Vistos etc. Trata-se de ação civil pública por improbidade administrativa, movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO **** contra ***********, em que a parte autora, com fundamento no artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92, pede seja a ré condenada, no que couber, ao ressarcimento integral do dano, à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil, proibição de contratar com o Poder Público e de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente. Alega a parte autora, em síntese, que a ré, na condição de Delegada da *** Delegacia de Furtos e Roubos de *******/BA, omitiu informações requisitadas pela promotoria em expedientes administrativos, o que configura infração ao disposto no artigo 11, inciso II, da Lei nº 8.429/92. Argumenta que embora tenha requisitado a instauração de inquérito policial, através do ofício nº 1977/08, para apuração de emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos por ex-secretários municipais, não houve resposta da Polícia, embora o MP tenha solicitado, diversas vezes, informações sobre o inquérito policial, com o envio de diversos ofícios, e, inclusive, com a comunicação à Corregedoria da Polícia Civil. À inicial, a parte autora acostou os documentos de fls. 08/48. Notificado, o agente público, na forma do artigo 17, parágrafo 7º, da Lei nº 8.429/92, apresentou a manifestação escrita acompanhada de documentos de fls. 56/116 em que, em síntese, nega a existência de ato de improbidade. Vieram, então, os autos conclusos para decisão de admissão da ação de improbidade administrativa (art. 17, parágrafo 8º, da Lei nº 8.429/92). É o relatório. Decido. O ponto central da questão está em saber se a atitude da ré configura ou não retardo indevido na prática de ato que se lhe impunha por dever de ofício, tipo capitulado na inicial como atitude ímproba da ré (art. 11, II da Lei nº 8.429/1992). In casu, verifico que o Ministério Público, por meio do Ofício nº 1977/08, requisitou a instauração de inquérito policial para apuração de emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos por ex-secretários municipais. Da análise dos documentos acostados, verifico que, de fato, inúmeros foram os ofícios expedidos pelo MP requisitando informações sobre a instauração e o andamento do referido inquérito, consoante se constata às fls. 35, 36/37, 38, 40, 41/42. No entanto, constato, também, que dos inúmeros ofícios enviados, apenas três deles foram direcionados à ré da presente ação, (fls. 36/37, 38 e 40), sendo os demais direcionados a outros agentes públicos. O ofício de fls. 43, expedido pelo coordenador da CORPIN, em resposta ao MP, informou ao parquet que deveria direcionar-se diretamente à autoridade policial, ora ré, que, por sua vez, como demonstram os documentos de fls. 61/62, determinou a instauração do inquérito, em fevereiro de 2009, para a apuração dos fatos noticiados pelo MP, determinando a juntada de diversos ofícios oriundos do órgão ministerial ao procedimento policial, sendo impossível afirmar, assim, que a mesma não teria sequer instaurado o inquérito policial. Por outro lado, vê-se que, embora aqueles ofícios que foram direcionados à ré não tenham sido recebidos pessoalmente, foram juntados aos autos de inquérito policial, o que mostra o conhecimento da sua existência e teor. Aliás, a autoridade policial, ora acionada, através do ofício de fls. 369/2010, apresentou, inclusive, em resposta ao ofício nº 51/2010, oriundo do Ministério Público, informações acerca de procedimentos policiais, destacando que outros mencionados no ofício teriam sido devolvidos à 7ª Coordenadoria, por versarem sobre Crimes Contra a Administração Pública, cuja competência não seria da Delegacia Especializada. Não se pode afirmar que a acionada quedou-se inerte na apuração dos fatos, haja vista ter realizado inúmeras diligências no bojo do referido inquérito policial, como a oitiva dos investigados e a representação por quebra de sigilo bancário, conforme se verifica às fls. 99/110. Outrossim, verifico que em abril de 2013 houve a conclusão e a remessa dos autos do Inquérito Policial nº 121/2009 ao Ministério Público, conforme certidão de fls. 114. Em abril de 2011, fora proferida decisão pela Corregedoria Geral, vinculada à Secretaria de Segurança Pública, determinando o arquivamento de expediente iniciado contra a ora acionada, sugerindo à autoridade policial o empenho na tramitação e encerramento do inquérito policial em questão, conforme documentos de fls. 115/116. Desta forma, se mostra induvidoso que deixar transcorrer o procedimento investigatório sem apresentar, com a frequência necessária, em respeito aos prazos estabelecidos, as respostas/informações requeridas pelo Ministério Público