Como diagnosticar e tratar Ovários micropolicísticos.

Propaganda
Como diagnosticar e tratar Ovários micropolicísticos.
Lucas V. Machado.
Prof. Titular de ginecologia da Fac. de
Ciências Médicas de M.G.
A rigor, eu não trato ovários micropolicísticos, pois não é uma síndrome e muito
menos uma doença. Ovário policístico é tão somente a expressão morfológica de uma
alteração fisiológica que é a anovulação crônica. Há 35 anos venho insistindo nesta tecla. Se
me perguntarem quantos casos de ovários policísticos encontrei em toda minha vida de
intensa atividade clínica, simplesmente não saberei responder. Não tenho a menor idéia, pois
nunca os procurei. O que procuro é a causa da anovulação(2,3,4,5 ).
Speroff ( 7 ) diz textualmente: “- É melhor considerar esse problema como uma
anovulação persistente, com um espectro de etiologias e manifestações clínicas. Uma questão
que desafiou ginecologistas e endocrinologistas por muitos anos, foi definir o que causa o
ovário micropolicístico. A resposta é agora aparente. O ovário policístico emerge quando um
estado de anovulação persiste por algum tempo. Como existem muitas causas de anovulação,
existem muitas causas de ovários policísticos. Em outras palavras, o ovário policístico é o
resultado de um distúrbio funcional; não é um defeito específico central ou local.”
Redmond (6), em livro recente, após a mais ampla revisão da literatura mundial jamais
feita, assinala: -“ A doença policística do ovário é um termo anatômico e refere-se a uma
anormalidade da estrutura dos ovários. Contudo, as pacientes que se apresentam com ela, o
fazem devido a alterações fisiológicas.”
Implícito esta o fato de que, se não procuro ovários policísticos, não incluo na
propedêutica nenhum método de imagem ou dosagem de FSH/ LH, pois não são
fundamentais para o diagnóstico, nem irão modificar em nada o tratamento. Fico alias muito
triste e perplexo ao ver a literatura mundial dar tanta ênfase à ultra-sonografia, querendo
estabelecer parâmetros morfológicos que permitam caracterizar um quadro que é
exclusivamente funcional. Isto é irracional e inaceitável. Aonde ficam os conhecimentos de
fisiologia, endocrinologia e fisiopatologia? Se seguirmos estes critérios, vamos chegar ao
absurdo de diagnosticarmos ovários policísticos em mulheres ovulatórias, o que alias já tem
sido publicado. Uma barbaridade.
Então tratar o que?
A causa da anovulação, evidentemente, acompanhado da correção de eventuais
distúrbios metabólicos associados.
Se a prolactina estiver aumentada, o tratamento será um agonista da dopamina.
Se a paciente for obesa, o primeiro passo será a redução do peso.
Se houver um hiperinsulinismo, acrescentar a metiformina.
Se tivermos conhecimento de uma hiper atividade do lobo temporal, o uso da
hidantoina poderá ser o suficiente.
Não cabe aqui discutir todas as patologias relacionadas com a anovulação, nem seus
tratamentos específicos. Suficiente afastar estas causas ( aí sim, a propedêutica deverá ser a
mais minuciosa possível e implica necessariamente no diagnóstico etiológico das
amenorréias) e centrar no tratamento da anovulação crônica por retro-contrôle impróprio.
O primeiro passo será identificar os objetivos da paciente. Tratar o que? A
amenorreia? A oligomenorreia? A hemorragia uterina disfuncional? O hirsutismo, com ou
sem resistência periférica à insulina? A obesidade? A esterilidade?
Se o problema for a amenorreia ou a oligomenorreia, sem nenhuma outra
manifestação clínica nem desejo de engravidar, o tratamento cíclico com
progestogênios será o suficiente. Caso a paciente tenha atividade sexual e não deseje
engravidar, mesmo sendo uma anovuladora crônica, deverá se proteger de uma
ovulação esporádica, com uma pílula anticoncepcional.
Se o problema for a hemorragia uterina disfuncional, deverá ser tratada de
acordo com o esquema da preferência individual.
Se o problema for o hirsutismo ou outras manifestações androgênicas (acne,
oleosidade cutânea ), teremos que diminuir os androgênios circulantes, bloqueando as
suas fontes - ovários e supra-renais - ou bloqueando suas ações no órgão efetor, que é
a unidade pilo-sebácea. Dependendo do grau de androgenização e da fonte de
produção androgênica, poderemos usar desde uma pílula anticoncepcional, passando
por um glicocorticoide (dexametazona 0,5mg ou prednisona 5mg , ao deitar, durante 1
a 2 anos), eventualmente a associação dos dois métodos, bloqueando ovários e suprarenais, até a espironolactona em doses de 100 a 200 mg diários ou ciproterona (50 a
100 mg/dia ). Os antiandrogênios e bloqueadores da 5 alfa-redutase, Flutamida e
Finasteride respectivamente, são drogas mais recentes e também eficientes, porem são
caras e podem apresentar efeitos colaterais. Minha preferência recai sobre a
espironolactona associada à pílula anticoncepcional quando houver alteração do ciclo
menstrual induzida pelo medicamento.
Finalmente, se o objetivo for engravidar, teremos que induzir a ovulação.
