Síntese das Resoluções do Encontro Nacional Rumo à Conferência Nacional das Cidades, uma outra cidade é possível A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da República abre uma possibilidade histórica para o Brasil. Podemos concretizar mudanças sociais e políticas que permitam à sociedade brasileira romper definitivamente com seu caráter oligárquico e autoritário, construindo uma verdadeira democracia. A criação do Ministério representa, de um lado, o fato de o novo governo assumir a questão urbana como uma das principais vertentes da questão social brasileira, e de outro, a vontade de tratar de forma integrada os problemas urbanos, superando a histórica setorialização das políticas de habitação, saneamento, transporte e mobilidade. Na atual conjuntura, o Fórum Nacional de Reforma Urbana sabe que seu papel pode ser decisivo para garantir mudanças profundas, que estejam em sintonia com o interesse das maiorias. Desta forma, defendemos que as conferências municipais, estaduais e federal da cidade sejam o espaço para se discutir as estratégias para construção de um novo modelo de gestão da cidade, promotor de justiça social e democracia, bem como promotor da dignidade humana e da solidariedade (independentemente da origem social, regional ou geográfica, credo, geração, opção sexual, gênero e restrições de habilidades), e as estratégias para enfrentar os modelos excludentes e segregacionistas de cidades, tais como o neoliberal. Assim, apresentamos: Nova Plataforma para uma Nova Política de Desenvolvimento Urbano 1. Diretrizes Gerais da Política Urbana Promoção do direito à cidades sustentáveis entendido como direito à terra urbana urbanizada, à moradia, à saúde, a educação, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, trânsito seguro, direito ao transporte público de qualidade, à infra-estrutura e aos serviços e equipamentos urbanos de qualidade, o acesso ao trabalho, cultura e lazer, para as presentes e futuras gerações. Garantir o direito de toda pessoa à igualdade e à equidade enquanto beneficiário de políticas e programas públicos federais, sem distinção de raça, cor, origem nacional ou étnica, opção sexual e gênero, o que implica na tomada de ações positivas do Estado em proibir e eliminar a discriminação quanto ao desfrute dos direitos humanos, em particular dos direitos econômicos, sociais e culturais. Articulação e integração das políticas urbanas com políticas de inclusão social como a universalização da assistência técnica e jurídica. A implementação imediata do Estatuto da Cidade por todos os níveis de governo, no âmbito de suas competências. Mudança da política econômica, com o desenvolvimento de um novo projeto de desenvolvimento nacional, gerador de empregos e promotor da integração social. Articulação e integração das políticas locais com políticas regionais e nacionais. Tornar a função social da propriedade em eixo de uma política urbana inclusiva que modifique a nossa realidade pela implementação combinada dos diversos instrumentos de reforma urbana, visando à regulação pública da propriedade privada, à justa distribuição dos custos e benefícios do processo de urbanização, ao reconhecimento da cidade informal, à gestão democrática e ao desenvolvimento sustentável. Apoiar a implementação de política fundiária de ampliação de acesso à terra para famílias de baixa renda, utilizando-se de Zonas Especiais de Interesse Social, revisão da legislação urbanística, Direito de Preempção, Outorga Onerosa do Direito de Construir, Transferência do Direito de Construir, Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios e IPTU Progressivo. Apoiar os Municípios para a gestão local do desenvolvimento urbano através de política e linhas de financiamento de acesso aos recursos públicos, para a construção das bases de informação sobre o território e a capacitação de quadros técnicos. Condicionar o acesso à linhas especiais de financiamento da União aos Municípios e Estados à implementação do Estatuto da Cidade e ao cumprimento da Função Social da Propriedade. Planejar e executar políticas e programas nacionais, habitacionais, de saneamento e de transporte levando devidamente em conta os interesses legítimos das pessoas pertencentes às minorias, tais como os índios, as pessoas portadoras de deficiências físicas e mentais e de necessidades especiais, as comunidades remanescentes de quilombos, as minoriais sexuais, dentre outros. Incluir como requisito para a concessão de financiamentos públicos federais aos Estados, Municípios e cooperativas habitacionais as necessidades especiais das mulheres, afro-descendentes e índios nos programas de habitação, saneamento e urbanização, na proporção adequada para o atendimento da demanda local verificada. 