Imagens Corporais de Obesos nos Meios de Comunicação Ana Cristina de Souza Mandarino Estélio Gomberg “Baleia”, “elefante”, “hipopótamo”, são elementos do mundo natural que quando deslocados para o mundo da cultura configuram-se em atribuições a indivíduos possuidores de um tipo particular de corpo – o “corpo gordo”. Tal configuração é permeada de múltiplos e ambíguos sentidos e significados que anunciam a evidência entre as diferentes imagens e representações corporais existentes entre um determinado grupo de indivíduos. O propósito deste trabalho é tecer uma reflexão sobre a ambivalência dos corpos de obesos e suas imagens sociais nos meios de comunicação, ou seja, quais são os sentidos e significados veiculados ao obeso e suas repercussões sociais, envolvendo saberes, práticas e imaginários sociais. I - CORPO E SUAS CONSTRUÇÕES CULTURAIS O corpo, no âmbito deste trabalho, é percebido aqui, como indicado por Bourdieu (1977), tal como expressão e materialização de uma condição social e de um habitus expressado na forma de posturas corporais e investimentos na sua produção. O corpo apresenta, através de seus próprios gestos e movimentos e dos símbolos que porta, uma determinada posição social. Neste sentido, o corpo passa a ser concebido como um signo social à medida em que através dele se desenvolvem modalidades corporais e se expressam uma visão de mundo específica de determinados grupos sociais. A condição social de indivíduos obesos tornava-se explícita nas apresentações nos meios de comunicação através de uma relação de diferença, baseada especificamente em suas representações e suas imagens corporais. Estas construções sociais se tornavam mais visíveis para os obesos quando eram identificados como possuidoras de um “corpo gordo”. O corpo, através de suas posturas, gestos e movimentos, expressa uma condição social, que opera como um dos elementos para pensarmos a identidade social do obeso. É relação de contato entre obesos e não-obesos que o primeiro se identifica como diferente, como portador de marcas sociais que se evidenciam nos momentos em que se depara com outros sujeitos sociais que estejam excluídos na categoria de “mais obesos”. Neste caso, podemos perceber inúmeras diferenciações culturais, expressas através de produções e marcas corporais dentro de um mesmo espaço social, onde a oposição obeso/não-obeso determina essa distinção cultural expressa simbolicamente nas imagens e representações corporais. Algumas diferenças corporais que vêm reforçar esta oposição, são aquelas atribuídas às portadoras de “cintura fina”, atributo intimamente ligado quem têm corpos magros e uma preocupação corporal com atividades físicas, cujo objetivo reside em modelar o corpo para que se encaixem ao padrão de modelo de corpo socialmente aceito. Aquelas que possuem um corpo gordo e robusto são classificadas como desleixadas. Não desconsideramos que é exatamente na cintura, ou melhor, no centro da cintura que localiza-se o aparelho reprodutor feminino. Ter “cintura fina”, é ser possuidora de um maior atrativo sexual. A sexualidade sempre foi vista como diretamente associada na sociedade ocidental moderna como um complemento aos corpos esbeltos/gostosos. As mulheres portadoras de um “corpo obeso”, sempre acabam sendo percebidas como assexuadas e despossuídas de atrativos sexuais. II - ESTETIZAÇÃO DOS CORPOS A forma de se vestir aparece como um reflexo das atenções corporais, ou seja, a roupa funciona como “uma segunda pele”, uma extensão da pele. A aparência localizada no corpo vestido, na pele, que anuncia sua condição social, preferências, disposições e seu estilo de vida; no seu habitus transmitindo tamanho, forma, volume e postura corporal, no jeito de andar e nos gestos, torna-se um elemento indispensável para se pensar as imagens e representações corporais. Nesta produção corporal, a aparência coloca-se no corpo anunciando signos, pertencimentos e exclusões. Assim, produzir-se na roupa ou na aparência, é aparecer para o grupo e para a sociedade como possuidor de um determinado estilo, que remete à valorização da imagem e a estética próprias da sociedade de consumo. A produção corporal com roupas e adornos para compor uma personagem para que esta passe a pertencer a um grupo, proporcionando a dimensão da expressão estética. A estetização da vida cotidiana, segundo Feaherstone (1995), reduz as fronteiras entre a arte e o cotidiano, onde os indivíduos buscam na suas vidas novos gostos e sensações estéticas. A estetização da vida