é atitude que se repudia em um administrador público, que deve sempre se haver com presteza, zelo, honestidade e senso de dever da execução de suas tarefas, pois é isso que se espera da sua atividade pública, em face do princípio da eficiência, mas nem toda ação desidiosa de servidor pode ser apontada como caracterizadora de ato de improbidade, à qual a lei comina rigorosas punições. Não há dúvida, também, que devendo a atuação do administrador pautar-se no princípio da legalidade, pois a ele somente é dado fazer o que a norma lhe autoriza, seu desvio de conduta sempre importará na quebra de legalidade, como na hipótese, cuja atitude indevida, que o tipo que lhe é imputado trata, foi o não atendimento de requerimento de informações do parquet, a que a Lei Complementar nº 75/1993 impõe prazo para atendimento (art. 8º, § 5º), ato que, em última análise, representa ofensa à legalidade estrita. Contudo, tal não se afigura o bastante para configurar a improbidade administrativa, que vai além da quebra dos princípios administrativos erigidos pelo art. 37 da Constituição, pois exige-se que a atuação do administrador tenha sido intencional, como ensinam Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, no obra Improbidade Administrativa, Ed. Lúmen Júris, 2ª edição, p. 317: “Ante o teor da Lei nº 8.429/92, constata-se que apenas os atos que acarretem lesão ao erário (art. 10) admitem a forma culposa, pois somente aqui temse a previsão de sancionamento para tal elemento volitivo. Nas hipóteses de enriquecimento ilícito (art. 9º) e violação aos princípios administrativos (art. 11), o ato deve ser doloso”, o que não se dá na hipótese em exame. Repise-se, que, diversamente do que sucede com a categoria de atos de improbidade que causam dano ao erário, em que a lei expressamente admite a forma culposa, como expresso no caput do artigo 10 da Lei nº 8.429/92 (e também no artigo 5º da mesma lei), os atos de improbidade administrativa que apenas atentam contra os princípios da Administração Pública, mas não causam prejuízo ao erário, exemplificados no artigo 11 da mesma lei, como no caso dos autos, somente se configuram diante de uma conduta dolosa. Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência do E. STJ, como ilustra o seguinte julgado: “ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ART. 10 DA LEI Nº 8.429/92 – SANÇÃO DO ART. 12, II, DA LEI DE IMPROBIDADE – BOA-FÉ DO AGENTE – CRITÉRIOS DE ANÁLISE. 1. O contrato administrativo foi anulado porque deveria ter sido precedido de necessária licitação. Reconheceu-se aí ato de improbidade capitaneado no art. 10, VIII, da Lei de Improbidade Administrativa. 2. A jurisprudência desta Corte está no sentido de que, uma vez reconhecida a improbidade administrativa, é imperativa a aplicação das sanções descritas no art. 12, II, da Lei de Improbidade. A única ressalva que se faz é que não é imperiosa a aplicação de todas as sanções descritas no art. 12 da Lei de Improbidade, podendo o magistrado dosá-las segunda a natureza e extensão da infração. 3. Os atos de improbidade só são punidos a título de dolo, indagando-se da boa ou má fé do agente, nas hipóteses dos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92. (REsp 842.428/ES, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 21.5.2007)(grifos aditados) 4. De todas as seis penalidades descritas no art. 12, II, da Lei de Improbidade, as únicas aplicadas, e de forma razoável, foram as de ressarcimento do dano de forma solidária e de multa civil, fixada, ainda por cima, em montante menor que o grau máximo, ou seja, em uma vez o valor do dano. 5. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 479.812/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 02/08/2007, DJ 14/08/2007, p. 281.) Neste ponto, destaque-se que a ação de improbidade administrativa deve ser rejeitada quando, após a manifestação por escrito preliminar, houver convencimento judicial sobre a inexistência de ato de improbidade, sobre a improcedência da ação ou sobre a inadequação da via eleita, nos termos do artigo 17, parágrafo 8º, da Lei nº 8.429/92. A sequência dos acontecimentos, como mostrada pelos documentos acostados à inicial, embora retrate, em parte (porque, dentre os inúmeros ofícios expedidos pelo Ministério Público, houve apenas uma única resposta da autoridade policial) o retardamento no atendimento à requisição de informações legalmente requisitadas pelo Ministério Público (art. 129, inciso IV, da Constituição Federal), não revela conduta dolosa da ré. O atraso na prestação de informações, na espécie, configura mera irregularidade, decorrente de deficiências estruturais, a afastar o dolo na sua conduta. Desorganização administrativa, conquanto esteja longe de qualquer