POLITICAS SOCIAIS NO BRASIL: seus desdobramentos

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POLITICAS SOCIAIS NO BRASIL: seus desdobramentos históricos e o debate do
terceiro setor1*
Ciro Andrade da Silva2
RESUMO
A política social brasileira se caracteriza, conforme dados
históricos, com ações clientelistas e residuais, com forte
relação de favor e não de direito. Mas é nos anos 1990
que esta situação torna-se mais grave. Este período,
entendido como a entrada do neoliberalismo no Brasil, é
marcado pelo desemprego e pelo achatamento salarial
que impede o acesso das camadas mais empobrecidas
às políticas sociais. Esse processo, aliado à reforma do
Estado, faz com que os governos celebrem parcerias
com o terceiro setor.
Palavras Chaves: política social, terceiro setor.
ABSTRACT
The Brazilian social politics is characterized according to
the history with custumers and residual actions, with
strong relation of favor and not of right. But it is during the
years of 1990 that this situation became more serious,
this period in the beginning of the neoliberalism in Brazil is
marked by the unemployment and by the wage reduction
that stops the access to the social politics. , that allied to
the reform of the State, makes the governments to
celebrate partnerships with the third sector.
Keywords: social politics, third sector
INTRODUÇÃO
1
Este trabalho tem o apoio da FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais.
2
Mestre. Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. [email protected]
O presente trabalho é fruto das reflexões e estudos realizados a partir da
experiência com a disciplina Política Social e Serviço Social, ministrada para as turmas
do curso de Serviço Social da UFVJM - Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri. Nesta comunicação, é realizada uma revisão bibliográfica do
debate sobre a trajetória das políticas sociais no Brasil, a retração do Estado nas
formas de intervenção social e o apelo ao voluntariado e ao terceiro setor, expresso,
sobretudo nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1994-1998) e (1999-2002).
DESENVOLVIMENTO
A formação capitalista brasileira não apresentou os traços clássicos da
transição feudalismo/capitalismo tal como nos países europeus. A base da sociedade
brasileira é de economia colonial, escravocrata e oligárquica. Todavia, no Brasil, há a
instauração de um capitalismo tardio e subordinado ao capitalismo mundial,
mesclando características coloniais e ora casando o novo com o velho, sem abrupta
ruptura, mas com a conservação de traços do período anterior.
Coutinho (1988) explicita que as categorias que se articulam na realidade
brasileira não se confluem pela “via clássica” pois, no Brasil não houve a presença de
uma classe burguesa revolucionária que fizesse de seus interesses o interesse geral
da sociedade, mas sim, uma elite originária da oligarquia agrária que foi gradualmente
realizando uma “transformação pelo alto”, de caráter elitista e antipopular, amparada
pelos aparelhos repressivos e pela intervenção econômica do Estado.
Deste processo de revolução pelo alto, resultou uma conformação da classe
trabalhadora apoiada pela forte tutela do Estado nacional. Esta característica histórica
do desenvolvimento econômico, político e social do Brasil, vai trazer profundas
influências na conformação da política social, pois o predomínio do clientelismo e do
fisiologismo vai se consolidar como relação sócio política fundamental. Isto implica
afirmar que, no desenvolver da história, o Brasil optou por uma modernização
conservadora conforme discute Fernandes (1981).
É válido enfatizar que a perspectiva do favor arraigada na cultura política
brasileira data sua gênese nos moldes coloniais da sociedade escravocrata. Pois
naquele período havia três classes no interior das relações coloniais, eram elas: o
latifundiário, o escravo e o “homem-livre” (todavia dependente). Na sociedade colonial
- organizada segundo o monopólio da terra, o “homem livre” não era “nem proprietário
e nem proletário” era, portanto agregado a uma propriedade maior e tinha nessa
relação social de favores seu meio de subsistir.
Esta concepção foi favorecida pelo pensamento liberal clássico. Este
pensamento é incorporado por representar um movimento antimetrópole e para
estabelecer uma certa consonância com o capitalismo mundial. Todavia o liberalismo
brasileiro se efetiva mesclando ideais liberais como Liberdade, Igualdade e
Fraternidade, que objetivaram um processo de convulsão social que abarcou a
totalidade da sociedade como representação do interesse comum, porém pautados
nos interesses de uma determinada classe em ascensão, a burguesia. Estes traços do
colonialismo brasileiro não foram suprimidos, mas converteram a sociabilidade em
relações de favor, paternalismo, escravidão e a conservação de uma elite no poder.