2. Diretrizes Gerais da Gestão Democrática Criação de instâncias participativas e deliberativas de gestão democrática, com participação popular, no nível municipal, metropolitano, de consórcios municipal e regional. A adoção, em todas as esferas de governo, de mecanismos de participação democrática e de repartição de poder, tais como Orçamento Participativo, Conselhos Setoriais, iniciativa popular de leis e projetos, audiências públicas, conferências, etc. Criação do Conselho Nacional das Cidades, com caráter deliberativo, composto na Conferência Nacional das Cidades, e implementação de Conselhos Estaduais e Municipais da Cidade. A garantia da efetiva participação popular na elaboração e execução dos planos diretores e orçamentos municipais, na definição e implementação de uma política urbana e da gestão democrática das cidades. O apoio dos Governos Federal e Estadual aos Municípios e às entidades da sociedade civil com recursos e programas de capacitação para a execução da política urbana integrada, em especial nas regiões metropolitanas. 3. Diretrizes Gerais da Política de habitação A implementação, pelo Governo Brasileiro, de uma política nacional de habitação descentralizada e articulada com os Estados e Municípios, garantindo a todas as pessoas o direito à moradia popular adequada, entendida como aquela dotada de infra-estrutura básica, com acesso a transporte público e a equipamentos públicos de saúde e educação, regularizada, segura, sadia e confortável. Aprovação e implementação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. A articulação de programas habitacionais com programas de inclusão social de saúde, educação, assistência e geração de emprego e renda. O reconhecimento da mulher como chefe de família na implementação da política habitacional mediante a viabilização de programas e a implantação de equipamentos públicos que facilitem a vida cotidiana e contribuam para a sua emancipação social, política e econômica. O reconhecimento da produção social do habitat mediante o financiamento e incentivo às cooperativas habitacionais e aos mutirões para a produção de habitação de interesse social, com garantia da universalização da assistência técnica e material. A viabilização de acesso ao crédito e financiamentos habitacionais para a população de baixa renda, abrangendo todas as etapas do processo produtivo (aquisição de terras; urbanização; universalização da assistência técnica, construção, reforma e ampliação de unidades habitacionais; recuperação de edifícios e habitações multifamiliares; regularização fundiária), adotando-se uma política de subsídios. Ampliação do acesso à moradia mediante o aumento da oferta de novas unidades, produção de lotes urbanizados e revitalização de áreas centrais degradadas. Promoção de uma verdadeira Reforma Agrária que possibilite aos produtores rurais as reais condições para produção e para permanência no campo. 4. Diretrizes para a Urbanização, Regularização Fundiária e Integração dos Assentamentos Urbanos Precários Financiar e repassar recursos para Estados e Municípios, desenvolverem projetos de urbanização de assentamentos precários (favelas, ocupações, cortiços, mocambos, loteamentos irregulares, etc.), que melhorem sua condição de habitabilidade, propiciem segurança e reconhecimento dos direitos fundiários, erradiquem riscos, garantam a mobilidade urbana e promovam a inclusão social e integração destes assentamentos ao tecido urbano da cidade, de forma sustentável. Estimular os Estados e Municípios a reconhecerem os programas de urbanização e regularização fundiária como parte integrantes das políticas estaduais e municipais de habitação. Criar mecanismos que barateiem os custos registrais dos títulos decorrentes de programas e ações de regularização fundiária. Apoiar os Estados e Municípios na constituição e capacitação de equipes permanentes para a promoção de programas de