proporciona estímulo ao consumo, a busca de objetos, desejos, lazer e ao belo. A valorização do estético coloca em evidência o estilo, incorporando a arte no cotidiano e encaminhando os indivíduos a novos estilos de vida, onde o corpo tem espaço especial, sejam, nas formas e volumes corporais obtidos através de atividades físicas, nas roupas, na alimentação, nas atividades de lazer, nas aparências que remeterão diretamente ao que é considerado como belo. Diante disto, o consumo amplia sua dimensão de valores de uso para consumo de signos. O corpo torna-se uma função de signos, ou seja, vestir o corpo, adornar, exercitar, dar formas e volumes remete ao sentido de obter-se um reconhecimento social apoiado pelas formas esteticamente aceitas. Dentro da cultura de consumo, os corpos se reconhecem, se equivalem, se diferenciam e se discriminam estabelecendo aproximações e exclusões através de bens culturais. A procura de um estilo de vida para se fazer pertencer a um determinado grupo social, proporciona que os corpos sofrem constantes mutações já que eles são objetos de valores e de consumos. As constantes mutações geram novos estilos de vida direcionando para as multifacetadas e plurais identidades, características da sociedade contemporâneas (Maffesoli, 1996). A intensificação da estética, da criação artística, do belo, implica em uma das características da sociedade ocidental moderna, e os indivíduos mostram-se atentos em como produzir uma imagem que desencadeie admiração e sensação de estar em pertencimento. A elaboração destes códigos de valores pela estética impulsiona o favorecimento de grupos sociais em que a possibilidade de se fazer pertencer, e de integrar-se, faz parte do jogo contidos nas imagens e representações corporais. Enquadrar-se em um grupo, significa igualdade nas formas de vestir, de compartilhar valores, interesses, emoções, espaços sociais, gestos e posturas corporais além de consumir os bens culturais de forma uniforme, de modo que a aparência acabe por representar um padrão de homogeniedade. Para as adolescentes obesas, atores não focados ou valorizados nos meios de comunicação, assim como, que não se enquadram em grupos que compartilham a estética e o belo como demarcador de pertencimento a um grupo social, resta somente depararem-se com as exclusões, as estigmatizações, onde ma maioria das vezes acabam sendo conhecidas entre o grupo social por apelidos tais como: “baleia”, “elefante”, “hipopótamo”, “cintura de Kombi” e “bolinha”. Os exemplos são variados e direcionam uma exclusão pela ausência dos códigos colocados socialmente para designar o “corpo belo”. A denominação de uma adolescente portadora de um “corpo obeso” através dos exemplos citados norteia a prática discursiva de estabelecer fronteiras simbólicas entre o que é belo e não-belo para um grupo social. Assim, ser chamada de “bolinha”, sugere a total ausência da imagem do corpo ideal, acompanhada também, além disso, de outras conotações que irão evidenciar a perda da beleza, sucesso e autoconfiança. Não ter esta imagem é fracassar em atingir o ideal de beleza proposto pela sociedade e, especialmente pela mídia, passando a ser percebida como alguém possuidora de falta de vontade, baixo auto-estima e fraqueza, já que não é seguidora das orientações culturais que valorizam àquelas cuja atenção recai sobre a valorização de atividades físicas e alimentares, cujo objetivo é a obtenção e manutenção de um corpo belo/saudável. O ideal perpassa estilos de vida, no qual é imperativo ter o corpo como sinônimo válido de êxito e felicidade, onde o “corpo magro” carrega as noções de beleza, saúde e bem-estar. Estas, absolutamente não correspondem aos portadores do “corpo obeso”. Continuamente, as adolescentes obesas são classificadas pelo grupo social como alguém com “problemas psicológicos”, cuja “fuga” dar-se-ia através da absorção de alimentos altamente calóricos e de forma indiscriminada. Não podemos deixar de admitir que indivíduos que sofrem de obesidade são mais propensos a desenvolverem algumas patologias, entre elas, a hipertensão e o infarto. No entanto, não devemos deixar de observar a construção de esteriótipos e estigmas que atingem os portadores do “corpo obeso”. Se, sistematicamente, são vistos como portadores de um corpo não saudável, as “bolinhas”, entretanto, são vistas em sua maioria, como alegres e espirituosas. No entanto, gostaríamos de assinalar, que o ato de “comer”, diz respeito a questões muito mais complexas do que uma simples