Ciências e Cognição

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Ciências & Cognição 2007; Vol 12 <http://www.cienciasecognicao.org/>
ISSN 1806-5821 - Publicado on line em 03 de dezembro de 2007
© Ciências & Cognição
Ciências & Cognição. Ano 4, Vol.12, Dezembro 2007.
ISSN 1806-5821. Revista Eletrônica de Divulgação Científica.
© ICC - Instituto de Ciências Cognitivas.
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Revista Ciências & Cognição:
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Revisor ad hoc Internacional
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Dezembro 2007
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Prof. Dr. Alfred Sholl-Franco
Endereço: Sala G2-032/019, Bloco G – Centro de Ciências da Saúde
Programa de Neurobiologia - Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Av. Carlos Chagas Filho, S/N
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Conteúdo
Ciên. & Cogn. 12, 2007.
Índice
Página
Editorial.
Editores.
01
Efeito stroop e rastreamento ocularno processamento de palavras.
Stroop effect and eye-tracking in word processing.
Marcus Maia, Miriam Lemle e Aniela Improta França.
02
Do herói ficcional ao herói político.
Of the imaginary hero to the political hero.
Hilda Gomes Dutra Magalhães, Luíza Helena Oliveira da Silva e Dimas José Batista.
18
Infância, cinema e leitura: um tripé viável.
Childhood, cinema and reading: a possible tripod.
Lovani Volmer e Flávia Brocchetto Ramos.
31
Lineamientos para la configuración de un programa de intervención en orientación.
Limits for the configuration of a interferation ptogram in orientation.
Denyz Luz Molina Contreras.
40
Leitura de estudo: estratégias reconhecidas como utilizadas por alunos universitários.
Study reading: strategies recognized as the most used by university students.
Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin.
51
Criatividade na rede: a potencialização de idéias criativas em ambientes hipertextuais de aprendizagem.
Creativity in the network: the potentiality of creative ideas in hypertext learning environments.
Ângela Álvares Correia Dias e Karina da Silva Moura.
62
Construindo mapas conceituais.
Constructing concept maps.
Romero Tavares.
72
Mapas conceituais: estratégia pedagógica para construção de conceitos na disciplina química orgânica.
Conceptual maps: pedagogical strategy for construction of concepts in disciplines organic chemistry.
João Rufino de Freitas Filho.
86
Obstáculos epistemológicos no ensino de ciências: um estudo sobre suas influências nas concepções de
96
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átomo.
Epistemological obstacles in science teaching: a study about their influences on the atom conceptions.
Henrique José Polato Gomes e Odisséa Boaventura de Oliveira.
Integrando o Ensino da Patologia às Novas Competências Educacionais.
Integrating the learn of Pathology to new education competences.
Mário R. de Melo-Júnior, Jorge Luiz S. Araújo-Filho, Vasco José R. M. Patu, Marcos Cezar F. de
Paula Machado, Nicodemos T. de Pontes-Filho.
110
Psicopedagogia: limites e possibilidades a partir de relatos de profissionais.
Psychopedagogy: limits and possibilities according from the professionals experiences.
Maria Regina Peres e Maria Helena Mourão Alves Oliveira.
115
Pensamento, crenças e complexidade humana.
Thinking, beliefs and human complexity.
Cristina Satiê de Oliveira Pátaro.
134
Ciência da Computação e Ciência Cognitiva: um paralelo de semelhanças.
The computer science and the cognitive science: a similarity parallel.
Caroline Andréia Eifler Saraiva e Irani I. de Lima Argimon.
150
Estilo de vida como indicador de saúde na velhice.
Life style as health indicator on ageing.
Vera Lygia Menezes Figueiredo.
156
Interação e Construção: o Sujeito e o Conhecimento no Construtivismo de Piaget.
Interaction and Construction: the Subject and the Knowledge in the Constructivism of Piaget.
Isabelle de Paiva Sanchis e Miguel Mahfoud.
165
O que é ser humano?
What is to be a human being?
Luiz Antonio Botelho Andrade, Edson Pereira da Silva e Eduardo Passos.
178
A teoria da representação cognitiva de Hobbes.
Hobbes´s theory of cognitive representation.
Cláudio R. C. Leivas.
192
Robôs como artefatos.
Robots as artifacts.
Dulce Maria Halfpap, Gilberto Corrêa de Souza, João Bosco da Mota Alves.
203
Cognição e texto: a coesão e a coerência textuais.
Cognition and text: the literal cohesion and coherence.
Carmen Elena das Chagas.
214
O uso de narrativas autobiográficas no desenvolvimento profissional de professores.
The use of autobiographical narratives in the professional development of teachers.
Denise de Freitas e Cecília Galvão.
219
Membro-fantasma: o que os olhos não vêem, o cérebro sente.
Phantom-limb: what the eyes don’t see, the brain feels.
Alessandra de Oliveira Demidoff, Fernanda Gallindo Pacheco e Alfred Sholl-Franco.
234
Repensando a função do manicômio na sociedade.
Reflexions about the role of lunatic asylum in the society.
Maurício Aranha.
240
Normas para publicação.
242
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ISSN 1806-5821 - Publicado on line em 03 de dezembro de 2007
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Editorial
Falar na falta de fomento para a pesquisa em nosso país e sua divulgação é inevitavelmente
cair na redundância. Tratar de questões como a distribuição do pouco valor a esta destinado nem se
fala. O Brasil que tinha, ainda, uma certa tradição de investimento em pesquisa básica vê esta ser
gradativamente abandonada em prol de projetos incautos, nitidamente dissonantes às necessidades
das instituições já existentes e pouco ou nada lembradas. A solução certamente não caminha pelo
dito “despir um santo para vestir outro”. A gênese de novos grupos de pesquisa não deve ter como
premissa o estrangulamento de outros já estabelecidos, pelo contrário, deve-se estimular o fortalecimento daqueles estabelecidos, assim como a colaboração e o apoio entre os já existentes e os em
desenvolvimento, principalmento no que se refere ao Ensino e a Educação, áreas essências para o
desenvolvimento do nosso País.
É com um suspiro de teimoso empenho que ações como a publicação de Ciências & Cognição deixa em todos os envolvidos a grata sensação de la resistance acadêmica. Grande é o bemestar de se ver envolvido neste projeto e observar, ao fim deste quarto ano de publicação constante e
ininterrupta, o reconhecimento por uma larga comunidade de leitores e colaboradores (consultores
ad hoc, pareceristas e autores), contando até o lançamento deste último volume (12, dez./2007) com
o total de 664.049 visitas. Nestes quatro anos, foram publicados 158 trabalhos acadêmicos (86 artigos científicos, 32 revisões, 15 ensaios, 1 análise de caso clínico, 15 artigo de divulgação científica
e 9 resenhas). Tais resultados reforçam a sensação de que estamos trilhando o caminho certo. Ainda
mais tendo conhecimento de que se trata de uma iniciativa sem fins lucrativos e sem apoio financeiro de qualquer nível governamental. Iniciativa suportada apenas pelo apoio do Instituto de Ciências
Cognitivas (ICC), a firmeza de vontade e pelo propósito de oferecer um canal que trate os pesquisadores e leitores brasileiros com a seriedade, dignidade e respeito que entendemos indispensável.
Grata é a verificação de que tal iniciativa atravessou fronteiras, vindo contar com colaborações
constantes ao longo deste ano de pesquisadores ligados a instituições estrangeiras (Espanha, Portugal, Alemanha, Venezuela, México), representando, hoje, 12% dos artigos publicados.
Fiéis à concepção de que o ambiente virtual seria o melhor meio para a visibilidade da produção acadêmica nacional, estimulando a integração de pólos fora dos eixos do sudeste, percebemos, ao longo destes quatro anos, a constante e valiosa presença de representantes de todas as regiões brasileiras (60% sudeste, 16% sul, 12% nordeste, 10% centro-oeste, 2% norte) e de diversificadas instituições.
Encerrar 2007 vendo frutos saudáveis sendo colhidos é ter certeza de que aquele teimoso
empenho está nos conduzindo ao propósito de uma missão que não pretende se dar por cumprida.
Boa leitura!
Editores.
1
Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 02-17 <http://www.cienciasecognicao.org>
S u b me t i d o e m 1 3 / 1 0 / 2 0 0 7 | A c e i t o e m 2 6 / 1 1 / 2 0 0 7 | I S S N 1 8 0 6 - 5 8 2 1 – P u b l i c a d o o n l i n e
© Ciências & Cognição
e m 0 3 d e d e z e mb r o d e 2 0 0 7
Artigo Científico
Efeito stroop e rastreamento ocular
no processamento de palavras1
Stroop effect and eye-tracking in word processing
Marcus Maia, Miriam Lemle e Aniela Improta França
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Resumo
Como é a organização cerebral do léxico? As palavras são guardadas por inteiro ou existe derivação
que forma uma estrutura interna a elas? Usando dois paradigmas experimentais, investigamos se a decomposição morfológica é uma propriedade fundamental do processamento lexical na leitura de palavras isoladas no português do Brasil. O primeiro experimento propõe uma tarefa baseada no chamado
Efeito Stroop, no qual processos atencionais concorrentes demonstram a natureza automática das fases
iniciais do processamento da leitura. O segundo experimento, usando protocolo de rastreamento ocular durante a leitura, investiga as mesmas palavras, pretendendo identificar, preliminarmente, os pontos de fixação e sacadas na primeira passagem do olhar, bem como nos movimentos regressivos. Os
resultados obtidos nos dois experimentos permitem reunir evidências de que, no processo de leitura,
as palavras são derivadas morfema a morfema, embora haja também heurísticas globais da visão que
atuam simultaneamente no processamento da leitura. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 02-17.
Palavras-chave: rastreamento ocular; morfologia interna à palavra; efeito stroop.
Abstract
How is the lexicon organized in the brain? Are words stored as units or is there a derivational process dynamically combining its pieces at each use? The present study, composed by two experimental
paradigms, investigates if morphological decomposition is a property inherent to the lexical processing during a reading task in Brazilian Portuguese. The first experiment deals with Stroop Effect, in
which attentional processes demonstrate e the automatic nature of the initial phases of processing
during reading. Using an eye-tracking protocol, the second experiment investigates the process of
reading the same words, aiming at identifying, preliminarily, the fixation points and the saccades
during first eye scan, as well as the regressive movements. The results obtained in the two experiments gather evidences that, during reading, words are delivered morpheme by morpheme, despite
the fact that there are concurrent global heuristics that act simultaneously in reading. © Ciências &
– M. Maia é Doutor em Lingüística (University of Southern California – USC), com Estágio de Pós-doutorado
(City University of New York – CUNY). Atualmente é Professor de Lingüística, Departamento de Lingüística (UFRJ),
sendo o atual Coordenador do Grupo de Trabalho de Psicolingüística da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Letras e Lingüística (ANPOLL). Endereço para correspondência: Rua Evaldo Gonçalves, 151, Itaipu,
Niterói, RJ 24355-060. Telefone: (21) 2609-2919. E-mail para correspondência: [email protected]. M. Lemle
possui Graduação em Letras (UFRJ), Mestrado em Lingüística (University of Pennsylvania), Doutorado em Lingüística (UFRJ e Estágio de Pós-Doutorado (MIT). Atualmente é Professora Titular (UFRJ) e Coordenadora do Laboratório
Computações Lingüísticas: Psicolingüística e Neurofisiologia (CLIPSEN; http://www.letras.ufrj.br/ clipsen). A.I.
França é Doutora em Lingüística (UFRJ), com Estágios no Cognitive Neuroscience of Language Lab (University of
Maryland) no Instituto de Neurologia (UFRJ) e no Ambulatório de AVC (Universidade Federal Fluminense). Atualmente é Professora (Departamento de Lingüística, UFRJ) e Membro Efetivo do Programa Avançado de Neurociência
(PAN; UFRJ).
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 02-17 <http://www.cienciasecognicao.org/>
© Ciências & Cognição
Cognição 2007; Vol. 12: 02-17.
Key Words: eye-tracking; morphology internal to words; stroop effect.
1. Introdução
Um tema de pesquisa muito produtivo
em psicolingüística nas últimas três décadas é
a investigação do papel do processamento
morfológico2 no reconhecimento de palavras
e na organização do léxico na mente dos falantes. Uma questão importante do processamento lexical consiste em saber como as
palavras complexas são armazenadas e acessadas: há decomposição morfológica prévia
ao acesso lexical? Desde os estudos seminais
de Taft e Forster (1975;1976), que investigaram experimentalmente a armazena-gem e a
recuperação de palavras polimorfê-micas na
memória lexical, conduzindo ao modelo
BOSS, baseado em fatores ortográficos e
morfológicos (Taft, 1979), os estudos sobre o
parsing perceptual de palavras oferecem evidências contraditórias: de um lado, trabalhos de orientação co-nexionista, como Seidenberg e McClelland (1989) argumentam
que os efeitos encontrados em estruturas sublexicais sejam apenas epifenômenos da redundância ortográfica; de outro lado, estudos
como Marslen-Wilson et alii (1994) apresentam resultados de experimentos de priming
evidenciando que as palavras são, de fato,
representadas morfemi-camente ao nível da
entrada lexical. Além de sua caracterização
conflitante em psicolin-güística, a proposição
de segmentos sub-lexicais é controversa também no âmbito da teoria gramatical. Os Modelos
Lexicalistas (e.g. Chomsky, 1995),
embora admitindo unidades menores do que a
palavra, consi-deram a palavra pronta como
sendo a unidade que dá entrada na derivação
sintática, ao passo que modelos não lexicalistas, como a Morfologia Distribuída (cf.
Halle e Marantz, 1993), assumem uma computação sintática operando por fases com unidades desprovidas de som. Ao final de cada
fase acontece a competição, seleção e inserção de peças de vocabulário nos nós terminais
da sintaxe. Estas peças passam então por operações pós-inserção que dão a forma morfofonológica final à derivação
O presente estudo investiga, preliminarmente, se a decomposição morfológica é
uma propriedade fundamental do proces-samento lexical na leitura de palavras isoladas
em português, usando dois paradigmas experimentais. O primeiro experimento propõe
uma tarefa baseada no chamado efeito Stroop,
no qual processos atencionais concorrentes
demonstram a natureza automática das fases
iniciais do proces-samento da leitura. Nessa
tarefa, adaptada do estudo de Prinzmetal e
colaboradores (1986), solicita-se a identificação da cor de uma letra componente de um
morfema em condição na qual há corte morfêmico, comparativamente à condição em
que o corte é não morfêmico, incluindo, ainda, como controle, condição de pseudo morfemas ou seja, palavras em que há apenas coincidência fonológica com a forma do morfema (e.g. jornalista x entrevista). O objetivo do experimento é verificar em que medida no processo da leitura a identificação
implícita do morfema no interior da palavra
fonológica exercerá efeito de facilitação na
realização da tarefa de identificação cromática
(por exemplo, a cor da letra i da forma ista).
Este efeito será medido através de duas variáveis dependentes: o índice de acertos e os
tempos de decisão, computados em milésimos
de segundos, utilizando-se a plataforma experimental Psyscope em computador Apple Macintosh.
Um fator adicional também incluído
no design desse experimento é a verificação
de eventuais diferenças de desempenho resultantes da renegociação de significado acarretada pela adição do sufixo à raiz, contrastando-se formas como, por exemplo, jornalista com formas como frentista. Note-se que,
no primeiro exemplo, o sufixo -ista tem sua
computação feita tomando por base aquela da
palavra jornal, enquanto que em frentista o
significado da palavra frente não é o ponto de
partida da computação semântica causada pela introdução do sufixo -ista, embora as duas
palavras compartilhem a raiz frent-.
3
Utilizando o equipamento Head-fixed
Viewpoint Eye-tracker (CLIPSEN/CNPq), o
segundo experimento investiga o rastreamento ocular das mesmas palavras, pretendendo identificar, preliminarmente, os pontos
de fixação e sacadas na primeira passagem do
olhar, bem como nos movimentos regressivos. Os resultados obtidos nos dois experimentos permitem reunir evidências para avaliar se, no processo de leitura, palavras complexas são parseadas morfologicamente, concatenando-se raízes a afixos, em contraste
com os modelos que postulam a ativação lexical indiferenciada de vocábulos plenos.
O artigo é organizado da seguinte
forma. Na seção 2, faz-se uma breve revisão
da literatura sobre o processamento da morfologia em palavras isoladas, com especial atenção para a caracterização dos modelos de reconhecimento de palavras escritas, procurando estabelecer o quadro teórico relevante
para a discussão dos experimentos. A seção 3
reporta o experimento de decisão cromática e
a seção 4, o experimento de rastreamento ocular. A seção 5 apresenta as conclusões do artigo.
2. Modelos de processamento morfológico
Ao ler uma palavra, acessamos o seu
significado na íntegra, diretamente no léxico
mental, ou precisamos, preliminarmente, realizar operações de decomposição morfo-lógica, concatenação e interpretação composicional? O acesso lexical direto é uma heurística do tipo top-down3, em que se procede diretamente do input sensorial para um nível de
representação “mais alto”do item lexical, ou
seja, a palavra inteira, tomada como um listema (cf. Di Sciullo e Williams, 1987), sem
precisar recorrer à análise de possíveis subcomponentes do item. A decomposição morfológica, por outro lado, é um algoritmo bottom-up em que o acesso lexical é o produto
final de operações “menores” de segmentação
de morfemas, identificando-se subunidades
lexicais que são, então, montadas em todos
maiores, os itens lexicais. Os modelos de acesso lexical direto, também denominados de
modelos de listagem plena, economizam em
recursos computacio-nais, mas precisam contar com alta capacidade de armazenagem
mnemônica. Os modelos composicionais ou
de parsing pleno, por outro lado, demandam
maior custo computacional, mas economizam
na armaze-nagem mnemônica. Uma terceira
alternativa admite a possibilidade de que os
dois tipos de processos –heurísticas top down
e algoritmos bottom-up – possam coexistir no
proces-samento lexical. São os modelos mistos ou duais, que lançam mão dos dois tipos
de recursos, prevendo uma espécie de competição entre eles.
O modelo de Affix-Stripping de Taft e
Foster (1975) é o precursor dos modelos estruturais. Utilizando uma tarefa de decisão
lexical, Taft e Foster demonstraram que palavras com raízes reais precedidas por prefixos
(e.g. re+cursion) são mais difíceis de rejeitar
do que palavras com pseudo-raízes
(re+pertoire). Uma vez que as raízes reais seriam armazenadas separadamente dos afixos,
sua rejeição é mais lenta, pois após a operação
de isolamento do afixo estas raízes que podem, de fato, ser localizadas no léxico, requerem consideração extra na tarefa de decisão
lexical. Por outro lado, as palavras com pseudo-raízes apresentaram tempos de rejeição
menores justamente por não poderem ser localizadas no conjunto de raízes possíveis no
léxico. Posteriormente, Taft (1979) demonstra
que o efeito de decomposição morfológica do
modelo Affix-Stripping também pode ser obtido em palavras com sufixos. Taft (1994) faz
ajustes no modelo prevendo que a decomposicionalidade morfo-lógica seja a rota default,
mas que o fator freqüência possa também exercer um efeito que resulta em pouca ativação dos morfemas nas palavras mais freqüentes, aproximando, na prática, seu modelo
dos modelos duais.
No extremo oposto, a hipótese Full
Listing de Butterworth (1983) propõe que as
palavras estejam disponíveis para reconhecimento no léxico já com sua morfologia,
sendo acessadas apenas em sua forma plena,
sem qualquer operação decomposicional.
Também os modelos conexionistas como, por
exemplo, o desenvolvido por Seidenberg e
McClelland (1989), propõem uma arquitetura
4
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paralela e distribuída de reconhecimento visual de palavras em que se pretende que ajustes nos pesos das conexões entre unidades ortográficas e fonológicas sejam propagados
através de algoritmo de aprendizagem, sendo
capazes de simular o reconhecimento de palavras de forma associativa e rápida, sem utilizar a informação morfológica.
No caminho do meio, estão os modelos mistos ou duais, que combinam aspectos
dos dois modelos anteriores. O modelo de
Augmented Addressed Morphology - AAM de
Caramazza e colaboradores (1988) propõe
que as palavras familiares sejam acessadas de
forma plena, enquanto que as palavras desconhecidas sejam alvo de processos decomposicionais. O modelo de dupla rota paralela de
Schreuder e Baayen (1995) propõe que tanto
uma rota de parsing morfológico quanto uma
rota direta sejam acionadas, em paralelo, desde o início do processo de reconhecimento
lexical. O modelo de Marslen-Wilson e colaboradores (1994), estabelecido com base em
experimentos de priming, propõe que a decomposição morfo-lógica seja mais provável
quando a relação entre a palavra composta
com afixos e a sua raiz é transparente. Outro
modelo, o de Pinker (1991) prevê que as formas regulares, como, por exemplo, os passados simples formados em –ed, em inglês, sejam acessados via concatenação morfológica,
enquanto que os passados irregulares, como
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taught, por exem-plo, sejam armazenados
plenamente no léxico. Stockall e Marantz
(2006), por outro lado, apresentam evidências
de experimentos utilizando a técnica de Magneto-encefalo-grafia, de que um único mecanismo de conca-tenação morfológica dá conta
tanto dos pas-sados regulares quanto dos irregulares em inglês.
Como se vê, a literatura apresenta
grande divergência de posições teóricas e métodos. Os experimentos reportados nas seções
a seguir têm o intuito de investigar preliminarmente a questão a partir do exame de dados do português, procurando avaliar de forma ampla os três tipos de modelos de processamento lexical resenhados acima a partir
de dados recolhidos da atividade de leitura.
3. Experimento 1 – Decisão cromática no
processamento de palavras isoladas
Este estudo baseia-se no chamado “efeito stroop”, estabelecido através de uma série de experimentos clássicos em que se testou
a nomeação cromática em palavras para cores escritas com letras em cores que podiam
concordar ou não com a denotação das palavras (cf. Stroop, 1935). Conforme ilustrado na
Figura 1, abaixo, as respostas eram mais rápidas quando havia conver-gência do que
quando havia divergência.
Figura 1 - Efeito stroop.
A interpretação destes resultados geralmente sugere que a dificuldade em no-mear
palavras com discordância entre a nomeação
cromática e a cor das letras se deve a competição, neste caso, entre significado literal e
outro metafórico
5
Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 02-17 <http://www.cienciasecognicao.org/>
No presente experimento, estabeleceuse uma outra sorte de discordância cognitiva:
morfológica e visual. A hipótese aqui é a de
que uma letra poderia ter sua cor identificada
mais acertada e rapidamente quando fizesse
parte de um morfema em que todas as letras
tivessem a mesma cor. A variável independente “recorte cromático” indica, portanto,
que a manipulação de cores poderia singularizar o morfema com todas as letras na
mesma cor (corte morfêmico) ou não (corte
não morfêmico). Outra variável independente
do experimento foi chamada de tipo de morfema, incluindo três níveis, a saber, mor-fema
concatenado a palavras (MP), pseudomorfema (PM) e morfema concatenado a raízes (MR).
As variáveis dependentes do experimento foram os índices de acerto cromático e
os tempos de decisão. A variável independente “tipo de morfema” permitiu que se examinasse o papel de três fatores no processamento de palavras em português:
1) Morfemas concatenados a palavras (MP):
palavras formadas por concatenação de
um morfema a uma palavra, havendo
transparência semântica entre a palavra
complexa e a base da qual ela é derivada;
2) Pseudo-morfemas (PM): controles ortográficos em que há apenas uma coincidência ortográfica com a forma dos morfemas.
3) Morfemas concatenados a raízes (MR):
palavras formadas por concatenação de
um morfema a uma raiz, situação em que
o significado da palavra é arbitrário e a
leitura é dada na enciclopédia.
3.1. Materiais e métodos
Participantes
© Ciências & Cognição
Participaram do experimento, como
voluntários, 20 alunos do terceiro período de
graduação em Letras da UFRJ, todos com visão normal ou corrigida.
Materiais
Os materiais experimentais foram três
listas de 14 palavras cada, tendo-se procurado
controlar o tamanho e a freqüência de ocorrência médios das palavras cada lista. Os tamanhos foram equalizados, tendo cada lista,
em média, 45 sílabas e 104 letras. As freqüências tiveram como índice para o seu estabelecimento o número de ocorrências no sistema de buscas Google, à época em que o ex-
perimento foi realizado. As diferenças médias
entre os índices de ocorrência dos itens das
três listas não foram significa-tivamente diferentes. A Figura 2 exemplifica as três listas:
Figura 2 - Exemplos dos materiais experimentais
O design em quadrado latino permitiu
que todos os sujeitos fossem expostos a todas
as condições, mas não aos mesmos itens em
todas as condições, havendo, portanto, distribuição do tipo de corte between subjects em
dois grupos. A Figura 3 ilustra as seis condições experimentais em que se controlou também, sistematicamente, o contraste de cores
verde e vermelho.
6
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Figura 3 - Condições experimentais.
Além dos 42 itens experimentais, incluiram-se no teste oitenta itens distrativos em
que letras no início e no fim das palavras eram destacadas cromaticamente.
tela em que uma palavra era apresentada e a
segunda tela em que a cor de uma letra era
perguntada.
Procedimentos
Os participantes foram testados individualmente em sala isolada, em que se encontrava o computador Macintosh I-Mac de
360MHz e uma caixa de botões. Ao pressionar a tecla amarela na caixa de botões ao lado
do computador, uma palavra era chamada à
tela por 4 segundos, sendo, após esse lapso,
automaticamente substituída por tela em que
uma mesma letra aparecia em verde e em
vermelho seguida de ponto de interrogação.
Nos itens experimentais, esta letra era sempre
a primeira letra do sufixo ou do pseudomorfema. Nos distratores, esta letra estava em
outras posições, no início ou no fim da palavra. Os participantes deveriam, então, escolher a cor da letra, apertando a tecla verde ou
a tecla vermelha na caixa de botões. O programa Psyscope registrava, então, a decisão
do sujeito, bem como os seus tempos de reação. Após sua decisão, os participantes deveriam apertar a tecla amarela para que outra
palavra fosse chamada à tela, prosseguindo
conforme descrito anterior-mente até que todas as palavras tivessem sido apresentadas, o
que era assinalado por uma última tela com a
palavra FIM. As Figuras 4, 5 e 6, ilustram
respectivamente a caixa de botões, a primeira
Figura 4 - Caixa de botões.
Figura 5 - Exemplo de tela em que o estímulo
era apresentado por 4 segundos.
7
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Figura 6 - Exemplo de tela com pergunta
sobre a cor de letra .
3.2. Resultados
Os resultados estão apresentados na
Tabela 1 e nos Gráficos 1 e 2 abaixo. Observe-se que o índice de acertos na condição
MPC é significativamente maior do que na
condição MPN (X2=12,85; p = 0,0003) e que
os tempos de decisão de acerto de MPC são
Acertos
RT
MCP
114
1334
MPN
87
1722
PMC
98
1537
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significativamente mais rápidos do que os de
MPN (t = 3,797; p = 0,0002), confirmando
que há um efeito de recorte cromático atuante
nas condições com morfemas. O recorte cromático dos morfemas foi, de fato, um fator
facilitador nas decisões, fazendo aumentar o
índice de acertos e diminuindo o tempo médio
de decisão. Observe-se, em seguida, que o
mesmo não se instancia na comparação PMC
x PMN que apresentam índices de acerto
(X2= 0,2800; p = 0,5967) e de tempos de decisão de acerto (t = 1,120; p = 0,264) indiferenciados. Finalmente, a comparação das últimas duas colunas entre si indica que o efeito
do recorte cromático também se instancia significativamente ao se comparar MRC com
MRN. O índice de acertos na condição MRC
é significativamente maior do que na condição MRN (X2=14,74; p = 0,0001) e os tempos
de decisão de acerto de MRC são significativamente mais rápidos do que os de RN (t =
4,645; p = 0,0001).
PMN
102
1737
MRC
110
1319
MRN
60
1807
Tabela 1 – Índices de acerto e tempos de decisão por condição.
Grafíco 1 – Índices de acertos.
8
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Gráfico 2 – Tempos de decisão.
3.3. Discussão
Os resultados obtidos indicam que os
sujeitos reconhecem mais acertada e rapidamente a cor da letra alvo nas condições com
recorte morfêmico, esteja o morfema em concatenação com uma palavra(MP) ou com uma
raiz (MR). Por outro lado, não se observou
efeito de recorte cromático significativo, quer
nos índices, quer nos tempos de decisão acertada, nas condições com pseudo-morfema
(PM).
Esses resultados sugerem que os leitores utilizariam um procedimento de parsing
morfológico pleno, isolando os morfemas que
compõem uma palavra, quer esses morfemas
estejam em relação de transparência, quer estejam em relação de opacidade com a base.
Nas condições com morfemas concatenados a
palavras (MP), os leitores identificariam a palavra e o sufixo. Por exemplo, ao ler a palavra
malinha, fariam a segmentação mala+inha
para chegar ao significado “mala pequena”.
Também nas condições com morfemas concatenados diretamente à raiz (MR), esta segmentação se instanciaria. O que os resultados
parecem estar indicando é que existe uma
operação crucial de concatenação de morfema
com raiz que ocasiona uma negociação de
significado, a qual pode ser acrescida de mais
uma concatenação, cujo aporte semântico regular é processado em tempo mínimo.
Crucialmente, no entanto, as condições com pseudo-morfemas em que não se
observam efeitos significativos de recorte
cromático, parecem sugerir que os leitores
têm conhecimento intuitivo da morfologia,
não segmentando morfemas quando há apenas
material ortográfico não segmentável, como é
o caso das palavras da lista PM. Por exemplo,
ao ler a palavra espinha, derivada do latim
spina, ae, o processador morfológico não seria ativadopara segmentar, reconhecer e fornecer a interpretação ilegítima “espi pequeno”, uma vez que, nesse caso, não há morfema diminutivo a ser segmentado e processado, apenas material ortográfico semelhante
que a competência lingüística do falante saberia diferenciar de um morfema verdadeiro.
4. Experimento 2 – rastreamento ocular
Este experimento rastreou os movimentos oculares na leitura do mesmo conjunto de palavras do experimento anterior, sem,
no entanto, incluir a manipulação cromática.
A hipótese era a de que as palavras com morfemas, sejam as transparentes, sejam as opacas, apresentariam maiores tempos médios de
fixação e maiores índices de movimentos sacádicos progressivos ou regressivos do que as
palavras com pseudo-morfemas. Esses índices
mais elevados de fixação e movimentação
ocular nas condições com morfema refletiriam a atividade de concatenação morfêmica
9
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levada a efeito no processamento visual dessas palavras, em oposição ao acesso mais direto, a ser observado nas condições com
pseudo-morfemas, em que não se esperariam
níveis significativos de computação interna .à
palavra. A literatura sobre rastreamento ocular da leitura reconhece não só que medidas
de movimento ocular possam ser usadas para
inferir processos cognitivos que variam de
momento a momento na leitura, mas também
que a variabilidade das medidas refletem o
processamento on-line (cf. Rayner, 1983).
Mais especificamente, Kuperman e colaboradores (2006) demonstraram que a complexidade morfológica na leitura de palavras isoladas em holandês implica maiores tempos de
fixação.
Os três fatores da variável independente tipo de morfema (MP, PM e MR)
são examinados no presente estudo, que tem
como variáveis dependentes os tempos de fixação e os índices de movimentos sacádicos
na leitura das palavras.
4.1. Materiais e métodos
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Participaram do experimento 16 alunos de graduação do curso de Fonoaudiologia da UFRJ, com visão normal, sem
necessidade de uso de óculos ou lentes de
contacto.
Materiais
Os materiais experimentais usados no
estudo foram os mesmos usados no experimento 1, sem manipulação cromática: três
listas de 14 palavras cada, controladas quanto
à freqüência e tamanho, a saber, palavras com
morfemas, pseudo-morfemas e morfemas renegociados.
Procedimentos
Os participantes foram testados individualmente em sala isolada, em que se encontravam o equipamento de rastreamento
ocular Arrington View Point Quick Clamp
Eye-tracker (CLIPSEN-CNPq), com resolução temporal de 30Hz (640x 480), ilustrado
na Figura 7:
Participantes
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Figura 7 – Equipamento de rastreamento ocular.
10
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Os participantes foram instalados no
equipamento a distância de cerca de 50 cms
do monitor e instruídos a fazer leitura silenciosa auto-monitorada das palavras que íam
chamando à tela através do pressiona-mento
da tecla F-12 no teclado do compu-tador Pentium IV 2,6GHz a que o rastreador ocular está
conectado. As palavras grafadas em fonte times new roman 36 apareciam no centro da
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tela, ali permanecendo até que o sujeito apertasse a tecla F-12 novamente. Entre uma palavra e outra aparecia uma tela cinza vazia. A
tarefa pedida aos sujeitos era a de que lessem
as palavras para compreensão, sendo que ao
final seriam testados quanto ao seu significado. A Figura 8 ilustra participante durante a
realização do teste.
Figura 8 – Participante do experimento de rastreamento ocular.
4.2. Resultados
Os resultados estão apresentados na
Tabela 2 e nos Gráficos 3 e 4 a seguir. Notese que os tempos médios de fixação diferem
significativamente entre morfemas concatenados diretamente a palavras (MP) e pseudomorfemas (PM) na direção esperada (583 ms
x 512ms), embora a diferença entre os índices
de movimentos sacádicos, ainda que na direção esperada, seja apenas visual, não signifi-
cativa estatisticamente (X2= 1,838; p =
0,1752). De qualquer forma, as palavras na
condição MP, em que morfemas estão concatenados a palavras, requerem mais tempo de
fixação (t = 2,936; p = 0,0034), atestando a
maior atividade requerida pela decomposicão
morfológica na leitura do primeiro grupo. Entretanto, diferentemente do obtido no Experimento 1, também se atesta-ram diferenças
significativas dos tempos de fixação (t =
3.078; p = 0,0021) com a mesma magnitude e
11
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direção entre as palavras com morfemas concatenados a palavras (transparentes) e as palavras com morfemas concatenados a raízes
(opacos), cujo
significado é arbitrário. Já entre o grupo de palavras com pseudo-morfemas (PM) e
o grupo de palavras com primeira concatenação na raiz (MR) não há diferenças significa-
Fixações
Sacadas
MP
583
609
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PM
512
576
MR
509
575
Tabela 2 – Fixações e movimentos sacádicos.
tivas nos tempos de fixação (t = 0,1215; p =
0,9033).
Gráfico 3 – Tempos médios de fixação.
Gráfico 4 – Índices médios de movimentos sacádicos.
12
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4.3. Discussão
Os resultados do experimento de rastreamento ocular sugerem uma correlação entre a computação morfológica no interior da
palavra e os tempos de fixação médios – palavras com sufixos concatenados a palavras
apresentam tempos de fixação médios mais
elevados do que palavras com pseudo-morfemas, confirmando parcialmente a hipótese
de que a concatenação morfêmica requer
maiores latências, já que os índices de movimentação sacádica, embora apresentando médias na direção esperada, diferiram de forma
estatisticamente não significativa. Observe-se
que a diferença nos cruzamentos entre a condição com morfemas concatenados a palavras
(MP) e a condição com pseudo-morfemas
(PM) é simétrica às que foram obtidas no experimento 1, onde também se observaram diferenças significativas entre essas duas condições. A falta de simetria entre os dois experimentos, entretanto, se instancia ao se compararem as condições de palavras com morfemas concatenados a palavras (MP) com as
condições de palavras com morfemas concatenados diretamente a raízes (MR), no teste
de rastreamento ocular. Enquanto que neste
último teste, há diferenças significativas nos
tempos de fixação entre as duas condi-ções,
sugerindo que os dois grupos de palavras são
processados diferentemente, no experimento
1, não se obtiveram diferenças significativas
entre esses dois grupos, inferin-do-se, ali, que
a computação morfológica ocorria de modo
idêntico, fossem os morfe-mas concatenados
a palavras, fossem eles concatenados a raízes.
Uma forma de tentar explicar esta contradição entre os dois experimentos seria atribuir à natureza das tarefas a diferença encontrada entre os dois experimentos no que se
refere ao grupo de palavras com concatenação de morfemas a raízes (MR) que, no
primeiro experimento, se posicionaram ao
lado do grupo de palavras com morfemas
concatenados a palavras (MP) e, no segundo
experimento, se alinharam melhor com o grupo de palavras com pseudo-morfemas. A tarefa de identificação cromática requeria que se
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destacassem com a mesma cor os morfemas,
tanto no grupo onde havia composição semântica regular (MP), quanto no grupo em
que havia leitura semântica arbi-trária (MR).
Esse destaque do morfema pode ter funcionado como um artefato que ativou o procedimento computacional de concatenação morfológica em ambos os grupos, independentemente do significado ter sido fixado por computação composicional ou por fixação mnemônica semanticamente arbi-trária. No grupo
de pseudo-morfemas, embora as formas ortograficamente semelhantes a morfemas tenham
também sido destacadas, os falantes não as
teriam percebido como verdadeiros morfemas, não optando, por isso, pelo procedimento computacional e sim pelo acesso pleno (listema). Já no experimento de rastreamento
ocular, em que não se deu destaque nem aos
morfemas concatenados a palavras (MP), nem
aos concatenados a raízes (MR) e nem aos
pseudo-morfemas (PM), pôde-se capturar o
acesso com base na computação morfológica
apenas no grupo de palavras com morfemas
concatenados a palavras, de leitura composicional (MP). Nos dois outros grupos, os leitores teriam optado pelo procedimento de listagem plena, menos custoso em termos de tempos de fixação. No grupo de pseudomorfemas, o procedimento de acesso direto
seria o único possível, uma vez que a computação levaria a resultado enganoso.
No grupo de morfemas concatenados a
raízes (MR), embora o procedimento computacional fosse possível, não foi o preferido,
provavelmente também por considerações de
natureza econômica já que o acesso top-down
é menos custoso computacionalmente e, por
isso, menos demorado em termos de tempos
de fixação. De qualquer modo, os experimentos parecem haver indicado a disponibilidade dos dois tipos de procedimentos de acesso lexical no processamento de palavras isoladas em português, o acesso direto e o mediado pela computação morfológica, aduzindo
evidências em favor dos modelos duais ou de
dupla rota. Constatam-se, então, dois procedimentos de acesso - o procedimento mnemônico e o computacional, o primeiro concer-
13
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nente à ativação da convenção arbitrária, que
acontece na primeira concatenação de morfema categorizador a uma raiz acategorial e o
segundo concernente ao cálculo da composição semântica, um cálculo que vai sendo efetuado logo após a primeira concatenação de
afixo a raiz.
Note-se, finalmente, que após a realização do experimento de rastreamento ocular realizaram-se entrevistas com os participantes, indagando-se sobre a ocorrência e os
significados de algumas palavras experimentais apresentadas no teste. Registre-se que
ao menos uma das palavras experimentais do
grupo dos morfemas opacos, a palavra mocinho, apresentou interpretações variáveis entre
o sentido computado morfologicamente (moço+inho) e o sentido determinado medi-ante
negociação semântica da estrutura Raiz+x
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(moc+inho). A maior parte dos sujeitos forneceu como primeira interpretação o sentido
negociado, a saber, o de herói, oposto a bandido. Esta interpretação é consistente com o
padrão de leitura do tipo top-down com menores índices de fixação e de movimentos sacádicos, ilustrado na Figura 9. Entretanto vários participantes também apresentaram como
primeira interpretação o significado de moço
jovem que teria resultado do procedimento
bottom-up de concatenação da raiz com o
sufixo diminutivo, o que poderia ter como
correlato padrões de leitura com mais atividade ocular, como o ilustrado na Figura 10. A
existência de tais variações sugerem que o
controle mais preciso dessas acepções pode
ser crucial para se estabelecer com maior precisão os processos de acesso lexical levados a
efeito na leitura de palavras isoladas.