urbanização e regularização fundiária de assentamentos precários. Apoiar os Estados e Municípios na constituição de sistema de informações voltados para programas de urbanização e regularização fundiária e na constituição de programas e equipes de fiscalização e controle, visando evitar novas ocupações. A promoção da regularização fundiária das áreas públicas da União, Estados e Municípios ocupadas por população de baixa renda, mediante a prestação de assistência jurídica e técnica gratuita e a aplicação da concessão especial para fins de moradia como instrumento de cumprimento da função social da propriedade pública. Estimular os Estados e Municípios a promoverem programas de incremento da renda da população beneficiária com programas de urbanização e regularização fundiária, como estratégia de permanência do público alvo. Agilizar os processos de transferência de áreas públicas federais destinadas a programas de urbanização e regularização fundiária para os Estados e Municípios. 5. Diretrizes Gerais da Política de Saneamento Ambiental Ao Executivo Federal cabe definir a Política Nacional de Saneamento Ambiental, articulada intersetorialmente, integrando e potencializando as ações dos três níveis de governo, que estabeleça no plano nacional objetivos, prioridades, diretrizes e padrões e desenvolva os instrumentos para sua implementação e avaliação. Os serviços de saneamento ambiental são, por competência constitucional, de interesse local e o Município é o seu titular, responsável pela sua organização e prestação, podendo fazê-lo diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, associado com outros municípios ou não. Considerar saneamento como serviço público essencial à promoção e proteção da saúde, portanto como política social e não como negócio. Promover a universalização do acesso e elevação progressiva da qualidade dos serviços prestados, priorizando o atendimento às famílias de baixa renda localizadas nas periferias das metrópoles brasileiras e nos municípios de pequeno porte. Promover a gestão integrada e sustentável da política de saneamento ambiental, compreendendo o abastecimento de água em condições adequadas; a coleta, o tratamento e a disposição adequada dos esgotos, resíduos sólidos e emissões gasosas; prevenção e controle do excesso de ruídos; a drenagem de águas pluviais e o controle ambiental de vetores e reservatórios de doenças, com a finalidade de promover o direito à cidade. Descontingenciar o acesso das empresas e autarquias públicas aos recursos financeiros do FGTS para investimentos em saneamento ambiental, submetidos a mecanismos eficazes de participação e controle social. Instituir o Fundo Municipal de Saneamento Ambiental. Retirar do Congresso Nacional o PL 4.147/01 (Política Nacional de Saneamento) e o PL 203/91 (Política Nacional de Resíduos Sólidos) e seus apensos. Estimular que os serviços de saneamento sejam prestados por órgãos públicos. Envolver a população na gestão dos serviços em todos os níveis (local, regional e nacional) e implementar mecanismos de controle social apoiados na participação popular. Estimular o tratamento e a destinação final adequados dos resíduos sólidos, erradicar os lixões e recuperar ambientalmente as áreas degradadas pela deposição inadequada do lixo urbano. Promover a inserção social dos catadores de lixo como agentes econômicos e ambientais, incentivando programas de capacitação técnica e de organização cooperativa. 6. Diretrizes Gerais da Política de Transportes Públicos e da Mobilidade Urbana Constituir uma Política Nacional de Mobilidade Urbana centrada no transporte público, no transporte não motorizado (a pé e bicicleta), na Paz no Trânsito e que restrinja o acesso dos automóveis nos corredores de transporte coletivo e nos centros urbanos. Concretizar uma alteração de paradigma rompendo com a política de privilégio ao uso do automóvel, implementando ações de disciplinamento de seu uso e garantindo prioridade no trânsito ao transporte público e pedestre. Criação de Fundos Municipais, Estaduais e Nacional destinados a investimentos na melhoria do sistema, redução de tarifas e cobertura de gratuidades. Universalização do acesso ao transporte público entendido como serviço público essencial com o barateamento da tarifa e com inclusão dos excluídos economicamente, garantindo