Portanto, “O Estado brasileiro nasceu sob o signo de forte ambigüidade entre um
liberalismo formal como fundamento e o patrimonialismo como prática no sentido da
garantia dos privilégios estatais” (Behring, 2003, p.95).
De acordo com Pereira (2000), nos anos que antecederam o período de 1930
o que se apresentou foi a ausência de um planejamento social e um Estado quase
ausente de intervenção na área social submetido à falta de condições para
reconhecimento político das reivindicações do operariado industrial. Nesse sentido, o
enfrentamento da “questão social” se efetivou através da coerção e reparações
tópicas, emergenciais e pontuais, sendo as áreas de destaque o trabalho e a
previdência, de forma que se assegurou o “direito” do trabalhador formal urbano
mediante contribuição compulsória deste, do empregador e de parcela mantida pelo
Estado.
A partir do governo Varguista é que se intensifica o processo de
industrialização brasileiro, há o sistemático reconhecimento político das reivindicações
trabalhistas do operariado fabril e de querela de categorias articuladas. Sendo que a
cidadania é balizada pelo parâmetro de regulamentação profissional, pela carteira de
trabalho e pela associação sindical, resultando no que Santos (1979) denominou de
“cidadania regulada”.
Criaram-se barreiras à entrada na arena política, via regulamentação das
ocupações, e, consequentemente, todas as demandas relativas a emprego,
salário, renda e benefícios sociais ficavam na dependência de um
reconhecimento prévio, por parte do Estado, da legitimidade da categoria
demandante. Se era certo que o Estado devia satisfação aos cidadãos, era
este mesmo Estado que definia quem era e quem não era cidadão, via
profissão. Definido o escopo de cidadania regulada, volta-se, então, o Estado
para o estabelecimento de uma política previdenciária. (SANTOS, 1979, p.
77)
Já no período posterior ao governo de Vargas, intensifica-se o processo de
desenvolvimento capitalista através do aumento da industrialização calcada numa
perspectiva desenvolvimentista/internacionalista, a qual criou condições favoráveis
para a entrada do capital estrangeiro através de investimentos em infra-estrutura e em
indústrias de bens de consumo duráveis.
A ameaça de um movimento comunista (período de efervescência social:
anos de 1950-1960) faz externar a face reacionária da classe burguesa que de forma
autoritária e coerciva promove o cerceamento da massa popular no cenário político,
enquanto condição de selar as amarras que acirram a subsunção econômico-políticosocial do país aos países de capitalismo central.
Nesse percurso, o golpe que retirou Goulart da presidência, instituiu uma
ditadura militar (1964-1985) que traz consigo profundas mudanças na organização
social do Brasil, a fim de garantir o desenvolvimento do capital, visando à expansão da
produção e modernização da economia via entrada de capital estrangeiro. Contudo, a
condução populista na administração estatal - tecnocrática e centralizadora, resulta
“[...] na reestruturação de máquina estatal, privilegiando o planejamento direto, a
racionalização burocrática e a supremacia do saber técnico sobre a participação
popular” (Pereira, 2000, p. 135).
Data desse período, a unificação do sistema previdenciário de forma
centralizadora e verticalizada e ampliação limiar dos direitos sociais tipicamente
urbanos como instrumento de coesão social. No final da década de 1970, o modelo
desenvolvimentista apresenta sinais de crise e, portanto a sua insustentabilidade
política. Vários fatores como crises econômicas e mobilizações paulatinas da
sociedade constituíram-se em solo propício para um momento de transição dialético,
ou seja, para uma possível abertura política.
Sendo assim, a década de 1980 é marcada pelos sinais de exaustão do
modelo ditatorial e pelo ressurgimento de ampla movimentação na sociedade em torno
dos pleitos por democracia. Logo há possibilidades concretas de abertura política
lenta, gradual e nos moldes tipicamente burgueses. Tais possibilidades se expressam
na ampla movimentação pró-constituinte e no desenho da concepção de seguridade
social. Como resultante desse processo, tem-se a promulgação da Constituição
Federal de 1988, que conferiu um lugar de destaque ao paradigma de proteção social
substituto ao de seguro social.