Figura 9 – Padrão de leitura top-down.
14
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Figura 10 – Padrão de leitura bottom-up.
5. Conclusões
Resumem-se abaixo as principais conclusões a que se chegou neste artigo:
•
•
•
A tarefa Stroop indicou que os leitores
têm conhecimento intuitivo de morfemas
computados composicionalmente e morfemas responsáveis por leituras arbitrárias,
que atuam como facilitadores dos índices
de acerto e dos tempos de resposta, em
contraste com as condições com palavras
contendo apenas material ortograficamente semelhante a morfemas.
Há processamento morfológico no interior
da palavra, conforme predito pelas teorias
de parsing pleno.
O rastreamento da leitura das mesmas palavras indicou maior atividade ocular (fixações) na condição com morfemas com
leitura composicional do que nas condi-
•
•
ções com pseudo-morfemas e com morfemas que determinam leitura arbitrária.
Houve também ocorrência de padrões
oculares indicativos de acesso lexical direto, aduzindo evidências em favor de modelos de dupla rota que prevêem tanto a
computação quanto o acesso direto.
A contradição entre os resultados obtidos
nos dois experimentos poderia ser explicada em termos da natureza diferenciada
das tarefas. Enquanto que na tarefa baseada no efeito Stroop os morfemas eram
destacados, a tarefa de rastreamento ocular não incluiu esta explicitação dos morfemas. No grupo de palavras com morfemas opacos, que pode admitir duas interpretações, a explicitação dos mor-femas
introduz um artefato que favore-ceria o
processamento bottom-up, enquan-to a sua
não explicitação favoreceria o processamento top-down.
15
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•
Finalmente, tomados em conjunto, os achados dos dois experimentos sugerem
que o acesso lexical é um processo extremamente complexo, justificando que se
realizem outras pesquisas, controlando-se
com maior precisão fatores tais como o
ponto de concatenação dos sufixos, as freqüências de ocorrência dos itens lexicais,
o grau de familiaridade que dife-rentes
grupos de sujeitos podem ter com as palavras, bem como suas polissemias.
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Notas
(1) Este trabalho foi apresentado originalmente na mesa redonda “Restaurar dá restaurante? Analisando a persistência
da morfologia no acesso lexical”, coordenada por Miriam Lemle (Clipsen/UFRJ), durante o V Congresso Internacional
da Associação Brasileira de Lingüística – ABRALIN, realizado na UFMG, em Belo Horizonte, entre os dias 28 de
fevereiro e 3 de março de 2007.
(2) O processamento morfológico é um processo sublexical que equivale à concatenação sucessiva de raiz e morfemas
categorizadores em prol da formação de uma palavra. Por exemplo, a palavra rastreamento é morfologicamente
complexa. É formada a partir da raiz RASTR que se combina com o morfema nominalizador Ø (sem forma fonológica)
e se torna o nome rastro. Depois, rastro se concatena com o morfema verbalizador e forma rastrear. Por fim, o verbo
rastrear se concatena a um morfema nominalizador
com forma fonológica mento em prol da palavra
[[[rastr]nea]vmento]n.
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 02-17 <http://www.cienciasecognicao.org/>
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(3) Heurísticas top down no acesso lexical parecem sempre poder ocorrer, sendo, até certo ponto, imprevisíveis, pois
variam em função de fatores tão diversos quanto a freqüência, a familiaridade, a similaridade semântica, prosódica,
fonética, ortográfica, etc. Por exemplo, recentemente, pudemos observar alguém recuperar o nome de um grupo de
mímicos denominado Mummenshantz, como Haagendaz. Pode-se especular que o acesso se deveu a fatores tão
diversos quanto o número de sílabas, a pauta acentual, bem como, talvez, à percepção de que se tratava de termo em
língua estrangeira.
17
Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 18-30 <http://www.cienciasecognicao.org>
S u b me t i d o e m 1 6 / 1 0 / 2 0 0 7 | A c e i t o e m 2 6 / 1 1 / 2 0 0 7 | I S S N 1 8 0 6 - 5 8 2 1 – P u b l i c a d o o n l i n e
© Ciências & Cognição
e m 0 3 d e d e z e mb r o d e 2 0 0 7
Artigo Científico
Do herói ficcional ao herói político
From the imaginary hero to the political hero
Hilda Gomes Dutra Magalhães, Luíza Helena Oliveira da Silva e Dimas José Batista
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Palmas, Tocantins, Brasil
Resumo
Partindo do pressuposto de que a literatura materializa os valores ideológicos de um determinado grupo, pretendemos neste artigo refletir sobre as relações existentes entre o perfil dos personagens das
narrativas de massa consumidas pelos eleitores e a imagem de político vendida/administrada pela mídia em campanhas eleitorais. Utilizando como suporte teórico a Análise do Discurso, pudemos observar que tanto nas sociedades capitalistas quanto nas não capitalistas, temos uma mídia que constrói,
fabrica e inventa heróis políticos. A mitificação da dimensão política corresponde simetricamente aos
desejos e anseios de proteção, amparo e conforto dos eleitores, perdidos num mundo com valores essenciais fragmentados. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 18-30.
Palavras-chave: herói; mitificação política; análise do discurso.
Abstract
Having as principle that the literary art represents the ideological values of one determined group,
we want in this article to reflect about the relations between the mass narratives personages profile
consumed by the voters and the profile of the political sold / managed by the media during politics
campaigns. We observed, using the Discourse Analysis theory, as much in the capitalists societies
how much not capitalists, the existence of a media that constructs political heroes. This mystification
of the political dimension corresponds symmetrically to the desires and to the protection necessities of
voters, lost in a world deprived of basic values. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 18-30.
Key Words: hero; politic mitification; discourse analysis.
Introdução
Discutir a construção ideológica, simbólica e discursiva da figura do “herói” no
campo das ciências humanas e sociais remete
a uma intrincada teia de reflexões sobre a so-
ciedade presente e passada, especialmente
quando lidamos com construções/fabricações/
invenções produzidas no universo literário e
político. Nesta reflexão, alguns dados poderiam ser considerados para precisar melhor a
função social do herói e da heroificação
- H.G.D. Magalhães é Doutora em Teoria da Literatura (Universidade Federal do Rio de Janeiro), com Pósdoutorado (Universidade de Paris III e na École des Hautes Études en Sciences Sociale). Atualmente atua como Professora do Curso de Letras e do Mestrado Iterdisciplinar em Ciências do Ambiente (UFT). Endereço para correspondência: Campus de Araguaína - Unidade São João (UFT). Rua 1º de Janeiro, S/N, São João, TO 77.080-000. Telefone:
14 (63) 21122219. E-mail para correspondência: [email protected]. L.H.O. da Silva é Doutora em Estudos da
Linguagem (Universidade Federal Fluminense). Atua como Professora do Curso de Letras (UFT/Araguaína-TO). D.J.
Batista é Doutor em História (Universidade de São Paulo). Atua como Professor do Curso de História
(UFT/Araguaína-TO).
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(compreendido como processo de produção
discursiva da figuratividade heróica).
As qualidades do herói, suas características no imaginário coletivo e a natureza
ideológica atreladas a sua figurativização contribuem, certamente, para a compreensão do
problema da consciência. A consciência, nesse caso, vai ser concebida na perspectiva dialógica de Bakhtin como uma produção histórica, opondo-se, portanto, à possibilidade de
uma subjetividade absoluta capaz de separarse do mundo para melhor desvendá-lo, como
prevista numa abordagem idealista. Para Bakhtin, a consciência não vai ser buscada no
interior do sujeito, mas na relação entre os
sujeitos constituídos historicamente, conforme analisa em Marxismo e filosofia da linguagem:
Se tomarmos a enunciação no estágio
inicial de seu desenvolvimento, na “alma”,
não se mudará a essência das coisas, já que a
estrutura da atividade mental é tão social como da sua objetivação exterior. O grau de
consciência. De clareza, de acabamento formal da atividade mental é diretamente proporcional ao seu grau de orientação social.
Quanto mais forte, mais bem organizada e
diferenciada for a coletividade no interior da
qual o indivíduo se orienta, mais distinto e
complexo será o seu mundo exterior (Bakhtin,
1995: 114-115).
A produção literária, particularmente,
a ocidental sobre a figura do herói realmente
assenta-se no maniqueísmo, na unilateralidade
e no sucesso do herói. Estes elementos são
centrais para compreensão da criação discursiva do herói pela reiteração de determinados
traços semânticos como a imortalidade, a invencibilidade, a superação do conflito moral e
ético, incidindo sobre a ativação de um sentimento de identidade coletiva: o herói fala aos
anseios de uma maioria, dá contornos precisos
ao que num dado momento representa os seus
anseios e angústias.
Tais elementos ônticos não vinculam
automaticamente a figura do herói a um grupo
social específico, embora os processos de heroificação, ao atualizá-los, resignifiquem-nos.
Assim, as figuras heróicas das tragédias, epopéias e fábulas greco-romanas porventura
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guardariam os mesmos traços dos heróis contemporâneos? Certamente que não, mas uma
abstração parece resistir, capaz de subsumir a
diversidade de representações e esquemas culturais que definem as especificidades das figuras que as sociedades elegem como heróicas.
Neste trabalho, partimos do pressuposto de que a arte literária, mais do que um simples documento estético de um povo, materializa os valores ideológicos que sustentam a
cultura de um determinado grupo. Acreditando nisto, podemos entender a produção literária como um termômetro para se compreender
a consciência política de um grupo social, o
que pode ser observado não apenas no tipo de
literatura que essa sociedade produz, mas
principalmente na natureza dos textos que ela
consome. Isso posto, interessa-nos neste artigo refletir sobre as relações existentes entre o
perfil dos personagens das narrativas de massa consumida pelos eleitores e a imagem de
político que é vendida/administrada pela mídia em época de campanha eleitoral, na medida em que muitas vezes o representante a ser
eleito deve corresponder a uma espécie de
herói, capaz de abraçar os interesses de uma
maioria, exacerbando-se seus poderes como
ator na transformação social e econômica.
Mais especificamente, lançamos nosso olhar
para alguns recursos mobilizados durante
campanha para a eleição do governador do
estado do Tocantins, em 2006.
Como suporte teórico utilizaremos a
Análise do Discurso (AD), que concebe a apropriação do discurso como um processo
essencialmente coletivo, social e histórico.
Para os representantes dessa corrente, a teoria
do discurso deve explicar não apenas a realidade lingüística do texto, visto como algo em
si, mas sua relação com a ideologia e, desse
modo, ao Poder.
As determinações do discurso
Althusser (1984), um dos teóricos cujas formulações corroboram para a constituição da Análise do Discurso, nos explica que a
classe dominante consegue perpetuar sua hegemonia graças a dois aparelhos fundamen-
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tais: o repressor, representado pela política,
pela Administração, pelo Governo, pela Justiça, etc., e o ideológico, constituído pela família, pela escola, pela religião, etc. O primeiro
tem como fundamento a repressão, enquanto
que o segundo é caracterizado pela disseminação ideológica que perpetua o Poder. Althusser afirma que a ideologia se materializa
na maneira como se organizam os aparelhos
repressivos e ideológicos, compreendendo por
ideologia a forma imaginária como os homens
vivem sua relação com as condições reais de
existência, caracterizada como mitificação.
Neste sentido, a ideologia apresenta
uma existência material e tem como finalidade a manutenção do Poder, o que só é possível através da perpetuação da ideologia que o
sustenta. Essa perpetuação é garantida, por
sua vez, por um contínuo processo de transformação de indivíduos em sujeitos ideológicos, quando estes são assimilados pelo sistema, passando a disseminar a ideologia dominante.
Foucault (1999), ao instituir os fundamentos da teoria do discurso, concebe o
discurso como um conjunto de enunciados
ligados por uma mesma formação discursiva.
Para ele, o enunciado se caracteriza pela sua
relação com o referencial, compreendido como o que enuncia o enunciado e pela relação
do enunciado com o sujeito, considerando que
é o sujeito que anima, através de sua forma de
ver o mundo, as formas vazias da língua, dispondo para isso de signos, marcas, traços, letras, etc. Outra característica do discurso está
na existência de um domínio próprio, ou seja,
de um espaço, responsável por integrar o enunciado num conjunto de enunciados, considerando que os enunciados existem sempre
em conjunto e nunca isoladamente. Ou seja,
não se pode falar em enunciado livre, neutro
ou independente, mas sempre em um enunciado contextualizado, fazendo parte de um jogo enunciativo, pois, para Foucault (1999: 9),
a linguagem é exatamente isso: jogo, defesa,
arma, etc.
Finalmente, outra característica do
discurso é a sua condição material, que afirma
o enunciado enquanto objeto. Assim, a repetição de um enunciado depende de sua materia-
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lidade, isto é, depende de seu espaço institucional, e por isso uma mesma palavra ou frase
terá significados diferentes conforme a formação discursiva na qual se insere.
O conceito de formação discursiva é
bastante complexo e polêmico. Utilizamos
inicialmente a definição de Orlandi, segundo
a qual uma formação discursiva deve ser
compreendida como a atualização no discurso
das formações ideológicas: “A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de
uma posição dada em uma conjuntura sóciohistórica dada – determina o que pode e deve
ser dito” (Orlandi, 1999: 43). Para Mussalim,
os limites de uma formação discursiva (FD)
são instáveis, uma vez que esta se inscreve
num espaço de embate ideológico: “uma FD
se inscreve entre diversas formações discursivas, e a fronteira entre elas se desloca em função dos embates da luta ideológica, sendo estes embates recuperáveis no interior mesmo
de cada uma das FDs em relação” (Mussalim,
2001: 125). O conceito de formação discursiva remete, pois, à incompletude como condição da linguagem, uma vez que os sentidos
não estão constituídos definitivamente:
“Constituem-se e funcionam sob o modo do
entremeio, da relação, da falta, do movimento”, nos “limites moventes e tensos entre a
paráfrase e a polissemia” (Orlandi, 1999: 52),
repetindo ou rompendo com os sentidos de
uma dada formação discursiva.
O conceito de formação discursiva,
compreendida como atualização de uma formação ideológica, é fundamental para a Análise do Discurso, do mesmo modo que os
conceitos de enunciado e enunciação. O enunciado é compreendido como a unidade
lingüística básica, em substituição a sentença,
forma, frase. A enunciação, por sua vez, é a
singularização do discurso, aqui compreendido como jogo estratégico e polêmico, ação e reação, pergunta e resposta, dominação
e esquiva. Em outras palavras, o discurso,
para Foucault, é o espaço em que saber e poder se articulam e é justamente por isso que
ele precisa ser controlado, selecionado, organizado e redistribuído (Foucault, 1999: 9).
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A contribuição de Foucault é importante porque liga definitivamente língua e realidade sócio-histórica. A partir dele e de Althusser, Pêcheux desenvolve a Análise do
Discurso, englobando o materialismo histórico, a lingüística e a teoria do discurso. Para
ele, cada indivíduo recebe uma formação discursiva, que define o que pode ou não dizer o
sujeito. Nestes termos, quando alguém se manifesta, diz não exatamente o que quer, mas o
que pode e deve dizer, pois, assim como uma
formação ideológica determina o que o indivíduo pensa, uma formação discursiva determina o que esse indivíduo pode e deve falar.
Citando Eni Orlandi (2001:164), “não há sentidos em si”. Do mesmo modo, “os sentidos
não dependem de nossas intenções, mas de
possibilidades e necessidades reais concretas
com seus efeitos simbólicos”. Em outras palavras, existe uma formação discursiva que
predetermina o discurso de cada um de nós a
partir de um espaço determinado histórico e
socialmente.
Analisando o discurso literário, Heliane de Castro (1983:17) afirma que o processo
de criação da arte escrita acha-se ligado a um
assunto, isto é, a uma "idéia ou conjunto de
idéias" que dizem respeito aos valores ideológicos. Registra ainda que, nesse sentido, a ideologia "é o fundamento da criação literária,
pois a partir dela passam a existir os dados
constituintes da obra" (Castro, 1983: 17).
Uma das características básicas da obra literária é ser, portanto, ideológica, isto é, a obra se
constitui num meio de propagação de idéias, o
que a torna um instrumento de repetição dos
valores dominantes ou da instauração da possibilidade de ruptura, do novo, de uma outra
ordem de coisas e sentidos.
Essa ideologia pode estar impregnada
nos vários níveis discursivos, dentro da obra
literária. Devido à proposta de nosso estudo,
deter-nos-emos na análise do personagem,
mais especificamente, na figura do herói.
O berço do herói
Antes de analisarmos os heróis como
produtos culturais de massa, é necessário
lembrar que o herói está presente no imaginá-
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rio desde os primórdios da história humana,
quando, numa condição precária em que a
própria existência se revestia em mistérios, os
primeiros homens procuraram explicar o
mundo a partir das divindades. Neste intuito,
criaram a figura dos deuses, uma mistura do
bem e do mal, aliada aos super-poderes e à
imortalidade. Habitando o Monte Olimpo e se
alimentando de néctar e de ambrosia, estes
deuses detinham o controle sobre o fogo, a
terra, o ar e tudo o que neles habita. Suas façanhas, tidas como verdadeiras, eram passadas com idolatria e respeito de boca a boca,
indiferentemente de sexo e idade. Na mitologia cristã, esses deuses foram sintetizados em
dois pólos: na divina trindade e na imagem de
Lúcifer, atualização de Hades, da divindade
greco-romana.
Ao lado da mitologia cristã floresceu,
na Idade Média, uma mitologia laica, absolutizando o Bem e o Mal. Esta se encontra representada principalmente através do contos
de fadas, nas figuras da fada madrinha (Bem)
e da bruxa (o Mal), ressignificados pelos efeitos especiais das produções cinematográficas
de nossos dias e pelos livros ficcionais de natureza mística, como os de Paulo Coelho. O
que se percebe é que a busca da verdade sobre
o homem e o mundo continua e com isso, a
varinha mágica, resquício dos poderes dos
deuses gregos, passando também por uma evolução, transmudou-se para continuar a reproduzir, com mais eficácia, a eterna luta entre o bem e o mal, o sim e o não, a vida e a
morte.
A partir de meados do Século XX,
surgem novos produtos culturais que perpetuam a relação Bem/Mal, a partir do maniqueísmo dos símbolos bruxa/fada da Idade Média: é a cultura massificada colocada à disposição nas bancas de jornais, na televisão e na
internet, na forma de gibis, jogos infantis,
filmes, etc.
Iniciado geralmente na infância, o
consumo desses produtos não se restringe à
faixa etária infanto-juvenil, estendendo-se a
uma grande parcela de adultos, tornando-se
verdadeiros campeões de venda em distintos
países. Entretanto, seja pela estrutura automatizada das histórias, seja pelos referenciais
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que representam os personagens, esses produtos mostram um lado mórbido, posto que são
potentes instrumentos de manipulação ideológica, servindo, de diversas formas, à manutenção dos interesses dos sistemas políticos e
econômicos.
A estória do Tio Patinhas, por exemplo, é uma típica propaganda capitalista. O
milionário, além de representar o empresário,
ou seja, o dono do capital, é a própria alegoria
do capital em si. Sua empresa visa apenas a
mais-valia e todos os valores morais desaparecem, sendo substituídos pela perspectiva de
lucro. As pessoas, para o Tio Patinhas (incluindo ele próprio) deixam de ter qualquer importância nas estórias. Exemplo disso é a
forma como trata o sobrinho Donald, representante da classe proletária, despudoradamente explorado pelo tio. Em nenhum momento existe o questionamento da problemática e a tendência é, pelo automatismo, manter
a relação dominante/dominado, que torna o
tio a cada dia mais rico e o sobrinho cada vez
mais pobre.
Os filmes de aventura, além de extremamente violentos, tentam, através dos ícones
que compõem o personagem principal, vender
a imagem do poder hegemônico dos Estados
Unidos tanto para os próprios americanos
quanto (e principalmente) para os países emergentes.
O leitor passa, desde a mais tenra infância, por um lento e progressivo processo
doutrinário, durante o qual introjeta valores
que não são necessariamente os de sua cultura, considerando-os, mais do que normais,
desejáveis. Gradativamente, o leitor começa a
valorizar mais o "ter" em detrimento do "ser",
e, ato contínuo, a converter-se em coisa, convertendo-se por seu "livre arbítrio" em força
de trabalho explorada pelo sistema. Como sonho de consumo, começa a almejar a posição
privilegiada de Patinhas, a força do herói de
seu filme preferido e, quando tem a oportunidade de conquistar posições sociais privilegiadas, muitas vezes o faz sem respeitar os interesses de sua classe social.
Temos assim a perpetuação de uma
ordem econômica (infra-estrutura) por via da
ideologia que se manifesta na linguagem, no
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simbólico, nos processos de representação por
via do aparato das instituições (superestrutura), conforme preconiza a perspectiva althusseriana:
A ideologia – parte da superestrutura
do edifício – , portanto, só pode ser concebida
como um modo de reprodução, uma vez que é
por ele determinada. Ao mesmo tempo, por
uma “ação de retorno” da superestrutura sobre
a infra-estruturam a ideologia acaba por perpetuar a base econômica que a sustenta (Mussalim, 2001: 104).
Eu tenho a força
Independente da linguagem de que se
utilizam, esses produtos de massa apresentam
uma estrutura rígida e pobre, fazendo parte do
que Flávio René Köthe (1986: 35) chama de
narrativa trivial, caracterizada basicamente
"pelo automatismo, pela repetição e pelos clichês, em nível de enredo, personagens, temário, valores e final”, aspectos que tornam a
leitura de tais textos acessível a qualquer tipo
de leitor.
Dentre as peculiaridades do gênero,
entre as que mais chamam a atenção estão,
sem dúvidas, a imortalidade e a invencibilidade do herói, configurando uma figura demiúrgica, cujos poderes se comparam à força da
magia. Nesse caso, vamos observar como fato
sintomático uma incrível coincidência de identidade entre o herói imaginário e o herói
das urnas, o que indica a existência de um determinado condicionamento entre o real e o
fictício, entre leitura e leitor. Como exemplos
de heróis imaginários, podemos citar uma infinidade de personagens que variam da fada à
Cinderela, dos cowboys americanos ao detetive policial do seriado de TV, todos detentores
de uma força/saber que lhes possibilita realizar feitos irrealizáveis pelo homem comum,
sintetizando, portanto, o mito do superhomem e exercendo sobre o público leitor,
mais do que o fascínio, as condições para sua
submissão ideológica.
Aparentemente, na ficção, o herói é
um homem comum, comprometido com os
dogmas do bem e da moral convencionados
pela sociedade. O super-herói da literatura de
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massa não precisa de palanques para provar
que é superior e que é capaz de solucionar os
problemas dos mortais, mesmo porque é único, não possui concorrentes e, caso apareçam
alguns, são sempre caracterizados como ameaças ao bem-estar da população e por isso devem ser derrotados, exterminados.
Outro aspecto a se observar é que, em
geral, o super-herói não age em grupo, pois
ele representa o poder absoluto e por isso se
torna detentor de todas as forças do bem, considerado como tal as diretrizes do poder (ele
estará sempre agindo em nome do Estado, da
Igreja, do Poder dominante). Assim é que o
cidadão Clark Kent pode, num piscar de olhos, transformar-se no imortal super-homem,
banir sozinho todos os bandidos que ameaçam
a tranqüilidade dos cidadãos e voltar ileso à
sua condição de pacato jornalista. Lembremos
ainda esse respeito os heróis encarnados por
Stalone, Schwarznegger e similares. Ultimamente, temos assistido nas histórias em quadrinhos e nos desenhos animados a uma tendência dos heróis em trabalhar em grupos,
porém, nos filmes produzidos por Hollywood
ainda predomina a onipotência individual,
elemento caro para a ótica neoliberal: é possível vencer a tudo e a todos solitariamente, a
despeito das forças contrárias. Por analogia, é
também possível o sucesso econômico, desde
que haja determinação, força de vontade, determinação, ousadia, qualidades indispensáveis aos homens que “vencem” no mundo dos
negócios, derrotando os concorrentes, angariando a simpatia do mercado.
Os candidatos de palanque, cujo discurso é anti-analítico por natureza, refletem
uma circunstância semelhante à apresentada
pelo herói ficcional. Para o candidato da tribuna, a oposição é sempre a ameaça à população e, portanto, o bandido deve ser, à maneira
do criminoso da narrativa trivial, derrotado.
Assim como o herói da ficção, ao político, na
narrativa da política nacional, interessa promover-se como figura individual, utilizando a
legenda na medida em que serve a sua autoprojeção, uma vez que, nesse quadro, a ideologia nem sempre está vinculada ao partido,
sendo este reivindicado apenas quando há ganhos individuais para o candidato. De fato, ao
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candidato interessa, o quanto for possível,
vender uma imagem individual e quanto mais
biônica ela parecer ao público maiores são
suas chances de vitória: tratar-se-ia de um sujeito acima das ideologias, acima dos partidos, para a garantia do interesse de todos.
Sabendo disso, cada político, à sua
maneira, tenta, através de indexadores, revestir-se de alguma das faculdades extraordinárias do super-herói. De fato, se analisarmos a
natureza do discurso do herói ficcional e do
"herói" político, veremos que tanto um quanto
o outro refletem uma ideologia supra-real.
Antes de pretender ser analítico, o discurso de
ambos é eloqüente. Na figura do herói fictício, tal eloqüência é mostrada pelo ato efetivado, reiterando, portanto, o seu discurso e a
sua condição de super. Para o herói de palanque, a eloqüência é obtida através de associações que o aproximam da figura de Deus ou
de determinados políticos ou personagens tidos pela comunidade como mártires ou heróis
da pátria.
Analisando o personagem He-Man,
veremos que, ao empunhar a espada mágica,
torna-se o detentor de uma força inigualável
e, observemos, o seu discurso é breve, resumindo-se à frase "Eu tenho a força", o que já
é a garantia da solução de todos os problemas
dos mortais. O mesmo discurso é por várias
vezes repetido pelo candidato em campanha.
Quando afirma que precisa do voto do eleitor
para resolver os problemas do povo, reclama
para si a força e a espada mágica de He-Man:
eu tenho a força da representatividade, sou,
portanto, detentor da legitimidade e das condições para pode fazer.
Neste sentido, tanto a espada para HeMan quanto os votos para o político se constituem numa espécie de varinha mágica que os
dota de superpoderes. Observemos, todavia, a
contragosto, que o discurso do herói imaginário não sofre reversão, isto é, o super, de fato,
efetiva o predisposto e seu poder é utilizado
em favor do bem-estar da coletividade.
Diferentemente, no caso do discurso
político, vemos tantas vezes uma espécie de
deterioração da manutenção no compromisso
assumido, o que com maior ou menor rapidez,
confere desgaste a sua credibilidade junto ao
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eleitorado. Assim, os discursos de campanha
se perdem ao longo do processo, modificando-se, tornando-se diferentes das falas subseqüentes: o que se declara na condição de candidato não mais se assemelha ao que se diz
quando empossado. Enquanto He-Man utiliza
a sua força em prol do povo, o político decaído a utiliza em benefício próprio, e por isso
mesmo contra a coisa pública. Enquanto, no
campo simbólico, temos a confirmação da
necessidade dos super-heróis, na vida das relações de poder o heróico não parece alcançar
as condições para seu progresso. Assim, muitas vezes assistimos a uma progressiva deterioração da imagem do pretenso herói nas urnas, rumo à decadência de sua figura e desencanto do eleitor com o processo.
Daí para a crucificação há uma pequena distância: é quando surgem as imagens dos
judas queimados nos Sábados de Aleluia ou
os enterros simbólicos, marcando a falência
do modelo que havia possibilitado a eleição
do político.
Já citamos em oportunidade anterior
que o herói ficcional, geralmente antes do desenlace da narrativa, sofre uma recaída em
que é fartamente enganado e nocauteado, porém, ao final, a estória mostra ao leitor que
fatalmente o herói vence, mesmo porque ele é
absolutamente invencível.
Ora, na história política também isso
ocorre: assim que um determinado discurso
entra em declínio, os representantes do Poder
começam a renegar a própria legenda e a se
engajarem em outras facções sob a desculpa
de que o partido desviou-se das suas metas
iniciais, de que a equipe não está afinada com
o Governo, dentre outras. Enfim, prepara-se
para abandonar o navio naufragado e, observamos, é quando o seu discurso torna-se mais
individualista do que nunca: o suposto herói
tenta, ao apontar bodes expiatórios, reverter a
situação, reforçando um discurso extremamente individualista.
É novamente a imagem do super-herói
que entra em cena diante do eleitor, um herói
que sobrevive para além dos interesses do
grupo e é detentor de um poder inextinguível.
Não são raros os casos de anti-heróis que recuperam a imagem diante do público pela
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simples troca de bandeira. A inexistência de
uma memória histórica tem sido apontada por
muitos como sendo o principal motivador
deste fenômeno. Nesse caso, seria importante
considerar os mecanismos que constroem essa
memória social e histórica, silenciando e apagando fatos e processos. Se toda relação do
sujeito com o mundo é mediada pela linguagem, constituída pelo discurso, que mecanismos discursivos fazem significar a realidade
tendo em vista essas narrativas sociais?
O discurso do anti-herói
“A esperança é um urubu pintado de verde.”
(Mário Quintana)
Não existem heróis sem fãs. Não existem textos sem leitores. Não existem, no tocante aos heróis produzidos pelos discursos,
heroificação sem leitores que consumam essas
figurações heróicas. No entanto, temos que
considerar que os fãs/leitores consomem estes
produtos culturais que levam a denominação
de heróis, às vezes, de modo muito crítico
quando satirizam ou simplesmente ridicularizam esses heróis e, assim, a recepção dos leitores/fãs nem sempre são as melhores possíveis.
O herói, na tradição greco-romana –
matriz das concepções ocidentais das figurações heróicas – é exemplar, modelar, um paradigma. Assim, quando nos deparamos com
as construções/fabricações/invenções contemporâneas, pensamos que, nem seria adequado denominá-las de figurações heróicas.
As angústias do “homem” – que homem? –
contemporâneo fazem com muitas vezes ele
busque escapar ao massacrante e insuportável
contingente e rotineiro da vida. Seria melhor
recolocarmos as figurações heróicas contemporâneas a partir deste sintoma. Ainda mais
quando pensamos nos diversos níveis de
compreensão possíveis para as figurações heróicas. Isto é, quando pensamos que classes e
grupos sociais se apropriam e resignifiam essas figurações.
Vejam a enorme teia de aranhas: heróis, discursos sobre heróis, recepção do público das figurações heróicas. Ou seja, uma
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teia de discursos em que o “herói” se torna
difuso. Sem ao menos dizermos uma linha
inteira sobre: “os heróis anônimos”, os heróis
da véspera, os de circunstância e aqueles que
se tornam heróis da circunstância, ou seja, os
heróis que os mídia constroem. A heroificação, então, seria aquele processo complexo e
difuso pelo qual o herói pode ser todos e ninguém.
Certamente, quando o processo de heroificação ocorre, envolve uma relação de
Domínio e Poder, ou seja, quando um grupo,
classe ou nível institucional se apropria e resignifica uma figuração heróica, esta passa a
adquirir novos conteúdos, às vezes, diametralmente opostos dos originários. Quando um
intelectual faz uso metafórico, metalingüístico
ou parafrasal de uma figura heróica, ele o faz
com uma intencionalidade política, econômica ou social, a depender do leitor a quem se
destina tal discurso. Desta forma, o falante e o
lugar do falante determinam o conteúdo das
figurações heróicas. Por outro lado, o receptor
destas construções/fabricações/invenções das
figurações heróicas não poder ser concebido
como um mero receptáculo. Existe um espaço
de interferência do interlocutor. Há que se
considerar ainda que não há um sujeito consciente de um lado, capaz de manipular um
sujeito inconsciente e alienado na outra extremidade. A ideologia atravessa os sujeitos
(de ambos os lados) que não detêm de controle consciente sobre o que se enuncia, sobre as
implicações ideológicas do que seu dizer propõe. Retomando Bakhtin (1995), temos que a
interação é a realidade fundamental da linguagem: as trocas interlocutivas constroem-se
mediante a negociação de valores, de sentidos, na remissão a outros dizeres, na atualização de um imaginário historicamente compartilhado.
Na perspectiva retórica, estamos diante de um sujeito que manipula conscientemente recursos tendo em vista a adesão do interlocutor. Na perspectiva da AD, não há essa
autonomia na construção da persuasão. A eficácia depende, pois, da inscrição do dizer
numa dada formação discursiva, que prescreve o que pode ou não ser dito, bem como o
modo como as palavras aí significam. Persua-
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dir depende, assim, da adesão a certos discursos, que materializam determinados valores
ideológicos. Desse modo, não há um sujeito
onipotente, que regula o que quer dizer, mas
um sujeito histórico, interpelado pelo inconsciente e pela ideologia, que diz o que é possível. A construção de uma figura heróica, portanto, não prevê um sujeito que manipula onipotente a massa de cidadãos indefesos, mas
negociação, como porta voz do que naquele
momento se edifica para estes como poder e
esperança. Assim, ao pretender manipular o
outro, o sujeito é também por este manipulado, a ele também se submete.
Dando continuidade a esse raciocínio,
propomos a seguir a análise de um jingle de
campanha política em 2006 (anexo) para o
governo de estado. Nesse ano, os brasileiros
elegeram por voto direto deputados estaduais
e federais, governadores e Presidente da República, o que implicou a mobilização de diversas estratégias de marketing, que parecem
ser cada vez mais indispensáveis para a garantia da vitória de um candidato. O jingle, repetido à exaustão em barulhentos carros de som
pelas ruas das cidades tocantinenses, acaba
por ser memorizado, para o que contribui ainda a própria simpatia pelo ritmo musical.
Como predomina no gosto popular da região
o forró, os candidatos souberam disso tomar
partido, apresentando em suas campanhas animadas composições. Cruzando inúmeras
vezes as mesmas ruas, os carros instauravam
uma espécie de debate em campo aberto,
quando, como ocorre com os repentes nordestinos, uma composição dialogava, respondia,
provocava a outra. Caberia, pois, ao eleitor,
verificar a consistência das idéias expostas, a
melhor argumentação, a resposta mais convincente, atribuir estatuto de credibilidade a
esta ou àquela fala, analisando a “verdade”
dos versos.
Para nossas reflexões, escolhemos um
dos jingles do candidato Siqueira Campos. Na
história do Estado do Tocantins, Siqueira é
um dos personagens que recebe maior destaque. Muitos a ele atribuem a própria responsabilidade pela “criação” do Estado, em 1988,
tendo em vista sua atuação como senador e,
posteriormente, como governador. Nesse pe-
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ríodo, envia cartilhas às escolas, nas quais se
narra a luta pela emancipação do Estado. No
texto da cartilha e nas imagens que a ilustram,
Siqueira surge como uma espécie de herói que
representa os interesses do povo esquecido
pelo poder público no então norte de Goiás.
O jingle escolhido é constituído por
três estrofes e um refrão que inicia a composição:
“Mamãe, eu já vou
mamãe, eu vou já
vou votar 45 pro Siqueira retornar.”
Temos aqui um enunciador projetado
no texto em 1ª. pessoa (eu), que, como eleitor,
comunica sua decisão de votar em Siqueira.
Ao longo do texto, esse enunciador deixa clara a existência de uma disputa entre dois candidatos, o que apóia em seu dizer, Siqueira, e
o seu opositor, Marcelo Miranda1, a ser desqualificado para o cargo. Caberia, assim, aos
demais eleitores, a identificação com os discursos que esse “eu” passa em seguida a arrolar, aoncorando sua decisão. Não há, pois,
projetada de forma direta uma enunciação assumida pelo ator candidato, que se encontra
aqui na posição de não-pessoa, assunto de que
se fala, ausente da cena enunciativa. Ainda
projetado no texto está o “tu”, com quem o
locutor-enunciador dialoga: Preste atenção,
amigo compositor. Este locutor representaria,
assim, o eleitorado de Siqueira, falando em
nome desses eleitores e, do mesmo modo, por
extensão, em nome do próprio candidato.
Na segunda estrofe do refrão, surgem
dois novos versos:
“Dar lapada no bezerro
que ele pára de mamar.”
No diálogo entre as composições, os
nomes dos candidatos com maior número de
votos são substituídos pelas metáforas bezerro (correspondendo ao oponente, Marcelo Miranda) e boi velho (Siqueira Campos). No cenário econômico, em que a produção pecuária
responde como fundamental fonte de renda
para o Estado, o emprego de expressões como
essas configura adesão a elementos presentes
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no imaginário social. Na composição, a oposição bezerro versus boi velho alude à relação
juventude/inexperiência
versus
velhice/experiência. Assim, o boi velho teria melhores condições de governar o Tocantins
porque sabe como fazê-lo, tem grande lastro
político, enquanto o opositor é bezerro, animal ainda novo, que ainda mama, submisso e
dependente.
Ainda considerando a cena nessa narrativa política, a composição atualiza novos
sentidos para o verbo mamar. É comum a expressão “mamar nas tetas do Estado”, isto é,
apropriar-se indevidamente dos recursos públicos para benefício próprio. Ao bezerro se
associa agora a imagem de corrupção, o que é
reiterado em outros momentos do jingle:
“Não voto em marajá
(...) Dar lapada no bezerro
que ganha 28 mil
(...) Eles têm medo da espora e do chicote
que o Siqueira está guardando
pra bater em marajá.”
Aqui surge outra expressão que alude
à corrupção, a do marajá. Na política brasileira, a figura do marajá surge nos anos 80 como
adjetivação para os políticos que recebem altos salários, beneficiando-se do poder para
garantirem por força do aparato legal salários
não condizentes com o exercício do cargo.
Em 1989, Fernando Collor elege-se presidente como “caçador de marajás”, preconizando
para si o papel de moralizador da política nacional. Na fala do enunciador projetado no
jingle, Siqueira vai bater em marajá, fazendo
uso de espora e chicote. Trata-se, pois, de um
sujeito que pretende moralizar a política pelo
emprego da força, enunciando, pois, por um
processo polifônico (Bakhtin), o modo como
se dá a gestão pública no país e o rigor com
que deve ser combatida a corrupção: bater,
lapada, espora, chicote, metáforas que mais
uma vez remetem ao universo da pecuária,
base econômica do estado, e ao caráter das
relações de poder e força aí legitimadas.
Há, porém, aqui, uma coincidência
que aproxima os opositores. Nos versos Pois
quem mama é bezerro / Que foi boi velho
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quem criou, identificamos a existência de um
contrato inicial entre os dois personagens políticos. O bezerro seria uma “criação” de Siqueira Campos, uma vez que este o teria introduzido na política como uma espécie de
continuador de suas propostas, aliado político.
A partir desses elementos, podemos constatar
que a dissidência não se dá necessariamente
no plano das concepções políticas e ideológicas, pelo menos num plano inicial. Se o interesse do enunciador locutor é a de denegrir o
opositor, Marcelo Miranda, valorizando aspectos positivos de Campos, aqui vemos que
a estratégia argumentativa compromete o segundo. Siqueira é quem “cria” Miranda e o
que podemos ler na narrativa é a ocorrência
um momento de ruptura entre os dois. A idéia
de continuidade e similitude é ainda reforçada
pelas próprias metáforas. O bezerro de hoje é
o boi de amanhã, ambos compactuam de uma
mesma essência, distanciando-se apenas pelo
aspecto temporal. O verso, portanto, em vez
de servir para reiterar a diferença dos opositores, serve para aproximá-los, confundi-los,
mostrando que não falam e legislam de diferentes lugares.