o acesso a veículos e terminais às pessoas portadoras de deficiência e de mobilidade reduzida. Para reduzir os preços das tarifas, o transporte público deve ser tratado como um item da cesta básica, no que diz respeito à tributação considerando que 37 milhões de pessoas são excluídas dos serviços de transporte. Garantir a implantação de sistemas de transporte de massa de grande e média capacidade (metrôs e ônibus em corredores próprios) com qualidades urbanísticas e ambientais, através de subsídios públicos aos investimentos de infra-estrutura e que assegurem acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência e de mobilidade reduzida. 7. Diretrizes Gerais da Política de Segurança Pública e de Promoção da Paz nas Cidades É necessário que a segurança pública como uma política pública saia da esfera exclusiva das forças policiais e passe a ser de domínio de toda a sociedade, procurando discutir ações específicas e apontando alternativas a políticas meramente repressivas. Lutar pela Paz e não violência nas cidades como meta a ser alcançada pela Reforma Urbana, como conceito de ação para conquistar direitos, inclusão, transformação emocional, moral e social e não de apaziguamento ou contemporização. Reutilização dos espaços públicos como encontro das diversidades. Desenvolver trabalho preventivo de educação, envolvendo família, jovens e idosos, sem segmentação de tratamento. Criar espaços de convivência social, cultural, de esporte e lazer. Incentivar a articulação das áreas de planejamento e gestão urbana com as áreas de segurança pública. Construir políticas de segurança pública focadas no acesso aos direitos - à cultura, acesso aos bens culturais, memória e valorização dos espaços públicos. Contemplar a dimensão da segurança pública na criação e execução de projetos habitacionais. 8. Diretrizes para a Política Cultural Incorporação dos direitos culturais como aspectos substantivos e fundamentais na formulação de políticas urbanas. As políticas públicas de ordenamento urbano e culturais devem ser integradas de modo a garantir: - a valorização dos espaços urbanos públicos como espaços apropriados ao exercício das atividades humanas em suas complementaridades; - o usufruto e apropriação pelas comunidades do patrimônio cultural arquitetônico, paisagístico e ambiental urbano que pressupõe investimentos públicos e privados na recuperação dos acervos e bens.; - a implementação de ações diversificadas e permanentes, de iniciativa governamental ou da sociedade civil, relativas à memória social de grupos ou de segmentos sociais com especial ênfase à reconstituição de histórias de vida, de bairros, conflitos, disputas, conquistas, etc; - apoio e fomento às iniciativas, governamentais ou não, de descentralização de manifestações e bens culturais e artísticos diversos tais como cinema, espetáculos de teatro e música, circos, bibliotecas, etc. Expediente O Fórum Nacional de Reforma Urbana - FNRU é uma articulação de atores sociais e rede de parceiros que tem por objetivo desenvolver políticas públicas e discutir estratégias para a construção de um novo modelo de gestão da cidade que promova a justiça social e a democracia. Coordenação Nacional do Fórum FASE - Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional - www.fase.org.br MNLM - Movimento Nacional de Luta por Moradia UNMP - União Nacional por Moradia Popular CMP - Central de Movimentos Populares FENAE - Federação Nacional das Associações de Empregados da Caixa Econômica www.fenae.org.br FISENGE - Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenharia - www. fisenge.org.br PÓLIS - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais www.polis.org.br FNA - Federação Nacional de Arquitetos - www.arquitetofna.org.br IBAM - Instituto Brasileiro de Administração Municipal - www.ibam.org.br IBASE - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - www.ibase.org.br CONAM - Confederação Nacional de Associações de Moradores FENEA - Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil www.geocities.com/teiabr/ AGB - Associação Nacional dos Geógrafos do Brasil - www.cibergeo.org/agbnacional/ ANTP - Associação Nacional de Transportes Públicos - www.antp.org.br COHRE Americas - Centre on Housing Rights and Evictions (Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos) - www.cohre.org