por sua vez, têm sido alvo de severas críticas com
relação, especialmente, à exploração da mão-de-obra dos mais pobres ou mesmo ao
“desvirtuamento” de sua razão de ser inicial, com a utilização da simples designação
“mutirão habitacional” para promover a expulsão de famílias de seus locais de moradia sob
pretexto de “modernizar” a cidade, favorecer a melhor circulação, legalizar situações
fundiárias (BRAGA, 1995; BISILIAT, s/a).
Há famílias mais pobres que ainda consideram o mutirão um meio vantajoso de
acesso à moradia. Ressaltamos que o mutirão não se adapta a todas as famílias que têm
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algum tipo de necessidade com relação à moradia. Em alguns casos, a melhoria
habitacional, o investimento em ações sanitárias e a regularização fundiária constituem
necessidades mais prementes.
As políticas habitacionais em questão têm revelado pertinência. Todavia, tal
pertinência se refere unicamente à capacidade dos poderes públicos locais fazer as políticas
coincidirem com as necessidades e demandas dos sujeitos sociais, sendo necessário ainda,
analisar em que medida essas políticas possibilitam a consecução dos objetivos geral e
específicos enunciados. Ora, verificamos que a qualidade das moradias produzidas, das
infra-estruturas realizadas, bem como o alcance das ações têm se revelado bastante
limitados. Ademais, a demanda social tem se confrontado às escolhas dos poderes públicos
em termos de urbanização, de soluções com relação à infra-estrutura e aos serviços
urbanos. Problemas de ordem material, institucional e política constituem os principais
bloqueios para a concretização dos objetivos enunciados, para perenizar ações desta
natureza, dentre os principais problemas citamos: restrições orçamentárias, escolha
políticas favoráveis a outros tipos de política urbana em detrimento das políticas de
habitação popular, peso das estruturas administrativas e dos procedimentos de urbanismo,
de planejamento e de gestão urbana.
Podemos notar que, em Fortaleza, a opção adotada – a construção de novas
moradias – responde parcialmente às demandas sociais, aparecendo como solução única a
demandas bastante variadas de famílias que não reivindicam necessariamente a construção
de moradias.
Em Recife, o PREZEIS tem se revelado uma política mais aberta aos diferentes
aspectos da questão da habitação popular: paralelamente às ações de regularização
fundiária e de urbanização, construção ou reforma de moradias, atividades de formação
profissional, de desenvolvimento econômico local têm sido desenvolvidas. Caso
consideremos que as abordagens adotadas são pertinentes com relação ao objetivo
perseguido
e
que
teoricamente
a
durabilidade
destas
ações
permitiria
atingir
progressivamente tais objetivos, a questão seria então de saber que bloqueios ou
dificuldades dificultam ou distanciam tais políticas de seus objetivos. Ressaltamos que o
objetivo da integração urbana das zonas de habitat precário à cidade está mais claramente
afirmado, no caso do PREZEIS.
A questão da integração das zonas precárias está colocada apenas
secundariamente, nas políticas de mutirão, que visam, sobretudo, promover o direito à
moradia e à cidade através da possibilidade de acesso à moradia (QUEIROZ RIBEIRO,
1996)
Dentre os principais aspectos que pudemos destacar a partir de nossa pesquisa
de campo, citamos:
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ƒ
a questão da perenidade das políticas e dos modos de gestão que as
sustentam;
ƒ
possibilidades e limites de mudanças nas estruturas de gestão
responsáveis pela operacionalização de políticas de caráter; participativo,
ou a relação entre novas modalidades de gestão social urbana
ƒ
os desafios da participação social em políticas urbanas
3 PARA NÃO CONCLUIR - O ALCANCE DAS POLÍTICAS LOCAIS DE MORADIA
POPULAR: ações insuficientes e provisórias nos marcos de sociedade capitalista
É em um cenário complexo marcado pelo agravamento da questão social que
devemos situar a análise dos fundamentos das políticas em pauta. Ora, entre os problemas
urbanos atuais identificados na maioria das cidades brasileiras encontra-se a questão da
coexistência da cidade legal com a cidade real/informal (ROLNIK, 1997; MARICATO, 1997 ).