Na segunda estrofe, ressalta-se o caráter empreendedor de Siqueira:
“Ai, que saudade
que eu tenho das grandes obras
o que fez de nosso Estado
o mais lindo do Brasil”
Deixando subentendido que, no governo de Miranda, nesse momento buscando o
segundo mandato consecutivo, as grandes
obras estariam ausentes. Seria Miranda o marajá, uma vez que seu salário seria de 28 mil,
devendo, pois, ser rejeitado pelos eleitores.
Na última estrofe, a oposição ao adversário se intensifica, incluindo agora um
outro sujeito, “eles”: Eles têm medo da espora
e do chicote. Certamente a expressão “eles”
corresponde aos aliados de Miranda, derrotados nas urnas: Fique tranqüilo que a lapada é
do voto. Nesse momento, por efeito polifônico, evidencia-se a intranqüilidade que poderia
ser produzida no interlocutor. O enunciador
orienta, assim, para a tranqüilidade, explican-
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do o raciocínio: a lapada é do voto. Mais uma
vez, a argumentação deixa espaço para dúvidas em relação ao comportamento de Siqueira
no poder, no uso que fará da espora e do chicote, que funcionam aqui como uma mostra
de poder e intimidação. Pelas histórias que se
associam ao comportamento intransigente e
intempestivo de Siqueira, a argumentação peca por mais uma vez lembrar que existem motivos para intranqüilidade, justificando o pedido do locutor: Fique tranqüilo.
Como se verifica, a persuasão pretendida pelo enunciador esbarra em algumas
contradições, que vêm à tona em sua fala.
Pretendendo elevar Siqueira e denegrir o opositor, o enunciador acaba trazendo à luz elementos polêmicos, que poderiam comprometer o próprio Siqueira. Retomando Orlandi
(1999), lembremos que são as formações discursivas que prescrevem o que pode ou não
ser dito. Atualizando discursos que alcançaram legitimidade, o que pode ser polêmico e
contraditório deixa de sê-lo na medida em que
se verifica a filiação a um dado discurso do
qual retira sua lógica. Desse modo, o que o
enunciador atualiza na figura de Siqueira é a
do político empreendedor, mas de mão forte,
com o qual parcela da população se identifica.
O caráter autoritário não assusta e, de algum
modo, é determinante para o culto a sua figura. Num país em que a democracia ainda engatinha, a concentração de poder ainda é vista
como aceitável e natural, legitimada pelo discurso dominante. Siqueira representa a ala
pecuarista do Estado, os empresários do agro
negócio. Votar nele é, assim, dar continuidade
a um projeto econômico, que faz o Estado apontar no cenário nacional como região promissora, atraindo levas de migrantes que podem ou não ler nas entrelinhas dos discursos a
assimetria das relações de poder aí estabelecidas, o que por esses discursos é silenciado.
O herói político surge, pois, como uma
figura um tanto decaída, mas que se sobressai
como o que tem condições de fazer o que deve ser feito: gerar empregos, combater a corrupção, fazer obras. Seus pecados são enunciados, ecoando em altíssimo e bom som pelas ruas do país, embora nem tudo possa ser
lido ou percebido como pecado.
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Considerações finais
A vida cotidiana é permanentemente
reinventada desde os mais remotos tempos.
No mundo contemporâneo isso se tornou um
axioma e um anátema. Os meios de comunicação de massa, os mass mídia reelaboram os
conceitos e noções que o homem tem de si e
dos “outros”. Estas percepções que são construídas diariamente conduzem a reelaboração
do próprio homem. As “sociedades anônimas”, as sociedades plurais, pulverizadas e
fluidas do mundo contemporâneo abriram um
enorme espaço para essa reelaboração do homem. Nesse espaço aberto agem sem freios os
meios de comunicação de massa provocando
a sensação de participar e de intervir ilimitadas. Esta digressão tem o propósito de colocar
em questão o seguinte: tanto em sociedades
orientadas pelo capital como em sociedades
não explicitamente orientadas por ele temos
uma mídia que constrói, fabrica e inventa herói políticos. Os sistemas sociais em que o
eleitor vive é apenas um elemento a mais para
compreendermos o processo de mitificação da
dimensão política. Os sistemas sociais são
elementos nada desprezíveis para essa compreensão. Mas pensamos que a mitificação da
dimensão política corresponde simetricamente
aos desejos e anseios de proteção, amparo e
conforto dos próprios eleitores. Isto é, diante
de um mundo com valores essenciais fragmentados as pessoas buscam segurança, proteção, amparo. Nos discursos políticos, essa
tônica está presente.
Os discursos políticos mobilizam ainda outros valores e princípios que os tornam
creditáveis ou pelo menos passíveis de crédito. Um exemplo, dentre tantos, o apelo a
Deus, ou mais amplamente, aos sentimentos
religiosos e espirituais dos eleitores, como
vimos se acionados por Bush como justificativa para a invasão do Iraque. Novamente,
estamos diante de uma teia de discursos mediados e matizados pelos meios de comunicação. O discurso político passa a ser mais um
produto do mercado de idéias. É vendido, doado, emprestado, permutado em função das
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contingências e de circunstâncias que o eleitor
não está interessado diretamente em analisar.
A vida cotidiana assim mediada, matizada e mitificada pelos meios de comunicação
envolve o eleitor com uma fina camada ilusória, superficial e frágil segurança social, que
para ele nem sempre é suficiente. Neste quadro, o herói ficcional e o pseudo-herói político se fundam e fundem. Aparecem como os
salvadores e protetores de eleitor consciente
de sua condição sensivelmente insegura. Isso
não significa dizer que o eleitor seja uma marionete ou fantoche nas mãos da mídia, do
governo, dos sistemas sociais e muito menos
dos políticos. O eleitor sabe quem é quem na
dinâmica social. Apenas joga o jogo. Constrói
um conjunto de princípios e valores que compõem uma cidadania, no caso brasileiro, uma
cidadania fragmentada e parcial, pois a mitificação da dimensão política não é total.
A célebre frase dá o tom: “a César o
que é de César, a Deus o que é Deus” ainda
com o intuito de polemizar e problematizar a
figura do herói propomos aqui um reflexão
final com base nas reflexões de Michel Maffesoli, com seu Elogio da razão sensível
(1998). Este autor afirma que é preciso retornar à vida cotidiana do homem comum e ao
seu senso comum de realidade. É preciso observar e compreender como o senso comum
constrói a sua compreensão do mundo sensível, i.e., da realidade, propondo uma fenomenologia da vida cotidiana.
O século que se inicia exige essa fenomenologia da cotidianidade para entendermos as figurações heróicas e seu estrondoso
sucesso e popularidade. Podemos dizer que as
figurações heróicas são mistificadoras, reificadoras e alienantes, no entanto, elas permanecem e se multiplicam vigorosamente. À
guisa de conclusão e ao mesmo tempo nada
concluindo, cabe perguntar: elas não são o
alimento de que precisamos para suportar o
banal, o ritual rotineiro e a insignificância de
nossas vidas intimas e privadas? Poderíamos
viver sem as figurações heróicas? Por que as
figurativizações heróicas ainda fazem sentido
na vida do homem contemporâneo?
Referências bibliográficas
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Althusser, L. (1984). Ideologia e aparelhos
ideológicos do Estado. Lisboa: Presença/Martins Fontes.
Bakhtin, M. (1995). Marxismo e filosofia da
linguagem. 7ª Ed. São Paulo: HUCITEC.
Castro, H. (1983). Ideologia da obra literária. Rio de Janeiro: Editora Presença.
Foucault, M. (1999). A ordem do discurso.
(Trad. L.F.A. Sampaio). 5ª Ed. São Paulo:
Editora Loyola.
Maffesoli, M. (1998). Elogio da razão sensível. (Trad. A.C.M. Stuckenbruck). Petrópolis:
Editora Vozes.
© Ciências & Cognição
Mussalim, F. (2001). Análise do discurso.
Em: Mussalim, F. e Bentes, A.C. (Orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras
(pp. 101-142). Vol.2. São Paulo: Editora Cortez.
Orlandi, E.P. (1999). Análise do discurso:
princípios e procedimentos. Campinas: Editora Pontes.
Orlandi, E.P. (2001). Discurso e texto: formação e circulação dos sentidos. Campinas:
Editora Pontes.
Notas
(1) É importante lembrar que para o cargo de governador concorriam outros candidatos, aos quais ao jingle não faz
menção. Esse apagamento dos demais concorrentes também é significativo para compreender as relações de poder no
Estado.
Anexo
Jingle de campanha eleitoral no Tocantins, eleições 2006
Refrão
1
2
Mamãe, eu já vou
Mamãe, eu vou já
Vou votar 45
Pro Siqueira retornar.
Mamãe, eu já vou
Mamãe, eu vou já
Dar lapada no bezerro
Que ele pára de mamar.
Eu sou capaz.
Eu não quero confusão,
Não voto em marajá
Nem pra ganhar um milhão.
Preste atenção, amigo compositor,
Pois quem mama é bezerro
Que foi boi velho quem criou.
Ai, que saudade,
Que eu tenho das grandes obras
O que fez do nosso Estado o mais lindo do Brasil.
Chama Siqueira pra botar as coisas em ordem
Dar lapada no bezerro
Que ganha 28 mil.
Eles têm medo da espora e do chicote
Que o Siqueira ta guardando
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© Ciências & Cognição
Pra bater em marajá.
Fique tranqüilo que a lapada é do voto
Nas costas desse bezerro
Que vai parar de mamar.
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© Ciências & Cognição
Submetido em 13/10/2007 | Revisado em 29/11/2007 | Aceito em 29/11/2007 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 03 de dezembro de 2007
Artigo Científico
Infância, cinema e leitura: um tripé viável
Childhood, cinema and reading: a possible tripod
Lovani Volmer, a, b e Flávia Brocchetto Ramos, a, c
a
b
Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil;
Centro Universitário Feevale, Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, Brasil; cUniversidade de
Caxias do Sul (UCS), Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Resumo
A indústria cultural assimilou o público infantil, de modo que, na atualidade, há, cada vez mais, oferta
de produtos culturais voltados para a infância e, por conseguinte, uma preocupação em torno desses
produtos. O presente artigo, nesse sentido, objetiva analisar, a partir de pesquisa realizada com 4 crianças, procedimentos empregados durante sessão de filme infantil – Shrek 1. Buscou-se refletir sobre
os sentidos produzidos a partir do seu enredo e como percebem a desestereotipização de conceitos
preestabelecidos pela sociedade vigente. Para tal, apresenta-se um breve estudo acerca da produção
cultural infantil, a contextualização do filme, as observações e comentários das crianças, acompanhados da análise propriamente dita. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 31-39.
Palavras-chave: infância; produção cultural; produção de sentidos.
Abstract
The cultural industry got the children in a way that, nowadays, it is growing the offering of cultural
goods to that public and the worries about these products, as well. This article aims to analyze, from a
research dare with 4 children´s, the processes that happened during a children´s film session – Shrek
1. We wanted to think about the senses produced from the plot, and also how the children perceive the
undo of stereotyped concepts in the society today. Thus, we present a brief study about children´s cultural productions, the film contextualization, the comments and observations from the kids, followed
by analyzes. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 31-39.
Key Words: childhood; cultural production; construction of meaning.
1. Introdução
A comunicação humana, ao longo da
história, passou por muitos processos. Inicialmente, os homens comunicavam-se entre si
apenas oralmente, depois veio a escrita, a cul-
- L. Volmer é Mestranda em Letras (UNISC), Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), Especialista em Informática na Educação. Atua como Professora (Escola de Educação Básica Feevale – Escola de Aplicação do Centro Universitário Feevale), onde também atua como Professora no Curso de Letras
e no Centro de Idiomas. Endereço para correspondência: Rua Gessé Ávila de Souza, 490, Bairro Independênia, São
Leopoldo, RS 93020-290. Telefone: 0XX(51) 3588-7352. E-mail para correspondência: [email protected]. F.B.
Ramos é Doutora em Teoria da Literatura (PUC-RS). Atua como Professora do Departamento de Letras (UNISC) e
na UCS. Atua ainda como Professora na Pós-graduação (Mestrado em Letras – UNISC). E-mail para correspondência:
[email protected].
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tura impressa e hoje estamos em plena cultura
eletrônica. O tratamento dispensado às crianças, igualmente, passou por muitos processos
e hoje, cada vez mais, há uma preocupação
em torno de produtos culturais voltados para a
infância.
Nesse ínterim, o presente estudo pretende analisar, a partir de observação realizada com 4 crianças, a leitura que fazem de um
filme a elas dirigido – nesse caso, Shrek 1,
que sentidos produzem a partir do seu enredo
e como percebem a desestereotipização de
conceitos preestabelecidos pela sociedade vigente. Com o intuito de elucidar tais questões,
apresentar-se-á um breve estudo acerca da
formação cultural da criança, a contextualização do filme, as observações e comentários
das crianças, acompanhados da análise propriamente dita. Os dados discutidos no artigo
nascem da análise de uma situação familiar
em que 4 crianças e um familiar assistiram a
um filme e, para fins de análise, seguem princípios do estudo de caso, uma modalidade de
pesquisa qualitativa que vem ganhando crescente aceitação na área da educação.
2. A formação cultural da criança
A concepção de infância, tal como a
conhecemos, data do final do século XVII, no
início da formação da burguesia, e caracteriza
a criança, em diferentes contextos históricos,
como um vir-a-ser (Ketzer, 2003), ou seja, o
mundo do adulto se diferencia significativamente do mundo da criança. Essa realidade,
porém, nem sempre foi assim; até a Idade
Média não havia nem mesmo um vocábulo
específico para designá-la, era vista como um
adulto menor e o esforço social consistia em
integrá-la o mais rápido possível na vida adulta (Merten, 2003). A esse respeito, podemos,
ainda, destacar Zilberman:
“Antes da constituição deste modelo
familiar burguês, inexistia uma consideração especial para com a infância. Esta
faixa etária não era percebida como um
tempo diferente, nem o mundo da criança como um espaço separado. Pequenos
e grandes compartilhavam dos mesmos
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eventos, porém, nenhum laço amoroso
os aproximava. A nova valorização da
infância gerou maior união familiar,
mas igualmente os meios de controle do
desenvolvimento intelectual da criança
e a manipulação de suas emoções.”
(Zilberman, 1998:15)
Como podemos ver, essa nova concepção de infância não considera mais a criança como um adulto em miniatura, quando o
que era útil para um adulto também o seria
para a criança. A realidade do infante é diferente da do adulto, “assim como a sua mente
não é a mente de um adulto em escala menor”
(Vigotski, 2003: 12); é todo um processo, um
modo de vida que leva a criança a passar gradativamente de uma posição subjetiva e egocêntrica para outra, mais objetiva e científica.
Esse processo é definido por Piaget (1980),
como períodos de desenvolvimento, que, na
sua concepção, seriam quatro: período sensório-motor (0-2 anos), período pré-operacional
(2-7 anos), período operacional-concreto (711 anos) e período de operações formais (1115 anos).
Na atual sociedade capitalista em que
vivemos, não é equivocado afirmar que a
concepção de infância está diretamente relacionada à classe social a que a criança pertence e, nesse sentido, a sua formação cultural
depende também desse fator. Assim, poderíamos dizer que as crianças burguesas são instrumentalizadas para dirigir a sociedade e as
crianças da classe trabalhadora formadas para
o trabalho; a cultura é coisificada, tornando-se
produto que serve tanto para a distinção de
classes, como para a alienação e dominação
das maiorias. A cultura aparece como sendo
simplesmente o resultado de um processo, a
herança social, o dado acabado, o objeto estático. Os produtos culturais seriam a expressão
de um modo de vida determinado que, enquanto tal, se explicam e se justificam. Reduzido a produto das relações sociais, não se
incluiriam no conceito de cultura nem as próprias relações sociais nem os seus determinantes (Perroti, 1990). A coisificação da cultura determina a inserção desta no mundo da
produção capitalista, na qual se quantificam,
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secularizam, normatizam e mercantilizam os
bens produzidos nas relações de trabalho humanamente significativas. Desse modo, a cultura exerce uma função domesticadora e repressiva nas sociedades divididas em classes,
exercendo o papel de veiculação dos conteúdos ideológicos das classes dominantes para
todas as classes sociais.
Nesse contexto, a criança assume o
papel de consumidora de bens culturais impostos socialmente, pois somente assim poderá tornar-se um “ser humano evoluído”, adaptado às regras da sociedade e capaz de assumir suas funções sociais. Conforme Umberto
Eco (1976), criam-se “estruturas de consolação”; oferece-se à criança a possibilidade de
ela viver através de produtos culturais aquilo
que a expansão capitalista lhe nega no real: o
roubo do espaço e o bloqueio do lúdico – tenta-se compensar o real com o simbólico. Em
outras palavras, a indústria cultural, que ajuda
a construir significados simbólicos, encontrase intimamente vincu-lada aos ditames impostos pelas leis de mercado.
Com o advento do neoliberalismo e da
globalização do capital, o mercado passou a
incorporar todos os segmentos da sociedade
sob a lógica do consumo, desde recémnascidos até idosos, independente de etnia,
raça, credo, classe ou gênero. O mercado observa no público infantil um consumidor potencial de mercadorias culturais e não culturais, criando, dessa forma, condições para se
consolidar uma rede de comércio que atenda a
demanda de consumo desse novo público. Esse mercado infantil constitui-se desde produtos tradicionais (brinquedos, livros) até a adaptação de produtos adultos e de consumo
familiar. A indústria cultural assimilou o mercado infantil, que tem se expandido desde a
década de 1980, para a comercialização de
bens simbólicos através da segmentação dos
meios de comunicação, por exemplo. Nesse
sentido, os produtos culturais comercializados
para este público formam uma cadeia inesgotável de produção e massificação de mercadorias. Exemplo disso são os desenhos animados explorados pela mídia, produzidos a partir
de agenciamento de empresas que irão elaborar, produzir e comercializar uma infinidade
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de produtos timbrados com o nome dos mais
novos ídolos infantis da moda. Um exemplo
dessa produção cultural para crianças é o filme Shrek, com o qual a DreamWorks firma-se
como produtora de filmes infantis da melhor
qualidade e cujo diferencial está no uso de
recursos de computação que torna os personagens, visualmente, quase reais. Eles têm
movimentos e recriações de músculos, pele,
ossos e cabelos.
3. O filme Shrek
3.1. O enredo
Em Shrek 1, é contada a história de
um ogro solitário, Shrek, que vive em um
pântano distante e vê, sem mais nem menos,
sua vida ser invadida por uma série de personagens de contos de fada, como três ratos cegos, o lobo de Chapeuzinho Vermelho disfarçado de vovó, três porquinhos, Pinóquio, sete
anões e a Branca de Neve, fadas... Todos foram expulsos de seus lares pelo maligno Lorde Farquaad. Determinado a recuperar a tranqüilidade de antes, Shrek resolve encontrar
Farquaad e com ele faz um acordo: todos os
personagens poderiam retornar aos seus lares
se ele e seu amigo Burro resgatassem uma
bela princesa, prisioneira de um dragão, com
quem Lorde pretendia se casar. O filme em
questão foge, em alguns pontos, de estereótipos da sociedade; conceitos, comportamentos
já estabelecidos socialmente são aqui contrapostos. Sob esse aspecto, poderíamos até considerar Shrek como um conto de fadas moderno; oferece ao espectador a possibilidade de
rever conceitos. A princesa Fiona esperava
que o príncipe que a encontrasse lhe recitasse
um poema épico, mas Shrek apenas a põe
embaixo do braço e sai correndo para fugir do
dragão, sem romantismo. A Princesa Fiona,
por sua vez, apesar de ainda ter certa fantasia
em relação ao cavaleiro que a salvaria, também é uma mulher decidida, dá golpes para
fugir dos inimigos, salta e até arrota, diferentemente das princesas apresentadas nos contos
de fadas, que eram totalmente frágeis e românticas. O final, como os clássicos contos de
fadas, é feliz e alerta que as diferenças entre
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as pessoas devem ser respeitadas: Shrek e Fiona, após passarem por muitos desafios, ficam juntos, como ogros, e são felizes para
sempre. Casam-se numa bela cerimônia com a
presença animada das personagens de contos
de fadas que haviam invadido o pântano e, a
seguir, em uma carruagem, vão para a lua-demel.
O esquema tradicional do conto maravilhoso, proposto por Propp (1984), em que
há herói, auxiliar, antagonista e princesa, é
subvertido aqui. O príncipe, nessa história,
assume o papel de antagonista. O ogro Shrek,
que seria o antagonista é o herói da narrativa.
A princesa Fiona não segue o padrão de princesa que temos no nosso imaginário – é gorda, morena, baixa, cabelos curtos – e transforma-se em ogra. O burro, animal caracterizado pela falta de iniciativa, é o auxiliar do
herói Shrek. Há uma subversão da estrutura
clássica dos contos de magia apontada por
Propp, já os personagens dessa narrativa moderna correspondem a outra esfera de ação.
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Shrek é um exemplo de tecnologia de
ponta, mas nem por isso um velho conhecido,
o livro, introdutor da produção cultural para a
criança e uma das primeiras manifestações
baratas e acessíveis de entretenimento (Lajolo
e Zilberman, 1996), foi esquecido. Em Shrek
1, já nas cenas iniciais, na imaterialidade da
tela, surge o livro, de capa dura e vermelha,
cujas páginas escritas e ilustradas abrem-se e
vão sendo viradas, acompanhadas de uma voz
que diz:
“Era uma vez uma linda princesa, mas
havia um terrível feitiço sobre ela, que
só poderia ser quebrado pelo primeiro
beijo do amor. Ela foi trancafiada num
castelo, guardada por um terrível dragão
que cuspia fogo. Muitos bravos cavaleiros tentaram libertá-la dessa horrível
prisão, mas ninguém conseguiu. Ela esperou, sob a guarda do dragão, no quarto mais alto da torre mais alta o seu
verdadeiro amor e pelo primeiro beijo
de seu verdadeiro amor.”
3.2. Shrek 1 sob a ótica da criança
Como as crianças lêem o filme? Que sentidos produzem a partir do enredo? Como percebem a desestereotipização de conceitos preestabelecidos pela sociedade vigente? Com o
intuito de elucidar tais questões, 4 crianças aqui identificadas por letras do alfabeto: A (3
anos), B (5 anos), C (6 anos) e D (9 anos) assistiram ao filme. Durante a sessão houve
interlocução como os sujeitos, a partir de um
roteiro previamente estabelecido, focando os
itens supracitados, mas com flexibilidade para
valer-se das contribuições espontâneas das
crianças. Cabe destacar que a pesquisadora
possui grau de parentesco com as crianças, de
forma que o filme foi assistido num ambiente
totalmente descontraído e os sujeitos tiveram
total liberdade para se manifestar. Toda a sessão foi gravada em audiotape e, posteriormente, transcrita. Destaca-se que A e C não freqüentam a escola, B está na escola desde os 4
anos e D passou para a 4ª série. O filme foi
escolhido por ser considerado emancipatório e
por responder as questões propostas pelo estudo.
Neste momento, uma enorme mão (de
Shrek) arranca a última página narrada e faz o
seguinte comentário: “Como se isso fosse acontecer”. Quando as crianças foram indagadas a respeito de isso ser possível de acontecer ou não, D disse que não poderia ser real,
pois “ogros não existem”, mas B contrapôs,
ponderando: “Ah, mas naquela época podia
existir, na época que existia Dinossauro”. A
ressalta que existe, pois estava na TV; C disse
que não sabia. Quanto à pergunta de onde
mais poderia vir a história, a princípio, se calaram, então foram indagadas se essa história
poderia sair de um jornal, por exemplo. Imediatamente D disse que não; “jornal tem notícia de verdade, livro tem história”. B concordou e acrescentou: “livro conta história real e
não, porque tem coisa que existe e que não
existe, como ogro, sereia, isso é tudo lenda”.
Então, a pesquisadora perguntou o que era
lenda. D disse que é o que não existe e que
nunca vai existir. B, que havia estudado a respeito desse assunto na Educação Infantil, exemplificou: “É tipo a sereia, ela cantava e
levava os homens para o fundo do mar e de-
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vorava eles e daí cantava de novo, e o curupira e...”. D concordou com o exemplo. A argumentou que poderia sair do computador e,
ao ser interrogada acerca do porquê, apenas
respondeu: “porque sim, como o livro do Pooh” (vale explicar que A brinca no computador com livros digitais, entre eles o do Pooh).
C, mais uma vez, ficou calada. Aqui, podemos perceber a noção que essas crianças já
têm acerca dos gêneros textuais, que, para
Marcuschi (2003), são propiciados pelas novas tecnologias, o seu uso e suas inferências
nas atividades comunicativas diárias, especialmente nas ligadas à comunicação.
À medida que o filme ia se passando,
os comentários das crianças eram espontâneos
e muito apegados a detalhes, tais como:
B: Oh, ele escova os dentes e a pasta de dente
dele é veneno de bicho.
A: Eca, a pasta de dente não é de morango.
Cabe destacar que a criança atribui
sentido às coisas a partir das suas vivências,
ou seja, o sentido nasce a partir do lugar do
leitor, sendo que o que é diferente do seu
mundo conhecido não é bom; o conceito do
que é certo ou errado, do que pode ou não tem
como pressuposto o mundo vivido.
No momento em que as personagens
de contos de fada invadem o pântano de Shrek, as crianças foram indagadas acerca de
serem conhecidas ou não. D disse que já lera
um livro do Pinóquio e outro da Branca de
Neve. B foi além em sua resposta: “Ah, todos
são coisas, coisas, ah, assim, de contos de
fadas; a Branca de Neve, os três Ratinhos,
ah, de livros. Ah, e eu acho que o Shrek já leu
todas essas histórias, por isso que ele sabe
quem são, ou a mãe dele, a profe contou”.
Indagados se ogro ia à escola, B prontamente
disse que sim, pois ele sabia ler. Aí podemos
perceber claramente a função social da escola
na concepção dessa criança, ou seja, ensinar a
ler. Além disso, cabe destacar nesse comentário, mais uma vez, a vivência da criança, que
atribui a contação de histórias à mãe ou à
“profe”, tal qual acontece em seu cotidiano.
Quando apareceu a Branca de Neve, B e D
dialogaram a respeito:
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D: Oh, o espelho mágico da Branca de Neve.
B: É, tem uma rainha má que pergunta: “espelho, espelho meu, existe alguém mais linda
do que eu?” (ao mesmo tempo em que falava,
interpretava e era imitada por A).
Alguns estudos apresentados por Caparelli (1990), acerca da fantasia e da realidade no contexto infantil, mostram que com a
idade de 3 anos inicia-se o fascínio pelo movimento e as crianças já podem seguir um enredo simples, começam a distinguir as ações
do seu mundo cotidiano para lentamente integrá-los no mundo imaginário. Nessa idade, a
criança seleciona aquilo que quer ver e tem
forte tendência a imitar aquilo que lhe desperta a atenção, o que prossegue até os 4, 5 anos,
quando a criança está afirmando seu próprio
eu. Em um processo de evolução contínuo, a
criança percebe, aos poucos, que os filmes
que vê pertencem apenas ao domínio da fantasia. Essa tarefa, no entanto, não é fácil, se
levarmos em consideração que muitos adultos
enfrentam dificuldades em separar a realidade
da ficção quando, por exemplo, assistem a
alguma novela. Constatamos que B, com 5
anos, está na fase de transição, pois ora consegue perceber que é “apenas um filme”, ora
diz que algo não é possível “porque não existe”.
Continuando a conversa sobre a Branca de Neve...
D: A rainha era má porque queria matar a
Branca de Neve.
B: É, ela quer ser a mais bela de todas e quer
que todos se apaixonem por ela.
Aqui, a presença das personagens de
contos de fadas só foi percebida pelas crianças, porque a leitura desses contos fora feita
e/ou contada/ouvida anteriormente ao filme,
caso contrário não se perceberiam essa intertextualidade. Assim, a leitura, de uma ou outra forma, faz parte do mundo dessas crianças.
Destaca-se que C convive num ambiente totalmente adverso; não recebe estímulos acerca
de leituras ou um acompanhamento mais direto no que diz respeito à sua educação; seus
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conhecimentos advêm da famosa babá eletrônica, ou seja, ela apenas recebe, de forma passiva, aquilo que a TV veicula, o que reflete
nas suas contribuições, que são poucas. Apesar de ser mais velha que B, cognitivamente,
está aquém. Aí, podemos perceber o quanto o
desenvolvimento humano dá-se de fora para
dentro; a aprendizagem promove o desenvolvimento, somos o resultado da interação com
o meio (Vigotski, 2003). Em outro texto, esse
mesmo estudioso afirma que “a atividade criadora da imaginação se encontra em relação
direta com a riqueza e a variedade da experiência acumulada pelo homem, porque esta
experiência é o material com o qual constrói
seus edifícios de fantasia” (Vigotski,
1996:17).
Quando indagadas sobre quem é do
mal no filme, responderam:
D: O dragão, os guardas e o Lorde Farquaad
são do mal.
B: É sim, eles querem matar o ogro, o Lorde
quer casar com a princesa.
D: Eu torço pro Shrek, porque ele é do bem.
B: É sim “D”, ele é do bem porque briga com
os do mal e quem é do mal é amigo dos do
mal, então ele é do bem.
A e C não se pronunciaram. Cabe destacar que A falou pouco durante a exibição de
todo o filme; passou a maior parte do tempo
dançando, conforme a trilha sonora.
Interrogadas a respeito da beleza de
Shrek e Fiona, B e D consideraram o ogro bonito por ser do bem; A disse que era feio, porque não usava roupa direito e “andá pelado é
feio”; já C disse que ele era feio, porque era
ogro e ogro é feio. Nesse comentário da criança, podemos perceber certo determinismo,
ou seja, as coisas já são preestabelecidas; o
estereótipo do que é certo e errado, do que é
feio e bonito, conforme os padrões impostos
pela sociedade. Quanto à Fiona, B disse que,
como “ogra”, ela era mais bonita, porque daí
ela não era tão magrinha, “muito magrinha é
feio, daí tem aquela doença (referiu-se à anorexia e bulimia), muito gorda também, como
eu, aí tá bom”. As outras três apenas concordaram. Aqui podemos perceber a leitura de
© Ciências & Cognição
mundo feita por essas crianças, além do quanto assuntos tratados pela mídia fazem parte do
seu cotidiano, especialmente tomando como
referência o comentário de B, que também
mostra certo egocentrismo, ou seja, “eu” sou
padrão, “se for como eu está bom”.
Assistindo às façanhas de Shrek e Fiona, quando estes estavam dirigindo-se ao castelo de Lorde Farquaad, as crianças acompanhavam entusiasmadas a melodia da trilha
sonora e perguntavam-se, por vezes, como tal
coisa era possível. B, inclusive, disse que pediria para seu pai fazer um churrasco de ratos,
pois parecia gostoso.
Quando aparece o castelo de Lorde
Farquaad, D imediatamente disse: “Parece
grande, mas não é, porque o Lorde é anão,
mas é príncipe”. Indagada se anão não poderia ser príncipe, B disse: “Se a princesa for
(anã), claro que sim, senão não pode; não
combina”. Esse comentário demonstra o
quanto uma criança de 5 anos já tem alguns
preconceitos vigentes na sociedade bem explícitos. Possivelmente, o motivo de comentar
que “não combina” deve-se ao fato de, no geral, casais serem formados por homem e mulher, de estatura mais os menos similar. Os
outros sujeitos não responderam o questionamento, mas concordaram (C e D) com a resposta de B. A divertia-se, imitando algumas
falas e rindo.
É interessante, também, destacar a
percepção das crianças sobre aquilo que não
foi dito, como dados provenientes do cenário,
que o olhar permite compreender. Aqui cabe
salientar a importância da visualidade; não é
preciso falar, basta mostrar; a imagem tem
significados próprios, independente do texto
que ela acompanha (Camargo, 2003). O autor
faz referência à imagem num livro, mas caberia muito bem também para a imagem no filme:
B: O Shrek olha assim, porque ele tá apaixonado.
D: É sim, ele faz essa cara porque gosta da
princesa. Ele acha que não pode casar com
ela porque ele é ogro, mas pode sim. Porque
não importa, se é branco ou preto, pode ficar
junto, também se é separado; ela ama ele.
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Cabe salientar que os pais dessa criança são separados, o que, mais uma vez, permite-nos perceber que a leitura é feita a partir
dos elementos do contexto do sujeito.
B: Ela pode, mas eu nunca li uma história
que uma princesa casou com um lenhador,
um trabalhador, um ogro. Se ela virar ogra,
ela pode.
Nesse comentário, fica claro, mais
uma vez, que ela percebeu a subversão, mas
como não é algo com que se depare todos os
dias, vê com estranhamento. Vale chamar a
atenção, ainda, para o seu conceito de leitura,
ou seja, ler vai além das palavras; as imagens
também são lidas.
D: Ah, mas o que adianta se casar com uma
pessoa bonita, se ela vai trair.
B: É, mas é outra espécie: ogro com ogro,
gente com gente. Pato também não casa com
peixe só porque nada. Ah, e o Lorde é mais
ou menos bonito. Bonito porque é príncipe;
feio porque é do mal.
Aí, deparamo-nos com certo determinismo, ou seja, as pessoas, por exemplo, são
feias ou bonitas de acordo com a sua função
social e o comportamento que têm na sociedade, mas, por outro lado, a beleza não é vista
como algo fútil, uma vez que a pessoa também é valorizada pela sua subjetividade.
As crianças percebem não apenas o
que é dito, mas o que é mostrado visualmente
no filme, de modo que o estado emocional das
personagens é foco de observação e de comentário:
A: Olha, a Fiona tá triste.
D: É, é porque ela ama o Shrek.
B: Ela não pode casar com o Lorde, ela não
gosta dele. Meu pai casou com a minha mãe
porque gosta dela.
C: Olha, o dragão não tá brabo porque é o
amor do burro.
B: Ah, mas não pode, é outra espécie. Ah,
mas é só um filme, né?!?
D: É, daí pode.
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Essa constatação de B faz lembrar Iser
(1996), para quem o texto ficcional contém
muitos fragmentos identificáveis da realidade,
que, através da seleção, são retirados tanto do
contexto sociocultural quanto da literatura
prévia ao texto. Assim, retorna ao texto ficcional uma realidade de todo reconhecível,
posta, entretanto, sob o signo do fingimento.
Com isso, se revela uma conseqüência importante do desnudamento da ficção; pelo reconhecimento do fingir, todo o mundo organizado no texto literário transforma-se em um
como se. O como se significa que o mundo
representado não é propriamente mundo, mas
que, por efeito de um determinado fim, deve
ser representado como se fosse. Nesse sentido, como se pode ser denominado de imaginário porque os atos de fingir se relacionam com
o imaginário. O mundo relacionado no texto
não se refere a si mesmo e, por seu caráter
remissivo, representa algo diverso de si próprio; o mundo concebido é apenas um mundo
possível, de um lado se diferenciando daqueles mundos de cujo material foi feito e, de outro, oferece uma marcação para uma realidade
a ser imaginada. Lembrando Lajolo e Zilberman (1996), que fazem referência aos tipos de
leitor, podemos perceber aí um espectador
capaz de estabelecer a necessária distância
entre o visto e o vivido.
Ao final do filme, o livro aberto no início fecha-se e o narrador conclui: “E viveram felizes para sempre”, retomando o final
dos contos de fadas. Nesse momento, D comenta: “A história começa e termina com o
livro. O livro se fechou, porque no início abriu. Ao invés de ler, a gente viu o filme”.
Então, foi perguntado às crianças se
haviam gostado desse final e, pelas respostas,
é possível perceber que B e D conseguiram
estabelecer relação entre o desfecho do filme
e o seu enredo, essas crianças inseriram o texto na moldura do livro; enquanto A e C apegaram-se apenas às cenas finais, desconectadas da abertura e do fechamento do filme; ativeram-se apenas à história contada, não percebendo o modo como se dá a conhecer.
D: Sim, porque o bem venceu o mal.
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B: É, o mal tem que perder, e o Shrek amava
a Fiona e a Fiona amava o Shrek, então ela
não podia casar com outro só porque era rei.
A: Ah, eu gostei porque o burro fala, é legal.
C: Eu gostei, porque a música é legal.
O julgamento que possibilita o gostar
ou não de um objeto artístico nessa etapa da
vida ainda está ligado a aspectos isolados como um detalhe, a atuação de um personagem,
a um fragmento da ação.
4. Tecendo algumas considerações
Shrek coloca os heróis numa posição
de autonomia em relação a uma instância superior e dominadora, por isso, poderíamos
considerá-lo como um exemplo de filme emancipatório. Além disso, subverte padrões
de integração social tradicionalmente consagra-dos, uma vez que não é preciso, por exemplo, ser belo para ser rei ou rainha ou ser
feliz; Fiona ama Shrek como ele realmente é e
vice-versa. É importante destacar que essa
desesteriotipização, como averiguado nos
comentários dos sujeitos dessa pesquisa, é
perceptível pelas crianças, o que lhes permite
tomar contato com padrões diferentes daqueles que a sociedade lhes impõe a cada dia, especialmente por intermédio da mídia, e questioná-los, não simplesmente e passivamente
aceitá-los.
O filme permite discutir os valores
emergentes na sociedade, principalmente no
que diz respeito às relações de dependência e
sujeição que se estabelecem entre os indivíduos, bem como do quanto somos “produto”
do meio em que estamos inseridos. Nesse sentido, podemos ler a sociedade e os seus valores sendo questionados; o rei, por exemplo,
não era aclamado pelo povo, mas as placas
indicavam a reação que as pessoas deveriam
ter diante do que estava sendo dito ou acontecendo, deixando a falsa impressão de o poderoso estar agradando. A própria reação de Fiona ao ser resgatada - esperava um comportamento-padrão, digno de um rei - também
remete-nos à sociedade burguesa e seus valores, cabendo aos cidadãos, burgueses ou não,
terem esse determinado comportamento como
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pré-requisito para serem aceitos ou não nessa
sociedade. A própria instituição casamento
nessa classe social é questionada, quando o
burro diz que “casamento de gente famosa
não dura” – o casamento de Fiona, a princípio
era arranjado com o Lorde Farquaad. Todos
esses elementos possibilitam à criança um
olhar peculiar acerca dos valores da sociedade
na qual estão inseridas.
Cabe destacar, ainda, que a questão
central que move esse estudo é como a criança lê o filme. A partir desse foco, expôs-se um
grupo de 4 sujeitos ao filme Shrek e, frente à
situação, podemos afirmar que: o fato de o
pesquisador conhecer as crianças gerou um
clima de descontração, permitindo aos expectadores falar sobre o visto e o vivido; parte
dos sujeitos reconhece a presença do livro na
abertura e fechamento do filme, associando-o
ao ato de ouvir histórias; a significação do
texto dá-se a partir das vivências dos infantes,
já revelando posturas preconceituosas; e, por
último, na discussão do visto, as posições de
cada sujeito vão sendo negociadas.
Na atualidade, é possível depararmonos com uma oferta cada vez maior de produção cultural direcionada ao público infantil,
acompanhada, cada vez mais, de inovações
tecnológicas. Os filmes, nesse sentido, podem
ser uma ferramenta útil para o (auto) conhecimento das crianças e sua inserção no mundo. É importante, porém, cada vez mais, orientar as crianças para ver filmes que ampliem
esse olhar, esse conhecer. Para ler, seja o livro, seja o filme – ambos objetos artísticos - o
interlocutor deveria pôr em ação seu imaginário, participando na figuração do universo
proposto como um co-autor, identificando-se
com os seres fictícios.