louvor, não se confunde com ato de improbidade, o qual, na modalidade de ato que viola os princípios da Administração Pública, exige dolo para sua configuração, isto é, vontade livre e consciente de retardar a prática de ato de ofício para que seja caracterizada a figura de ato de improbidade prevista no artigo 11, inciso II, da Lei nº 8.429/92. De outro lado, não se pode olvidar que apesar de todas as justificativas e dificuldades administrativas apresentadas pela acionada, sua falta de presteza em se desincumbir das atribuições legais poderia ter sido facilmente evitada, pois bastava ter mantido o Ministério Público ciente das dificuldades de ordem pessoal e institucional a que submetida para o cumprimento da requisição. Tal postura, aliada à falta de urbanidade funcional, não traduz, porém, uma ação intencional de prejudicar o adequado esclarecimento dos fatos ou comprometer o Parquet no exercício das suas funções constitucionais, de tal sorte que se permite concluir, de pronto, pela inocorrência, na hipótese, de ato de improbidade administrativa, justificando, assim, o trancamento da ação, conforme autoriza o §8º do art. 17 da Lei nº 8.429/1992, sem prejuízo de que os atos da ré sejam submetidos ao controle administrativo-disciplinar. Além disso, no escopo de identificar in concreto a prática de ato de improbidade, faz-se mister estremar a improbidade material daquela puramente formal, em exegese razoável da Lei nº 8.429/92, atenta, pois, ao postulado constitucional da proporcionalidade. No ponto, vale transcrever o magistério doutrinário de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, in litteratim: “(...) Determinadas condutas, não obstante a flagrante inobservância da norma, não podem ser objeto de valoração isolada, hermeticamente separadas do contexto em que surgiram e se desenvolveram. Em essência, a norma, qualquer que seja ela, visa a preservar o equilíbrio e a estabilidade sociais, terminando por cominar determinadas sanções àqueles que causem alguma mácula aos valores tutelados. Identificados os fins da norma, torna-se tarefa assaz difícil sustentar sua aplicação ao agente que manteve conduta funcional compatível com os valores que se buscou preservar, ainda que formalmente dissonantes de sua letra. Verificado que a aplicação da Lei nº 8.429/1992 é desnecessária à preservação da probidade administrativa, a qual fora sequer ameaçada pela conduta do agente, não deve ser ela manejada pelo operador do direito. Eventualmente, ao agente poderão ser aplicadas sanções outras, desde que compatíveis com a reprovabilidade de sua conduta e com a natureza dos valores porventura infringidos. À improbidade formal deve estar associada à improbidade material, a qual não restará configurada quando a distorção comportamental do agente importar em lesão ou enriquecimento de ínfimo ou de nenhum valor; bem como quando a inobservância dos princípios administrativos, além daqueles elementos, importar em erro de direito escusável ou não assumir contornos aptos a comprometer a consecução do bem comum (art. 3º, IV, da CR/1998). Tais circunstâncias devem ser aferidas a partir da natureza do ato, da preservação do interesse público e da realidade social, o que permitirá uma ampla análise do comportamento do agente em cotejo com o fim perseguido pelo Constituinte (...)”. Decerto, o valioso instrumento jurídico punitivo da ação civil pública por ato de improbidade não pode ser manejado sem uma prévia avaliação criteriosa de sua pertinência e adequação diante da hipótese representativa da violação à ordem jurídica. Proceder de maneira diversa, inversamente a contribuir para a transformação da realidade fático cultural, pode servir à deterioração da credibilidade do sistema instituído pela Lei nº 8.429/92, minando sua efetividade em situações concretas que reclamem pronta punição do agente público desonesto, ímprobo, este sim o real escopo da Lei de Improbidade Administrativa. Assim, diante da prova documental acostada aos autos e da manifestação escrita de fls. 56/116, que demonstram a ausência de dolo no atraso da prestação de informações pela acionada, convenço-me da inexistência de ato de improbidade administrativa no caso. Ante o exposto, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil combinado com o artigo 17, parágrafo 7º, da Lei nº 8.429/92, REJEITO A AÇÃO ante a inexistência de ato de improbidade administrativa. Sem honorários advocatícios de sucumbência, nem custas judiciais (art. 18 da Lei nº 7.347/85), tendo em vista que sucumbente o Ministério Público do Estado ****. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com baixa no sistema SAJ. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Adriana Quinteiro Bastos Silva Juíza de Direito