A Constituição Federal confere à política social a
possibilidade de ruptura dos pressupostos da cidadania regulada e assume
características mais universalistas. Estabelece o tripé da Seguridade Social enquanto
direito de cidadania à saúde (nos moldes da universalização da bandeira da reforma
sanitária, sem, no entanto, alterar a relação com a indústria farmacêutica); à
previdência (conservando seu caráter contributivo); e à assistência (direito do
segmento dela recorrente, contudo, sem o pré-requisito contributivo), além de definir
todas as políticas como um direito de cidadania e dever do Estado.
A Constituição de 1988 também definiu a participação democrática na gestão
do social. A participação da sociedade civil foi inscrita como fundamental,
principalmente no processo de descentralização das políticas sociais, através dos
conselhos gestores ou conselhos setoriais. Inovação institucional decisiva a partir da
Carta Constitucional de 1988 e das leis complementares, os conselhos tornaram-se
peças
obrigatórias
fundamentais
para
que
Estados
e
municípios
tivessem
assegurados o repasse dos recursos federais, consolidando o perfil democrático da
Carta Magna. Ou seja, estabelecem-se os critérios para o controle social,
inviabilizando a continuidade dos mecanismos autoritários presentes na política social
até então.
Contudo, os elementos democráticos e universalistas da Constituição de 1988
colidem com a proposta de ajuste estrutural imposta pelas agências multilaterais. É
importante salientar que, neste mesmo período, os países centrais procuravam
superar suas crises com a implementação de um novo paradigma político e econômico
(cf. 1.1 deste capítulo). A justificativa para a introdução deste novo ideário foram os
baixos índices de crescimento vivenciados pelos países de forma geral. O Brasil,
contudo só inicia a realização das medidas propostas pelas agencias multilaterais em
1990.
Somente a partir da primeira gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC) é
que o ajuste estrutural é implementado nos moldes daqueles propostos pelos países
centrais. As medidas de desregulamentação dos mercados, sem nenhum tipo de
proteção aos produtos nacionais, a liberalização dos entraves ao mercado financeiro,
as reformas fiscal, trabalhista, previdenciária e social, foram a pedra de toque do
ajuste no Brasil. Todas estas medidas visavam colocar a economia nos trilhos do
superávit primário e recuperar o crescimento econômico. Já no final do primeiro
mandato, tais medidas mostram sinais de fracasso, as altas taxas de desemprego
perduram, apesar das mudanças na legislação trabalhista.
Para consolidação destas reformas, ainda no início de seu primeiro mandato,
FHC cria o Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), que delimita e
estabelece as regras para o funcionamento do terceiro setor. A Lei de 15 de maio de
1988 é o marco legal que define este conceito, os princípios da descentralização
proposta pela Constituição de 1988 são transfigurados na Reforma do Estado por uma
outra lógica, em que predominam os princípios do mercado. Descentralizar, privatizar
e concentrar os programas sociais públicos nas populações empobrecidas, parecem
ser os vetores fundamentais da reforma de programas sociais preconizados pela
equipe do governo FHC.
A descentralização é concebida como um modo de aumentar a eficiência e a
eficácia do gasto público, já que aproxima problemas e gestão. Com a
descentralização aumentam as possibilidades de interação no nível local dos recursos
públicos e dos não-governamentais, para o financiamento das atividades sociais.
Enfim, amplia-se a utilização de formas alternativas de produção e operação dos
serviços, mais facilmente organizadas nas esferas municipais.
A focalização, por sua vez, significa o direcionamento do gasto social a
programas e a públicos-alvos específicos, seletivamente escolhidos pela sua maior
necessidade e urgência. Dois tipos de justificativa apóiam esta tese: a de que o Estado
deve entrar apenas residualmente e tão somente no campo da assistência social, e a
que argumenta com o fato de que em geral os mais necessitados não são, em
princípio, os que efetivamente beneficiam-se do gasto social; conseqüentemente devese redirecionar este gasto, concentrando-o em programas dirigidos aos setores mais
empobrecidos da população.
Uma forma de privatização apontada por Draibe (1993) é a de deslocamento
da produção e/ou da distribuição de bens e serviços pra o setor privado não-lucrativo,
composto por associações de filantropia e organizações comunitárias, ou as novas
formas de organização não governamentais. Para viabilizar tais operações pode-se
recorrer aos mecanismos de cessação de programas públicos e o afastamento do
governo de algumas responsabilidades; redução em quantidade e capacidade de
serviços publicamente produzidos, delegando-as ao setor privado; e a forma de
desregulação ou desregulamentação de setores antes restritos à ação estatais e
transferidos para o setor privado.