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Submetido em 15/04/2007 | Revisado em 07/08/2007 | Aceito em 18/08/2007 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 03 de dezembro de 2007
Artigo Científico
Lineamientos para la configuración de un programa de intervención
en orientación educativa
Limits for the configuration of a interferation ptogram in orientation
Denyz Luz Molina Contreras
Universidad Nacional Experimental de los Llanos Occidentales Ezequiel Zamora, Caracas, Venezuela
Resumo
Nesta investigação reposicionamos linhas de intervenções a respeito dos presupostos teóricos, metodológicos e práticos usados para a configuração de um programa de intervenção educacional nos centros escolares, salas de aula e comunidade. Da mesma forma, são definidas as linhas teóricas que orientam a intervenção através de uma determinada perspectiva do conhecimento, onde demonstramos
que existe uma teoria totalmente desenvolvida, baseada em uma ampla gama de evidências empíricas
e que é factível de ser aplicada a um programa de intervenção orientado. Assim, tomamos como base
construções que direcionam as caracteristicas do o que, o por que e o como da orientação no momento que a eleva à prática, através de programas dirigidos aos centros escolares e a sala de aula que tenham a intenção de prevenir, desenvolver, intervir e ajudar a diversidade a partir da relevância social.
© Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 40-50.
Palavras-chaves: limites; intervenção programa; orientação; atenção para a diversidade.
Resumen
En la investigación nos hemos reposicionado líneas de intervención entorno a los presupuestos teóricos, metodológicos y prácticos para la configuración de un programa de intervención educativa a
nivel de los centros escolares, aula y contexto comunitario. Así mismo se definen las líneas teóricas
que orientan la intervención hacía una determinada perspectiva del conocimiento, donde demostramos que existe una teoría completamente desarrollada, con abundante evidencia empírica y factible
de ser aplicada a un programa de intervención en orientación. En consecuencia nos apropiamos de
constructos que direccionen el qué, él por qué y el cómo de la orientación al momento de elevarla a
la praxis mediante programas dirigidos a los centros escolares y al aula que tengan la intención de
prevenir, desarrollar, intervenir y atender la diversidad desde la pertinencia social. © Ciências &
Cognição 2007; Vol. 12: 40-50.
Palabras claves: lineamientos; intervención programa; orientación; atención a la
diversidad.
- D.L.M. Contreras es Doctora en Diseño Curricular (Universidad de Valladolid). Actúa como Profesora Asociado de la Universidad Nacional Experimental de los Llanos Occidentales Ezequiel Zamora, con estudios en Diseño
Curricular, especialista en Orientación Educativa y con Postgrado en Orientación y Docencia Universitaria. BarinasVenezuela, Profesora Investigadora Nivel I PPI, Ministerio de Ciencia y Tecnología. Caracas Venezuela. E-mails para
correspondência: [email protected], [email protected] y [email protected].
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© Ciências & Cognição
Abstract
In this investigation we repositionate intervention ways about theoretical, methodological and practical assumptions used for the configuration of an educational intervention program at the school centers, classroom and community. Similarly, the theoretical pathways are defined that guide intervention through one perspective of knowledge, which demonstrated that there is a fully developed theory,
based on a broad range of empirical evidence and that it is feasible to be applied to a program of oriented intervention. Thus, we take as basic constructions that directed the characteristics of what, why
and how of guidance at the time that the amounts to the practice, through programs directed to
schools and the classroom that they intend to prevent, develop, operate the diversity and help from the
social relevance. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 40-50.
Key Words: limits; intervention programs; orientation; attention to the diversity.
1. Líneas teóricas que orientan la investigación
1.1. Conceptualización de programa y de
orientación educativa
La configuración de un programa de
orientación educativa dirigido a los alumnos,
agentes educativos y comunidad en general,
nos lleva a manejar una diversidad de definiciones sobre programas de orientación, que se
han construido a lo largo de las últimas décadas, y van desde concebirlos como instrumentos para la asistencia de la persona, hasta,
asumirlos como medios que recogen el concepto de prevención, desarrollo, atención a la
diversidad e intervención social.
En efecto la investigación que abordamos exige reposicionarse de conceptos y
teorías que definen la orientación educativa,
programa de intervención, y eleventos que
constituyen el hilo conductor del estudio para
la configuración de lineamientos finales como
principal aporte de la investigación.
El concepto de programa que manejamos parte de la orientación como proceso en
donde la escuela, familia y sociedad, han de
asumir un papel activo, en la definición del
conjunto de actividades integradas en los ejes
de: enseñar a pensar, enseñar a ser persona,
enseñar a convivir, enseñar a comportarse y
enseñar a decidirse, facilitan el proceso de
intervención en orientación.
Si consideramos a la orientación para
la prevención, desarrollo y atención a la diversidad, que implica planificación y sistematización de acciones para la toma de decisio-
nes e impulsa el desarrollo de habilidades personales y sociales, necesariamente nos inclinamos por un modelo de intervención grupal
por programas como la forma más pertinente
de ofrecer una orientación ecológica en los
centros escolares.
En un acercamiento al concepto de programa, encontramos que no existe una definición única, al contrario, contamos con una
pluralidad de conceptos con elementos comunes.
En sentido general, un programa es un
plan o sistema bajo el cual una acción está
dirigida hacia la consecución de una meta
(Aubrey, 1982: 53).
Desde un enfoque similar, Riart (1996:
50), entiende que programa “es una planificación y ejecución en determinados períodos
de unos contenidos, encaminados a lograr
unos objetivos establecidos a partir de las necesidades de las personas, grupos o instituciones inmersas en un contexto espaciotemporal determinado”.
En el ámbito de la enseñanza, Morrill
(1990), expresa que el programa “es una experiencia de aprendizaje planificada, estructurada, y diseñada para satisfacer las necesidades de los estudiantes”.
Con una visión sistémica, Repetto, et
al.(1994), entienden por programa el diseño
teóricamente fundamentado que pretende lograr unos determinados objetivos dentro del
contexto de una institución educativa.
Desde un enfoque más centrado en la
orientación, para Rodríguez y colaboradores
(1999):
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“Un programa es un instrumento rector
de principios que contiene en su estructura elementos significativos que orientan la concepción del hombre que queremos formar. Desde el punto de vista
de la orientación, los programas son acciones sistemáticas, cuidadosamente
planificadas orientadas a unas metas,
como respuesta a las necesidades educativas de los alumnos padres y /o representantes, docentes, insertos en la realidad de un centro.”
En esta misma línea, para Bisquerra
(1998), un programa es una acción colectiva
de un equipo orientador para el diseño teóricamente fundamentado, aplicación y evaluación de un proyecto, que pretende lograr
unos determinados objetivos dentro del contexto de una institución educativa, de la familia o de la comunidad, donde previamente se
han identificado y priorizado las necesidades
de intervención.
Siguiendo un enfoque integral, Velaz
de Medrano (1998: 256) ha tratado de integrar
en una definición los elementos comunes que
caracterizan los programas de orientación
educativa, considerando que un programa de
orientación es un sistema que fundamenta, sistematiza y ordena la intervención psicopedagógica comprensiva orientada a priorizar y
satisfacer las necesidades de desarrollo o de
asesoramiento detectadas en los distintos destinatarios de dicha intervención.
Las definiciones anteriores suministran elementos significativos a partir de los
cuales nos hemos reposicionado para construir una definición de programa dirigido a la
prevención, desarrollo y asistencia del alumno
en edad escolar. Desde esta perspectiva, el
programa se concibe como un instrumento
teórico-operativo que orienta, guía y contextualiza el acto de orientar, en función de la
concepción del hombre que queremos formar,
de orientación, de enseñanza y el concepto de
currículo, además de las necesidades de los
sujetos a quienes va dirigido el programa y
los recursos factibles para su operacionalización.
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Desde la perspectiva de la integralidad
la orientación educativa en la escuela básica
se considera un proceso continuo que comienza en el nivel inicial y se ofrece durante
toda la vida. Se concibe como parte integrante
del proceso educativo y por tanto es responsabilidad de todos los agentes educativos; padres, docentes, directores, comunidad y los
propios alumnos.
De allí, que en la investigación asumimos, la orientación educativa como un proceso que implica promover la integración, socialización y adaptación del alumno, así como
ayudarlo y guiarlo hacia el conocimiento de sí
mismo. La actuación orientadora en centros
escolares no puede concentrarse al margen de
la actividad educativa ordinaria. Al contrario,
ha de incorporarse a ella, atendiendo el carácter personalizado de la educación y caracterizándose por ser global, integral y realista en
función de las necesidades de sus destinatarios.
1.2. Elementos orientadores para la configuración de una programa de orientación
Las líneas teóricas que se manejan en
el apartado anterior nos llevo a la realización
de las siguientes precisiones con respecto a
los elementos orientadores y guías para efectos de construcción de un programa de orientación:
A quién va dirigido el programa? es
fundamental precisar quienes son los beneficiarios del programa, ya que todos los alumnos tienen derecho a la orientación. Si se trata
de un programa de prevención primaria es
conveniente integrar el mayor número de
alumnos. También, debemos tener presente a
los profesores y agentes educativos, como sujetos claves del proceso orientador.
¿Él para qué? es otro de los elementos del programa que implica delimitar los
objetivos: estos nos avanzan lo que se pretende conseguir en un ámbito determinado, que
puede responder a una o varias áreas del desarrollo: personal-social, escolar o vocacional.
Los objetivos generales de carácter más amplio, se pueden pormenorizar a nivel de objetivos específicos.
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¿El qué? representa los contenidos,
que constituyen los núcleos temáticos del
programa vinculados a cada objetivo específico. Si lo que planteamos en los objetivos es la
formación hábitos de trabajo cooperativo, la
autoestima, la promoción del aprendizaje significativo, los contenidos deben representar
estos tópicos, los cuales aportan un conjunto
de elementos que facilitan el logro de los objetivos que se persiguen.
¿El cómo? determina las estrategias a
utilizar para el logro de los objetivos. Para la
selección de las actividades debemos tener en
cuenta los beneficiarios, los objetivos y contenidos. Las estrategias deben ser flexibles,
dinámicas y responder a las necesidades, expectativas e intereses de quienes intervienen
en el programa.
¿El con qué? tiene que ver con los recursos humanos, institucionales y financieros
que se disponen para la implementación del
programa. Este elemento hace posible su ejecución y determina el grado de compromiso
de los agentes educativos.
¿El cuándo?, obliga necesariamente al
establecimiento de la secuencia de ejecución
del programa e incluye su temporalización ó
cronograma.
Y finalmente ¿El dónde?, invita necesariamente a delimitar geográficamente y espacialmente el ámbito donde se llevará a cabo
la intervención, ya sea el centro escolar, la
etapa educativa, el grado o los grados o la
sección.
2. Objetivos de la investigación
•
•
•
Analizar lineamientos a considerar para
formular un programa de intervención
Determinar el concepto de orientación
educativa que manejan los alumnos y
agentes educativos
Definir lineamientos para la configuración de un programa de intervención en
orientación educativa
3. Metodología
La metodología que se ha empleado
en esta investigación se ubica según los obje-
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tivos en el paradigma cualitativo, el cual
otorga significado a la valoración de los comportamientos, experiencias y saberes de los
actores que intervienen en la investigación.
La investigación cualitativa según,
Denzin y colaboradores (1994), es “un proceso que integra actividades genéricas, interconectadas entre sí, que toman diferentes nombres incluyendo teorías, métodos, análisis,
ontología, epistemología y metodología”. Se
destaca desde la perspectiva cualitativa la
primacía de que su interés radica en la descripción de los hechos observados para interpretarlos y comprenderlos en el contexto global en el que se producen con el fin de explicar los fenómenos.
Dado su carácter de flexibilidad y
creatividad, establecimos una relación dialógica con los alumnos, docentes y agentes educativos captando el aspecto axiológico, los
valores, que inciden en la investigación y
forman parte de la realidad, así como del contexto social y cultural. En consecuencia mediante la investigación cualitativa, no buscamos la generalización sino, la caracterización
a profundidad de la realidad de la orientación
en los centros escolares y en las aulas, así
como, buscamos la comprensión de los casos.
Dentro de este marco realizamos una
descripción detallada de las observaciones
mediante el registro cuidadoso de los casos
constituidos en investigación, subrayando la
importancia de la categorización que nos
permitió ir colocando la realidad en esas categorías, con el fin de conseguir una coherencia
lógica en el suceder de los hechos o de los
comportamientos que están necesariamente
contextualizados y adquieren su pleno significado.
En consecuencia, para nuestro estudio
lo importante radica en captar y registrar las
experiencias, vivencias, actitudes, práctica y
significado que le atribuye el docente, los
alumnos y padres a los programas de orientación en la Escuela Básica.
Retomando los planteamientos que
sustentan la investigación que abordamos,
consideramos en primer lugar la etapa preparatoria: esta constituye el inicio de la investigación, la cual implica reflexión teórico-
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práctica estando presente la formación del
investigador, sus conocimientos, experiencias,
vivencias sobre los fenómenos educativos,
específicamente sobre los lineamientos para
configurar un programa de intervención en
orientación educativa.
Una segunda etapa que corresponde
a la fase reflexiva: la misma implica que el
investigador partiendo del marco referencial
de valores, conocimientos, actitudes, experiencias y formación cultural, intenta clarificar y determinar el tópico de interés y describir las razones por las cuales elegimos el tema
de indagación. Una vez que identificamos el
tópico de interés, buscamos toda la información posible sobre el mismo, estableciendo el
estado de la cuestión desde una perspectiva
amplia, sin llegar a detalles extremos dentro
de este orden de ideas la investigación se
apoya en la metodología cualitativa ampliamente discutida con apoyo de herramientas
que brinda la investigación cuantitativa para
fundamentar la caracterización de la orientación en los centros escolares y el aula. Y son
objetos y sujetos de orientación.
3.2. Sujetos significativos
Utilizando el criterio de selección intencional, la muestra estuvo integrada por
veinte docentes (20) docentes, veinte (20)
padres y/o representantes, cuarenta (40)
alumnos de las Escuela Básicas.
Para la selección de la muestra en las
investigaciones cualitativas se sugiere según
Pérez (1990), utilizar una muestra intencional
de acuerdo a unos determinados criterios. No
se busca en esta investigación la generalización de los resultados sino más bien lograr un
mayor conocimiento del grupo concreto en el
que tenemos que llevar acabo una actividad
determinada. En este caso conviene describir
con claridad las características de la muestra
con la que vamos a trabajar.
3.3. Técnicas: observación y entrevista
La observación la realizamos en tres
escenarios básicos: la escuela, el aula de clase, y la comunidad. Es importante destacar
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que cuando empezamos a realizar las observaciones sistemáticas contaba con experiencia
previa producto de doce años como docente
de educación inicial y básica, y quince años
habitando en el municipio Barinas, y tres
años asistiendo a las escuelas como profesora
del curso “Orientación Educativa”. Este constituye un factor fundamental para la comprensión y análisis de los significados y conceptos que manejan los sujetos de estudio en
relación con la orientación educativa.
Como principal técnica de recolección
de información se utilizó la observación
participativa: La cual permitió a los docentes, alumnos y agentes educativos, involucrarse en su construcción y a su vez facilitó la coconstrucción a partir de los encuentros en el
contexto por medio de la reflexión de las relaciones que se presentan entre la práctica pedagógica y la elaboración de significados de
la orientación educativa, participando del proceso de construcción descubriendo el sentido,
la dinámica y los procesos de los acontecimientos que viven los protagonistas en el medio en que se desarrolla la orientación en los
centros escolares y el aula.
Desde esta perspectiva, aprendimos
aspectos de la cultura, las relaciones sociales,
la dinámica educativa, el quehacer en el aula,
las relaciones entre los centros escolares y la
comunidad. Para describir la situación analizada se dedica a descubrir el sentido, la dinámica de los procesos, de los actos, de los
acontecimientos y de las afirmaciones textuales de los protagonistas, estas relaciones descriptivas aportaron información sobre las situaciones en que se mueven y las percepciones que tienen los protagonistas sobre la situación en que viven, también tiene en cuenta
las expectativas, experiencias, ideas, emociones y sentimientos.
Para la recolección de la información
se ha empleado con acentuado énfasis la observación la cual constituyó un método dirigido a obtener datos pertinentes y significativos
sobre el sentido de la orientación educativa en
los centros escolares y el aula. La observación
a juicio de Méndez (1988), permite que el investigador tenga en cuenta las experiencias
previas, juicios, percepciones y las condicio-
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nes sociales, culturales, educativas y económicas en que se desenvuelve el objeto de observación.
a) Para llevar acabo el proceso de observación en nuestra investigación consideramos los siguientes criterios sugeridos por
Rodríguez et al -ubicación del contexto
de observación en un ambiente natural,
social, histórico y/o cultural en las que se
sitúa el proceso de observación, precisión
del qué y el cuándo de la misma.
b) De igual manera establecimos las categorías de análisis definidas como sistemas
cerrados en las que la observación se realiza desde categorías (término que agrupa
a una clase de fenómenos según una regla
de correspondencia única), prefijadas por
el observador. La identificación del problema se hace desde una teoría o modelo
explicativo del fenómeno, actividad o
conducta que va a ser observado.
c) Las categorías deben ser homogéneas.
En la categorización se considera la
lista de control como una variante del sistema
de signos, que nos permite determinar si ciertas características están presentes o no en un
sujeto, situación, fenómeno o material. La lista de control responde a un modelo teórico en
la que los objetivos del estudio son la guía y
orientación de lo que vamos a observar.
La observación participante me permitió estar en contacto, vivenciar y participar
directamente en el aula de clase e interactuar
con los niños y docentes. En este escenario
fuimos tomando notas, llevando registros tanto de la interacción docente-alumno, como de
la metodología de la enseñanza y actividades
de rutina. Estos apuntes los revisamos periódicamente para integrarlos a otras observaciones y reorientar la investigación.
En síntesis es importante destacar que
las experiencias más valiosas y típicas fueron
recogidas literalmente, para citarlas después
entre comillas como testimonio de las realidades observadas. La utilizamos en el estudio
como una técnica que nos facilito el conocimiento de la práctica de la orientación, las
necesidades del docente, como de los alumnos
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y agentes educativos, en un contexto sociocultural real y natural.
3.4. Instrumentos para la relación de la información
El cuestionario: su sentido en la investigación
De acuerdo con Kerlinger (1987), el
cuestionario es la técnica de investigación
más utilizada con la finalidad de obtener, de
manera sistemática y ordenada, información
sobre las variables que intervienen en el estudio.
Para efectos del diseño del cuestionario
aplicado consideramos los siguientes aspectos
formales:
a) Se ubica el título en forma abreviada al
tema sobre el que se busca información;
b) Se sitúa el cuestionario dentro del contexto institucional;
c) Se aclara el marco general del estudio que
se aborda;
d) Se exponen los motivos por los que se solicita información, se presentan las instrucciones para responder y se agradece la
receptividad y el apoyo al responder el
cuestionario.
Informes, documentos y producciones
Otras fuentes de información valiosas
la constituyeron los informes y papeles de
trabajo elaborados por los estudiantes de las
prácticas pedagógicas III y IV Rol de Orientador Educativo como las producciones generadas de las discusiones en el aula, mesas de
trabajo, representaciones, informes y representaciones de la realidad sobre la problemática de la orientación educativa en las escuelas
básicas. También contamos con algunas producciones significativas aportadas por profesores de la universidad como resultado de la
aplicación del programa de orientación propuesto que ha sido utilizado como guía para la
operacionalización de los contenidos del subproyecto orientación educativa.
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Diario de campo
Se refiere a todas las informaciones, datos,
referencias, expresiones, opiniones, hechos,
croquis, de interés, tanto para la fase de diagnóstico como para la experimentación y evaluación del programa de orientación educativa. El diario lo utilizamos como un instrumento reflexivo de análisis. Aquí plasmamos
no sólo lo que recordamos casi siempre apoyado por las notas de campo, sino sobre todas
las reflexiones que se han visto y oído.
El diario de campo es un instrumento dirigido a recopilar datos sobre las observaciones
realizadas en el aula durante la práctica pedagógica y la orientación educativa, a fin de reflexionar acerca de la dinámica y de los conceptos y acciones de orientación que prevalecen dentro y fuera del aula. Este instrumento
además facilitó el registro de experiencias sistematizando, la fecha, hora, lugar, recursos,
actividades, objetivos, protagonistas, acuerdos, descripción, interpretación y observación
participante. El mismo, recoge un conjunto de
aspectos significativos para el análisis y reflexión del sentido y concepto que se le atribuye a la orientación en los centros escolares
y el aula, donde intervienen activamente los
agentes educativos.
Relatos de vida: es el relato de la experiencia vital de los protagonistas, o documento autobiográfico suscitado por un investigador que apela a los recuerdos del protagonista
siendo en el ámbito global y no analítico en
un intento de hacer una lectura de la sociedad.
Permite conocer y comprender los significados que han construido cada protagonista como parte de un proceso social y protagonista
de la investigación, recoge información sobre
la vivencia social y las prácticas en la memoria colectiva de la cotidianidad, con el fin de
extraer de ellas una significación.
3.5. Recursos utilizados: cuadernos, grabadora, lápices
Participaron activamente en el proceso
investigativo los docentes, alumnos, padres
y/o representantes así como el personal directivo de los centros educativos, igualmente uti-
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lizamos registros, formatos de observación,
fotografías, material instruccional, aulas, instalaciones de los centros educativos, comunidad y contexto comunal.
En efecto, que el registro de comportamientos y conductas como actitudes, significado, expresiones, sentimientos y prácticas
corresponden a actividades ordinarias y comunes de la dinámica humana. Esta riqueza y
diversidad de observaciones tomadas de la
variedad de registros que utilizamos, nos
permitió realizar un proceso de triangulación
de los datos e informaciones, pues no podemos dejar pasar por alto que la técnica de la
triangulación implica reunir una variedad de
datos y métodos inherentes al problema u objeto de estudio.
La aplicación de la estrategia de triangulación permite la depuración de la información obtenida a través de los instrumentos y
técnicas aplicadas las cuales han sido comparadas a fin de descubrir los puntos de convergencia en relación con las hipótesis y objetivos planteados.
Para la clasificación de los datos, hemos
utilizado el sistema de categorización como
estrategia de reducción de la información. Los
temas cuyos elementos de significado son
comunes, han sido agrupados en unidades.
Los conceptos manejados surgieron durante el
curso de la investigación, tomando en consideración los datos empíricos que facilitaron la
generación de las categorías de análisis que
las integramos a la base teórica metodológica
que desarrollamos con mayor abstracción y
generalización en el problema planteado.
En el estudio, se hace uso de la estrategia de “triangulación de fuentes de datos”,
que en opinión de Denzin y colaboradores
(1994), se trata, más bien, sea cual sea la técnica utilizada, de ampliar el tipo de datos de
que dispongamos para así fundamentar más
adecuadamente nuestras teorías. En este sentido, la triangulación se define como un plan
de acción que puede llevar al investigador
más allá de los sesgos personales.
Para apoyar las entrevistas y cuestionarios aplicados se utilizaron los registros básicos como conjunto de notas y transcripciones
que constituyen el registro de referencia para
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mantener la originalidad y veracidad de la información apoyado en registros temáticos que
corresponde a los apuntes, descripciones, reflexiones y ensayos que como investigadora
fui llevando durante el transcurso de la investigación. De igual manera, utilizamos los registros logísticos que tienen que ver con el
empleo de cuadernos o diarios de campo,
donde recolectamos notas, sobre dificultades
encontradas, necesidades de los alumnos,
hechos, interpretaciones y reflexiones personales de carácter general del investigador, así
como fue necesario en este proceso de trian-
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gulación los registros complementarios que
incluyen consultas técnicas especialistas, citas
y referencias bibliográficas.
3.6. Correlación entre objetivos, preguntas
de indagación y resultados
Seguidamente se presenta en el Cuadro
1, la relación entre objetivos, preguntas de
indagación y los resultados como elementos
implícativos del estudio que nos ha llevado a
configurar las conclusiones y recomendaciones.
Objetivos de la
investigación
Preguntas de indagación
Sujetos
ƒ Analizar los lineamientos a considerar para formular un
programa de intervención
¿Qué elementos a
considerar para diseñar un programa
de orientación
Directores
Docentes
Orientadores
Psicólogos
ƒ Determinar el concepto de orientación
educativa que manejan los alumnos y
agentes educativos
Qué concepto de Alumnos
orientación mane- Padres
jan los alumnos y Docentes
agentes educativos
ƒ Analizar el concepto de pro-grama que
manejan los alumnos y agentes educativos
ƒ Definir lineamientos para el diseño de
un programa de intervención en orientación
Qué concepto de Alumnos
pro-grama manejan Padres
los alumnos y agen- Docentes
tes educativos
Resultados derivados de la aplicación de técnicas e instrumentos
de recolección de información
ƒ Estudios de necesidades de los
alumnos(intereses, motivaciones,
ne-cesidades, habilidades, competencias)
ƒ Necesidades de la familia
ƒ Necesidades de la comunidad
ƒ Necesidades de la escuela
ƒ La orientación como proceso
asistencial
ƒ La orientación como proceso remedial
ƒ La orientación como proceso de
ayuda
ƒ La orientación como proceso inte-grado al acto de enseñar ya
prender
ƒ Instrumento de enseñanza
ƒ Medio de formación
ƒ Instrumento de asistencia
ƒ Conjunto de actividades
ƒ Necesidades individuales
ƒ Necesidades de familiares
ƒ Necesidades del contexto
ƒ Jerarquización de las necesidades
ƒ Fundamentación de las necesidades
ƒ Formulación de un plan de acción
ƒ Intervención
ƒ Evaluación
ƒ Retroalimentación
Cuadro 1 - Correlación entre objetivos, preguntas de indagación y resultados (2007).
Qué lineamientos Alumnos
pueden ser conside- Padres
rados para el diseño Docentes
de un programa de
intervención
en
orientación educativa
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4. Discusión de los resultados
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De los instrumentos aplicados a los
docentes se generaron los siguientes resultados (Cuadro 2):
Categorías
Frecuencia
Porcentaje
Necesidades de alumnos y agentes educativos
5
25
Necesidades de la comunidad y de la familia
5
25
Expectativas y motivaciones de los alumnos
10
50
Total
20 docentes
100
Cuadro 2 – Resultados obtenidos de las técnicas e instrumentos aplicados a los docentes.
El 25% de los docentes expresan en
sus opiniones y discursos, recogidos mediante
registros permanentes que un programa de
intervención ha de responder fundamentalmente a las necesidades de los alumnos y de
los agentes educativos, un 25% considera que
a las necesidades de la comunidad y familia y
un 50 % expresa que el programa debe tener
como principal sustentación las expectativas y
motivaciones de los alumnos. Realizando una
contrastación entre lo referido por los docen-
tes en cuanto a elementos para configurar un
programa de intervención en orientación, con
lo planteado en la discusión teórica por autores tales como Bisquerra (2002), y más recientemente por Boronat (2007) quién expresa: un programa debe derivarse del estudio de
necesidades de los beneficiarios y de una fundamentación de las acciones de intervención.
De los alumnos hemos obtenido los
siguientes datos significativos (Cuadro 3):
Categorías
Frecuencia
Explorar las necesidades personales, sociales, escolares y vocacio- 20
nales
Considerar nuestras diferencias individuales
10
Expectativas y motivaciones de los alumnos
10
Total
40 alumnos
Cuadro 3 – Resultados obtenidos de los instrumentos aplicados a los alumnos
Un 50% de los alumnos consideran que
se deben explorar las necesidades personales,
sociales, escolares y vocacionales, un 25 %
asumir las diferencias individuales y un 25%
las expectativas y motivaciones de los alumnos.
5. Conclusión
Producto del análisis de los resultados
con respecto a cada uno de los objetivos se
configuraron los siguientes resultados:
En cuanto al objetivo 1, dirigido a determinar el concepto de orientación educativa
que manejan los alumnos y agentes educativos, se precisa que existen tendencias antagónicas entre los que manejan la orientación
Porcentaje
50
25
25
100
como proceso dirigido a la resolución y atención a la persona con problemas y los que
consideran la orientación como un proceso
integrado al acto de enseñar y aprender. Tendencias que se ven ilustradas en los siguientes
discursos tanto de padres como de alumnos y
docentes: “ la maestra de mi hijo, me expresa
que el niño tiene bajo rendimiento en matemática, por lo que me sugiere un especialista
en psicopedagogía o un orientador para que
lo ayude en su problema?” de allí se deriva
que el problema del niño debe ser tratado fuera del aula o en condiciones especiales, denotando un enfoque centrado en el problema,
más no en la prevención y el desarrollo durante el acto formativo.
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Con respecto al objetivo 2: Referido al
concepto de programa que manejan los alumnos y agentes educativos, se determinó que no
existe un concepto claro de programa a nivel
de padres y alumnos y en cuanto a los docentes su visión esta más dirigida considerar
un programa como medio de enseñanza, más
no, como medio para promover experiencias
de intervención en orientación educativa en
los centros escolares y el aula.
Finalmente en el objetivo 3 se consideran
una serie de elementos que a juicio de docentes, alumnos y agentes educativos deben ser
considerados para el diseño de un programa
de orientación: necesidades individuales, necesidades familiares, necesidades del contexto, jerarquización de las necesidades, fundamentación teórica de las necesidades, formulación de un plan de intervención, evaluación, retroalimentación permanente.
6. Recomendaciones
De las conclusiones señaladas anteriormente y del fundamento epistemológico en
que se sustenta la investigación se derivan las
siguientes recomendaciones:
Definir un concepto de orientación
que responda a los principios de prevención,
desarrollo, atención a la diversidad e intervención social.
Conceptualizar en el marco de la definición
de orientación educativa el programa como
instrumento para el desarrollo de estrategias
de prevención, desarrollo, atención a la diversidad e intervención social.
Establecer a quien va dirigido el programa(los beneficiarios, necesidades de los
beneficiarios, características demográficas,
sociales, escolares, personales), así como,¿Él
para qué? implica delimitar los objetivos, ¿El
qué? representa los contenidos, ¿El cómo?
determina las estrategias a utilizar para el logro de los objetivos. ¿El con qué? tiene que
ver con los recursos humanos, institucionales
y financieros que se disponen para la implementación del programa. Este elemento hace
posible su ejecución y determina el grado de
compromiso de los agentes educativos. ¿El
cuándo?, obliga necesariamente al estableci-
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miento de la secuencia de ejecución del programa e incluye su temporalización ó cronograma, ¿el dónde?, invita necesariamente a
delimitar geográficamente y espacialmente el
ámbito donde se llevará a cabo la intervención, qué impacto tiene la intervención en los
beneficiarios nos llevaría a establecer criterios
de valoración y retroalimen-tación permanente de las acciones del programa, y finalmente
alcanzar un proceso de reajuste permanente
de acciones y estrategias que nos garantizaría
la pertinencia social de la intervención.
7. Referencias bibliográficas
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 51-61 <http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 29/10/2007 | Revisado em 01/12/2007 | Aceito em 02/12/2007 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 03 de dezembro de 2007
Artigo Científico
Leitura de estudo: estratégias reconhecidas como utilizadas por alunos
universitários
Study reading: strategies recognized as the most used by university students
Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, Paraná, Brasil
Resumo
O presente trabalho insere-se no campo das práticas de leitura de estudantes universitários e visou identificar as estratégias mais freqüentes de leitura de textos de estudo entre alunos, futuros professores. Compuseram a amostra alunos de graduação de duas licenciaturas e de um mestrado em educação. A Escala de Estratégias de Leitura, traduzida e adaptada por Kopke Filho foi o instrumento utilizado para a coleta de informações. De modo geral, os resultados apontam para o uso de estratégias
similares entre os participantes. A importância não só das informações acerca dos modos de ler textos
de estudo, especialmente para professores quando prescrevem leituras é discutida, como também a relativa a metacognição sobre essas práticas para os leitores. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 5161.
Palavras-Chave: práticas de leitura; ensino superior; formação de professores.
Abstract
The objective of this study was investigating the reading strategies for study texts most frequently used
among future teachers: two licentiates’ undergraduates and one graduate taking a master degree in
education. The Reading Strategies Scale, adapted by Kopke Filho (2001), was the instrument used.
Results indicate the use of similar strategies among participants. The importance of knowing the possible ways of reading study texts, especially for teachers when prescribing readings is discussed, including the one relative to metacognition about those practices for the readers. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 51-61.
Key Words: reading practices; higher education; teacher’s qualification.
1. Introdução
“Estudar seriamente um texto é estudar
o estudo de quem, estudando, o escreveu.”
Paulo Freire
Paulo Freire (1982) destaca, em seu
texto Considerações em torno do ato de estudar, escrito em 1968, que quem estuda deve
se sentir desafiado pelo texto em sua totalida-
- E.M.M.P. Pullin é Graduada em Pedagogia (Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de Londrina),
Mestre e Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (Universidade de São Paulo). Atualmente é
Professora Associada (UEL) e consultora da Fundação de Ciência e Tecnologia do estado de Santa Catarina e da Fundação Araucária do estado do Paraná. E-mail para correspondência: [email protected].
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de e se apropriar de sua significação. Uma
posição crítica, porque fundamental e indispensável ao ato de estudar requer, segundo
este educador, que o indivíduo assuma cinco
posturas essenciais:
a) exercer seu papel de sujeito;
b) ter uma postura curiosa, em face do mundo, dos textos e das relações que mantém
com os outros, isto é, o estudante não deve perder nenhuma oportunidade e fonte
para indagar e buscar;
c) sentir a necessidade de que o estudo de um
tema específico exige que se coloque a par
da bibliografia relativa ao objeto de sua
inquietude;
d) dialogar com o autor do texto, levando em
conta o condicionamento históricosociológico e ideológico do autor, que
nem sempre é o seu, de leitor;
e) assumir a humildade necessária daqueles
que de fato estudam.
O processo de construção de sentido(s) de um determinado texto depende, entre
outros fatores, do leitor, especificamente das
condições de diálogo que ele possa vir a estabelecer com o texto, determinadas estas, em
parte por sua experiência, pelo conhecimento
prévio do mundo e por sua competência lingüística (Eco, 1985). Tais condições é que
permitem ao leitor retirar “o texto da clandestinidade” (Cordeiro, 2004: 97), uma vez que o
texto só se vivifica por uma postura dialógica
de um leitor em relação ao mesmo.
Nos inserimos entre aqueles que explicam a constituição de quaisquer processos
psicológicos como provenientes do tipo de
interações mediadas/propiciadas por outrem
(Vygotsky, 1997), e entendemos, por conseguinte, que as condições individuais para a
produção e monitorização do próprio processo
de leitura são tecidas pelos efeitos de tais interações. Em suma, compreendemos a leitura
como um processo que compartilha com os
demais processos capazes de viabilizar para o
indivíduo a ocorrência de comportamentos
complexos ou não, isto é, compreendê-la como construída socialmente, porque contingenciada pelas condições e modalidades de
© Ciências & Cognição
sua ocorrência e pelas práticas sociais legitimadas em um dado momento histórico por
uma cultura, e definida por tais práticas que
legitimam e geram as condições e modalidades de sua ocorrência em uma dada situação.
Por compreendermos que ler é um
verbo transitivo, consideramos que o grau de
responsividade do leitor diante de um texto
seja estruturado por sua história de leitor e
pelo próprio texto, visto serem os modos e
possibilidades de relação do sujeito com
qualquer artefato cultural provenientes das
práticas culturais formais e informais e serem
constituídos pelos efeitos diretos e indiretos
das relações propiciadas por outrem com os
bens culturais de seu tempo/espaço. Por serem
as condições de apreensão de mundo, isto é, a
responsividade do sujeito aos eventos e produtos culturais, sua posição, funções dele esperadas e cobradas socialmente, além de estruturadas, estruturantes para cada nova experiência, podemos considerar a leitura como
uma prática cultural indissociável das demais
práticas sociais (Chartier, 1996, 2000; Cavallo
e Chartier, 1998).
Em face das metodologias educacionais mais utilizadas no Ensino Superior, a leitura é um dos elementos essenciais para o exercício do ofício desse aluno (Perrenoud,
1995; Teixeira, 2000), pelo fato de exigirem
que o aluno tenha uma metodologia individual e eficiente de leitura de estudo. Do aluno se
espera que assuma a posição de co-autor na
construção dos conhecimentos legitimados
nessas instituições, como leitores-acadêmicos
(Dauster, 2003). Por conseguinte, não gera
estranheza, em face dos déficits continuamente demonstrados pelos resultados de exames
nacionais, como os de ENEM e das queixas
freqüentes dos professores das instituições de
ensino superior (Barzotto, 2005), o fato de
que as relações entre leitura, compreensão e
metacognição em universitários venham despertando o interesse de diversos pesquisadores brasileiros (Kopke Filho 2001, 2002; Romanowski e Rosenau, 2006), bem como o
fato de que um maior número de produções
em programas de pós-graduação stricto sensu
(Letras/Lingüística; Psicologia; Educação;
Biblioteconomia; História; Artes; Comunica-
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ções) tenha investigado a temática de “como
se lê" (Ferreira, 2004: 16).
Ao nos debruçarmos sobre a literatura
acerca das práticas de leitura em instituições
de Ensino Superior (IES) registramos a presença de uma relativa subvalorização e subutilização da leitura, por parte dos estudantesleitores universitários (Fraisse, 1993; Witter e
Vicentelli, 2001; Carlino, 2002; McNamara e
Harbersd, 2006; Pullin, 2007; Pullin e Pullin,
2005). As evidências em nível nacional,
mesmo entre estes estudantes, apontam para
déficits e dificuldades desses alunos em aprender tendo como fonte textos escritos (Boruchovitch et al., 2005).
Apesar de alguns, como Duarte
(2003), colocarem em questão os princípios e
as conseqüências geradas pelas pedagogias
do ‘aprender a aprender’, muitas vezes defendidas pelo aceite não crítico do que vem sendo denominado por sociedade do conhecimento, como uma das razões que justificam
tais pedagogias, o fato é que os estudantes não
devem contentar-se apenas com os textos orais do professor em sala de aula, mas buscar
outras fontes para construir seus saberes, por
exemplo, em textos escritos. Para que isso
aconteça, é preciso que os alunos sintam a
necessidade de que o estudo de um tema específico exige que se coloquem a par da bibliografia relativa ao objeto de sua inquietude,
como assinalado por Freire (1982). Em outras
palavras, se sintam motivados e, além disso,
capazes de ler e conhecer como lêem, isto é,
disponham da metacognição acerca das estratégias que utilizam enquanto lêem (Kuiper,
2002; Zimmerman, 2002; Cukras, 2006).
Em uma perspectiva ontológica que
concebe o homem como ser inacabado (Freire, 2005) e como aquele que constitui seus
saberes e suas práticas no e pelo convívio
com outros (Vygotsky, 1997; Galantino,
2003; Dijk, 2006), a visão teórica que assumimos sustenta-se na adesão à perspectiva de
que o processo de aquisição do conhecimento
tem sua feitura gerada em produções configuradas subjetivamente pelos tipos de relação
que cada um estabelece a partir de outrem e
com os bens culturais. Para que este processo
ocorra faz-se necessária a mediação de outros,
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visto ser nos espaços das relações intersubjetivas que se estabelecem as condições estruturantes para quaisquer aprendizagens, seja de
novos repertórios seja para as mudanças dos
já adquiridos. Por conseguinte, concordamos
com Vygotsky (1997) quanto a que a educação, de um ponto de vista psicológico, é, de
fato, uma re-educação, visto intervir e influenciar o desenvolvimento dos indivíduos, de
forma sistemática e objetivar intencionalmente, por um esforço consciente, a apropriação
dos modos de ser e dos bens culturais. Neste
sentido, eventos de educação contribuem para
o processo da seleção social dos aspectos e
dimensões da personalidade dos indivíduos,
em uma dada sociedade.