vontade desenfreada de comer tudo o que vêem pela frente – “ter o olho maior que a barriga”. O não ser visto como “saudável” para os magros representaria basicamente uma questão estética, enquanto para os obesos, estaria muito mais associada a questões externas. E por serem “internas”, os portadores do “corpo obeso” demonstram através da simpatia que a questão só a ele diz respeito. Pois, raramente deparamos com um obeso “triste ou melancólico”. A associação que os magros fazem daquele indivíduo portador de “corpo obeso” como relacionado diretamente a sua vontade em possuir um corpo mais saudável, será percebida, quando este incorpora idéias e valores de dietas disseminadas pela mídia, principalmente, em revistas não-científicas especializadas (Elle, Nova, Claudia, Boa Forma) focalizando modelos, artistas e atletas divulgando seus experimentos e eficácias trazendo uma valorização pela disciplina e vontade de se adequar aos padrões corporais modernos, corpos magros e fortes com músculos definidos. Em estudo focalizando a construção do “corpo perfeito” através da Revista Capricho, principal veículo de adolescentes, Santos e Serra (2003) discutem que além de pessoas famosas, especialistas também são solicitados para dar suas opiniões sobre estas práticas, no sentido destes veículos possuírem uma legitimidade em suas informações. A exposição intensa destes atores sociais pela mídia coloca uma questão de alerta para saúde pública: a busca desenfreada por técnicas de dietas, novas tecnologias de emagrecimentos e de cosméticos que apresentam “milagres”, utilizados sem orientações de profissionais de saúde e sem comprovações de suas eficazes “fórmulas mágicas”, faz –se necessário que se torne mais cuidadoso a veiculação de certas reportagens, uma vez que sabemos exatamente o poder de persuasão e impactos que estas causam. Vale pensar sobre o paradoxo de adquirir aparelhos de ginásticas e de massagens que desestimulam a prática de atividades físicas em academias ou ao ar-livre, onde a especificidade é poder “perder barriga” em qualquer local sem deixar de fazer as atividades do dia-a-dia e em tempo rápido, ou seja, sutilmente apregoa a sedentariedade. III - ALIMENTAÇÃO E CORPOS A alimentação é uma manifestação humana carregada de símbolos e signos, ou seja, a maneira de preparar, consumir e lidar com o alimento marca identitariamente um grupo. Em estudo sobre as práticas alimentares inglesas, Mary Douglas (1984), sugere que o comportamento alimentar é reforçado pela dimensão do compartilhar de compreensões, crenças e valores. As famílias estabelecem as atividades, a base psicológica do grupo à alimentação assim como a estrutura dos ritos e das representações sociais dos alimentos. Esta autora relaciona as relações sociais e as formas de sociabilidade com a maneira que operam os padrões alimentares de um determinado grupo. Por sua vez, Bourdieu (1984) abordou a associação dos papéis sociais com a alimentação, bem como a importância da classe social e sua posição ideológica. Para este autor, um dos elementos presentes na escolha dos produtos alimentícios pode ser atribuída a imagem e como esta, associada a propaganda, age na construção de um estilo de vida. O gosto de um consumidor é resultante da maneira pelo qual ele foi adquirido e é identificador de uma classe social. A importância do estudo de Bourdieu foi explorar as dimensões fenomenológicas do gosto, além dele ser indicador de um estilo de vida, mas, também como significado de experiência para o indivíduo. Este autor ressalta que algumas escolhas têm o componente econômico e estas ignoram fatores simbólicos, mas outras partem de valores, imagens que permeiam a sociabilidade que traduzem a concepção de saúde/doença, corpo e um estilo de vida moderno. Nesta perspectiva, o hábito alimentar seria uma importante representação social assinalando a complexa teia de significados do alimento em um grupo e para o indivíduo ampliando fatores objetivos, de ordem econômica. Padrões de hábitos alimentares inadequados marcam este grupo focalizado e podemos apontar que independe de classe social. A disponibilidade de consumir alimentos calóricos em situações de lazer, sociabilidade, comemorações faz com que o sentimento de “culpa de comer” é amenizada, ou melhor, estes momentos estimulam tal prática. A disposição de alimentos em lanchonetes tipo fast-food, restaurantes e supermercados estimulam consumir o alimento em grandes quantidades e compartilhando com indivíduos do mesmo grupo. Comer por