Sem feminismo não há agroecologia! Carta das mulheres no ENA

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Sem feminismo não há agroecologia! Carta das
mulheres no ENA
19 de Maio de 2014 por Marcha Mundial das Mulheres Deixe um comentário
Plenária de Mulheres no ENA. Foto: Fabio Caffe
As mulheres inventaram a agroecologia, elas constroem agroecologia assim como suas mães
e avós que a praticavam mesmo sem saber este nome. Mas foi a resistência delas que
garantiu a existência de diversidade de sementes e práticas que hoje permitem que estejamos
aqui e que de outra forma teriam se perdido pela difusão da revolução verde.
As mulheres investem na agroecologia porque para elas a agroecologia está dando certo. Para
dizer isto elas usam critérios que não se referem somente a dinheiro, elas valorizam o
autoconsumo e o fato de suas famílias comerem bem, com qualidade (sem veneno), e que faz
bem para a saúde. Junto com o conhecimento e o plantio de plantas medicinais as mulheres e
seus filhos valorizam que não precisam ir ao médico.
Além do autoconsumo as mulheres querem ter renda. Ter iniciativas econômicas próprias, mas
também que o recurso da venda dos produtos cultivados com o trabalho de todos seja
repartido entre todos. Pois, em geral há uma ideia de que o trabalho é da família, mas o
rendimento é do homem que dá para a mulher porque ele é bom e não porque é direito dela.
Na comercialização, muitas vezes, o produto feito pelas mulheres é vendido com o nome dos
homens, e assim eles que levam a fama de produtores e não a mulher que realmente produziu.
O conflito na gestão do dinheiro é uma expressão da desigualdade de gênero na família. Como
afirma o feminismo, o “pessoal é político”. Então, este é um tema para debater entre nós e nos
espaços dos movimentos. Este conflito se expressa na sociedade, que se baseia numa divisão
sexual do trabalho, quando as mulheres realizam trabalhos considerados de homem e são “mal
vistas”. Queremos quebrar esta barreira e, ao mesmo tempo, que os homens assumam as
tarefas consideradas de mulheres como o cuidado dos filhos e da casa. Também se expressa
na relação com o Estado quando as demandas das mulheres não são consideradas, como, por
exemplo, a ausência de creches no campo e na floresta.
Plenária de mulheres no ENA. Foto: Fabio Caffe
A violência contra as mulheres é a expressão mais dura deste conflito. Começamos a plenária
das mulheres do III Encontro Nacional de Agroecologia nos indignando com o assassinato de
uma companheira assentada do norte do Rio de Janeiro, e também lembramos de Ana Alice do
Polo da Borborema.
A violência sexual e o assassinato de mulheres no campo e usada como forma de
desestruturar as comunidades e abrir caminho para a ofensiva capitalista de pressão sobre os
territórios.
Companheiras que vivem em comunidades de Fundo de Pasto, em áreas que se tornaram
unidades de conservação, em áreas ameaçadas pelo agronegócio demonstram que o Estado
não faz frente a esta ofensiva. O direito à terra e ao território é condição para a agroecologia.
As mulheres conquistaram a titulação conjunta, mas para que esta conquista seja real é
preciso ter reforma agrária. Não só o projeto de assentamento e regularização fundiária, mas
enfrentar a concentração de terras resgatando as terras que está nas mãos do agronegócio
para
entregá-las
a
agricultoras
e
agricultores
familiares
e
agricultura
camponesa
agroecológicas.
As mulheres denunciaram o controle das sementes pelas transnacionais e os transgênicos.
Esta pressão sobre os territórios se expressa também no corpo das mulheres. A violência, a
prostituição em torno das grandes áreas de monocultivo e mineração, a medicalização das
fases da vida da mulher, e na imposição de um padrão de beleza que considera que as
mulheres com as mãos calejadas e a pele queimada não são bonitas.
Foram trazidas demandas em relação ao Estado, comemorada as conquistas, mas lembrado
que muitas delas não se efetivam na realidade cotidiana por muitas barreiras institucionais.
Para além das demandas ao Estado, as mulheres compartilharam estratégias de autonomia
frente às empresas, produzindo semente, água, e combinando autonomia dos territórios com
autonomia das mulheres como pessoas.
O conceito de agroecologia toma forma na luta, na resistência e alternativas das pessoas que a
constroi e que consideram a agroecologia como um modo de vida. Assim os movimentos ao
ser parte deste processo trazem seus aportes, como nós mulheres estamos fazendo nesta
plenária. Por isto não faz sentido o discurso de que enfrentar a desigualdade de gênero é sair
do foco da agroecologia, isto é restringir agroecologia a um conjunto de técnicas fechadas e
com necessidade de uma autoridade que a delimite.
É preciso considerar que entre nós mulheres também existem desigualdades, entre rurais e
urbanas; negras e indígenas e brancas, discriminações em relação a mulheres lésbicas, a
jovens e idosas. É preciso reconhecer, tratar com cuidado para que o protagonismo seja
daquelas que vivenciam as opressão e combater todas as formas de exclusão e desigualdade.
O feminismo tem as mulheres como sujeito organizado e o principio de igualdade é para todas
e todos.
Juazeiro/BA, 17 de maio de 2014.
https://marchamulheres.wordpress.com/2014/05/19/sem-feminismo-nao-ha-agroecologiacarta-das-mulheres-no-ena/
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