O terceiro setor, portanto, se configura como resultado desse processo de
desconcentração estatal, adquirindo a forma híbrida, formado de atividades privadas,
situadas na sociedade civil, mas que o Estado reconhece e declara serem de interesse
público. Este desenvolvimento do terceiro setor propicia ao estado a desconsideração
das leis de licitação, em certos casos, a obtenção de serviços públicos sem concurso
público e a terceirização da rede pública de serviços tradicionalmente prestados à
população, especialmente na área da saúde e da educação. Apresenta-se como uma
decorrência da complexidade e diversidade social que a globalização produz
intensamente, especialmente pelo modo como o Estado brasileiro nela se inseriu,
intensificando os processos de exclusão social.
Em que
pese a atuação do terceiro setor, destaca-se a minimização das
atividades do Estado frente à formulação, execução e controle das políticas públicas.
Esta análise não desconsidera a importância do terceiro setor, mas num contexto de
privatização das atividades sociais, implica na retomada de pressupostos fortemente
arraigados na cultura política brasileira como o autoritarismo, o clientelismo, o
residualismo.
Na medida em que o Estado se desresponsabiliza de suas funções
determinadas e incorporadas ao longo da dinâmica da organização capitalista,
se
mantém no campo das políticas sociais brasileiras, políticas com características
distintas, especialmente a de Assistência Social que prevalece focalizada, seletiva e
pontual. E tais características se evidenciam ao passo em que, no domínio da
sociedade civil, as ONGs, as fundações e outros prestadores de serviços sociais que
compõem convencionalmente o denominado “Terceiro Setor”, assumem cada vez
mais a ampla responsabilização pelo enfrentamento da questão social.
Portanto, no início de 1990, as ONGs (Organizações Não Governamentais) se
espalham pelo país se inserindo nas mais variadas áreas sociais. De acordo com uma
pesquisa publicada em 2004 pelo Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (IPEA) e
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)) em parceria com a Associação
Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong) e o Grupo de Institutos,
Fundações e Empresas (GIFE) existiam 276 mil fundações e associações sem fins
lucrativos no país, empregando 1, 5 milhões de pessoas. Estas associações e
fundações representam um quadro bastante heterogêneo, pois englobam escolas,
universidades, hospitais, entidades de cultura e recreação, meio ambiente e defesa de
direitos (ABONG,2005, p.04).
No que tange ao seu financiamento, as
ONGs no Brasil contam com I)
recursos internacionais de entidades governamentais e não governamentais
localizadas nos países centrais e que destinam recursos para programas que visem
diminuir as desigualdades sociais e combater a pobreza dos países periféricos; II)
parceria com órgãos governamentais para implementar políticas nas mais diversas
áreas como geração de emprego e renda, prevenção a DST/Aids, educação de jovens
e adultos, dentre outros; III) contribuições de associados, ou seja, pessoas ligadas as
entidades por objetivos em comum, que além de participar das atividades políticas
contribui financeiramente para sua manutenção; IV) doações de pessoas físicas ou
jurídicas através de recursos e bens; e V) auto-sustentabilidade que inclui a venda de
produtos como camisetas, livros até a prestação de serviços como pesquisas, cursos
de formação e assessoria como forma de captar recursos para a manutenção de suas
atividades, sem nenhuma finalidade lucrativa (idem, p.09).
Sendo assim, o fenômeno do “Terceiro Setor” é engendrado e se coloca a
disposição do projeto neoliberal e potencializa um espaço “alternativo” de
produção/consumo de bens e serviços. O caráter alternativo se dá na direção de uma
integração diferencial dentro da ordem capitalista e, portanto, não alternativo ao
sistema capitalista, mas alternativo na forma, na natureza e no enfrentamento à
“questão social”.
CONCLUSÃO
Considera-se que a passagem das políticas estatais para o “Terceiro Setor”
expressa um processo de arrefecimento das lutas de classes, pois tais serviços
executados na esfera privada que negam o entendimento público e coletivo acabam
por reforçar o caráter filantrópico na prestação de serviços sociais. Essa realidade
elimina a possibilidade de um movimento reivindicatório em relação aos serviços
prestados, pois suprime a noção de “direitos”, não sendo judicialmente reclamáveis e
inviavelmente incorporados na luta política.
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