compulsão é extremamente dolorido: o ato de comer em excesso faz parte de uma defesa frente a piadas depreciativas de seu “corpo obeso”, “corpo gordo” e centra sua vida na comida. As imagens socialmente colocadas para mulheres são as de que mulheres magras são aquelas de sucesso, valorizam suas formas, aparências e suas atenções corporais. A possuidora de “corpo magro” é elegante, dinâmica, determinada e indicada ao triunfo. Entretanto, para “gordas”, restam apenas as críticas, piadas e dúvidas sobre opções e comportamentos sexuais. Em relação ás distinções de classes sociais, as gordas pobres: são constantemente vistas como “bonachonas”, “matronas”, “tias” e até “sapatões”; as ricas, são percebidas como “empresárias”, “simpáticas”e “vencedoras”. A imagem corporal que a adolescente obesa faz de sua própria aparência física e seus atributos revelam fortes indicadores para a forma distorcida e excludente que a sociedade lida com indivíduos de “corpos obesos”, colocando em jogo o desprezo e a hostilidade, constantemente sendo demonstrado a ela que seu corpo é feio, desagradável, não-saudável e a tornando cada vez distanciada de pertencer aos grupos de “corpos belos” ou socialmente aceitos. O desprezo de si mesmo e a inquietação por sua imagem corporal é notada constantemente na busca pela perda e controle de peso. A resposta imediata das adolescentes é a de, compulsivamente iniciarem vários regimes e dietas para perda de peso, realizando inúmeras atividades físicas ao mesmo tempo, e de adquirir produtos alimentares de baixas calorias, ou seja, constrói um arsenal de possibilidades para a busca do emagrecimento. Tais “sugestões” são quase semanalmente abordadas nas revistas não-especializadas e programas de televisão. Emagrecer para perda de peso e de gordura, pois, são estes dois componentes que a impedem de ter reconhecimento e serem “protagonistas”, por serem “coadjuvantes”, ou seja, a “confidente”, “a amiga para desabafar”. Considerações Finais As imagens e representações corporais de adolescentes apresentadas em meios de comunicação abordam os sentidos e os significados na busca de um “corpo belo”, “corpo perfeito”. As veiculações escamoteiam as diferenças e diversidades corporais possíveis para adolescentes, excluindo pertencimentos, identificações e satisfações com o corpo. O espaço nos meios de veiculação é unitário para apresentação de “corpos magros”, “corpos belos”. O indivíduo possuidor destas características é merecedor de pertencimentos, de status e elogios. Na legitimação das “sugestões” para concepção do “corpo belo”/”corpo saudável”, vários atores sociais são acionados, profissionais de saúde, artistas, atletas, “celebridades”, ou seja, formadores de opinião, para relatarem experiências, científicas ou não, e vivências de práticas com interesses na promoção da saúde, nas “fórmulas” de emagrecer, nas novas tecnologias de “perder a barriga” e demais recursos para se enquadrar nas medidas e padrões socialmente estabelecidos. Diante desta arena na manifestação de saberes e práticas para produção do “corpo belo” e estigmatização do “corpo gordo”, as instituições e os profissionais de saúde devem atentar para as mensagens que são veiculadas nos meios de comunicação no que tange ao real propósito da promoção de saúde, da teia de discursos manifestos, dos atores sociais envolvidos e dos sentidos e significados neste fenômeno social, ou seja, considerar corpo, saúde, obesidade, comunicação como categorias que merecem cuidados no campo da saúde pública. BIBLIOGRAFIA BOURDIEU, P. Remarques provisoires sur la perception sociale du corps. Actes de la recherché en Sciences Sociales. Paris: avr, 1977. ___. Distinction. Cambrigde:Harvard Press University, 1984. DOUGLAS, M. Food in the social order. New York: Russell Sage Foundation, 1984. FEATHERSTONE, M. Cultura do consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995. MAFESSOLI, M. No fundo das aparências.Petrópolis: Vozes, 1996. SERRA, GMA e DOS SANTOS, E.M. Saúde e Mídia na construção da obesidade e do corpo perfeito. Ciência e Saúde Coletiva v.8 n.3 Rio de Janeiro, 2003. AUTORES Ana Cristina de Souza Mandarino – Professora do Dep. de Ciências Sociais/UFS e Universidade Tiradentes/SE, Mestre em Antropologia Social/USP e Doutora em Comunicação e Cultura/UFRJ. Estélio Gomberg – Professor do Dep. de Medicina/UFS, Mestre em Antropologia Social/UFRGS e Doutorando em Saúde Coletiva/UFBA Voltar para Grupo de Trabalho 1 – Mídia e Saúde Pública Voltar para o menu principal