A metacognição relativa às estratégias
e processos envolvidos na leitura de textos
acadêmicos vem sendo apontada como relevante e diferenciadora para a constituição de
saberes, por parte de seus leitores. Trabalhos
como os de Spooren e colaboradores (1998),
Cotttrell e McNamara (2002), O’Reilly e
McNamara (2002), Graesser e colaboradores
(2003), McNamara (2004a, 2004b), assim
como os de McNamara e Harbersd (2006) e
Romanowski e Rosenau (2006) assinalam
para os efeitos positivos da consciência e controle tanto dos processos, quanto das estratégias de leitura e de aprendizagem. De modo
geral, a produção em programas de Mestrado
e Doutorado, na área de Educação e de Psicologia, a documentada nos encontros anuais da
Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (ANPEd), bem como
os da várias edições dos encontros da Associação Brasileira de Leitura (COLE) e do Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE) referem a importância e a urgência de conhecimentos que propiciem a
formação de leitores autônomos, capazes de
lidar de modo crítico com situações do cotidiano, familiares ou não. E porque concordamos com Freire (2005: 30) quanto a que “[...]
ler é procurar, buscar, criar a compreensão do
lido”, bem como quanto à importância de que
“quando o homem compreende sua realidade,
pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa
realidade e procurar soluções”, podendo, assim, “transformá-la e com seu trabalho pode
53
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criar um mundo próprio: seu eu e suas circunstâncias”, e porque uma posição crítica,
fundamental e indispensável ao ato de estudar, requer de quem estuda que assuma posturas como as assinaladas por esse educador, é
que vimos buscando trabalhar com leitura
junto a alunos do Ensino Superior, nomeadamente com futuros professores.
Apesar do papel mediador do professor ser fundamental para novas aprendizagens, sua função deve ser preferencialmente a
de “transferir progressivamente para os alunos
o controle de sua aprendizagem, sabendo que
o objetivo último de todo mestre é se tornar
desnecessário” (Pozo, 2002: 273). Por conseguinte, suas ações devem/deveriam ter como
meta a promoção da autonomia e da coresponsabilidade dos alunos para que ocorram
não só aprendizagens de conteúdos específicos, mas também das demais relacionadas ao
desenvolvimento pessoal e à capacitação profissional dos mesmos. Para tanto, a mediação
do professor além de precisar ser planejada e
por ele monitorizada, precisa gerar condições
propícias que fomentem a metacognição de
seus alunos acerca dos próprios estilos de aprendizagem pessoal, por exemplo, como os
possibilitados em situação de leitura de estudo.
A perspectiva que defendemos implica, em suma, em percebermos a constituição
sócio-histórica dos indivíduos, a qual leva não
apenas a considerar a posição social objetiva
deles, no caso professores e alunos, mas também, e especialmente a de que estes assumem
uma posição social subjetiva por considerarmos que a sociedade é “o lugar de produção
de sentido, e não se pode compreender essa
produção de sentido a não ser em referência a
um sujeito” (Charlot, 2003: 25), quanto a que
as ações do sujeito com a sua sociedade são
mutuamente dependentes. Baseamo-nos nessa
perspectiva para configurar a dinâmica interativa que acontece em qualquer sala de aula. E
fazemo-lo, por compreender que tais relações
são co-responsáveis para a constituição da
subjetividade dos atores envolvidos nesse espaço, e, especialmente, porque o professor em
face da autoridade que lhe é conferida socialmente, para suas práticas e prescrições, por
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exemplo, de leitura, confere sentido aos conteúdos e aos procedimentos, uma vez que seu
comportamento afeta de algum modo, ou melhor dito, (con)forma as condições do saber e
do conhecimento de seus alunos.
Acerca da produção de sentidos, especificamente daquela gerada a partir dos modos da proposição de textos escritos, isto é,
decorrente das condições postas simultaneamente pela conjunção da proposição, propriamente dita, do texto com os modos de ler do
sujeito-leitor, fundamentamo-nos em Orlandi
(2001: 11) quando esta diz que a interação do
sujeito-leitor com o texto ”representa a conjugação de duas historicidades: a história de suas leituras e a história de leituras do texto”.
Em cursos regulares, ofertados em
IES, nas modalidades de cursos de graduação
e de pós-graduação, não há como o professor
ignorar e deixar de ser instigado pela necessidade de (re)ensinar seus alunos a ler e de trabalhar o efeito-leitor com os alunos, em face
seja da multiplicidade e diversidade disciplinar dos textos exigidos (Carlino, 2002; Mostafa, 2004; Pullin, 2007), seja dos modos de
leitura e de sentidos, quer legitimados, quer
dos atribuídos pelos alunos ao lerem qualquer
texto.
No encontro dos alunos com um texto
prescrito pelo professor em sua disciplina,
diferentes são os sujeitos-leitores, por suas
histórias de vida e de leitura distintas, em face, entre outros, dos efeitos das práticas anteriores de proposição e dos graus de responsividade exigidos após a leitura, em suma, dos
modos constituídos e legitimados para a interação dos alunos com textos (Almeida, 2006:
3). Desse modo, podemos entender os efeitos
sobre a história do leitor produzidos pelas práticas, sejam dos modos de proposição de leituras, do tipo de trabalho produzido por ele
junto ao texto, ou ainda dos modos como sejam utilizadas as informações em sala de aula,
por exemplo. As práticas anteriores de proposição e dos graus de responsividade exigidos
após a leitura, em suma, dos modos constituídos e legitimados para a interação dos alunos
com textos. Entretanto, os diálogos possíveis
com e a partir de textos não só remetem a essas histórias, como podem provocar rupturas
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e/ou conferir novas nuances a elas. Sob este
enfoque, a constituição da identidade de leitor, especialmente a prescrita e legitimada para alunos de cursos de Ensino Superior, é configurada como a de um leitor autônomo e crítico, a qual permeia os efeitos da conjunção
daquelas historicidades singulares pela freqüente e necessária ruptura com os padrões do
saber-ler, quer do mundo cultural no qual ele
foi recebido, quer dos exigidos em níveis de
escolarização anteriores.
Os níveis de leitura possíveis de um
texto, conforme Orlandi (2001), são o do entendimento, o da interpretação e o da compreensão, sendo que apenas neste último nível de
leitura é gerada a condição de produção de
uma leitura reflexiva e crítica. Concordamos
com a autora quanto a que compreender um
texto implica em (des)construí-lo, isto é, em
identificar seus significados e a desvelar os
mecanismos utilizados pelo autor para produzi-lo. O leitor, quando assim problematiza
para si o texto, assume o papel de co-autor,
por ultrapassar o nível de simples identificador de informações, de garimpeiro, e tal postura ativa habilita-o a construir seu conhecimento a partir de textos (Charlot, 2003).
As diferenças entre leitores se devem,
portanto, aos papéis que cada um assume ou,
melhor dizendo, que cada um foi levado a assumir, enquanto lê. Enquanto intérprete, “apenas reproduz o que já está produzido. De
certa forma podemos dizer que não lê, é lido,
uma vez que, apenas reflete sua posição de
leitor na leitura que produz (Orlandi, 2001:
116), em outras palavras, o que produz leitura
a partir exclusivamente de sua posição só interpreta. À medida que o leitor se preocupa
em identificar e avaliar para si o fato precisar
de ler um texto, o contexto da situação, imediato e histórico, e, em vista disso, o relaciona
“criticamente com sua posição, que a problematiza, explicitando as condições de produção de sua leitura, compreende” (Orlandi,
2001: 116), é que se pode afirmar que ele conhece e pode controlar suas ações frente ao
texto.
Portanto, os que apenas interpretam,
de fato não lêem, por não participarem conscientemente do processo de constituição de
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sentidos, antes submetem-se ao poder do texto
e de seu autor. Isso comumente ocorre, ainda,
em eventos escolares, mesmo em IESs, com
muitos alunos, quando se limitam ao que lhes
foi passado oralmente pelos professores, em
sala de aula (Kons, 2006), porém este não é o
escopo de nossa preocupação com o presente
relato.
Preocupa-nos, sim, o assinalado por
Anne-Marie Chartier (1999) quanto à necessidade de estarmos atentos às “formas pelas
quais a leitura (o que é lido e as maneiras de
ler) se integra na preparação da profissão de
professores”, visto que por elas “transmite-se
de forma concreta uma relação com o escrito
como ferramenta de trabalho profissional,
como espaço de cultura pessoal, como referente compartilhado.” (Chartier, 1999: 96).
Em face do corpo teórico e das preocupações que nos inquietam como docente do
Ensino Superior, o presente trabalho busca
averiguar quais estratégias futuros professores, alunos de graduação e de pós-graduação,
(re)conhecem utilizar quando estudam a partir
de textos.
2. Método
A constituição da amostra dos participantes ocorreu por conveniência, junto aos
cursos que tivemos acesso. A participação foi
voluntária, após esclarecimentos e assinatura
do Termo de Consentimento Esclarecido. O
grupo de participantes, alunos de graduação
freqüentava dois cursos de licenciatura de áreas distintas (Humanas e Exatas), em uma
IES particular. Destes foram selecionados alunos da série inicial e final dos cursos de Letras e de Ciências, doravante designados por
GL1 (n=23); GC1 (n=19); GL2(n=27); CC2
(n= 19). Os participantes da pós-graduação
realizavam, quando da coleta, sua formação
de pós-graduação em um Mestrado de Educação e são identificados para o presente relato
como GM (n=16).
Para o levantamento das informações
foi utilizada uma escala referente à freqüência
de reconhecimento quanto ao uso de estratégias no processo/produção de leitura, a qual
foi traduzida, adaptada e utilizada por Kopke
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Filho (2001), a partir dos resultados de um
estudo exploratório junto a universitários, realizado por Goetz e Palmer, em 1991. Esta escala compõe-se de 20 itens, distribuídos por
três fases do processo/produção da leitura:
a) de previsão, isto é, antes de iniciada a leitura, composta por quatro itens;
b) de acompanhamento, ao longo da leitura,
isto é, durante a produção de leitura do texto
propriamente dito, com dez itens;
c) após a leitura, de avaliação do próprio processo de leitura realizada, com seis itens.
Cada item possibilita a escolha de uma
de três alternativas (freqüentemente; às vezes;
raramente), relativas à freqüência com que
cada estratégia é reconhecida como utilizada
pelo respondente quando lê textos de estudo.
A aplicação desse instrumento com os
alunos de graduação foi coletiva e realizada
por uma docente da IES, após uma explicação
oral e o recebimento por escrito do termo de
aceite. Para os participantes da pósgraduação, após o aceite, o instrumento foi
remetido por e-mail. Para ambos os grupos de
participantes foi solicitado que ao responderem tivessem como foco a leitura de textos
acadêmicos.
3. Resultados e algumas considerações
A maioria dos participantes informou
à pesquisadora que nunca havia posto para si
como objeto de análise as estratégias que utiliza enquanto lê, tendo sido instigados para tal
ao responder ao instrumento. Este resultado,
por ter sido espontaneamente apresentado e,
por conseguinte sem razões para um informe
controlado, seja pela pesquisadora seja pela
forma como o instrumento foi aplicado, em si
e em parte desvela como foi a constituição
desses alunos como leitores. Isto, porque é de
se esperar que quaisquer desses participantes
independente do grupo a que pertença
(N=104), pela obrigatoriedade da escolarização anterior leram/deveriam ter lido inúmeros
e distintos textos. Mas, como diz Eni Orlandi, leram ou foram lidos? Fizeram tais leituras
como experiência pessoal significativa ou só
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para responder a tarefas propostas por outrem? Como ler é um processo que se antecipa e ultrapassa a escolarização, sobretudo
quando relativo aos suportes e gêneros textuais, que condições de (contra)controle não
foram ensinadas e aprendidas para que cada
um deixasse de conhecer como opera em face
de textos, no caso de estudo e para que ao ler
se assumisse como sujeito no desenrolar dessas experiências?
Considerando que a compreensão da
leitura exige a participação ativa dos leitores
em relação ao texto podemos afirmar que este
processo se inicia por um contato implicado
do leitor com o posto/dado a ler, especialmente no caso de textos de estudo, situação esta
indicada aos participantes para terem em foco
quando das respostas ao instrumento usado.
Entre as quatro estratégias arroladas no instrumento usado, para a situação do encontro
do leitor com o texto para estudo, isto é, antes
de iniciada a leitura propriamente do mesmo,
encontra-se uma que possibilita identificar a
freqüência com que os respondentes pensam a
respeito da finalidade ou necessidade de produzir uma determinada leitura. De modo geral, os participantes indicaram que o fazem
freqüentemente (75% do GM; 73,9% do GL1;
63,1% do GC2; 48,1% do GL2), apenas 15%
dos participantes do GC1 assim responderam.
Entretanto, não ocorre com a mesma freqüência a ação de levantamento de hipóteses acerca do material a ser lido após um exame inicial e geral do texto. Porém é freqüente para
51,8% do GL2, 50% do GM, 42,1% do GC2,
31,6% do GL1 e 21,7% do GL1.
Ao longo da leitura boa parte dos participantes freqüentemente relaciona as informações do texto com suas crenças ou seus
conhecimentos do assunto (75% do GM;
66,7% do GL2; 30,4% do GL1; 47,4% do
GC2; 63,1% do GC1), e pensa acerca das implicações dessas informações (62,5% do GM;
74% do GL2; 56,5% do GL1; 63,1% do GC2;
47,5% do GC1). A preocupação em acompanhar e avaliar o quanto estão compreendendo
acerca do texto é comum entre: 87,5% do
GM; 92,5 do GL2; 78,3% do GL1; 63,1% do
GC2; 84,2% do GC1.
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De modo geral, poucos alunos dos
cursos de graduação tomam notas, enquanto
lêem, isto é, reescrevem para si, copiando ou
não informações do texto, (5,3% do GC2;
10,5% do GC1; 25,9% do GL2), resultado
este que os diferencia dos alunos do Mestrado. O recurso de sublinhar idéias ou palavras
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é mais usado pelos participantes do GM
(93,7%), porém, no caso dos demais participantes quando esse recurso é comparado ao
de gerar imagens acerca dos conceitos ou dos
fatos descritos no texto ocorre com menos
freqüência, como pode ser verificado na figura 1.
Figura 1 - Indice percentual por grupo quanto ao uso das estratégias de suporte à leitura.
Quando não compreendem, uma palavra, frase ou parágrafo, os recursos mais freqüentes são os de: reler o mesmo trecho
(100% do GM; 92,6% do GL2; 95,6% do
GL1); voltar a ler as partes que o precedem
(87,5% do GM; 85,2% do GL2); continuar a
ler na busca de mais esclarecimentos (68,7%
do GM; 34,1% do GL1); consultar uma fonte
externa (outro livro, ou alguém), é o que fazem freqüentemente 62,5% do GM e 42,1%
do GC1. Vale lembrar que a leitura como um
processo de produção de sentidos “apenas se
revela no movimento de idas e vindas entre
texto e leitor” (Cordeiro, 2004, p. 97), as estratégias de parar, refletir, reler o que não se
compreendeu são estratégias empregadas freqüentemente por todos os participantes, inde-
pendente do nível de escolarização (graduação/pós).
Entretanto, esse processo de produção
de sentidos pode ser identificado, também,
após a leitura. Nesse caso, de modo geral, os
movimentos de leitura das participantes já se
distinguem quanto à freqüência de utilização
das estratégias propostas.
Registra-se que mais participantes do
mestrado do que os da graduação relêem os
pontos mais importantes (81,2% do GM;
59,3% do GL2; 43,4% do GL1; 26,3% do
GC2; 31,6% do GC1). Entretanto, em pouco
se diferenciam quanto ao refazerem a leitura
de todo o texto (37,5% do GM; 33,3% do
GL2; 26% do GL1; 21% do GC2; 10,5% do
GC1), possivelmente por se preocuparem a57
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penas em recordar os pontos mais relevantes
do texto (50% do GM; 37% do GL2; 31,6%
do GC2; 36,8% do GC1).
Menos, ainda, são os que escrevem
um texto, mesmo que seja uma paráfrase ou
resumo do material lido (25% do GM; 11,1%
do GL2; 13% do GL1; 10,5% do GC2; 21%
do GC1). Interessante foi o resultado registrado relativo à preocupação em verificar quais
das hipóteses acerca do conteúdo do texto que
haviam levantado antes de iniciada a leitura,
se confirmam ou não (56,2% do GM; 33,3%
do GL2; 13% do GL1; 15,8% do GC2; 10,5%
do GC1).
O quadro dos resultados apresentados
converge com os verificados em outras pesquisas (Pullin e Tanuri, 2007), quer quanto
aos recursos e modos de ler utilizados por estudantes do Ensino Superior quando estudam,
quer quanto às preocupações que os afligem
quando estudam a partir da leitura de textos.
De certo modo, os resultados obtidos
no presente trabalho vão na direção dos percebidos e por Vicentelli (2004), referentes à
sua investigação acerca do desempenho leitor
de estudantes de Ensino Superior na Venezuela. Referida análise indica que uma porcentagem significativa de estudantes subutiliza a
leitura. O fato de apenas alguns dos participantes pensarem acerca das implicações das
informações contidas no texto é preocupante,
especialmente em se tratando do nível de
formação acadêmica em que se encontram.
Chartier (1999) adverte, ainda, para o fato de
que muitos alunos, futuros professores, “têm a
sensação de que o proveito que tiram de suas
leituras é pequeno, incerto, aleatório” (Chartier, 1999: 89). Seria, então, essa a razão por
que tal comportamento ocorre com menos
freqüência entre os participantes?
Além disso, os resultados obtidos instigam a que concordemos com Carlino (2002)
quanto a que é necessário ensinar a ler no Ensino Superior, seja pela natureza dos artefatos
culturais comumente recomendados para leitura (Mostafa, 2004; Witter, 1992; Pullin,
2007), seja pelas competências exigidas para
o ofício desse aluno, as quais em níveis de
escolarização anterior não foram ensinadas.
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Pontuam, ainda, na direção da relevância da metacognição dos processos de aprender a partir de textos, a qual viabiliza a
autonomia e a inserção profissional e cidadã
dos alunos, independente do nível de sua escolarização.
4. Observações finais
Apesar da “dimensão capital da formação inicial” (Chartier, 1999: 93), atribuída
pelos formadores de futuros professores, pouco se tem investido nesta etapa e mesmo em
anteriores, para a formação de leitores competentes.
Um dos papéis a ser desempenhado
por qualquer um que se nomine/seja nominado de professor é, em nossa opinião, o de “ator social de autonomia” (Giesta, 2001: 3840). Este papel gestor, por natureza, não só é
imprescindível como implica em compromissos a serem assumidos por esse profissional,
no fato de ser ele um dos principais mediadores sociais para que as novas gerações possam
se apropriar dos distintos saberes, declarativos, processuais e outros, legitimados socialmente como essenciais. Tais compromissos
constituem-se em condições necessárias, tanto
para sua competência pessoal como profissional. Entre essas, destacam-se seus saberes relacionados à leitura e à metacognição, visto
que:
“O professor pode fazer a diferença na
formação de leitores, especialmente
despindo-se de seu poderio professoral
e vestindo-se de uma nova autoridade –
a que sabe mediar a construção de conhecimentos pelos aprendizes.” (Kons,
2006: 7)
Incluindo-se nestes os relacionados ao
conhecimento e controle metacognitivo, como
defendido por Couceiro-Figueira (2004).
Concluímos, lembrando Vygotsky
(1997) que define a educação, de um ponto de
vista psicológico, como uma re-educação, em
razão de ela intervir e influenciar o desenvolvimento dos indivíduos, de forma sistemática
e objetivar intencionalmente, por um esforço
58
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consciente, a apropriação dos modos de ser e
dos bens culturais. É, nessa perspectiva que os
eventos de educação contribuem para o processo da seleção social dos aspectos e dimensões da personalidade dos indivíduos, em uma
dada sociedade. Além do mais, em face da
responsabilidade assumida por professores,
desde a Educação Infantil até à ofertada por
IESs, consideramos que a decisão deste profissional continuar a ser professor relaciona-se
à das condições que dispõe para a sua formação continuada as quais, por sua vez, produzem reflexos na sua identidade (Giesta, 2001).
Tais condições e as habilidades necessárias
para que esse profissional possa “aprender a
aprender” e a refletir sobre seus saberes não
se restringem aos espaços de formação escolar acadêmica. Por isso, algumas dessas competências devem ser ensinadas especificamente nesses espaços, de modo que as condições e
as competências para a autonomia pessoal e
profissional possam ser desenvolvidas e implantadas, para serem utilizadas ao longo da
vida.
Instrumentos como o ora utilizado na
presente pesquisa podem auxiliar os professores a conhecer as estratégias de leitura que
seus alunos utilizam para estudar a partir de
textos. Ao conhecê-las, os professores podem
auxiliar e, se necessário, propor novas formas
e modos dos alunos se relacionarem com esses textos.
Larrosa (2002) firma uma posição de
escuta para os que lêem. Desse autor emprestamos sua proposição como imprescindível,
tanto por parte dos professores quanto dos
alunos, isto é, para aqueles que aprendem e,
porque aprendem podem ensinar e gerar novos conhecimentos, não só para si, como em
favor daqueles junto aos que atuam ou venham a atuar.
Em nossa opinião, há que se
(re)estabelecer a dimensão formadora do espaço universitário para a construção de habitus e práticas eficientes de leitura e escrita.
Para tanto, as atividades de ensino, pesquisa e
extensão nas quais os alunos participam, devem induzi-los a que sintam necessidade de
produzir leituras autônomas, e a modificar os
valores que freqüentemente atribuem à leitu-
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ra, conforme defendido por Pullin e Pullin
(2005). Ora, tais condições são passíveis de
serem efetivadas em ambientes em que as práticas do fazer educativo pressuponham leitura
efetiva, tanto por parte dos que ensinam,
quanto dos que aprendem. Tais leituras não
são, necessariamente, realizadas por prazer ou
paixão, mas, com certeza, movidas para atingir metas de realização pessoal, circunscritas
ou não a aprendizagens de conteúdos específicos. Referimo-nos, aqui, de modo especial
às diversas estratégias e práticas de leitura que
possibilitam, pelos modos de sua produção e
pelos diversos suportes utilizados, o aprofundamento dos saberes, especialmente dos relativos à formação profissional, sejam estes disciplinares, curriculares ou experienciais (Tardif, 2002).
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Artigo Científico
Criatividade na rede: a potencialização de idéias criativas em ambientes hipertextuais de aprendizagem
Creativity in the network: the potentiality of creative ideas in hypertext learning environments
Ângela Álvares Correia Dias e Karina da Silva Moura
Faculdade de Educação, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, Distrito Federal, Brasil
Resumo
Este artigo tem como objetivo apresentar e problematizar possibilidades do hipertexto como estratégia
para a promoção de ambientes educativos propícios ao desenvolvimento da criatividade. Todos nós
possuímos um potencial criativo, importante para a solução de problemas cotidianos, e esse potencial
se desenvolve em resposta aos novos desafios e situações que a sociedade vivencia. Assim, a educação na contemporaneidade tem sido instada a cumprir o papel de oportunizadora e propiciadora do desenvolvimento e formação de cidadãos criativos, preparados para a atuação numa sociedade marcada
pelo dinamismo. Nessa perspectiva, adotamos o hipertexto como um ambiente potencializador do diálogo e do compartilhamento de experiências, que subsidiem a introdução/ adaptação e a criação de
mudanças significativas para o desenvolvimento de processos de aprendizagem sistemicamente mais
criativos. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 62-71.
Palavras-chave: criatividade; hipertexto; educação.
Abstract
This article has as objective presents and to problematize possibilities of the hypertext as strategy for
the promotion of favorable educational environment to the development of the creativity. All of us
possessed a creative potential, important for the solution of daily problems, and that potential grows
in response to the new challenges and situations that the society lives. Like this, the education in the
contemporary society has been urged to accomplish the role of promoting the development and creative citizens' formation, prepared for the performance in a society marked by the dynamism. In that
perspective, we adopted the hypertext as an potential environment of the dialogue and of the sharing
of experiences, that subsidize the introduction/adaptation and the creation of significant changes for
the development of processes of learning more creative. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 6271.
Key Words: creativity; hipertext; education.
- Â.Á.C. Dias é Mestre (Universidade de Nova York), Doutora (Universidade de Londres) e Líder do Grupo de
Pesquisa Lattes (CNPq) “Educação Hipertextual”. Atua como Professora Adjunta (Faculdade de Educação, UnB).
Endereço para correspondência: HCGN 709, Bloco I, Apto. 202, Asa Norte, Brasília, DF 70.750-709. Telefone: (61)
3275-1029. E-mail para correspondência: [email protected]. K.S. Moura é Graduada em Pedagogia (Faculdade de Educação, UnB), Mestranda em Educação (UnB), na área de Comunicação e Educação e Integrante do Grupo de
Pesquisa Lattes (CNPq) “Educação Hipertextual”. Endereço para contato: QN 12B, Conjunto 07, Casa 05, Riacho
Fundo II, Brasília, DF 71.881-620. Telefone: (61) 3333-0634 ou (61) 8118-6827. E-mail para correspondência:
[email protected].
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1. Introdução
“Criatividade consiste em ver o que todo
mundo vê e perceber o que ninguém percebeu”
Maury Fernandes (1998: 164)
A criatividade tem sido objeto de diversos estudos acadêmicos e publicações variadas. Essa multiplicidade de discursos a respeito da criatividade se justifica pelo caráter
complexo desse constructo que se expressa
em diferentes contextos e implica, para sua
definição, uma percepção subjetiva que lhe
confere certo grau de relatividade.
A criatividade se expressa em diferentes áreas da atuação humana – trabalho, educação, relações pessoais, organização empresarial, produção comercial, ciência e tecnologia, esportes, artes, artesanato e outras. Este
trabalho, contudo, tem sua fundamentação e
subsídios provocadores advindos de estudos a
respeito da criatividade em um contexto hipertextual de aprendizagem.
“Quando nos referimos à criatividade
dos alunos, estamos nos referindo a sua
criatividade numa área específica: sua
criatividade no processo de aprendizagem.” (Mitjáns Martínez, 2002: 192)
As ponderações aqui relatadas fundamentam-se nos estudos relacionados à preparação e desenvolvimento do minicurso “Educação e hipertexto – criatividade na rede”,
apresentado na VI Semana de Extensão da
UnB – Criatividade e Produção do Conhecimento, no período de 19 a 20/10/2006, constituindo-se em um desdobramento dessa atividade. Neste artigo, – assim como foi realizado
no minicurso – são apresentadas reflexões
acerca das mudanças nas formas de experienciar o mundo, as outras pessoas e a si mesmo,
que são potencializadas pelas vivências em
ambientes hipertextuais. Nesse sentido, são
apresentadas e problematizadas possibilidades
do hipertexto como estratégia para a promoção de ambientes educativos propícios ao desenvolvimento da criatividade.
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2. Tecendo os fios da criatividade
O potencial criativo do ser humano se
desenvolve em resposta aos novos desafios e
situações que a sociedade vivencia. O pensamento criativo é essencial para o desenvolvimento de uma compreensão ampla e ativa nas
interações com múltiplos problemas e situações presentes num mundo cada vez mais
complexo.
Criatividade é um conceito muito amplo e envolve um misto de situações, devido à
complexidade desse conceito inúmeras definições são possíveis, sejam elas relativas ao
processo criativo, à pessoa criativa, ao produto, ao ambiente, à expressão. Neste trabalho,
consideramos criatividade como:
“o processo que resulta na emergência
de um novo produto (bem ou serviço),
aceito como útil, satisfatório e/ou de valor por um número significativo de pessoas em algum ponto no tempo.” (Alencar, 1998: 15)
A exigência para que se tenha uma idéia criativa é que esta origine um produto
novo, pelo menos para o sujeito que o gerou.
No entanto, uma idéia criativa nem sempre é
reconhecida de imediato, às vezes são necessário anos até que um produto seja reconhecido e declarado de valor pela sociedade. O reconhecimento desse produto depende de uma
das últimas fases do processo criativo, a comunicação.
“Durante o processo criativo a pessoa
tira algo de si e comunica esse algo ao
outro. Comunicar é o melhor momento
do processo criativo.” (Sátiro, 2002:
229)
Criatividade, apesar de sua amplitude
conceitual, não descreve uma pessoa, descreve idéias, produtos que são novos, o que descreve uma pessoa são os seus comportamentos criativos, como motivação, abertura à experiência, independência, flexibilidade, autoconfiança, dentre outros.
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Outro conceito muito próximo ao conceito de criatividade é o do termo inovação.
Muitas vezes, por falta de clareza, esses dois
conceitos são utilizados como sinônimos. Apesar de esses dois conceitos estarem intimamente interligados, a inovação pressupõe que
algo criativo já tenha sido gerado.
Inovar significa introduzir novidade,
adotar e implementar uma nova idéia (processo, bem ou serviço) em uma dada situação
como resposta a um problema percebido,
transformando a nova idéia em algo concreto
(Alencar, 1998). Assim, inovar depende que
idéias criativas tenham sido elaboradas a priori, de modo que estas idéias são reelaboradas
e adaptadas a um novo contexto. Esse processo intencional é realizado sempre visando um
benefício, transferindo-se uma idéia proveitosa que foi implementada em determinado ambiente para outro contexto que necessita dos
mesmos melhoramentos.
Nesse sentido, criar exige muito mais
do sujeito que o ato de inovar, criatividade é
um processo que resulta de um comportamento produtivo, construtivo, contribuição para;
atitude que demanda conhecimento, imaginação e avaliação; implica desafiar, ver novas
maneiras, arriscar-se, sendo necessário, dessa
forma, condições de inventividade que abram
espaços para apreensões, dúvidas e perguntas;
não é um atributo de indivíduos, mas dos sistemas sociais que fazem julgamento sobre os
indivíduos (aquele que imprime em seu contexto suas variações individuais).
3. No labirinto da concepção hipertextual
O conhecimento é tecido por fios advindos de inúmeros lugares, de diferentes
campos do saber e de diversas naturezas, que
se entrelaçam em um constante movimento,
tecendo-se e destecendo-se, de modo a formar
uma rede hipertextual. O hipertexto1 é uma
construção aberta, propícia às relações dialógicas2 entre os caminhantes da rede, e formada por diversos gêneros discursivos – sejam
jornais, filmes, poesias, músicas, literatura,
pinturas, livros, mídias, esculturas, propagandas, dentre vários outros – que trazem inúme-
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ras vozes3 que dialogam de modo a construir
os mais diversos conhecimentos.
O hipertexto flexibiliza as barreiras
entre os diferentes campos do conhecimento,
possibilitando infinitas conexões entre as informações de modo reticular. Assim, o hipertexto se configura como um mundo de significação a ser explorado, de maneira que o hipertexto:
“é talvez uma metáfora válida para todas as esferas da realidade em que significações estejam em jogo.” (Lévy,
1997: 25)
A rede é uma forma de organização
democrática, constituída por elementos autônomos, mas que cooperam entre si e se interligam de modo a complementar-se e enriquecer-se. São as articulações que fortalecem e
expandem a rede de conhecimentos, demonstrando que uma das principais características
das redes é a sua capacidade de existir sem
hierarquia. Da mesma forma, a rede não possui um centro único, mas todas as suas conexões se constituem em pontos da rede, locais
onde ocorrem as inter-relações entre os diversos elementos da rede, o que constitui a multiplicidade do conhecimento.
A rede hipertextual favorece um pensamento não-linear, onde o leitor-caminhante
é um sujeito ativo, que está a todo o momento
estabelecendo relações próprias entre diversos
caminhos4. Nessa perspectiva, é preciso preocupar-se com o percurso, nas múltiplas e ininterruptas conexões e articulações nas quais o
sujeito vai descobrindo, revelando, recriando
significados. As possibilidades de trajeto que
os sujeitos podem estabelecer nas redes de
conhecimentos se dão de forma não-linear,
em um processo de construção de sentido por
meio da conexão de diversos e diferentes textos5 verbais e não-verbais, que possibilitam a
articulação de vários conteúdos e a negociação/interpretação dos sentidos6.
Assim, o hipertexto é uma rede comunicacional/social alimentada por informações
que possibilita aos seus exploradores construírem diferentes compreensões, devido à sua
natureza rizomática e estrutura labiríntica.
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Como um labirinto7 a ser explorado, a rede
hipertextual promete aos seus exploradores
surpresas e percursos desconhecidos.
O labirinto rizomático é um labirinto
aberto a todos os pontos de vistas e sentidos e
totalmente conectável, em todas as direções,
possui um “caráter de revelação. Interagir (no
amplo sentido [...]) com a obra faz com que a
pessoa obtenha uma outra percepção do mundo” (Leão, 2002: 161). Esse tipo de labirinto,
porém, exige uma participação especial dos
seus exploradores, uma participação mais colaborativa, pois o sujeito:
“tem de necessariamente querer penetrar no labirinto. No caso de um labirinto textual, isso significaria o esforço intelectual que é exigido para a compreensão.” (Leão, 2002: 160)
Aprender é construir um labirinto, inventar percursos, procurar situações desafiantes, decifrar enigmas. É construir um labirinto
com movimentos (uma dança), num ritmo de
movimentos alternantes, onde os labirintos se
desdobram em infinitos labirintos durante o
percurso. As estruturas se reconstroem, desdobram-se e se proliferam à medida que novos caminhos são desbravados, de modo que
este é um espaço que se cria mediante o ato
de caminhar.
“Podemos conceber a complexidade labiríntica também como um território repleto de encruzilhadas no qual os caminhos bifurcam-se o tempo todo.” (Leão,
2002: 32)
Assim, o hipertexto se constitui em
um labirinto multicursal, onde cada caminho,
cada ponto da rede de conhecimento se desdobra em diversos outros caminhos, abrindo
inúmeras possibilidades de trajeto. Esses desafios que surgem ao longo da jornada que
impulsionam a constante busca por orientação.
São as constantes bifurcações que possibilitam diferentes escolhas aos sujeitos/leitores que se aventuram em caminhos
desconhecidos, rompendo com a linearidade e
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propondo descobertas/leituras mais inusitadas.
“Um olhar investigativo das redes revela-nos que existe, por trás do aparente
caos, uma ordem complexa. Assim, o
labirinto fala-nos desse caos ordenado,
de uma estrutura complexa que requer
um tremendo esforço para ser decifrada.” (Leão, 2002: 36)
Os labirintos exigem simultaneamente
criatividade para percorrê-lo, no sentido de
quem realiza uma obra, revelando o percurso
doloroso da criação, com suas idas e vindas e
com seus múltiplos erros e acertos, e um alto
grau da ação reflexiva, para penetrá-los e
compreendê-los, de modo a “extrair um todo
coerente de seus meandros” (Leão, 2002: 22).
Os labirintos são construções complexas que evocam inúmeras inter-relações entre
referências que seriam contraditórias de acordo com uma visão linear. Nesses ambientes se
entrelaçam inúmeros sentidos e significados,
em uma constante polissemia. São essas idéias contraditórias que estão nas bases das bifurcações, são pares opostos, mas complementares entre si, que incorporam antinomias
como “ordem & caos, prisão & liberdade, linearidade & circularidade, clareza & complexidade, instabilidade & estabilidade” (Leão,
2002: 20).
Nessa perspectiva, estabelece-se uma
nova forma de julgar os antigos dualismos,
propiciando um novo olhar sobre suas complexas relações. Podemos observar que os
caminhos se bifurcam, mas um não nega a
existência do outro. Ao contrário, para existirem caminhos opostos, pelo menos duas alternativas de percurso devem coexistir, escolhas que não compõem somente numa bifurcação entre certo e errado, mas constroem um
“fascinante labirinto de idéias que se entrelaçam e se conjugam” (Leão, 2002: 42).
4. As barreiras e os descaminhos do processo criativo
A criatividade é o “recurso mais precioso de que o ser humano dispõe para lidar
com os problemas e desafios” (Virgolim,
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 62-71 <http://www.cienciasecognicao.org/>
1998: 07). Entretanto, esse dom natural do ser
humano, muitas vezes é reprimido desde a
infância, como por exemplo, pelo modelo educativo que possuímos atualmente. Esse
modelo não estimula o pensamento criativo,
levantando barreiras para deixar de fora das
aulas a imaginação e a fantasia, privilegiando
a reprodução e a memorização como formas
de ensino.
O processo criativo envolve indepen
dência e curiosidade. Aprender sempre mais
de forma diferente e flexível. O atual sistema
de ensino, ao não valorizar o desenvolvimento
da criatividade, tem “subestimado o potencial
criativo de seus alunos. Uma possibilidade de
explorarmos nosso potencial criativo reside na
perspectiva de aprendermos a brincar com
nossos pensamentos e idéias. A criatividade
apresenta-se como elemento indispensável na
prática educacional e na vida diária” (Virgolim, 1998: 28).
A educação tem o papel de oportunizadora e propiciadora do desenvolvimento e
formação de cidadãos criativos, preparados
para a atuação numa sociedade marcada pelo
dinamismo. Entretanto, como afirma Alencar
(1986), a escola, com freqüência, tem fracassado nessa tarefa de favorecer a criatividade,
pois:
“dá ênfase exagerada ao conformismo,
à passividade e à estereotipia, em detrimento de certas condições que favorecem a manifestação da criatividade,
como a intuição, a abertura aos sentimentos e emoções, interesses estéticos e
curiosidade.” (Alencar, 1986: 33)
E não só a escola, mas a sociedade
como um todo, cultivou ao longo do tempo
vários pressupostos que impedem que o potencial criativo presente em todos os sujeitos/educandos se desenvolva, pressupostos
rígidos segundo os quais:
“tudo tem que ter utilidade, tudo tem
que dar certo, tudo tem que ser perfeito,
não se pode divergir das normas impostas pela cultura etc.” (Alencar e Mitjáns Martínez, 1998: 25)
© Ciências & Cognição
Uma das formas de se anular totalmente o desenvolvimento de idéias criativas é
privilegiando o produto final, trazido pelos
educandos, que seu processo de criação. Esse
produto final, muitas vezes, ainda é avaliado,
comparado de forma taxativa e, se não estiver
adequado aos moldes estabelecidos pelo processo de avaliação, são desprezados todos os
esforços criativos dos seus criadores.
Esse é resultado de um processo educativo autoritário onde a prioridade é a transmissão do conhecimento, ao invés de sua
construção. Onde a aprendizagem é vista como um processo individual, na qual é priorizado o produto final e não o processo pelo
qual esta acontece, possuindo um fim em si
mesma, onde o educando não atua, sendo
considerado como um simples objeto do processo educativo.
A escola se constitui em um agente
responsável pela formação integral do educando, para que no futuro este possa fazer
parte da sociedade ao se engajar em uma profissão. Contudo, o aluno não é preparado para
o mundo, mas para passar na avaliação, a escola apenas repassa os aportes necessários
para que os sujeitos obtenham o sucesso, de
forma que esse depende exclusivamente do
esforço individual, recaindo sobre os sujeitos
toda a responsabilidade pelo seu sucesso ou
fracasso. O educando é excluído do processo
de construção do conhecimento, seu papel se
restringe apenas à memorização de conceitos
abstratos que lhe foram ensinados, de modo
que todas as diferenças individuais e o contexto ao qual os educandos pertencem são ignorados.