Antes de discutir os métodos de indução da ovulação, convém lembrar uma
frase de Howard Judd (1) - “Todas as formas de tratamento têm algo em comum : elas
alteram a relação gonadotrofinas / androgênios. Qualquer manobra que aumente as
gonadotrofinas circulantes ou diminua a produção de androgênios, deve promover a
ovulação”.
É exatamente isto o que ocorre quando se pratica a ressecção em cunha dos
ovários ou a cauterização multifocal por lazer ou qualquer outro método. Estes
procedimentos, ressecando ou destruindo parte do estroma ovariano, são seguidos de
acentuada, porém temporária, redução da secreção de androstenediona ovariana e de
uma diminuição persistente da produção de testosterona. A remoção deste insulto
androgênico ao eixo hipotálamo-hipófise-ovário, possibilita a retomada da sua função
cíclica e consequentemente, da ovulação. Só que esta manobra é grosseira,
dispendiosa, além dos riscos próprios do ato cirúrgico e da formação de aderências
peritubárias, que provocarão uma outra forma de esterilidade. Podemos obter os
mesmos ou melhores resultados, intervindo farmacologicamente, de uma maneira
elegante, sobre o funcionamento do eixo H-H-O. A cirurgia foi recurso terapêutico
exclusivo e de bons resultados numa época em que não se sabia praticamente nada
sobre os complexos mecanismos da regulação do ciclo ovariano. Portanto, no estágio
atual do conhecimento médico, deve ser proscrito e somente em casos muitos especiais
poderão ser utilizados, quando todos os outros métodos tiverem falhado.
Seguindo o conselho de Judd, se não obtivermos uma ovulação com o
clomifene, podemos associar a gonadotrofina coriônica, monitorizada pela ultrasonografia. Se não for suficiente, podemos diminuir os androgênios, acrescentando
pequenas doses de corticóide à noite (por exemplo, 0,5mg de dexametazona). Se ainda
assim não funcionar, o uso de doses crescentes de estrogênios conjugados, imitando o
pico pré-ovulatório do estradiol ( 1, 2, 4 e 6 drágeas de 0,3mg, administrados de
12/12 horas no 12º e 13º dias do ciclo), reforçariam o pico endógeno de estradiol, que
é o sinal fisiológico que induz a hipófise liberar o pico ovulatório de LH.
Paralelamente, e talvez mais importante, este reforço estrogênico promoveria a síntese
de um número maior de receptores de progesterona nas células do endométrio, que
responderiam melhor a uma eventual terapia complementar com progesterona para
corrigir a insuficiência lútea induzida pelo clomifeno, além de neutralizar o efeito
desfavorável do mesmo sobre o muco cervical.
Impossível documentar cientificamente a eficácia de tais procedimentos
ou comprovar se os êxitos foram atribuídos a este ou aquele medicamento, ou
apesar deles. Uma coisa é pesquisa científica, outra é a clinica diária de
consultório. As pesquisas desvendam os mecanismos fisiológicos, clareiam os
nossos horizontes e nos permitem fazer ilações lógicas e bem fundamentadas.
Portanto, se nada funcionar, antes de indicar uma cirurgia sobre os ovários,
acrescentamos pequenas doses (1/2 comprimido ) de bromocriptina à noite.
Mais uma vez, citemos Speroff (8) : “Enquanto o uso de bromocriptina para
induzir ovulação está claramente indicado na presença de galactorreia ou
hiperprolactinemia, seu uso em pacientes que não respondem ao clomifeno
com prolactina normal e sem galactorreia é controverso. Pacientes
anovulatórias com níveis normais de prolactina respondem á bromocriptina,
mas, a eficiência deste tratamento não foi estabelecida por estudos controlados.
Contudo, a resposta clinica é ocasionalmente impressionante.”
Se todas estas medidas não funcionarem, podemos , como último
recurso, bloquear temporariamente a função ovariana através dos análogos do
GnRH e à seguir tentar induzir a ovulação com gonadotrofinas. Se ainda assim
não obtivermos êxito, será melhor encaminhar a paciente para um serviço de
fertilização assistida, porque, seguramente, a ressecção em cunha ou
cauterização não obterão êxito.
BIBLIOGRAFIA
1- Judd H. Endocrinology of the policystic ovarian disease. Clin Obstet Gynecol, 21:
99, 1978.
2- Machado L V. Anovulação e ovários policísticos. Femina, 7: 764, 1979.
3- Machado L V. Deixemos o ovário em paz. Femina, 14: 227, l986.
4- Machado L V. Deixemos o ovário em paz II. Femina, 16: 1091, 1988.
5- Machado L V, Machado Neto L. Anovulação crônica. In: Leal JWB: Reprodução
humana. Revinter, Rio de Janeiro, 117, 1994.
6- Redmond G P. Androgenic Disorder. Raven Press, NY, 1995.
7- Speroff L, Glass R H, Kase N G. Clinical Gynecologic Endocrinology and
Infertility. Williams and Wilkins, Baltimore, 1983.
8- Speroff L, Glass R H, Kase N G. Clinical Gynecologic Endocrinology and
Infetility William and Wilkins, Baltimore. 1989.
Download