A idéia de integração urbana que funda, em particular a política do PREZEIS,
mas serve também de referencia às políticas de mutirão aparece como uma via – que
emerge de orientações reformistas – permitindo pensar que através de políticas urbanas
particulares que possibilitaria a integração das zonas de habitat precário à cidade. Esta
integração seria um primeiro nível de inserção na sociedade moderna. Esta integração
suscita, entretanto, muitas ambigüidades. Se a integração dos bairros precários à cidade se
limita à instalação de infra-estruturas de base, de serviços e de equipamentos urbanos e à
regularização fundiária, aspectos sem dúvidas indispensáveis para melhorar as condições
de vida destes moradores, isto não equivale integração social destas populações.
Poderíamos pensar que as políticas de integração urbana constituiriam uma etapa de uma
desejável integração social, em um sentido mais amplo, na medida em que elas visam
melhorar ou facilitar o acesso a certos serviços públicos e a agir sobre as desigualdades
sociais. Todavia, esta integração aparece como uma solução cada dia menos real para a
maior parte da população à qual ela poderia ser aplicada.
Constatamos que o anúncio de políticas de integração urbana risca contribuir
mais uma vez para criar-se a ilusão sobre uma integração mais global à sociedade e sobre o
acesso ao conjunto de condições materiais indispensáveis ao exercício da cidadania.
Enquanto essas condições não são reais para a grande maioria, as estruturas sociais
permanecem inalteradas. Não podemos negar, todavia, e este consiste sem dúvida em um
dos maiores méritos destas políticas, que a perspectiva de integração urbana sobre a qual
se apóiam tem importante efeito mobilizador das forças sociais, tal o caso do PREZEIS e
das políticas de mutirão em determinados momentos. A mobilização e o exercício da
participação no cotidiano destas políticas, com todas as contradições que comportam,
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próprias de nossa formação social, constituem verdadeiros espaços de aprendizagem, de
formação política e, por que não, espaços onde podem geminar novas formas de
sociabilidade (GUERRA, 2000).
Desde a década de 1940, os profissionais do serviço social participaram de
modo efetivo da discussão, do desenho e da implementação de políticas urbanas e, em
particular, de políticas de habitação popular. Em um contexto de agravamento desta
problemática e de abertura de novos campos de exercício profissional no âmbito dos
municípios, estes profissionais não podem ficar à parte dessa discussão. Importante
iniciativa resultou em recente publicação: Política de habitação popular e trabalho social,
que pauta o serviço social no cerne desta temática, resta para nós o desafio!
REFERÊNCIAS
ARAUJO, Adelmo et COSTA Fernanda. Recife : desafios da participação popular no
PREZEIS, Revue Proposta : movimentos populares urbanos, décembre 1995, n° 67,
Année 23, Rio de Janeiro : FASE, p. 48-51.
BISILIAT, Jeanne. La construction populaire au Brésil, Une expérience à São Paulo.
Paris : KARTHALA-ORSTOM, 175 p.
BRAGA, Elza. Os labirintos da habitação popular - conjunturas, programas e atores,
Fortaleza : Ed. Fundação Demócrito Rocha, 1995.
GOMES, Maria de Fátima Cabral Marques e PELEGRINO, Ana Izabel de Carvalho Política
de habitação popular e trabalho social, Rio de janeiro: DP&A
GUERRA, Eliana. Démocratie locale, gestion urbaine et décentralisation : réflexions à partir
de l'expérience du budget participatif de Porto Alegre. Décentralisations : entre dynamiques
locales et mondialisations (Séminaire de Recherche), 21 avril 2000, Paris: GEMDEV, 8 p.
miméo.
KOWARICK Lúcio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro : Ed. Paz e Terra,1993, 207 p.
MARICATO, Ermínia. Contradições e avanços da Habitat In Habitar Contemporâneo –
novas questões no Brasil dos anos 90, SOUZA GODILHO Angela (org), Salvador : UFBA:
Faculdade de Arquitetura, Mestrado em Arquitetura e Urbanismo, CADCT, LAB-HAB, 1997,
p. 21-37.
QUEIROZ RIBEIRO, Luiz César et AZEVEDO, Sérgio. Produção da moradia nas grandes
cidades : dinâmicas e impasses, A crise da moradia nas grandes cidades – da questão da
habitação à reforma urbana, Rio de Janeiro : Ed. UFRJ, 1996.
ROLNIK, Raquel. Brasil e o Habitat In Habitar Contemporâneo – novas questões no Brasil
dos anos 90, SOUZA GODILHO, Angela (org.), Salvador : UFBA (Université Fédérale de
Bahia) : Faculté d'Architecture, Mestrado en Architecture et Urbanisme, CADCT, LAB-HAB,
1997, p. 51-58.
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