A partir de todas essas barreiras que se
impõem ao processo criativo, muitas questões
nos são levantadas, tais como: Muitos professores não valorizam a criatividade no contexto escolar, será que esses professores não
percebem a importância da criatividade na
vida das pessoas? Ou será que acreditam que
basta transmitir as informações que receberam
no passado? Ou será que repetem as mesmas
coisas ano após ano por comodismo? Já sabemos qual é o objetivo da criatividade na
educação, agora, qual o objetivo da educação
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em uma sociedade que se apresenta cada vez
mais criativa? O envolvimento pessoal dos
estudantes em seu processo de aprendizagem
é essencial, caso o estudante não apresente
esse caráter ativo, como é desenvolvido o potencial criativo desse estudante durante o processo ensino-aprendizagem?
Como pudemos perceber, inúmeras
são as barreiras impostas ao desenvolvimento
da criatividade, desde barreiras sociais, que
“se identificam com aqueles elementos culturais, institucionais, grupais, ideológicos etc.,
que, estando presentes no contexto onde o
indivíduo atua, limitam sua expressão criativa” (Alencar e Mitjáns Martínez, 1998: 26),
até barreiras do próprio sujeito, as barreiras
pessoais, “aqueles elementos que freiam o
indivíduo internamente, ou seja, aquelas características do próprio sujeito que limitam a
sua criatividade.” (idem) Desse modo, as barreiras à criatividade são relativas, dependem
tanto dos sujeitos como das situações.
Cultivar o pensamento criativo, desenvolvendo com os educandos as habilidades
de perceberem lacunas, definirem problemas,
coletarem e combinarem informações, elaborarem critérios para julgar soluções, testar soluções e elaborarem planos para implementação das soluções escolhidas, é indispensável no processo educativo. A criatividade é
um dos valores mais importantes nessa época
em que vivemos porque o que mais se aprecia
neste momento são idéias. E as idéias surgem,
em geral, no desenvolvimento de um processo
educativo prazeroso que fertilize novas idéias
e novas visões para nossas vidas.
5. Na teia da criatividade
Durante muito tempo, a criatividade
foi objeto de estudo apenas do campo da Psicologia. Estudava-se a criatividade como algo
inato aos sujeitos, uma característica individual e que, assim, o diferenciava dos demais.
Mas com o passar do tempo, verificou-se que
a criatividade também era condicionada pelo
contexto onde os sujeitos participavam, concluindo-se que não era possível investigar o
processo criativo estudando apenas a pessoa e
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esquecendo de todas as suas vivências. Assim:
“A criatividade depende também em
larga escala das características do ambiente interno, como práticas interpessoais, sistemas de normas e valores, presença de incentivos e desafios, que podem estimular ou obstruir a criatividade.” (Alencar, 1998: 14)
Por meio da existência de um sujeito
único evidencia-se não apenas um modo de
ser individual, mas a possibilidade de um
mundo transformado segundo os seus ideais.
Uma das características de uma pessoa criativa é a sua complexidade, uma pessoa criativa não é facilmente compreendida de um
ponto de vista linear, pois se manifesta de diferentes maneiras, em função de contextos
distintos. Cada sujeito é diferente, o que gera
significações diferentes, diversidade de sujeito, que ao se inserir numa concepção de
educação mais dialógica abre possibilidades
para um processo criativo de produção de significados. E para que isso seja possível, a Educação Hipertextual contribui para a constituição de uma atitude dialógica, oferecendo
um ambiente de aprendizagem social e individual no sentido mais profundo da experiência de aprender.
Ao se realizar uma Educação Hipertextual objetiva-se formar um sujeito capaz de
“ler” seu ambiente e interpretar as relações, os
conflitos e os problemas que surgem. Esta
leitura é realizada pelo sujeito, segundo suas
condições históricas e culturais, quando este
se inter-relaciona com um mundo de significados e, através de um processo de descoberta, encontra soluções criativas para seu dia-adia.
Para que essa aprendizagem ocorra, o
ato de educar deve tornar-se uma aventura
pela qual o sujeito e os sentidos do mundo
vivido se construam mutuamente na dialética
da compreensão/interpretação. Nesse sentido,
o sujeito-intérprete estaria diante de um mundo-texto, mergulhado na polissemia e na aventura de produzir sentidos, construindo sua
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compreensão através da fusão de seus universos compreensivos que se encontram.
Esse tipo de educação para a criatividade suscita diferentes estilos de pensar e aprender dos educandos, o que exige a utilização de estratégias variadas de ensinoaprendizagem. Não basta uma educação calcada em uma única forma de ensinar e de aprender, é necessária a constituição de um
espaço pluralizado, com variação de textos,
gêneros, percursos, bifurcações e encruzilhadas, que possibilitem ao educando a experiência do caminhar e a constituição de um conhecimento múltiplo durante os trajetos da
própria viagem.
Os percursos percorridos durante o
processo criativo são os percursos de um labirinto, pois “atos criativos são atos de coragem. Primeiro, porque o criador de uma inovação técnica ou social está entrando em águas desconhecidas” (Frost apud Alencar,
1998: 16). Segundo, porque o explorador,
como leitor/produtor, encontra em sua aventura no labirinto elementos indispensáveis para o desenvolvimento do processo criativo –
como motivação, abertura à experiência, independência, flexibilidade, autoconfiança,
multiplicidade, além de vários outros citados
ao longo do texto.
A multiplicidade da rede de conhecimentos8 favorece uma dinâmica de organização que desencadeia processos imprevisíveis
de criação. Assim, um ambiente propício ao
desenvolvimento da criatividade deve possuir
“disponibilidade de meios culturais, abertura
a estímulos ambientais, livre acesso aos meios
culturais por todos os cidadãos sem discriminação, exposição a estímulos culturais diferentes e mesmo antagônicos” (Alencar e Mitjáns Martínez, 1998: 24). Em outras palavras,
uma educação atualizada, que utilize aportes
teóricos do dia-a-dia dos educandos de forma
a preparar cidadãos críticos para os desafios
do mundo contemporâneo.
A escola pode estimular o pensamento
criativo desenvolvendo e utilizando os talentos e habilidades dos alunos, incentivando-os
a soltar a imaginação, explorando suas idéias
e soluções criativas para diferentes situações e
problemas.
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“Os exercícios de criatividade propiciam uma abertura da sala de aula para
a expressão do pensamento divergente,
influindo no aumento da auto-estima
dos alunos e na satisfação do aluno com
o sistema escolar.” (Virgolim, 1998: 10)
É essencial que as escolas possibilitem
aos alunos distintas alternativas para a expressão e o desenvolvimento do potencial criador,
pois criar é algo inerente ao ser humano, estamos criando e inventando todo o tempo.
Todos nós possuímos um potencial criativo e
habilidades e talentos para inovar e inventar,
sendo que as emoções, sensações e os sentimentos muitas vezes constituem-se em mola
propulsora para o ato criativo.
A escola, frente suas dificuldades, deve procurar uma forma criativa para solucionar seus problemas e suprir suas necessidades, além disso, abrir possibilidade para
que seus educandos desenvolvam seu potencial criativo, assim, estes “aprendem a sensibilizar-se com seus próprios problemas e a
defini-los para solucioná-los criativamente”
(Mitjáns Martínez, 2003: 147). A escola deve
apresentar um contexto de apoio, ideal para
trabalhar as expressões de mundo interna dos
seus educandos.
Um contexto escolar baseado no compromisso de criar interações dinâmicas com a
organização do trabalho pode motivar as pessoas a apresentarem soluções criativas para
seus problemas, de modo a não deixar que os
trabalhos oferecidos pela escola sejam interrompidos. Assim, as pessoas presentes no
contexto escolar, a cada dia que passa, aumentam seu potencial criativo ao se envolver
com a escola e ao traçar metas para alcançar
seus objetivos.
“Os objetivos não têm de ser exatamente os mesmos para todos os estudantes. Os alunos são antes de tudo pessoas diferentes, com níveis diversificados de desenvolvimento motivacional e
intelectual e diferentes áreas de interesses específicos. Dentro do possível, precisamos trabalhar com estas diferenças,
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contribuindo para que cada um se desenvolva o máximo.” (Mitjáns Martínez, 2003: 166)
Dessa forma, é importante trabalhar
com as diferenças como forma de surgimento
de diferentes atos criativos, cada um, em sua
especificidade, desenvolve suas habilidades
criativas e contribui para a escola de maneiras
diferentes. E para que esse contexto favorável
ao desenvolvimento da criatividade ocorra, é
necessário estar sempre:
“Incentivando a curiosidade, propondo
desafios inovadores e interessantes, reforçando uma auto-estima positiva,
permitindo o erro, promovendo um ambiente de conforto emocional e de tolerância para com o fracasso e as frustrações.” (Virgolim, 1998: 24)
Nessa perspectiva, uma instituição educacional que valoriza cada pessoa envolvida em seu contexto tem possibilidades de
oferecer uma educação de qualidade e incentivar a criatividade, o que irá proporcionar a
formação de cidadãos conscientes de sua responsabilidade social. Assim, a escola pode
direcionar “seu olhar para o futuro, exercitando a imaginação e a fantasia de seus alunos
na tentativa de solucionar problemas e/ou situações que novos tempos sempre trazem”
(Virgolim, 1998: 25).
Contudo, devemos considerar também
que o “desenvolvimento da criatividade na
educação passa necessariamente pelo nível da
criatividade dos profissionais que nele se encontram.” (Alencar e Mitjáns Martínez, 1998:
31) Contribuir para o desenvolvimento da criatividade dos educandos supõe atitudes dos
educadores que implicam certo grau de criatividade, no entanto, muitos educadores “não se
sentem preparados para lidar com o desenvolvimento da Criatividade em sala de aula; têm
dificuldades em diagnosticar atitudes criativas, em avaliá-las e em promovê-las” (Giglio,
1992: 94).
Por outro lado, também ouvimos muito que o “bom educador” é aquele que usa a
criatividade, o carisma e ministra uma aula
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show, conseguindo conquistar todos os seus
educandos. Se valorizarmos apenas a criatividade “inata” desse educador, acreditamos que
uma docência de qualidade se baseia em talentos capazes de seduzir os educandos, significa desprezarmos o valor de uma formação
profissional e de recursos voltados para o aprimoramento da prática pedagógica, desvalorizamos, assim, uma educação pautada na
formação crítica, na construção do conhecimento, no estabelecimento de relações dialógicas e nos diversos recursos onde estão presentes os diferentes olhares, os diferentes discursos.
O que caracteriza um professor comprometido com o desenvolvimento da criatividade dos educandos não é o seu conhecimento dos métodos, mas a crença que sustenta sobre os estudantes e sobre si mesmo,
pois:
“O professor criativo é capaz de transmitir e extrair de seus estudantes vivências emocionais positivas em relação à
sua matéria, ao processo de aprendizagem e às realizações produtivas.” (Mitjáns Martínez, 2003: 185)
Quando o professor desenvolve sua
prática pedagógica de forma lúdica que estimule o processo criativo, o ensino-aprendizagem se torna mais fácil, privilegiando a construção de conhecimentos.
6. Considerações finais
No contexto contemporâneo em que a
sociedade se caracteriza pela globalidade e
pela complexidade das dinâmicas relacionais,
se faz necessário que a escola possa desenvolver o potencial criativo dos educandos.
Propiciar ambientes de diálogo entre educadores de diferentes instituições, maximizando
possibilidades de compartilhamento de suas
experiências, configura-se numa ferramenta
para o desenvolvimento do pensamento criativo.
Assim, propõe-se que a escola esforce-se para cumprir seu papel de “fornecer
experiências novas, instigantes, que desper-
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tem a curiosidade” dos educandos, e também
dos professores para que estes, em conjunto,
possam buscar “soluções originais para os
problemas que estão emergindo em decorrência das exigências da modernização dos tempos” (Matos, 2005: 03).
O hipertexto, com sua lógica labiríntica, é uma alternativa às práticas educativas
autoritárias, oferece oportunidades de desenvolvimento de atividades criativas a serem
trabalhadas nas salas de aula dos mais diferentes lugares, transformando-as em ambientes potencializadores do diálogo e do compartilhamento de experiências, que subsidiem
a criação de mudanças significativas para o
desenvolvimento de processos de aprendizagem sistemicamente mais criativos.
fônica, de modo a favorecer o processo criativo e a geração de produtos criativos.
“A solução inovadora de problemas, a
capacidade de problematizar a informação recebida, as perguntas interessantes,
a elaboração própria do conhecimento,
a curiosidade, o estabelecimento de relações, às vezes remotas mas pertinentes, são formas de expressão da criatividade no processo de apropriação de conhecimentos que devem e podem ser estimulados no contexto escolar. As atitudes e as ações criativas no processo de
produção de conhecimento constituem a
base para a capacidade de aprender a
aprender, tão valorizada hoje como
competência profissional e consequentemente como um objetivo educativo importante.” (Mitjáns Martínez,
2002: 192)
Alencar, E.S. (1986). Psicologia da Criatividade. Porto Alegre: Artes Médicas.
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Paulo: Editora Anhembi Morumbi.
Lévy, P. (1997). O que é o virtual?. São Paulo: Editora 34.
Criar é estabelecer novas coerências,
suscitar novos significados, fazer novos relacionamentos, compreender em termos novos,
é uma aventura em busca de saídas originais,
desbravar novos caminhos, assim, o ato criativo esta diretamente ligado à capacidade de
compreensão dos sujeitos, à capacidade de
relacionar, de configurar, de significar. O educador, para mobilizar seus educandos a se
tornarem pessoas mais criativas, pode utilizar
uma metodologia mais aberta, flexível, contextualizada, desafiadora, heterogênea, poli-
“A ação criativa do professor em sala de
aula demanda não só sua capacidade de
elaborar atividades inovadoras que
permitam a atingir os objetivos educativos de forma mais eficiente, mas também demanda habilidades comunicativas que lhe permitam criar um espaço
comunicativo que se constitua no espaço onde as atividades podem fazer
sentido para o desenvolvimento da criatividade.” (Mitjáns Martínez, 2002:
189)
7. Referências bibliográficas
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o clima de sala de aula entre alunos e escolas
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© Ciências & Cognição
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Virgolim, A.M.R. (Org). (1998). Toc, toc,...
plim, plim: lidando com as emoções, brincando com o pensamento através da criatividade.
Campinas: Editora Psy.
Notas
(1) Nesse estudo, o hipertexto é adotado como sendo uma estratégia de construção do conhecimento, uma vez que, “a
hipertextualidade materializa um novo modo de produção intelectual humana, evocando as características multidimensionais presentes nas estruturas de dinâmica em rede” (Chaves Filho, 2003: 40).
(2) “O dialogismo é, para Bakhtin, um termo usado para designar a negociação de significados socialmente construídos
pela interação de vozes múltiplas, caracteriza-se pelo agrupamento de pessoas, permeados por experiências compartilhadas ou interesses, onde a construção de significados de dá por um processo contínuo de comunicação, interpretação e
negociação.” (Chaves Filho, 2003: 44)
(3) Bakhtin (1981: 32) caracteriza como polifonia a “multiplicidade de vozes e consciências independentes e distintas
que representam pontos de vista sobre o mundo”.
(4) A multilinearidade possibilita a criação de um espaço para o exercício da autonomia do leitor, que realiza seu trabalho de significação a partir das escolhas que faz nesse ambiente, intervindo, não apenas na seleção de caminhos, mas,
também, ou, principalmente, na construção de sentido.
(5) “A intertextualidade é o processo de incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado,
seja para transformá-lo.” (Barros, 1994: 30)
(6) A comunicação entre os sujeitos que caminham pela rede é fator estruturante.
(7) Na metáfora do labirinto como conhecimento, assim como na rede hipertextual, tudo é considerado texto, é uma
rede na qual há a conexão dos diferentes saberes.
(8) Essa multiplicidade é uma conseqüência da heterogeneidade das redes, possibilidade de interação com diferentes
linguagens e múltiplas vozes, é a própria essência do dialogismo. A heterogeneidade é expressa pela inclusão de elementos diferenciados, por vezes conflitantes, num mesmo espaço, exigindo do leitor um desenvolvimento apurado do
olhar, de modo a considerar as diferenças, e não as igualdades.
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Artigo Científico
Construindo mapas conceituais
Constructing concept maps
Romero Tavares
Departamento de Física, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil
Resumo
O mapa conceitual é uma estrutura esquemática para representar um conjunto de conceitos imersos
numa rede de proposições. Ele é considerado como um estruturador do conhecimento, na medida em
que permite mostrar como o conhecimento sobre determinado assunto está organizado na estrutura
cognitiva de seu autor, que assim pode visualizar e analisar a sua profundidade e a extensão. Ele pode
ser entendido como uma representação visual utilizada para partilhar significados, pois explicita como
o autor entende as relações entre os conceitos enunciados. O mapa conceitual se apóia fortemente na
teoria da aprendizagem significativa de David Ausubel, que menciona que o ser humano organiza o
seu conhecimento através de uma hierarquização dos conceitos. © Ciências & Cognição 2007; Vol.
12: 72-85.
Palavras-chave: aprendizagem significativa; construção de significados; estrutura
cognitiva; hierarquia de conceitos.
Abstract
A concept map is a schematic framework that represents a group of concepts immersed in a web of
propositions. It is considered as a structure maker of knowledge, as it permits to show how knowledge
about a topic is organized in the cognitive structure of his author, that can visualize and analyze its
deep and extension. It can be seen as a visual representation used to share meanings, because it
makes evident how the author understands the relations among the mentioned concepts. The concept
map is strongly supported theoretically by the meaningful theory of David Ausubel that says the human being organize their knowledge in a hierarchical way. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12:
72-85.
Key Words: meaningful learning; construction of meanings; cognitive structure; hierarchy of concepts.
1. Introdução
O construtivismo tem diversas vertentes, mas todas concordam em considerar a
aprendizagem como um processo no qual o
aprendiz relaciona a informação que lhe é apresentada com seu conhecimento prévio sobre esse tema. A história da construção do
- R. Tavares é Bacharel em Física (UFPE), Mestre em Astronomia (Universidade de São Paulo, USP) e Doutor em
Física (USP). Atualmente é Professor Associado I do Departamento de Física (UFPB) e atua na Área de Educação no
PPGE/CE/UFPB, com projetos sobre “Aprendizagem significativa e o ensino de Ciências”; “Codificação dual, esforço
cognitivo e aprendizagem multimídia”; “Mapa conceitual como estruturador do conhecimento”. Página pessoal:
http://www.fisica.ufpb.br/~romero/.
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conhecimento pessoal é a história da vida de
cada um de nós, pois construímos esse conhecimento de uma maneira específica e individual. A construção do conceito sobre um objeto de uso corriqueiro, como cadeira, tem
características comuns a todos nós, tais como
a sua forma e funcionalidade. Mas existe algo
de específico na maneira que cada um de nós
vê uma cadeira, que reflete a forma idiossincrática que construímos esse conceito. Cada
um de nós foi apresentado a uma cadeira e foi
construindo esse conceito de maneira absolutamente pessoal. Essa forma idiossincrática
foi sendo definida com as condições que encontramos ao nascer e viver as primeiras experiências, o estilo de vida e as oportunidades
de vivências que nos foram oferecidos.
Numa frase que ficou famosa, Ausubel mencionou que se tivesse que reduzir toda
a Psicologia Educacional a um único princípio, diria isto:
“O fator isolado mais importante que
influencia a aprendizagem é aquilo que
o aprendiz já conhece. Descubra o que
ele sabe e baseie nisso os seus ensinamentos.” (Ausubel et al., 1980)
Segundo David Ausubel o ser humano
constrói significados de maneira mais eficiente quando considera inicialmente a aprendizagem das questões mais gerais e inclusivas de
um tema, ao invés de trabalhar inicialmente
com as questões mais específicas desse assunto:
“Quando se programa a matéria a ser
lecionada de acordo com o princípio de
diferenciação progressiva, apresentamse, em primeiro lugar, as idéias mais gerais e inclusivas da disciplina e, depois,
estas são progressivamente diferenciadas em termos de pormenor e de especificidade. Esta ordem de apresentação
corresponde, presumivelmente, à seqüência natural de aquisição de consciência cognitiva e de sofisticação, quando os seres humanos estão expostos, de
forma espontânea, quer a uma área de
conhecimentos completamente desco-
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nhecida, quer a um ramo desconhecido
de um conjunto de conhecimentos familiar. Também corresponde à forma postulada, através da qual se representam,
organizam e armazenam estes conhecimentos nas estruturas cognitivas humanas.
Por outras palavras, elaboram-se
aqui dois pressupostos:
(1) é menos difícil para os seres humanos apreenderem os aspectos diferenciados de um todo, anteriormente apreendido e mais inclusivo, do que formular
o todo inclusivo a partir das partes diferenciadas anteriormente aprendidas;
(2) a organização que o indivíduo faz do
conteúdo de uma determinada disciplina
no próprio intelecto consiste numa estrutura hierárquica, onde as idéias mais
inclusivas ocupam uma posição no vértice da estrutura e subsumem, progressivamente, as proposições, conceitos e
dados factuais menos inclusivos e mais
diferenciados.” (Ausubel, 2003: 166)
A construção de mapas conceituais na
maneira proposta por Novak e Gowin (Novak,
1998; Novak e Gowin, 1999) considera uma
estruturação hierárquica dos conceitos que
serão apresentados tanto através de uma diferenciação progressiva quanto de uma reconciliação integrativa. A figura 1 mostra um mapa
conceitual que apresenta tanto a diferenciação
progressiva quanto a reconciliação integrativa. Esses mapas hierárquicos se estruturam de
acordo com a Teoria da Aprendizagem Significativa de David Ausubel, e desse modo contribuem, de maneira mais eficiente, para a
construção do conhecimento do aprendiz.
Na diferenciação progressiva um determinado conceito é desdobrado em outros
conceitos que estão contidos (em parte ou integralmente) em si. Por exemplo, na figura1,
o conceito Processos engloba os conceitos
Avaliação da aprendizagem e Construção
do conhecimento, e essa espécie de bifurcação configura uma diferenciação progressiva;
estaremos indo de conceitos mais globais para
conceitos menos inclusivos.
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Figura 1 – Mapa conceitual sobre uma disciplina de Física.
Na reconciliação integrativa um determinado conceito é relacionado a outro aparentemente díspar. Um mapa conceitual hierárquico se ramifica em diversos ramos de
uma raiz central. Na reconciliação integrativa
um conceito de um ramo da raiz é relacionado
a um outro conceito de outro ramo da raiz,
propiciando uma reconciliação, uma conexão
entre conceitos que não era claramente perceptível. No mapa conceitual da figura 1 estão
apresentadas duas situações com reconciliação integrativa, e as conexões estão apresentadas num tracejado em negrito. Essas ligações cruzadas podem indicar capacidade criativa (Novak e Gowin, 1999: 52) na percepção
de um elo conceitual entre dois segmentos de
um mapa.
O mapa conceitual hierárquico se coloca como um instrumento adequado para estruturar o conhecimento que está sendo construído pelo aprendiz, assim como uma forma
de explicitar o conhecimento de um especialista. Ele é adequado como instrumento facilitador da meta-aprendizagem, possibilitando
uma oportunidade do estudante aprender a
aprender, mas também é conveniente para um
especialista tornar mais clara as conexões que
ele percebe entre os conceitos sobre determinado tema.
Quando um aprendiz utiliza o mapa
durante o seu processo de aprendizagem de
determinado tema, vai ficando claro para si as
suas dificuldades de entendimento desse tema. Um aprendiz não tem muita clareza sobre
quais são os conceitos relevantes de determinado tema, e ainda mais, quais as relações
sobre esses conceitos. Ao perceber com clareza e especificidade essas lacunas, ele poderá
voltar a procurar subsídios (livro ou outro material instrucional) sobre suas dúvidas, e daí
voltar para a construção de seu mapa. Esse ir
e vir entre a construção do mapa e a procura
de respostas para suas dúvidas irá facilitar a
construção de significados sobre conteúdo
que está sendo estudado. O aluno que desenvolver essa habilidade de construir seu mapa
conceitual enquanto estuda determinado assunto, está se tornando capaz de encontrar
autonomamente o seu caminho no processo
de aprendizagem. Caso ele não consiga encontrar as respostas nas consultas ao material
instrucional, ele ainda assim terá conseguido
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ter clareza sobre as suas perguntas, e desse
modo já terá encaminhado a sua aprendizagem de maneira conveniente e segura. Pois
quando se tem clareza das perguntas, ou das
dúvidas, é mais fácil procurar ajuda de pessoas mais experientes.
Normalmente, a aprendizagem por recepção significativa ocorre à medida que o
material de instrução potencialmente significativo entra no campo cognitivo do aprendiz,
interage com o mesmo e é ancorado, de forma
adequada, a um sistema conceitual relevante e
mais inclusivo. (Ausubel, 2003: 60). Esse ir e
vir entre o material instrucional e a construção
do mapa conceitual, colocado anteriormente,
possibilita uma elaboração eficaz dos significados sobre um tema. Caso não existam conceitos âncora adequados na estrutura cognitiva, esse ir e vir será uma oportunidade da
consecução dessa tarefa, na medida em que
são elucidadas as lacunas conceituais sobre o
assunto.
Embora os mapas conceituais possam
transmitir informações factuais tão bem quanto os textos, esses organizadores gráficos são
mais efetivos que os textos para ajudar os leitores a construir inferências complexas e integrar as informações que eles fornecem (Vekiri, 2002: 287). Eles também têm o potencial
de melhorar a acessibilidade e usabilidade
materiais durante uma pesquisa na medida
que apresentam marcas visuais-espaciais que
podem guiar uma seleção ou categorização.
Existe a comprovação empírica sobre a eficiência de buscas, onde se comprova a que os
interessados localizam mais informações
quando elas são apresentadas em formas de
mapas ao invés de textos (O´Donnel, 1993:
222).
2. Alguns tipos de mapas
Existe uma grande variedade de tipos
mapas disponíveis, que foram imaginados e
construídos pelas mais diversas razões. Alguns são preferidos pela facilidade de elaboração (tipo aranha), pela clareza que explicita
processos (tipo fluxograma), pela ênfase no
produto que descreve, ou pela hierarquia conceitual que apresenta.
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Quando se deseja otimizar um determinado processo, a utilização do mapa tipo
fluxograma é a representação mais adequada.
Esse tipo de mapa deixa claro quais são as
confluências e as possíveis opções a serem
escolhidas. Ele ainda é extremamente utilizado na elaboração de programas de computador, quando se deseja construir um algoritmo
eficiente para determinada função.
No entanto, o único tipo de mapa que
explicitamente utiliza uma teoria cognitiva em
sua elaboração é o mapa hierárquico do tipo
proposto por Novak e Gowin (1999).
2.1. Mapa conceitual do tipo teia de aranha
(figura 2)
Ele é organizado colocando-se o conceito central (ou gerador) no meio do mapa.
Os demais conceitos vão se irradiando na medida que nos afastamos do centro.
Vantagens: Fácil de estruturar, pois todas as
informações estão unificadas em torno de um
ou vários temas centrais. O foco principal é a
irradiação das relações conceituais, sem preocupação com as relações hierárquicas, ou
transversais.
Desvantagens: Dificuldade em mostrar as
relações entre os conceitos, e desse modo
permitir a percepção de uma integração entre
as informações. Não fica clara a opinião do
autor sobre a importância relativa entre os vários conceitos e o conceito central.
2.2. Mapa conceitual tipo fluxograma (figura 3)
Ele organiza a informação de uma
maneira linear. Ele é utilizado para mostrar
passo a passo determinado procedimento, e
normalmente inclui um ponto inicial e outro
ponto final. Um fluxograma é normalmente
usado para melhorar a performance de um
procedimento.
Vantagens: Fácil de ler; as informações estão
organizadas de uma maneira lógica e seqüencial.
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Desvantagens: Ausência de pensamento crítico, normalmente é incompleto na exposição
do tema. Ele é construído para explicitar um
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processo, sem a preocupação de explicar determinado tema; na sua gênese não pretende
facilitar a compreensão do processo, mas otimizar a sua execução.
Figura 2 – Mapa conceitual do tipo TEIA de ARANHA.
2.3. Mapa conceitual tipo sistema: entrada
e saída (figura 4)
Vantagens: Mostra várias relações entre os
conceitos.
Organiza a informação num formato
que é semelhante ao fluxograma, mas com o
acréscimo da imposição das possibilidades
“entrada” e “saída”.
Desvantagens: Alguma vezes é difícil de se
ler devido ao grande número de relações entre
os conceitos. Na sua gênese pretende explicar
a transformação de insumos em produto acabado. É adequado para explicar processos que
impliquem em entrada e saída.
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Figura 3 – Mapa conceitual do tipo FLUXOGRAMA.
Figura 4 – Mapa conceitual do tipo ENTRADA e SAÍDA (mapa acessado em 19/7/2007, no endereço eletrônico: http://classes.aces.uiuc.edu/ACES100/Mind/graphics/food-map.gif).
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2.4. Mapa conceitual hierárquico (figura 5)
A informação é apresentada numa ordem descendente de importância. A informação mais importante (inclusiva) é colocada na
parte superior. Um mapa hierárquico é usado
para nos dizer algo sobre um procedimento.
Vantagens: Os conceitos mais inclusivos estão explícitos; os conceitos auxiliares e menos
inclusivos estão inter-relacionados. Estrutura
o conhecimento de maneira mais adequada a
compreensão humana, considerando em posição de destaque os conceitos mais inclusivos.
Desvantagens: Mais difícil de externar e
construir, visto que expõe a estrutura cognitiva do autor sobre o assunto. A clareza do autor sobre o tema fica evidente quando da sua
construção. A sua construção sempre representa um desafio, visto que explicita (principalmente para si) a profundidade do conhecimento do autor sobre o tema do mapa.
3. Construindo um mapa
Considerando mapas onde os conceitos estão de acordo com o que é aceito pela
comunidade científica sobre determinado tema, não existe um mapa certo ou mapa errado. Existem mapas com uma demonstração de
grande conhecimento sobre as possíveis relações entre os conceitos mostrados. Dois grandes especialistas sobre um assunto dificilmente construirão mapas iguais. Talvez eles concordem em linhas gerais sobre quais são os
conceitos mais importantes, mas dificilmente
eles escolherão as mesmas relações entre esses conceitos. Dois especialistas não contestarão os respectivos mapas, visto que esses tra-
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balhos serão expressões pessoais que cada um
tem sobre o tema.
Novak mostra o mapa conceitual feito
por um aluno do ensino fundamental, considerando uma lista de conceitos que lhe foi apresentada (ver Figura 7). Esse aluno era o melhor leitor em voz alta da sua turma, mas mostrou pouca compreensão a respeito do que lia.
O seu mapa sugere uma abordagem de cor à
leitura, que não conduziu à aquisição de significados (Novak e Gowin, 1999: 124). Nós
consideramos esse mapa como um MAU mapa, e em contraposição, estamos apresentando
um BOM mapa.
Um BOM (figura 6) mapa começa
com uma boa seleção de conceitos relacionados ao tema principal. Cada conceito pode
estar relacionado a mais de um outro conceito. A existência de grande número de conexões entre os conceitos revela a familiaridade
do autor com o tema considerado. Mesmo que
ele não tenha feito a escolha dos conceitos a
serem mapeados, ele conseguirá perceber as
relações entre eles se tiver algum domínio sobre o tema.
Podemos exercitar as habilidades dos
alunos na construção de mapas fornecendo
seis ou oito conceitos chave que sejam fundamentais para compreender um tema que se
quer cobrir, e pedir aos estudantes que elaborem um mapa conceitual que relacione tais
conceitos, e que acrescentem conceitos adicionais relevantes e os ligues de modo a formarem proposições que tenha sentido (Novak
e Gowin, 1999: 56).
Um MAU mapa (figura 7) conceitual
faz uma conexão linear entre os conceitos. Ele
evidencia que seu autor não visualiza outras
conexões, outras possibilidades de entendimento da questão (Novak e Gowin, 1999:
124).
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Figura 5 – Mapa conceitual do tipo HIERÁRQUICO.
Figura 6 – Um bom mapa conceitual.
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Figura 7 – Um mau mapa conceitual.
4. Mapa como estruturador do conhecimento
Existem diversas aplicações em Educação dos Mapas Conceituais (Novak e Gowin, 1999: 56), onde poderemos exemplificar
algumas:
• Exploração do que os alunos já sabem – Na
figura 8, o então estudante de Mestrado,
demonstra suas idéias sobre determinado
tema.
• O traçado de um roteiro para a aprendizagem – Quando um professor fornece uma
lista de conceitos sobre determinado tema,
e sugere que seus alunos façam um mapa
conceitual ele estará traçando um roteiro
para a aprendizagem, estará indicando um
caminho que funciona como um andaime
cognitivo; facilita ao estudante chegar aonde não conseguiria ir sozinho. Com a sua
ajuda ou de materiais instrucionais, os alunos irão se debruçar sobre a tarefa, com a
percepção clara do estágio cognitivo em
que se encontram. A possível dificuldade
inicial em traçar um mapa com os conceitos
fornecidos pelo mestre será um indício claro do estágio de conhecimento em que eles
se encontram. Ao se dirigirem para os materiais instrucionais (ou ao mestre) eles poderão ir construindo significados e desse
modo enriquecer o mapa inicial. Se a opção
da estratégia for construir um mapa colaborativo, os estudantes terão a oportunidade
de entrar em contato com as semelhanças e
diferenças entre seus valores (e conceitos) e
aqueles de seus colegas; percebendo desse
modo que o conhecimento é idiossincrático. Nesse ir e vir, construindo um mapa e
buscando novos conhecimentos, o estudante está elaborando as suas habilidades em
construir seu próprio conhecimento, está
aumentando a sua destreza na metaaprendizagem.
• Leitura de artigos em jornais e revistas, ou
a extração de significados de livros de texto
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– Na figura 9, temos um mapa conceitual
sobre um artigo científico sobre esforço
cognitivo.
• Preparação de trabalhos escritos ou de exposições orais - Na Figura 5 nós temos um
exemplo de mapa hierárquico conveniente
para mostrar a estruturação conceitual de
uma Dissertação de Mestrado, e que foi utilizado quando da apresentação dessa Dissertação. Esse tipo de estratégia facilita o
acompanhamento do desenvolvimento das
teorias, modelos, conceitos e idéias que fazem parte de determinado trabalho.
• Avaliação formativa – na medida em que
ele explicita o estágio da aprendizagem em
que se encontra um estudante, o mapa se
apresenta como uma radiografia da estrutura cognitiva do aprendiz. Desse modo possibilita ao professor encaminhar o estudante
para processos cognitivos adequados a sua
situação.
Quando os alunos aprendem determinado tema utilizando mapas conceituais, eles
desenvolvem seu próprio entendimento através da internalização da informação. Por outro lado, quando os estudantes constroem seu
próprio mapa conceitual, eles necessitam desenvolver inicialmente uma compreensão sobre os conceitos que estão estudando, antes de
poder representar seu conhecimento através
de um mapa pessoal (Vekiri, 2002: 266). Utilizar um mapa construído por uma especialista e construir seu próprio mapa são duas vertentes da utilidade dos mapas no processo ensino/aprendizagem.
Eventualmente nos deparamos com a
situação de construir um mapa sobre um tema
amplo, e com a possibilidade de construir
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uma rede de conceitos extremamente densa.
Uma solução adotada é o desdobramento de
um mapa mais inclusivo em diversos mapas
mais específicos. Na figura 10 um mapa conceitual delineia as possibilidades de desenvolvimento do ser humano ao longo de sua vida.
Na figura 11, um mapa conceitual apresenta
uma rede de conceitos Sobre o desenvolvimento cognitivo durante a infância, segundo
duas correntes teóricas.
A função mais importante da escola é
dotar o ser humano de uma capacidade de estruturar internamente a informação e transformá-la em conhecimento. A escola deve
propiciar o acesso à meta-aprendizagem, o
saber aprender a aprender. Nesse sentido, o
mapa conceitual é uma estratégia facilitadora
da tarefa de aprender a aprender. A metaaprendizagem torna possível ao estudante a
compreensão da estrutura de determinado assunto. Aprender a estrutura de uma disciplina
é compreendê-la de um modo que permita que
muitas outras coisas com ela significativamente se relacionem. Por outras palavras, conhecer uma estrutura é saber como as coisas
se ligam entre si. O ensino e a aprendizagem
da estrutura, ao contrário do simples domínio
dos fatos e técnicas, são o centro do clássico
problema de transferência. O que importa não
é a transferência de uma habilidade mas de
uma noção, que pode ser usada como base
para reconhecer problemas subseqüentes, como casos especiais da idéia inicialmente dominada. Esse tipo de transferência encontra-se
no centro do processo educacional – o contínuo alargamento e aprofundamento do conhecimento, em termos de idéias básicas e gerais
(Bruner, 1966).
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Figura 8 – Mapa conceitual de um aluno sobre modelos.
Figura 9 – Mapa conceitual sobre artigo científico.
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Figura 10 – Desdobramento de um mapa - Desenvolvimento do ser humano (mapa acessado
em 19/7/2007, no endereço eletrônico: http://cmapspublic3.ihmc.us/servlet/SBRead ResourceServlet? rid=1040074302312 _73323607_11802&partName=htmltext).
Figura 11 – Desdobramento de um mapa – desenvolvimento cognitivo na infância (mapa
acessado em 19/7/2007, no endereço eletrônico: http://cmapspublic3.ihmc.us/servlet/SBRead
ResourceServlet ?rid=1040074302718_1361810910 11833&partName=htmltext).
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5. Mapa conceitual, codificação dual e aprendizagem multimídia
Considera-se que uma representação
gráfica é mais efetiva que um texto para a
comunicação de conteúdos complexos porque
o processamento mental das imagens pode ser
menos exigente cognitivamente que o processamento verbal de um texto (Vekiri, 2002:
262).
O mapa conceitual é uma estrutura esquemática para representar um conjunto de
conceitos imersos numa rede de proposições.
Ele pode ser entendido como uma representação visual utilizada para partilhar significados.
A teoria da codificação dual de Allan
Paivio (1991) indica que existem dois subsistemas cognitivos; um especializado em objetos e/ou eventos não verbais (i.e. imagético), e
o outro especializado em lidar com a linguagem (i.e. verbal). Imagens e palavras são códigos diferentes, mas inter-relacionados. Eles
podem ser ativados independentemente, mas
quando interconectados, as informações são
codificadas de modo dual. A informação
quando é oferecida de maneira interconectada
verbal e visualmente, facilita a construção de
conexões, relações e entendimento na estrutura cognitiva; e desse modo facilita o resgate
desta informação que usa a codificação dual.
Uma apresentação multimídia consiste
numa apresentação visual e verbal, e se fundamenta inicialmente na codificação dual. Em
contraste podemos comparar uma apresentação multimídia com aquela que consiste unicamente de uma mensagem verbal (Mayer,
2001: 187).
A informação visual tem a vantagem
de ser organizada de uma maneira síncrona,
que permite a muitas partes de uma imagem
mental estar disponível para um processamento simultâneo. Quando informações visuais e
verbais são apresentadas contiguamente no
tempo e espaço, é possibilitado ao aprendiz
formar associações entre esses materiais visuais e verbais durante a codificação mental.
Essa potencialidade pode aumentar o número
de caminhos que o aprendiz pode utilizar para
resgatar essa informação, porque um estímulo
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verbal (ou visual) pode ativar as representações verbal e visual (Vekiri, 2002: 267).
O mapa conceitual apresenta a informação
através de uma rede hierárquica, e desse modo oferece essa informação utilizando imagens, apreendidas pelo sistema visual. Por
outro lado, cada conceito é definido através
de palavras, e essa informação é apreendida
usando o canal verbal. Desse modo, o mapa
conceitual utiliza a um só tempo os dois subsistemas cognitivos. O caminho entre dois
conceitos está claro e evidente visual e verbalmente, deixando explícita e inequivocamente a opinião do autor sobre essa conexão e sobre essa relação hierárquica. As peculiaridades de entendimento (dubiedade, exaltação, etc.) são graficamente evidentes, facilitando o debate, a compreensão clara das posições pessoais, e a possibilidade de uma reestruturação cooperativa do mapa conceitual.
6. Discussão
De maneira geral um mapa conceitual
torna mais fácil a percepção e compreensão
de eventos por diversos motivos, por exemplo, existe uma grande proximidade entre a
memória visual e as imagens que são apresentadas, e devido as suas propriedades visuaisespaciais, seu processamento requer um número menos de transformações cognitivas que
o processamento de um texto, e desse modo
não excede as limitações da memória de curto
prazo (Vekiri, 2002: 281). Em outro exemplo,
um mapa geográfico (assim como outros tipos
de mapas) apresenta uma seleção de facetas
gráficas, enquanto uma fotografia aérea apresenta todas as características visuais possíveis
de serem captadas por uma câmera, e desse
modo revela apenas algumas nuances da realidade, e com essa diminuição do esforço
cognitivo poder facilitar o entendimento dessas especificidades. Em um mapa nós enfatizamos as características relevantes aos nossos
propósitos; por exemplo, num estudo hidrológico de determinado local pode ser conveniente apresentar apenas os rios dessa região.
Noutro estudo mais detalhado pode ser conveniente representar além dos rios, as características topográficas e as matas.
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No processo de representar e organizar
o conhecimento do autor sobre um tema, o
mapa conceitual transforma em concreto o
que antes era abstrato. A principal distinção
entre itens abstratos e factuais é em termos de
nível de particularidade ou de proximidade
com experiências empíricas concretas. Geralmente, também se caracteriza o material
abstrato por uma maior conexão ou menor
discrição do que o material factual. (Ausubel,
2003: 116). E assim, temas que antes estavam
afastados da realidade do autor, ganham relações com seus significados prévios.
Um mapa conceitual apresenta uma
visão idiossincrática do autor sobre a realidade a que se refere. Quando um especialista
constrói um mapa ele expressa a sua visão
madura e profunda sobre um tema. Por outro
lado, quando um aprendiz constrói o seu mapa conceitual ele desenvolve e exercita a sua
capacidade de perceber as generalidades e
peculiaridades do tema escolhido. E nesse
sentido pode construir uma hierarquia conceitual, iniciando de características mais inclusivas para as mais específicas, tornando clara a
diferenciação progressiva, um dos conceitos
chaves da teoria de Ausubel. Ele também é
instado a construir relações de significados
entre conceitos aparentemente díspares, tornando clara a reconciliação progressiva, outro
conceito chaves da teoria de Ausubel. Nesse
sentido, o mapa conceitual se coloca como
um facilitador da meta-aprendizagem, ao facilitar que o aprendiz adquira a habilidade necessária para construir seus próprios conhecimentos.
7. Referências bibliográficas
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Artigo Científico
Mapas conceituais: estratégia pedagógica para construção de conceitos na disciplina química orgânica
Conceptual maps: pedagogical strategy for construction of concepts in disciplines organic chemistry
João Rufino de Freitas Filho
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Unidade Acadêmica de Garanhuns (UAG),
Garanhuns, Pernambuco, Brasil
Resumo
Mapas conceituais são propostos como uma estratégia potencialmente facilitadora de uma aprendizagem significativa. Este artigo retrata a pesquisa realizada em três turmas do Ensino Superior, na qual
se verificou a interferência positiva do uso de mapas conceituais como estratégia motivadora no ensino de conceitos Química Orgânica. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 86-95.
Palavras-chave: mapas conceituais; conceitos; aprendizagem significativa.
Abstract
Conceptual maps are proposed as a strategy potentially useful to facilitate meaningful learning. This
paper reports a research carried through three groups of undergraduate students, in which could be
observed a positive interference with the use of conceptual maps as a motivational strategy in the organic chemical teaching. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 86-95.
Key Words: concept maps; concept; meaningful learning.
1. Introdução
Todo embasamento teórico relacionado ao uso de mapas conceituais está baseada
na Teoria de Aprendizagem ou Teoria de Assimilação, de David Ausubel (1968). A teoria
explica como o conhecimento é adquirido e
em que forma este fica armazenado na estrutura cognitiva do estudante. Segundo Ausubel
(1982), o indivíduo constrói significado a partir de um acerto conceitual entre o conceito
apresentado e o conhecimento prévio além é
claro, de sua predisposição para realizar essa
construção. Sua teoria da aprendizagem significativa tem como base o princípio de que o
armazenamento de informações ocorre a partir da organização dos conceitos e suas relações, hierarquicamente dos mais gerais para
os mais específicos. Baseado nessa teoria,
Novak (2002) desenvolveu a metodologia de
Mapas Conceituais, procurando representar
como o conhecimento é armazenado na estru-
- J.R. Freitas Filho é Químico, Graduado em Licenciatura em Química, Mestre em Química Orgânica (UFPE),
Doutor em Química Orgânica (UFPE), Pós-doutor em Química (Université Claude Bernard). Atua como Professor
(UFRPE, UAG). Endereço para correspondência: Rua Lions Club, 199, Aluísio Pinto, Garanhuns, PE 50292-060. Telefones: (87) 3762-0438 ou (87) 9999-5855. E-mail para correspondência: [email protected].
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tura cognitiva de um estudante. A estrutura
cognitiva pode ser descrita como um conjunto
de conceitos, organizados de forma hierárquica, que representam o conhecimento e as experiências adquiridas por um estudante. Conceito é um termo que representa uma série de
objetos, eventos ou situações que possuem
atributos comuns. Com o uso de mapas conceituais, o conhecimento pode ser exteriorizado através da utilização de conceitos e palavras de ligação, formando proposições que
mostram as relações existentes entre conceitos
percebidos por um indivíduo (Araújo et al.,
2002; Cañas et al., 2000), e representadas pelo tripé conceito – relação – conceito. Os
mapas conceituais vêm sendo utilizados nas
mais distintas áreas do conhecimento, tendo
diferentes finalidades, como na aprendizagem, na avaliação, na organização e na representação de conhecimento. Para promover a
aprendizagem significativa (Novak, 1997;
Moreira, 1999) recomendam ao professor,
como recurso didático, o uso de mapas conceituais com a finalidade de identificar significados (subsunçores) pré-existentes na estrutura cognitiva do estudante que são necessários à aprendizagem.
Muitas são as definições de mapa conceitual apresentadas, principalmente se analisarmos os trabalhos de autores como Ontoria
e colaboradores (2004).
A utilização dos mapas conceituais,
tem se apresentado como uma ferramenta de
ação pedagógica bastante útil para o ensino de
diversos temas, possibilitando que um conjunto de conceitos seja apresentado aos alunos, a
partir do estabelecimento de relações entre
ele.
Em sua forma gráfica, os mapas conceituais podem ser construídos nos formatos
unidimensional, bidimensional e tridimensional. Os mapas unidimensionais são apenas
alguns conceitos dispostos de forma vertical;
os bidimensionais, além de apresentarem a
disposição vertical, apresentam disposição
horizontal, como na figura 1. Já os mapas tridimensionais apresentam os conceitos e suas
relações em três dimensões. Por serem mais
completos que os mapas unidimensionais e
mais simples de serem interpretados que os
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mapas tridimensionais, os mapas bidimensionais são os mais utilizados (Moreira e Buchweitz, 1987).
Na prática, porém, por serem mais elaborados que os unidimensionais e mais simples que os tridimensionais, os mapas bidimensionais são os mais usados.
Neste trabalho, procurou-se incorporar
os mapas conceituais como estratégia de ação
pedagógica para abordagem do tema gerador:
Alimentos nosso combustível e a partir deste
os estudantes construírem os conceitos da
química dos carboidratos, lipídios, aminoácidos e proteínas. Dessa forma, o mapa conceitual se apresentou como uma possibilidade
para a verificação e o acompanhamento da
aprendizagem do aluno.
2. Metodologia
A metodologia deste trabalho consiste
em avaliar a aprendizagem de conceitos trabalhados nas aulas, com base nos elementos que
definem a aprendizagem como significativa.
O trabalho foi realizado com três turmas de
graduação dos cursos de Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade
Federal Rural de Pernambuco, Unidade Acadêmica de Garanhuns (PE), no período de
março de 2005 a junho de 2007. Para realização do trabalho foram observadas várias etapas de execução.
A primeira etapa consistiu no planejamento das atividades que assim podem ser
distribuídas:
a) Escolha do tema gerador a ser discutida na
disciplina;
b) Plano de atividades;
c) Seleção dos materiais a serem utilizados.
A segunda etapa consistiu no desenvolvimento da atividade em sala de aula. Esta
etapa foi dividida em vários momentos, a saber:
a) Levantamento das concepções prévias dos
estudantes sobre a temática;
b) Listagem de várias palavras soltas para os
alunos construírem um mapa;
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c) Leitura do texto: Alimentos nossos combustível e construção de um novo mapa.
O primeiro momento despertou o interesse dos alunos em relação aos conhecimentos básicos da Química. Algumas atividades
experimentais foram realizadas no laboratório
da Universidade. Portanto, foi possível superar o modelo de ensino transmissivo, onde só
cabe ao aluno ouvir o discurso abstrato do
professor e resolver uma série infindável de
problemas padronizados que nada dizem sobre as situações da vida cotidiana. Segundo
Carvalho (1995):
“A didática habitual de resolução de
problema costuma impulsionar a um
operativismo abstrato, carente de significação, que pouco contribui para uma
aprendizagem significativa.”
Em seguida foram explorados aspectos
da temática a partir de aulas expositivas com
atividades experimentais demonstrativas, seguidas de atividades experimentais realizadas
por pequenos grupos de alunos no laboratório.
Após a construção dos mapas de conceitos realizada pelos alunos, foram formulados questões e problemas de forma não convencional – para evitar a reprodução mecanicista dos conceitos - que exijam dos alunos a
externalização, por meio de entrevistas nas
próprias aulas, dos conceitos empregados nos
mapas, e das relações entre os mesmos.
3. Resultados e discussão
Iniciou-se o trabalho fazendo um levantamento das concepções prévias dos estudantes, nesta etapa foram distribuídas palavras (alimentos, nutrientes, carboidratos, proteínas, lipídios, monossacarídeos, glicose, sacarose, dissacarídeos, ácidos graxos, hidrolise, amido, aminoácidos, ligação dentre outras)
para os estudantes e solicitado que os mesmos
elaborassem mapas conceituais. Os mapas
conceituais da figura 1 e 2 foram construídos
por estudantes dos cursos de Medicina Veterinária e Zootecnia.
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O que chama a atenção nos mapas da
figura 1 e 2 é o fato de substâncias está na
parte inferior do mapa e não ter nenhuma relação com carboidratos (figura 1) e a amilopectina não ser considerado um carboidrato
(figura 2). Também percebe alguns erros conceituais, por exemplo lactose ser classificado
como um monossacarídeos.
O mapa de conceitos apresentado pelos estudantes do curso de Agronomias no
levantamento das concepções prévias foi menos elaborado, ou seja, partiu do mesmo conceito geral. Inclui menos conceitos, associando-os por vezes – alimentos/digestão
/nutrientes, amido e oligossacarídeos – e não
utilizando setas. Os mapas de conceitos apresentados pelos estudantes do curso de Veterinária e Zootecnia foi melhor elaborado, apesar de partir do mesmo conceito geral. Inclui
menos conceitos, associando-os por vezes –
alimentos/digestão/nutrientes, monossacarídeo e lactose – e utiliza setas.
Em seguida foi distribuído texto
sobre à temática alimentos nosso combustível
e solicitado após leitura que os estudantes elaborassem novos mapas conceituais.
Com relação a mapa conceitual da figura 3, note que algumas noções foram deixadas de fora e nem todas as possíveis ligações foram feitas, a fim de não complicar o
diagrama. Ao analisar o mapa representado na
figura 4, abaixo, identificamos que o aluno
em questão conhece termos utilizados na área
de estudos – carboidratos, porém tem dificuldades quanto à identificação do significado
dos conceitos e das relações que existem entre
eles.
Após a comparação dos mapas, os estudantes realizaram outros mapas. Manteve
alimentos como o conceito mais geral. Classificou corretamente alguns termos como conceitos. Estabeleceu hierarquias válidas. Recorreram a setas, criou ligações transversais.
Empregou como palavras de ligação, frases e
definições. Pode-se perceber, em todos os
mapas, que há uma similaridade na hierarquização conceitual. Inicialmente os estudantes
relutam ao exercício, pois não têm o costume
de fazer uso de técnicas. Entretanto
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respondem
muito
bem à
proposta,
surpreendendo-se com a prática que passam a
adotar em outras disciplinas tanto para estudo
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em outras disciplinas tanto para estudo quanto
para apresentação de suas produções.
Figura 1 - Mapa conceitual do aluno do curso de Medicina Veterinária.
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Figura 2 - Mapa conceitual do aluno do curso de Zootecnia.
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Figura 3 - Mapa conceitual do aluno do curso de Medicina Veterinária.
Os mapas mostrados nas figuras 5 e 6
foram confeccionados após aulas expositivas
e experimental dos conteúdos referentes a temática. Os conceitos foram abordados pelo
professor no decorrer do curso. A ordem em
que os conceitos aparecem não reflete, propositadamente, a de apresentação. No mapa
conceitual o estudante procurou explicitar algumas relações entre conceitos através de palavras-chave exemplificando com fórmulas
químicas, congregando um conjunto de conceitos tais como monossacarídeo, oligossacarídeos e polissacarídeos. Neste mapa os conceitos estão ordenados logicamente, começando pelo alimento, no "topo", e em seguida
nutriente, polímero biológico, carboidratos,
transformação e hidrólise como casos mais
particulares daquele. No entanto, os conceitos
de monossacarídeos e dissacarídeos são colocados como os menos abrangentes.
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Figura 4 - Mapa conceitual do aluno do curso de Zootecnia.
Já o segundo mapa da figura 6 nos
mostra um agrupamento mais ou menos semelhante ao anterior, porém com estruturas
integradas. Nele, carboidrato é considerado o
conceito mais importante, enquanto dissacarídeos é o de menor importância. Neste, as concepções de oligossacarídeo e polissacarídeos
são consideradas mais abrangentes que o conceito de dissacarídeos.
Em resumo mapas conceituais não são
auto-suficientes; é sempre necessário que sejam explicados por quem os faz, seja o professor ou o estudante. Uma maneira de diminuir um pouco a necessidade de explicações é
escrever sobre as linhas que unem os conceitos uma ou duas palavras chave que explicitem a relação simbolizada por elas.
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Figura 5 - Mapa conceitual do aluno do curso de Medicina Veterinária.
4. Conclusões
Com a temática, alimentos nosso
combustível, pretendeu-se mostrar o forte potencial dos mapas conceituais, como uma ferramenta pedagógica capaz de evidenciar aprendizagem significativa; apontando para o
fato de que os diversos conceitos não são alvos estáticos na aprendizagem, mas um conjunto, uma teia que se une através de relações
entre conceitos que evoluem na estrutura cognitiva do estudante, apoiados em conceitos já
existentes e que, tratados de forma articulada
nos seus níveis de abstração, formatam o concreto de nosso cotidiano. Os mapas conceitu-
ais foram construídos e exemplificados como
estratégia pedagógica que podem ser usados
tanto na análise e organização do conteúdo,
como no ensino e na avaliação da aprendizagem dos estudantes dos cursos de Agronomia,
Medicina Veterinária e Zootecnia. Foi uma
estratégia pedagógica construídas após aulas
em sala de aula e em laboratório cuja maior
vantagem estar relacionada com o fato de enfatizar o ensino e a aprendizagem de conceitos da química dos carboidratos, lipídios e
proteínas. Pela sua versatilidade utilizou-se o
mapa conceitual como um dos recursos de
avaliação em sala de aula.
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Figura 6 - Mapa conceitual do aluno do curso de Zootecnia.
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 96-109 <http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 16/10/2007 | Revisado em 28/11/2007 | Aceito em 29/11/2007 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 03 de dezembro de 2007
Artigo Científico
Obstáculos epistemológicos no ensino de ciências: um estudo sobre suas influências nas concepções de átomo
Epistemological obstacles in science teaching: a study about their influences on the atom conceptions
Henrique José Polato Gomes, a e Odisséa Boaventura De Oliveira, b
a
Curso de Graduação em Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba,
Paraná, Brasil; bDepartamento de Teoria e Prática de Ensino, Setor de Educação, UFPR, Curitiba,
Paraná, Brasil
Resumo
Muitas estratégias usadas por docentes para tornar o ensino mais atrativo, ou com intenção de facilitálo, na realidade podem se tornar sérios entraves na aprendizagem do ensino científico. Com a equivocada convicção que explicam, metáforas e analogias utilizadas, podem não suscitar interesse pela
compreensão do fenômeno. Bachelard chamou esses subterfúgios de obstáculos epistemológicos e o
objetivo deste trabalho foi identificá-los em alunos de oitava série do ensino fundamental e de primeiro ano do ensino médio, referentes ao ensino de atomística, procurando compará-los, visto que aprenderam este conteúdo com diferentes materiais didáticos. Para tanto, foram aplicados 291 questionários nos quais foram analisados respostas e desenhos, que evidenciam tais obstáculos. © Ciências &
Cognição 2007; Vol. 12: 96-109.
Palavras-chave: atomística; obstáculos epistemológicos; Bachelard; aprendizagem;
Abstract
Some strategies used by teachers to make a subject more attractive or easier, actually can be a serious impediment to the learning of the scientific concepts. Metaphors and analogies used in the explanation can result in a satisfactory explanation, and consequently, in a lack of interest for the phenomenon. Bachelard called those subterfuges epistemological obstacles, and the objective of this paper were identify them in students at the last level of elementary school and at the first level of high
school, in atomistic teaching, and compare them, considering they learned that through different materials. Thus, 291 questionnaires asking about atom conceptions and a drawing of it were applied and
they show an evident existence of those obstacles. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 96-109.
Key Words: atomistic; epistemological obstacles; Bachelard; learning;
- O.B de Oliveira é Graduada em Ciências Biológicas Modalidade Médica, Licenciatura (Organização Educacional Barão de Mauá) e Pedagogia (PUC-Católica), Mestre em Educação (Universidade Estadual de Campinas) e Doutora em Educação (Universidade de São Paulo). Atualmente é Professora (UFPR). E-mail para correspondência:
[email protected]. H.J.P. Gomes é Graduando do Curso de Ciências Biológicas, Modalidade Licenciatura
(UFPR). E-mail para correspondência: [email protected].
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1. Introdução
“Quando se acompanham os esforços do pensamento
contemporâneo para compreender o átomo,
é se quase levado a pensar que o papel fundamental
do átomo é o de obrigar os homens a estudar matemática.”
Gaston Bachelard
É comum o uso, em sala de aula, de
diversas estratégias com o intuito de facilitar a
aprendizagem. Muitas delas, como analogias,
metáforas, imagens, modelos entre outras présentes nos materiais didáticos e amplamente
utilizadas por docentes, deveriam ser fonte de
reflexão sobre suas implicações. Ainda que
empregadas com a intenção de facilitar a
compreensão de um determinado assunto, na
realidade não auxiliam verdadeiramente, salvo em casos específicos muito bem trabalhados. Ao contrário, esses subterfúgios pedagógicos fazem com que sejam substi-tuídas
linhas de raciocínio por resultados e esquemas, o que se por um lado suscita atrativos e
interesse, por outro se cristaliza intuições. Assim, práticas como essas podem ser perniciosas à aprendizagem. A assimi-lação de noções
inadequadas, sejam elas advindas dos conhecimentos empíricos que o educando vivencia
em seu cotidiano ou adquiridas na escola, poderá resultar na constituição de obstáculos
epistemológicos (Bachelard, 1996).
Os obstáculos epistemológicos são inerentes ao processo de conhecimento, constituem-se em acomodações ao que já se conhece, podendo ser entendidos como antirupturas. O conhecimento comum seria um
obstáculo ao conhecimento científico, pois
este é um pensamento abstrato. Na visão de
Lecourt (1980: 26) os obstáculos “preenchem
a ruptura entre o conhecimento comum e o
conhecimento científico e restabelece a continuidade ameaçada pelo progresso do conhecimento científico”, podem aparecer na forma
de um contra-pensamento ou como paragem
do pensamento. São encarados como resistências do pensamento ao pensamento.
Segundo Bachelard (1996: 17) não se
tratam de “obstáculos externos, como a complexidade e a fugacidade dos fenômenos, nem
de incriminar a fragilidade dos sentidos e do
espírito humano: é no âmago do próprio ato
de conhecer que aparecem, por uma espécie
de imperativo funcional, lentidões e conflitos”.
Muito dessa problemática, deve-se ao
fato dos docentes não levarem em conta o conhecimento que os educandos já possuem e
por conceberem a aquisição do novo conhecimento como uma adição, que pode ser atingida através de meras repetições. Além disso,
normalmente esses conhecimentos não científicos oferecem uma satisfação imediata à curiosidade, o que indiferente de seu caráter,
não se constitui em benefícios, ao contrário
passa-se a admirar as imagens e a contentar-se
simplesmente com resultados.
Na visão de Bachelard (1996), a preocupação dos educadores deveria ser alt-erar
essa cultura cotidiana prévia, pois não é possível incorporar novos conhecimentos às concepções primordiais já enraizadas. Para que a
aprendizagem ocorra de maneira efetiva, é
preciso mostrar ao aluno razões para evoluir.
O que significa estabelecer uma dialética entre variáveis experimentais e substituir saberes ditos estáticos e fechados, por conhecimentos abertos e dinâmicos.
Contra a formação do espírito científico, um exemplo de obstáculo epistemológico é o que Bachelard (1996) denomina
de experiência primeira, a qual gera apego à
beleza do experimento e não à explicação científica. É possível minimizar e até mesmo
retificar essa experiência primeira por meio
de uma ação que o autor chamou de “trazer a
bancada do laboratório para o quadro-negro”,
ou seja, procurar impedir que aconteçam apenas satisfações e admirações por imagens,
preocupando-se com os fundamentos explicativos dos fenômenos presentes nas atividades
experimentais. Segundo Bachelard, uma ciência que aceita imagens é vítima de metáforas
e experiências repletas delas são, na realidade,
sem grande valor se não for extraído o abstra-
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to do concreto, isto é, o experimento deve ser
utilizado como uma ferramenta auxiliar ilustrativa e não se resumir a uma sucessão de
resultados visual-mente interessantes (Bachelar, 1996).
Assim, essa ausência da busca pela
explicação do fenômeno faz com que se estabeleça a dita doutrina do geral. A generalização é colocada por Bachelard como outro
obstáculo epistemológico e sua utiliza-ção em
sala de aula também pode ser igualmente impeditiva da formação do espírito científico,
pois generalizações tornam uma lei tão clara,
completa e fechada, que dificilmente levantase o interesse por questionar suas premissas.
A generalização facilita momentaneamente
uma compreensão, mas esse entendimento
pode bloquear o interesse pelo estudo mais
aprofundado. A lei geral é suficientemente
satisfatória para que se perca o interesse por
estudá-la. Parte dos obstáculos propostos é, de
alguma forma, conseqüência de generalizações inapropriadas, de modo que o conhecimento geral acaba sendo um conhecimento
vago (Costa, 1998).
O mesmo acontece quando, nas aulas
de ciências, fenômenos são explicados por
meio de expressões, imagens, metáforas ou
analogias, denominadas por Bachelard de
obstáculo verbal, isto é, uma tendência a associar uma palavra concreta a uma palavra
abstrata. Essa situação ocorre quando uma
palavra é tão suficientemente explicativa, que
funciona como uma imagem e pode vir a
substituir a explicação (Andrade et al, 2002).
Bachelard observou, em sua obra A formação
do espírito científico (1996), que o uso abusivo da palavra esponja, por exemplo, desencadeou uma imagem que manteve o pensamento
preso a ela enquanto objeto, não avançando
para o nível da idéia.
Ainda assim, alguns autores defendem
o uso de analogias como estratégia pedagógica válida para melhor compreensão e integração na estrutura cognitiva (Adrover e Duarte,
1995); também existem trabalhos que apresentam propostas de metodologias de ensino
com analogias (Nagem et al., 2001) e há até
mesmo os que julgam o raciocínio metafórico
e analógico como inerente ao ser humano
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(Andrade et al., 2002). E, de fato, há que se
considerar que, quando apropria-damente usadas, metáforas e analogias podem ser boas
ferramentas para ilustrar uma explicação; mas
essas devem ser transitórias, devem ser usados como andaimes (scaffolding), conforme
terminologia de Jerome Bruner, isto é, apenas
como um suporte para o alcance do conhecimento científico.
Talvez pareça incoerente fazer essa
analogia ao andaime, explicando como fazer
uma analogia por meio de outra, mas a idéia
do uso de um andaime deve ser entendida
como um auxílio, como algo temporariamente
utilizado para atingir um determinado fim;
não como algo inicial ou a primeira coisa que
deve ser feita para que se aproxime do conhecimento. Bachelard não é perempto-riamente
contra o uso de metáforas, contanto que elas
venham após a teoria, como um auxílio no
esclarecimento.
O problema ocorre quando há o uso
anterior à explicação da hipótese ou teoria,
pois pode ocorrer uma tendência à estagnação
do pensamento, o aluno se apega e aceita essa
aproximação como um estratagema conclusivo, não havendo necessidades de maiores
elucidações o que impossibilita a abstração
necessária ao conhecimento.
Outro obstáculo proposto por Bachelard (1996) é o substancialista, que pode ser
em parte oriundo do materialismo promovido
pelo uso de imagens ou da atribuição de qualidades aos fenômenos. Ele cita como exemplo, a teoria de Boyle que atribuía qualidades
de viscoso, untuoso e tenaz ao fluído elétrico,
é como se a eletricidade fosse uma cola, como
se tivesse um espírito material.
Também denominou de obstáculo epistemológico animista ao fato de que atribuir
vida daria relevância a um determinado fenômeno. Para Bachelard (1996: 191), “vida é
uma palavra mágica”, ela marca um valor às
substâncias, assim ele relata que no século
XVIII a ferrugem era vista como uma doença
que acometia o ferro, ou que se comparava a
fecundidade dos minerais à das plantas.
Para Bachelard (1996: 21). “a noção
de obstáculo epistemológico pode ser estudada no desenvolvimento histórico do pensa-
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mento científico e na prática da educação”.
Dessa maneira, existem inúmeras formas de
obstáculos epistemológicos que, independente
de sua natureza, necessitam ser identificados e
retificados. Contudo, os obs-táculos e entraves não devem ser compre-endidos apenas
como algo falho ou como aspectos pontuais
de alunos com dificuldades; eles são importantes à aprendizagem e para que esta ocorra
satisfatoriamente é necessário que haja, além
de questionamentos e críticas, ruptura entre
conhecimento comum e científico, construindo este e desconstruindo aquele (Lopes,
1993).
A preocupação com a aprendizagem
de determinados conceitos advém de nossa
experiência como professor assistente em uma
escola da rede particular de ensino, na qual
observamos dificuldades nos alunos em manifestarem idéias abstratas, por exemplo, em
relação ao modelo atômico e suas estruturas,
bem como de suas interações moleculares. A
leitura de Bachelard nos instigou a buscar
respostas para tais dificuldades, uma vez que
observamos grande uso de analogias por parte
dos professores regentes em sala de aula, como por exemplo, a distribuição eletrônica em
camadas sendo explicada através de uma associação com gavetas que se enchem progressivamente, de maneira que, à medida que uma
delas fica cheia de elétrons, essa se fecha e
abre-se a próxima gaveta; ou de forma semelhante, a analogia da mesma distribuição com
os assentos de um ônibus que vão sendo preenchidos gradativamente pelos passagei-ros.
O funcionamento da eletrosfera como um trilho de trem por onde percorreria o elétron e a
comparação de ligações covalentes com “salsichões” estabelecidos como conexão compartilhada entre átomos são alguns dos exemplos por nós presenciados.
O objetivo desse trabalho é, portanto,
identificar alguns destes obstáculos propostos
por Bachelard, relacionados ao ensino de
química no conteúdo de atomística e analisar
o porque dessas manifestações nas respostas
de estudantes da 8ª série do ensino Fundamental e 1ª série do Ensino Médio a perguntas
correlatas. Assim como comparar os materiais
didáticos utilizados em cada situação de a-
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prendizagem, pois os alunos que atualmente
encontram-se na 1ª série, aprenderam esse
conteúdo na oitava série, com o uso de apostila produzida por uma organização educacional da cidade. Esse material didático possui
divisão entre matérias, possuindo uma parte
específica de química, a qual começa com o
estudo do átomo e enfoca principalmente a
evolução dos modelos atômicos. Já os alunos
que estão atualmente na oitava série estão aprendendo esse conteúdo com auxílio de um
livro didático de outra rede educacional, o
qual não possui divisão entre física e química
e tem o conteúdo de atomística como primeiro
assunto de química propriamente dita, enfatizando mais caráter elétrico do que a estrutura
dos materiais. Sendo assim, também é objetivo do trabalho verificar se há diferença significativa nos conceitos apresentados pelos alunos que possa ser atribuída a influência do
material didático.
Para isso, nossas questões de estudo
nesta pesquisa são: quais concepções os alunos possuem sobre estrutura e finalidade da
eletrosfera? Quais modelos atômicos são representados por eles? O que tem influen-ciado
a constituição dessas concepções?
2. Métodos
No que tange ao delineamento metodológico, esta pesquisa é de natureza qualitativa, dada a tentativa de compreender aspectos
singulares e não meramente a sua caracterização, de levar em consideração o contexto em
que foi feita a análise e de procurar explicações para os resultados em variáveis, como os
materiais didáticos. Também faz uso de dados
quantificáveis na análise das respostas.
A presente investigação foi realizada
em uma escola da rede particular de educação
do município de Curitiba (PR), que atende
alunos do Ensino Fundamental, Médio e Educação de Jovens e Adultos. Fizemos um levantamento no mês de abril de 2007, através
de questionários aplicados durante algumas
aulas cedidas por diferentes professores Esse
tipo de instrumento foi utilizado por possibilitar atingir um grande número de pessoas, oti-
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mizar o tempo e garantir o ano-nimato das
respostas.
O questionário consistiu em 3 perguntas, sendo a primeira objetiva e as outras duas
abertas. Na primeira questão, havia 8 alternativas a respeito da estrutura e finalidade da
eletrosfera, buscando identificar as concepções que os alunos possuíam dela. Nessa
questão, não havia apenas uma alternativa que
melhor representasse um ponto de vista; havia, na realidade, três alternativas relativamente
complementares que poderiam ser consideradas corretas.
As demais questões eram abertas e visavam pesquisar qual modelo de átomo o respondente aceitava como correto, ou que mais
se aproximasse da sua compreensão. Para isso, foi pedido que os alunos desenhassem
como estariam “visualizando” o átomo caso
esse fosse visto através de um microscópio
com lentes de aumento muito poderosas e
como eles poderiam separá-lo se pudessem
manipulá-lo com pinças igualmente sensíveis
e poderosas. Optamos por fazer essa relação
entre o aluno imaginar como é a constituição
de um átomo se fosse possível “vê-lo por dentro” com a elaboração de um modelo, já que
concebemos modelo como:
“uma imagem que construímos da realidade e que nos ajuda a entendê-la. Nesse sentido, deve haver aspectos em comum entre a realidade e o modelo; uma
transformação que ocorre na realidade
pode ser representada através do modelo. Isso não significa que o modelo tenha que ser uma cópia exata da realidade e sim que deve representá-la.” (Mortimer, 2000: 189)
Por fim a terceira questão, também aberta,
perguntava qual a explicação que o aluno dava para a aceitação da teoria atomística, tendo
em vista que o átomo nunca foi visualizado. A
resposta esperada seria algo relacionado a alguma evidência da existência atômica, como
por exemplo, a existência de carga elétrica,
campo magnético, emissão de fótons ou a
mistura de dois elementos químicos. O ques-
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tionário continha apenas três perguntas para
que o maior número possível voltasse respondido, ou seja, que não ficasse cansativo para
os alunos.
3. Resultados e discussão
Obtivemos um total de 291 questionários, desses 156 eram de alunos do primeiro
ano e 135 da oitava série. Mesmo os questionários que não estavam completa-mente respondidos foram analisados. Como era de se
esperar, as perguntas abertas tiveram um número menor de respostas, acreditamos que por
exigir maior esforço.
Todos os alunos de ambas as séries responderam a questão 1, primeiro porque ela
era uma questão fechada e de grau de dificuldade baixo. A tabela 1 mostra os percentuais
obtidos em cada uma das afirmativas propostas na questão 1.
Para esta questão, as porcentagens de
acerto em relação à alternativa A em ambas as
séries mostra que a grande maioria dos alunos
tem noção da existência e localização dos elétrons. A resposta esperada para o aluno que
tivesse compreendido corretamente os conceitos relacionados à estrutura e finalidade da
eletrosfera, era conjuntamente as alternativas
A, E, e G. Na 1ª série do Ensino Médio a associação dessas respostas foi obtida em apenas 5 questionários, totalizando 3 % de acerto
e na 8ª série essa associação não foi encontrada nenhuma vez.
Isso demonstra que embora haja a noção de eletrosfera, o pesquisado não tem clara
a dinâmica de movimento de elétrons, o que
pode ser verificado pela marcação das afirmativas F e H. Uma associação incoerente encontrada foi a das afirmativas E e F, pois, elas
são frontalmente contraditórias. No primeiro
ano essa associação aparece em três respostas
(2 %), e na oitava série apenas uma vez (aproximadamente 1 %). Além disso, a alternativa E, que era uma das afirmativas corretas,
obteve o menor percentual de aparecimento
em ambas as séries.
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Tabela 1 - Comparação do percentual de respostas à questão 1.
Outros obstáculos que podem ser identificados foram os representados pela afirmativa C, em que a camada da eletrosfera
eletrônico ocorre linearmente com a condição
da camada anterior já estar preenchida, o que
é comumente visto em sala de aula sob as
funciona como uma gaveta, com altos índices
analogias de gavetas ou bancos de ônibus, que
de marcação em ambas as séries; e a resposta
são preenchidos gradativamente e da frente
B, segundo a qual a camada da eletrosfera supara trás.
porta uma quantidade máxima de elétrons,
A comparação da porcentagem de resmas nunca pode ficar vazia. Esses dois obstápostas simples e combinadas pode ser vista no
culos, a nosso ver, são de mesma natureza,
gráfico 1.
uma vez que dão a idéia que o preenchimento
Gráfico 1 - Comparação dos percentuais de resposta da questão 1.
101
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A questão 2 era dividida em dois itens,
no primeiro era requisitado o desenho do átomo sob a possibilidade hipotética de que o
estariam vendo através de equipamento próprio; o segundo item perguntava em que partes poderiam separá-lo caso existissem pinças
muito sensíveis que possibilitassem essa manipulação. A análise dos desenhos obtidos foi
feita enquadrando-os através de semelhanças
com os modelos pré-estabelecidos na literatura. No total cinco modelos foram identificados: ANIMISTA (Galiazzi et al, 1997), que
coloca características das células dos seres
vivos à matéria; MODELO DE DALTON,
referente ao átomo como “bola de bilhar”, que
seria a menor parte da matéria, sendo portanto, indivisível e indestrutível; MODELO DE
THOMSON, que seria o modelo “pudim de
passas” e o MODELO DE RUTHERFORD ,
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com a divisão em um núcleo com prótons e
nêutrons e uma eletrosfera com elétrons. O
modelo de átomo de Rutherford-Böhr, que
mostraria os níveis de energia das camadas, e
o modelo atômico de Sommerfeld, no qual a
eletrosfera seria composta de órbitas elípticas,
com um aspecto de tridimensionalidade, foram contabilizados juntamente com o modelo
de Rutherford. Alguns modelos, por não poderem ser classificados como nenhum dos
expostos acima, foram classificados como
OUTROS; isso se deu pelo fato de se apresentarem em um estado “intermediário”, isto é,
com características de mais de um modelo, o
que dificulta o seu enquadramento.
A comparação entre as respostas pode
ser vista no gráfico 2.
Gráfico 2 - Comparação entre as respostas à pergunta 2, na parte referente aos modelos atômicos.
Conforme pode ser visto no gráfico, o
modelo animista foi encontrado na resposta
de 9 alunos de primeiro ano. Vale dizer que
destes, apenas quatro alunos estavam, dois a
dois, na mesma sala, o que elimina a possibi-
lidade de cópia ou de alguma forma de influência nessas respostas. Dessa maneira, como
pode ser visto na figura 1, é muito evidente a
confusão com a idéia de célula, o que provavelmente se deve à aprendizagem recente des-
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se conceito como menor parte do organismo
vivo e ao fato de ambos, célula e átomo, possuírem um núcleo. Além disso, na segunda
parte da questão que perguntava sobre as possíveis separações, 1 dos alunos escreveu que
separaria o núcleo da membrana, o que explicita bem esse equívoco.
Figura 1 - Modelo Animista, que apareceu
apenas nas respostas de alunos do 1º ano.
No que tange ao conceito atômico de
Dalton, isto é, de átomo como a menor partícula da matéria, formada de uma estrutura
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compacta, maciça e sólida, sendo assim indivisível e indestrutível, foi encontrado que, no
primeiro ano, 8 alunos (5 %) permanecem
presos a esse conceito, enquanto que na oitava
série esse número cai para 2 pessoas (1,5 %).
Isso pode estar relacionado de alguma forma
ao material didático, pois os alunos de primeiro ano aprenderam esse conteúdo na oitava
série, com uma apostila que possuía um tópico sobre Dalton e seu modelo “bola de bilhar”; os alunos atualmente na oitava série
estão fazendo uso de um livro didático cujo
enfoque sobre esse conteúdo paira predominantemente na natureza elétrica dos materiais,
passando diretamente das primeiras noções de
átomo de Demócrito a Rutherford, não citando Dalton. Obviamente que, pelo aparecimento desse modelo, a professora deve tê-lo explicado em sala de aula, mas o fato de não ser
encontrado no livro didático pode ser um fator
que explica a disparidade de resultados. Exemplos de modelos encontrados podem ser
observados se na tabela 2:
Tabela 2 - Comparação dos Modelos de Dalton obtidos.
Entretanto, esse resultado não se repete no que diz respeito ao modelo atômico de
Thomson, pois da mesma forma, a apostila
traz um tópico explicando seu modelo “pudim
de passas”, no qual o átomo seria uma esfera
de carga positiva, onde estariam imersas as
partícula negativas (elétrons), enquanto que o
livro atualmente utilizado também não cita
Thomson. Sendo assim, era esperado um resultado semelhante ao modelo Daltoniano,
considerando novamente que esse modelo,
pelo seu aparecimento, também foi explicado
em sala. Contudo, no primeiro ano houve apenas 6 casos (4 %) identificáveis como seguidores do modelo de Thomsom, enquanto
que na oitava série obteve-se 13 esquemas (10
%), o que indica que, provavelmente tenha
sido dada maior importância à esse modelo
em sala de aula, talvez em virtude da ênfase
no aspecto elétrico feita pelo livro didático,
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esse modelo tenha sido mais utilizado como
base para compreensão dos posteriores. Exemplos de modelos encontrados estão repre-
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sentados na tabela 3:
Tabela 3 - Comparação dos Modelos de Thomson obtidos.
O modelo de Rutherford, por sua vez,
foi contabilizado juntamente com o modelo
de Rutherford-Böhr , visto que os dois são
muito próximos e comumente ensinados conjuntamente, e com o de Sommerfeld , que não
é tratado em nenhum dos dois materiais didáticos e foi enquadrado seguindo Galiazzi e
colaboradores (1997). Pelo fato do modelo de
Rutherford ser ensinado tanto na apostila
quanto no livro didático, era esperado que se
encontrasse um número semelhante entre as
duas séries. Assim, foram encontradas 117
amostras no primeiro ano (80 %), e 105 na
oitava série, perfazendo um percentual semelhante de 80 %. Esse resultado majoritário
era, de certa forma, esperado, tendo em vista
que esse modelo é o atualmente mais aceito
para esse nível de escolaridade, sendo muitas
vezes tratado como a melhor explicação atual
para a estrutura atômica. (Tabela 4).
Tabela 4 - Comparação dos Modelos de Rutherford, Rutherford-Böhr, e Sommerfeld obtidos.
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Contudo, comparando-se esse resultado com as respostas da primeira questão, nota-se que na maioria das vezes há uma boa
noção na localização da eletrosfera, mas que
possivelmente há um obstáculo epistemológico no que tange a sua funcionalidade, sendo
essa muito comumente representada como
uma “coisa” física e palpável. Ainda assim,
foram encontrados alguns modelos que a representaram de uma maneira mais correta, se
aproximando do que seria o ideal (tabela 5)
esperado para essa idade, visto que esses alu-
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nos não possuem conhecimentos sobre modelos quânticos. É evidente que quando se pede
que os alunos façam um desenho do que estariam vendo ao microscópio, o resultado também será, de certa forma, um esquema. Mas
estas respostas obtidas, apresentam um nível
maior de abstração que as demais, pois representaram apenas os elétrons ao redor do núcleo. Foram encontrados 2 amostras no primeiro ano (1 %) e 5 amostras na oitava série
(4 %).
Tabela 5 - Comparação dos modelos mais próximos ao ideal.
Em ambas as séries alguns modelos
não puderam ser encaixados em nenhum dos
pré-estabelecidos, e foram classificados como
“Outros”, aparecendo em 10 respostas (7 %)
no primeiro ano e em 12 questionários (9 %)
na oitava série. Alguns desses exemplos podem ser vistos na tabela 6.
Tabela 6 - Modelos classificados como “Outros”.
Na segunda parte da questão, como já
citado, foi pedido para que os alunos separassem o átomo nas partes que julgassem possíveis. A separação que indica a noção mais
correta seria em: “prótons, nêutrons e elétrons” e foi apontada 23 vezes no primeiro
ano (19 %) e 37 vezes na oitava série (14 %).
Muitos alunos, entretanto, apresentam algumas evidências de obstáculos, como, por exemplo, a possibilidade de separação da eletrosfera, o que só seria possível considerando-a uma camada física, o que no primeiro
105
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ano apareceu em 66 respostas (54 %) e na oitava série em 70 respostas, perfazendo um
total de 56 %.
Como pode ser visto no gráfico 3, pela
quantidade de separações encontradas, podese inferir que a estrutura e mesmo a funciona-
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lidade atômica, não está clara para os alunos,
seja por excluírem partículas importantes na
separação ou por equívocos graves, como a
separação em número atômico ou de massa,
que são apenas conceitos.
Gráfico 3 - Comparação das possibilidades de separações atômicas encontradas.
Por fim, a questão número três questio-nava os alunos a respeito da exis-tência do
átomo, considerando que ele nunca foi visto.
Ambos os materiais didáticos apresen-tam
evidências de sua existência. O livro didático
tenta mostrá-lo através de duas experiências:
A verificação da eletricidade estática pela atração de pequenos pedaços de papel em uma
régua atritada por uma flanela, e o calor, até
então inexistente, resultando da mistura de
gesso em pó com água. A apostila, por sua
vez, dá exemplos de aplicações tecno-lógicas
que dependam do direciona-mento de feixes
de elétrons, como por exemplo, em telas de
televisores; e propõe um experimento com o
aquecimento de diferentes metais, que quando
submetidos ao fogo, alteram a coloração da
chama.
Assim, seria de esperar que respondessem à pergunta com alguma evidência
dessa natureza. Mas não houve resposta plenamente satisfatória. Na oitava série a questão
foi respondida por 109 alunos (81 %), enquanto que no primeiro ano obteve-se 85 respostas (54 %). As respostas mais freqüen-tes
estão no gráfico 4.
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Gráfico 4 - Comparação das respostas em comum para a questão 3.
Dentre as respostas comuns, na oitava
série, das 9 que atribuíram a existência atômica à inovações tecnológicas, 5 justificaram
que a certeza ocorre graças a observação do
átomo no microscópio; no primeiro ano, isso
ocorreu em apenas uma resposta, embora um
aluno tenha atribuído a observação a um telescópio. Das amostras que se referem a existência pelo fato do átomo ser a menor parte da
matéria, ou seja, se fosse possível dividi-la
continuamente, se chegaria até ele, na oitava
série as 2 pessoas que escreveram essa resposta apresentaram o modelo atômico de Rutherford-Böhr na questão 2; já no primeiro ano,
das 8 respostas, duas apresentaram o modelo
de Dalton, as demais também apresentaram o
de Rutherford-Böhr.
Algumas questões não puderam ser
enquadradas em nenhum quesito e foram
classificadas como outros, como por exemplo,
2 respostas na oitava série e 1 no primeiro ano, que atribuíam a existência atômica ao registro arqueológico pré-histórico escrito e pictórico, ou ainda um estudante da oitava série
que defendia a existência de átomos fossilizados por erupções vulcânicas. Além dessas
respostas, na oitava série também apareceram
3 amostras dizendo que o átomo existia porque “a professora disse”.
As respostas que mais se aproximaram
do ideal foram 6 que atribuíram a certeza da
existência atômica às reações químicas e 2
respostas relacionando a sua existência a explosões de bombas atômicas. Ainda assim,
boa parte das respostas obtidas são, em ambas
as séries, superficiais. Isso dificulta qualquer
inferência de nossa parte, pois mesmo as respostas mais próximas do correto, são demasiado simplistas. As respostas que certificavam
o átomo por “estudos e experiências realizadas”, por exemplo, não possibilitam identificar se há realmente alguma forma de obstáculo epistemológico na explicação.
4. Conclusão
A intenção desse trabalho foi identificar alguns dos possíveis obstáculos epistemológicos propostos por Bachelard (1996) presentes no ensino de química, em alunos de
oitava e primeiro ano do ensino médio, além
de verificar se sua existência está, de alguma
forma, relacionada ao material didático utilizado.
Assim, após sua realização, pôde-se
evidenciar a existência de alguns obstáculos
epistemológicos no ensino de atomística em
ambas as séries analisadas. A dificuldade de
superação dos modelos utilizados, considerando inclusive que muitos deles não são os
atualmente aceitos, mas são mostrados com a
finalidade de fazer uma abordagem histórica,
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são bons exemplos de possíveis entraves. Para
a aprendizagem do conhecimento científico, é
preciso que se tenha um modelo apenas como
uma representação, havendo necessidade de
abstrair de suas figuras e esquemas para que
haja uma verdadeira compreensão. Além disso, não é apenas o conceito que está se constituindo em um obstáculo, as partículas atômicas também não são bem compreendidas pelas séries estudadas. É possível que as duas
questões estejam relacionadas, pois as representações podem conduzir a idéias erradas de
localização e funcionabilidade.
A atuação docente também é certamente muito importante para a aceitação ou
refutação de um dos modelos atômicos, pois,
considerando que o novo material didático
não trazia alguns dos modelos analisados, e
ainda assim esses modelos continuaram a aparecer, a ação do professor fica aqui evidente.
Isso não representa necessariamente um problema. Na realidade, como o material não trazia essas idéias, é interessante que o professor
as mostre, ampliando as abordagens que deverão conduzir ao conceito; mas essa aproximação deve ter o enfoque histórico, formando
uma linha de raciocínio, progredindo através
de rupturas e incentivando a superação dos
modelos. Ademais, é responsabilidade docente a retificação das analogias e metáforas existentes no material didático, bem como a diligência de suas utilizações nas suas explanações, refletindo se seu uso está sendo, de fato,
um auxílio.
Assim, a mudança do material didático
não surtiu grandes efeitos na melhoria das
concepções atômicas, tendo em vista que em
ambos os materiais, embora a dinâmica de
abordagem seja diferente, há noções que podem levar a formação de obstáculos, como
por exemplo, as representações atômicas como sistemas planetários.
Também se esperava que os alunos de
primeiro ano, por se encontrarem em uma idade mais avançada e já terem estudado outros aspectos de maior complexidade das partículas atômicas, como por exemplo, os orbitais e os números quânticos, apresentassem
uma maior capacidade de abstração e conceitos mais claros, o que não foi encontrado.
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Obviamente que, embora esse conteúdo seja
relativamente revisado, a defasagem de um
ano desde a exposição desse conteúdo deve
ser considerada como um fator. Por sua vez, a
oitava série, provavelmente por ter recém o
visto, na maior parte das vezes apresentou
maior índice de acerto.
Podemos traçar algumas implicações
desse nosso estudo para o ensino de ciências.
A primeira delas diz respeito à aprendizagem
de outros conteúdos relacionados à compreensão do átomo, como é o caso da aprendizagem
sobre reações químicas. Certamente a compreensão de quaisquer interações moleculares
é prejudicada em alunos que aceitem como
correto o modelo de Dalton, que ainda não
possuía divisão em partículas. Da mesma
forma, no modelo de Thomson, que já propõe
o conceito de elétron, mas não o de eletrosfera, assuntos como ligações químicas, magnetismo, e emissões de fótons também teriam a
aprendizagem seriamente dificultada. Na realidade, defendemos a abstração do modelo,
pois mesmo o modelo mais aceito, pode ocasionar entraves, como mostraram Fukui e
Pacca (1999), que estudaram a concepção atômica relacionada à compreensão de corrente
elétrica. Em seus resultados, o grupo estudado
não mostrou apego aos modelos atômicos antigos, mas ainda assim:
“A estrutura atômica, o átomo para o
aluno, praticamente tem existência própria, sem que esteja vinculado à matéria, a um substrato. O elétron é uma entidade muitas vezes desvinculada de
uma estrutura, podendo aparecer sozinho e sem interferir em nada.” (Fukui e
Pacca,1999: 9)
Outra implicação se refere à necessidade de reconhecimento por parte dos professores das evidências aqui detectadas e da possibilidade de estabilização do pensamento dos
alunos num determinado modelo atômico que
não o aceito atualmente, para que o docente
trabalhe numa perspectiva de questionar essas
concepções fazendo o aluno avançar nesta
construção. Ou seja, possibilitar ao estudante
a compreensão e a conscientização de que um
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modelo rompe com o anterior de tal forma
que ele possa apreender a constituição da matéria segundo uma concepção de senso comum, de ciência clássica e de ciência quântica. A essa pluralidade, Bachelard (1984)
chama “perfil epistemológico”, isto é, diferentes formas de ver e representar a realidade. Ou
ainda em suas palavras:
“Poderíamos relacionar as duas noções
de obstáculo epistemológico e de perfil
epistemológico porque um perfil epistemológico guarda a marca dos obstáculos que uma cultura teve que superar.”
(Bachelard, 1984: 30)
Para reafirmar nossas conclusões finalizamos recorrendo mais uma vez ao pensamento deste autor (Bachelard, 1984: 84):
“Não nos parece com efeito que se possa compreender o átomo da física moderna sem evocar a história das suas
imagens, sem retomar as formas realistas e as formas racionais, sem lhe explicitar o perfil epistemológico.”
Explicitar os diferentes modelos é importante, mas é preciso ter muito cuidado para
que ocorram as rupturas necessárias, ou seja,
para que a explanação ocorra construindo
uma linha de raciocínio que conduza à real
aprendizagem.
5. Referências bibliográficas
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Submetido em 05/09/2007 | Revisado em 27/11/2007 | Aceito em 30/11/2007 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 03 de dezembro de 2007
Artigo Científico
Integrando o ensino da patologia às novas competências educacionais
Integrating the learn of pathology to new education competences
Mário Ribeiro de Melo-Júnior, a, b, Jorge Luiz Silva Araújo-Filhoa, Vasco José Ramos Malta
Patua, Marcos Cezar Feitosa de Paula Machadoa e Nicodemos Teles de Pontes-Filhoa
a
Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (LIKA), Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), Recife, Pernambuco, Brasil; bAssociação Caruaruense de Ensino Superior (ASCES), Caruaru, Pernambuco, Brasil
Resumo
Buscando integrar o ensino tradicional da patologia geral à construção de novas competências educacionais e baseando-se nos apontamentos preliminares obtidos por pesquisa realizada com 350 alunos
de diferentes cursos de graduação da área de saúde da Universidade Federal de Pernambuco, este trabalho propõe uma adequação das técnicas de ensino, com os objetivos de passar os conteúdos programados e de preparar todos os graduandos para utilizarem conhecimentos contextualizados e as
competências adquiridas em situações reais da vida profissional. © Ciências & Cognição 2007; Vol.
12: 110-114.
Palavras-chave: novas competências; patologia geral; ensino superior.
Abstract
With the objective of integrate the general pathology traditional teaching to the construction of new
educational abilities, and based on the preliminary notes carried out by 350 different health's sciences undergraduate students of the Federal University of Pernambuco, this work point out an adequacy of the education techniques, with the aims of transmit the programmed contents, and of prepare all the graduates to use contextualized knowledge and the abilities acquired in real situations of
the professional life. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 110-114.
Key Words: new competences; general pathology; higher education.
A patologia e a construção das competências
A Patologia Geral é a ponte entre disciplinas básicas e profissionalizantes da área
de saúde. O ensino da patologia é um elo fun-
damental, já que o estudante implementará na
sua prática profissional futura os conhecimentos dos processos patológicos como profissionais de saúde ou pesquisador engajado em
diagnosticar e participar das condutas assistenciais para promover a saúde (Chandrasoma
- M.R. de Melo-Júnior é Biólogo, Mestre em Patologia (UFPE) e Doutor em Ciências Biológicas (UFPE). Atua
como Professor da disciplina de Patologia Geral (PPG) e Patologia Especial na Faculdade Maurício de Nassau (FMN),
ASCES e Faculdade do Vale do Ipojuca (FAVIP). Endereço para correspondência: Laboratório de Imunopatologia
Keizo Asami (LIKA), UFPE. Av. Morais Rêgo s/n, Cidade Universitária, Recife, PE 50670-910. Telefone: (81) 21012504. E-mail para correspondência: [email protected]. N.T. de Pontes-Filho é Professor Titular do Departamento de Patologia (UFPE).
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e Taylor, 2004).
Observamos que nos últimos anos, o
déficit do ensino da patologia geral se acentuou, a partir do momento em que a disciplina
Processos Patológicos Gerais (PPG) foi instituída pelo Conselho Federal de Educação
(LDB, 1996), como obrigatória em todos os
cursos superiores da área de saúde (nutrição,
ciências biomédicas, fisioterapia, terapia ocupacional, farmácia, fonoaudiologia e odontologia) e não só em medicina e enfermagem.
Com isso, ocorreu um aumento brusco no
número de alunos, sem que tivessem sido
preparadas adequações didático-pedagógicas
para o atendimento necessário a cada curso,
dentro das competências para esses.
Dentre os diversos modelos de gestão
pedagógica para que o ensino da Patologia
fique condizente com as diretrizes de cada
curso, podemos destacar o desenvolvimento
de novas competências, tese elaborada pelo
sociólogo suíço Philippe Perrenoud, Professor
da Universidade de Genebra e especialista em
práticas pedagógicas. Ele defende que competências em educação são as faculdades de
mobilizar um conjunto de recursos cognitivos
– como saberes, habilidades e informações –
para solucionar com pertinência e eficácia
uma série de situações, buscando conectar os
assuntos trabalhados em sala de aula com a
realidade encontrada no ambiente social dos
alunos (Perrenoud, 1999).
Atualmente, essa contextualização dos
saberes é uma das bases do ensino por competências, tornando-se palavra de ordem da educação em vários países e também no Brasil.
O processo educacional equivocado
que ocorre atualmente consiste em imprimir
novas reações sobre pessoas totalmente maleáveis e passivas. Contudo, tem-se observado
que, simplesmente dar o conteúdo e esperar
que ele seja reproduzido não forma o indivíduo que o mercado de trabalho e a sociedade
atual exigem.
O ensino por competências baseia-se
em princípios complexos que devem ser adequados a realidade de cada área do conhecimento. No caso da patologia, de acordo com
nossa vivência em sala de aula e laboratório
temos observado um aprendizado mecânico e
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desmotivador para a maioria dos alunos, justamente devido à ausência de atualizações e
busca de novos recursos pedagógicos que auxiliem o aprendizado dos processos patológicos de uma forma proveitosa e suficiente.
De acordo com a visão do ensino pela
construção de competências, sugerimos alguns princípios fundamentais para um ensino
da patologia geral que, de acordo com algumas correntes pedagógicas aprimora e estimula continuamente alunos e professores (LDB,
1996).
Deve-se desde o princípio, estabelecer
um “Contrato pedagógico” entre o professor e
os alunos, buscando firmar posições que cada
uma das partes deverá assumir durante o processo de aprendizado. Os alunos expressam
ao docente o que esperam obter com o estudo
e quais as suas aspirações. Por outro lado, o
professor estabelece quais as diretrizes e parâmetros a serem trabalhados durante o curso.
Estabelecido isso, inicia-se o processo
de construção de competências que irão auxiliar na apreensão e entendimento dos conteúdos. Aqui sugerimos algumas abordagens que
poderão nortear esse processo.
O professor deverá saber:
•
•
•
•
•
Gerenciar a classe como uma comunidade educativa. Estabelecer o senso de
coletividade, evitando atividades excludentes e particularizadas;
Organizar trabalhos utilizando ao máximo os recursos disponíveis. Elaborar
aulas diferentes com enfoques diversos,
utilizando reportagens, entrevistas, painéis, cartazes, pesquisas, plenárias dentre
outros recursos;
Conceber e dar vida a dispositivos pedagógicos motivadores. Buscar com o
auxílio dos alunos atividades dinâmicas e
interessantes que facilitem o aprendizado,
utilizar diferentes técnicas pedagógicas;
Identificar e modificar aquilo que dá
sentido aos saberes e às atividades escolares. Estimular discussões pertinentes a
patologia e áreas afins, buscando integrar
os alunos ao conteúdo estudado;
Criar e gerenciar situações-problema.
Motivar o debate sobre relatos de casos
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•
•
anátomo-clínicos e buscar, através dos
conhecimentos dos conteúdos estudados,
as possíveis soluções para os casos;
Observar os alunos durante a elaboração dos trabalhos. Integrar os alunos às
atividades coletivas, buscando resolver ou
minimizar as deficiências individuais;
Avaliar as competências em construção
nos alunos. Elaborar fichas de autoavaliação para monitorar os progressos
dos alunos e atividade docente durante o
curso.
Os alunos deverão desenvolver as seguintes competências:
•
•
•
•
•
•
Dominar a leitura e a escrita de termos
específicos da área. Na patologia existe
uma grande quantidade de termos que se
não forem bem trabalhados são motivos
de empecilho ao aprendizado;
Resolver situações-problema. É de suma
importância conectar os processos patológicos aos problemas de saúde e comportamento encontrados a todo momento em
nosso meio social;
Analisar, sintetizar e interpretar dados,
fatos e situações. Desenvolver o senso
crítico e o discernimento para que o aluno
possa lidar de forma eficiente com situações que exijam uma rápida solução;
Compreender seu entorno social e atuar sobre ele. Estimular a conscientização
de cada um, do papel social e como, através dos conhecimentos adquiridos, podese melhorar a sua comunidade;
Localizar, acessar e usar melhor as informações acumuladas. O essencial não
é decorar todo o livro, mas sim, saber como resgatar estes conhecimentos quando
for preciso;
Planejar, trabalhar e decidir em grupo.
Desenvolver a capacidade de atuar em equipe e compartilhar informações traçando planos de ação.
Alguns podem questionar a desvantagem do tempo, já que no caso do ensino da
patologia geral há uma extensa lista de assuntos diversos que precisam ser trabalhados e
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sedimentados, porém na maioria dos casos há
pouca carga horária disponível. Como fazer
então?
É certo que todo esse processo demanda um esforço maior, mas o professor deve gerenciar esta questão estabelecendo o
conteúdo programático mínimo e essencial de
disciplina de Patologia, para o curso.
A questão-chave é criar no processo
de ensino da patologia o hábito de estabelecer
“conexões teórico-práticas”, capacitando os
alunos a buscar informações, onde quer que
elas estejam, para utilizá-las nas situaçõesproblema que possam vir a enfrentar.
Um bom exemplo de como equacionar
esta dificuldade é o uso da criatividade, utilizando métodos motivadores e a discussão de
problemas concretos, como o estudo de casos
anátomo-clínicos. Nesta modalidade de aula,
os tradicionais conteúdos são apenas um dos
elementos do processo de aprendizagem.
Cria-se uma situação a partir da geração de conflitos que estimula a classe a resolvê-la. Neste caso, a solução de um problema
concreto fará com que a teoria ganhe uma finalidade aplicável (Feuwerker, 2002).
Quando uma pessoa se depara com
uma situação desafiadora, mesmo no campo
de aquisição de conhecimentos, sem que seus
esquemas mentais disponham de elementos
suficientes para enfrentar o desafio, ocorre um
desequilíbrio momentâneo. Então, a pessoa
ativa seus esquemas assimilatórios, retirando
do meio as informações necessárias, e mobiliza seus esquemas de acomodação, reorganizando seus novos dados e superando a situação de desafio; gera-se, dessa maneira, um
novo estado de equilíbrio (Ceccin e Feuerwerker, 2004).
A interdisciplinaridade na prática de ensino
A interdisciplinaridade é uma das ferramentas bastante utilizada para construção de
competências, pois se sabe que depois de
formado e inserido no mercado de trabalho, o
profissional de saúde não encontrará problemas divididos por disciplina.
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Um bom exemplo do seu emprego é
observado quando são abordados os processos
que geram a calcificação patológica. Neste
caso, obrigatoriamente, discutem-se questões
ligadas à fisiologia (mecanismo de ação hormonal), bioquímica (metabolismo de melanina), biofísica (efeitos das radiações), clínica
médica (reações sistêmicas associadas) e cultura (hábitos alimentares).
Em turmas pertencentes a cursos diferentes, é imprescindível atrair a atenção dos
alunos com questões pertinentes a sua área de
conhecimento e atuação. Não é restringir ou
especializar, mas interrelacionar o saber acadêmico com o campo de atuação profissional.
Quando se constroem estratégias de ensino
como, por exemplo, os mecanismos de hipersensibilidade, em turmas do curso de farmácia, não se deve esquecer de enfatizar as principais substâncias farmacologicamente ativas
liberadas pelas células, enquanto no curso de
nutrição se dá mais ênfase aos aspectos nutricionais promotores dos processos alérgicos e
esta etapa de construção do conhecimento integrado, atualmente, tem se denominado de
contextualização de conteúdos.
Fica claro que não existem modelos
definitivos para ensinar por competências.
São as necessidades de cada grupo que devem
nortear o processo de ensino-aprendizagem.
Não se pode ter o mesmo ritmo, dinâmica e
postura didática em turmas diferentes e principalmente em cursos diferentes. O professor
deve avaliar os interesses dos alunos adequando os conteúdos a serem trabalhados,
personalizando-os a cada realidade.
Todo professor sabe muito bem como
reagem os alunos à situação global da classe;
eles são influenciados não apenas pelo desafio
da questão formulada ou do conhecimento
novo a ser fixado, mas pelo tom da voz do
professor, por sua expressão facial e pela atitude dos outros alunos, enfim o aprendizado
está condicionado a uma série de questões
sociológicas e comportamentais.
Avaliando as competências
A avaliação é tradicionalmente associada, na escola, à criação de hierarquias de
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excelência. Os alunos são comparados e depois classificados em virtude de uma norma
de excelência, definida no conceito de legitimidade absoluta encarnada pelo professor e
pelos melhores alunos.
No decorrer do ano letivo, os trabalhos, as provas de rotina, as avaliações orais, a
notação de trabalhos pessoais criam “pequenas” hierarquias de excelência, sendo que nenhuma delas é decisiva, mas o seu somatório
prefigura a classificação do aluno dentro da
hierarquia final (Perrenoud, 1999).
Surge, então, outro ponto importante,
como avaliar as competências?
Costuma-se, infelizmente, colocar as
provas e os testes previamente marcados, como ponto culminante do processo de aprendizagem, contudo, estudos demonstraram que a
avaliação deve ser algo contínuo e não pontual (Cecim e Feuerwerker, 2004). Deve-se
mesclar os momentos de avaliação escrita,
com atividades orais (seminários, debates),
aulas práticas (nos laboratórios e museus de
peças anatômicas), estudos dirigidos e outras
atividades que motivem os alunos a mostrarem seus conhecimentos.
Devemos lembrar que toda a aprendizagem bem conduzida se caracteriza como
um processo altamente dinâmico, que depende da atividade mental do educando e que se
desenvolve pela mobilização de seus esquemas de raciocínio. Para isso, o ensino deve
apelar para atividade mental do aluno, levando-o a observar, manipular, perguntar, pesquisar, trabalhar, construir, pensar e resolver
situações problemáticas (Gonçalves, 2001).
Em pesquisa realizada com 350 alunos
de diferentes cursos de graduação da área de
saúde da Universidade Federal de Pernambuco, que estudaram a disciplina de patologia
geral nos períodos entre 2002 e 2003, demonstra-se que 35,6% dos alunos encontraram dificuldades em apreender os conteúdos,
e, além disso, 50,2% consideraram as aulas
desmotivadoras, embora a maioria (320 alunos) não percebesse desmotivação dos professores. Cerca de 98,2% acreditam que atividades didáticas estimulantes como, aulas práticas, estudo de casos, seminários, estudos dirigidos, facilitariam bastante o aprendizado.
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Desta forma, podemos concluir que o
problema do aprendizado não está no aspecto
motivacional do corpo docente apenas, mas
na forma de ensinar (metodologias e didáticas
escolhidas), que de acordo com esta amostragem, necessita de um aprimoramento e atualização.
Na avaliação, segundo a doutrina da
construção de competências, os seguintes aspectos devem ser considerados:
•
•
•
•
•
•
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se transformar em um simples concurso classificatório de excelências.
Assim concluímos que, o estudo da
patologia associado à construção de competências, pode tornar-se algo muito prazeroso,
motivador e útil para os graduandos tornandoos mais capazes de se destacar como indivíduos mais críticos e atuarem de forma mais
segura dentro das suas áreas profissionais.
Referências bibliográficas
Desenvolver autonomia progressiva (autoregulação da aprendizagem);
Ver o erro, não como um ponto de reprovação, mas como deficiência a ser superada;
Não deve haver qualquer limitação rígida
de tempo quando da avaliação das competências;
Ter domínio do conteúdo sob diferentes
aspectos causais e temporais (aprendizagem contextualizada);
Decidir a melhor forma de expor os conhecimentos apreendidos;
Utilizar instrumentos de auto-avaliação
cruzada (o docente avalia o discente, e vice-versa).
Contudo, a aplicação desses conceitos pode se
tornar algo complexo, enquanto a escola der
tanto peso à aquisição de conhecimentos desarticulados e tão pouca importância à contextualização e à construção de competências.
Desta forma, toda avaliação correrá o risco de
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S u b me t i d o e m 1 5 / 1 0 / 2 0 0 7 | A c e i t o e m 2 6 / 1 1 / 2 0 0 7 | I S S N 1 8 0 6 - 5 8 2 1 – P u b l i c a d o o n l i n e
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Artigo Científico
Psicopedagogia: limites e possibilidades a partir de relatos de
profissionais
Psychopedagogy: limits and possibilities according from the professionals experiences
Maria Regina Peres e Maria Helena Mourão Alves Oliveira
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas, SP, Brasil.
Resumo
A psicopedagogia tem sido uma das áreas de conhecimento que tem gerado grande interesse nos profissionais ligados à educação. Este trabalho tem por objetivo investigar a prática do professor - psicopedagogo, seus desafios, suas limitações, suas possibilidades, frente ao cotidiano da atuação psicopedagógica preventiva em instituições regulares de ensino. São sujeitos dez professores – psicopedagogos de diferentes instituições de ensino. O material utilizado é um questionário de entrevista semi estruturada. Os resultados mostram que 100% dos sujeitos são do sexo feminino, entre 26 a 50 anos. As
contribuições obtidas para melhores resultados na atuação nesta área são diminuição do número de alunos nas classes, necessidade da continuidade de estudos, melhor compreensão sobre as possibilidades de realização do diagnóstico psicopedagógico institucional, valorização de uma atuação conjunta
com diversos profissionais, ampliação de psicopedagogos em espaços institucionais. © Ciências &
Cognição 2007; Vol. 12: 115-133.
Palavras-chave: psicopedagogia; aprendizagem; prevenção; professor – psicopedagogo; atuação psicopedagógica.
Abstract
Psychopedagogy has been one of the areas of knowledge that has created great interest in professionals attached to education. This work has as its objective to investigate the practice of
teacher/pscychopedagogue; his challenges, his limitations, his possibilities concerning the day-to-day
routine of preventive psychopedagogy in regular educational institutions. The subjects studied are
ten teacher/psychopedagogues from different educational institutions. The material used was a questionnaire of semi-structured interviews. The results show that 100% of the subjects are of the feminine
sex between the ages of 26 and 50. The contributions obtained for better results in performance in
this area are: diminishing the number of students in the classroom, the necessity of continuing studies,
better comprehension concerning the possibilities of institutional psychopedagogic diagnosis, valuing
the unified performance of several professionals, and elevating the number of psychopedagogues in
educational institutions. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 115-133.
- M.R. Peres é Graduada em Biologia (PUC-Campinas) e Pedagogia (ASMEC), Mestre em Metodologia do Ensino (Universidade Estadual de Campinas) e Doutoranda em Psicologia (PUC-Campinas). Atualmente é Professora da
Faculdade de Educação e Coordenadora de Curso de Especialização em Psicopedagogia (PUC-Campinas). É integrante do Grupo de Pesquisa Aprendizagem, Linguagem e Leitura (PUC-Campinas). E-mail para correspondência:
[email protected]. M.H.M.A. Oliveira é Graduada em Fonoaudiologia (PUC-São Paulo), Mestre em Psicologia Escolar (PUC-Campinas) e Doutora em Psicologia Ciência e Profissão (PUC-Campinas). Atualmente é Professora
Titular (PUC-Campinas) e Líder do Grupo de Pesquisa Aprendizagem, Linguagem e Leitura (PUC-Campinas). E-mail
para correspondência: [email protected].
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Key Words: psychopedagogy; learning ability; prevention; teacher/ psychopedagogue; psychopedagogic performance.
Introdução
A busca pela continuidade de estudos,
tem-se constituído em uma crescente necessidade quer seja, por questões pessoais e/ou
profissionais. Esta constatação nos motivou a
realizar este trabalho considerando que uma
das áreas de conhecimento que têm apresentado grande demanda para a continuidade de
estudos, entre os profissionais oriundos de
cursos de formação de professores, tem sido a
área de psicopedagogia.
Ao se considerar a importância da
formação continuada para profissionais de
diversas áreas, destacamos as idéias de Batista
(2000), ao enfatizar a demanda histórica que
os cursos de especialização, ou seja, que os
cursos de pós-graduação lato sensu vêm conseguindo na cultura educacional brasileira.
Este crescente interesse, dentre outras questões, estaria relacionado às exigências do
mercado de trabalho que, juntamente com o
tempo de duração dos cursos de especialização, geralmente um ano letivo, vêm atraindo a
muitos.
A psicopedagogia, concebida como
uma área de conhecimento relativamente atual, historicamente apresenta como objeto de
estudos, o processo de aprendizagem e suas
interfaces com os vários campos de conhecimento. Atualmente, segundo Rubinstein e colaboradores (2004: 227) “o objeto de estudo
da psicopedagogia contem-porânea continua
sendo a aprendizagem, entretanto passa-se a
valorizar a amplitude do fenômeno educacional” e mais intensamente a relação do sujeito
com a aprendizagem. Considera-se assim o
contexto, a situação e as interações realizadas
pelo aprendiz durante o processo de ensino e
aprendizagem. Diante destes referenciais é
que a ação psicope-dagógica será proposta e
desenvolvida.
Isto, também contribui para que se
possa situar a psicopedagogia como uma área
de conhecimento interdisciplinar. Neste sentido temos que a psicopedagogia, além de ter o
seu referencial na Psicologia e na Pedagogia,
ela também considera as valiosas contribuições, de outras áreas de conheci-mento como
a Antropologia, a Sociologia, a Fonoaudiologia, a Medicina, a Neurologia, a Lingüística.
Desta forma se valoriza a construção de uma
educação mais ampla que integre as diversas
áreas de conhecimento, na construção dos saberes do aluno.
A prática psicopedagógica prevê além
da atuação em clinicas, a atuação em instituições. De modo geral, o atendimento clínico
visa intervir em situações de insuces-sos que
já se apresentam instaladas. A atuação institucional ocorre, geralmente, em instituições
de ensino, empresas, organizações assistenciais. Esta forma de atuação apresenta um caráter preventivo que visa evitar ou minimizar
possíveis situações de insucessos.
Na prática institucional preventiva, um
dos aspectos que merece destaque tem sido a
dificuldade dos psicopedagogos em propor
procedimentos de avaliação e de intervenção.
Esta questão também é uma das preocupações
de Bossa (2000) ao enfatizar que uma das dificuldades práticas com que se deparam os
psicopedagogos brasileiros, reside nos procedimentos diagnósticos para a intervenção. Segundo a autora, a indefinição quanto ao instrumental utilizado no trabalho psicopedagógico merece ser pensada, de forma que
novas perspectivas possam daí surgir e atender as reivindicações inerentes à atividade
psicopedagógica. Ela também acrescenta que
vários autores já se debruçaram sobre esta
questão, entretanto enfatiza que ainda há muito por se fazer.
Neste mesmo sentido, quanto aos procedimentos de diagnóstico e intervenção, apresentamos as recentes inquietações de Rubinstein e colaboradores (2004) e Masini
(2006). Estas estudiosas enfatizam que a diversidade de práticas psicopedagógicas em
função da ampliação do campo de atuação do
psicopedagogo impõe o desafio da realização
de novos estudos. Esses estudos poderiam se
iniciar junto aos cursos de formação do psicopedagogo se estendendo aos programas for-
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mais de pesquisa desenvolvidos nas universidades, especialmente junto a grupos de pósgraduação. Isto contribuiria para obtermos
uma visão mais aprofundada que expressasse
as atuais tendências da prática psicopedagógica brasileira.
Assim diante destas e de outras considerações, o interesse pelo tema psicopedagogia amplia-se e articula-se à experiência de
uma das pesquisadoras que atua como professora universitária e coordenadora de curso de
psicopedagogia em uma instituição particular
de ensino. Merece também destaque, o fato de
que este tema se converteu em projeto de pesquisa de doutorado, culminando na elaboração deste artigo entre orientadora e orientanda, junto ao programa de pós-graduação em
psicologia.
Nesta perspectiva, o presente estudo ao
pretender desenvolver uma investigação sobre
a atual prática do psicopedagogo utilizou como referencial além de um levanta-mento bibliográfico sobre o tema, uma investigação
com professores que também são psicopedagogos e que estejam atuando em diferentes
instituições de ensino públicas e particulares.
Entendemos que isto nos auxilia a melhor
compreender os diversos limites e possibilidades da atuação psicopedagógica institucional preventiva no nosso país.
1. O Objeto de estudo, os fundamentos e as
relações da psicopedagogia
Existe consenso entre vários estudiosos da psicopedagogia, dentre eles Fernández (1994), Kiguel (1990), Macedo
(1992), Rubinstains e colaboradores (2004),
Massini (2006) Visca (2002), e outros, de que
a psicopedagogia desde a sua origem tem situado o seu objeto de estudo junto às quêstões diretamente relacionadas à aprendizagem.
Respeitando-se os estudos, o contexto,
as particularidades, dentre outras questões,
destacamos as contribuições de Macedo
(1992) e Visca (1987), que ao enfatizarem o
objeto de estudo da psicopedagogia consideram especialmente as questões de origem
metodológica, dentre elas, o como?; o quan-
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do? o por que?; o para que?; se ensina e se
aprende. Com isto a visão positivista de educação cede espaço a uma concepção de ensino
e de aprendizagem decorrente da epistemologia genética. Este novo enfoque, realça a
construção do conhecimento por meio do aprender fazendo. Com isto passa-se a considerar as etapas de desenvolvimento cognitivo do
aprendiz.
Isto segundo Kiguel (1990: 39), vem
favorecer a “[...] compreensão do fenômeno
da aprendizagem de forma a integrar as várias
áreas do conhecimento, considerando ainda,
os diferentes níveis evolutivos.” Este mesmo
estudioso sugere que será pela interdisciplinariedade, ou seja, por meio da conjugação
de esforços das várias áreas do conhecimento
e conseqüentemente de vários especialistas,
que se poderá intervir no complexo fenômeno
da aprendizagem humana.
Assim, ao considerarmos a psicopedagogia como uma área de conhecimentos sensível a questões relativas do processo educacional e a contextualizarmos a partir de seus
referenciais teóricos, nos defrontamos especialmente com as inegáveis contribuições da
psicologia e da pedagogia. Segundo Visca
(1987), a psicopedagogia foi sendo construída
como uma área de conhecimento ao mesmo
tempo independente e complementar da pedagogia, por considerar as questões metodológicas e em especial o trabalho docente. E em
relação à psicologia, por considerar especialmente, as contribuições das escolas psicanalíticas, piagetiana e da psicologia social, por
meio de Enrique Pichón-Rivière. A partir destes referenciais, a psicopedagogia enfatiza os
aspectos cognos-citivos, afetivos, emocionais,
sociais, além de outros.
Portanto partimos da premissa de que
a construção de conhecimentos não pode se
limitar a contribuições isoladas de qualquer
área que seja, mas sim da inter-relação entre
elas em função de um objetivo maior. Assim,
a psicopedagogia entendida como uma área
de conhecimentos, geradora de uma prática
interdisciplinar, não pode ignorar as contribuições das várias áreas de conhecimentos.
Diante disto, Lima (1990: 19), apresenta a importância de um “dialogo confronto
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especialmente entre a psicologia e a pedagogia de forma que se faça algo mais efetivo em
função do sujeito cognoscente”. Desta forma,
não se trata de substituir a psicologia pela psicopedagogia, pedagogia, antropologia, filosofia, lingüística, biologia, fonoaudiologia, medicina, ou por qualquer outra área de conhecimento. Entendemos assim que a busca por
melhorias educacionais passa pela articulação
das diversas áreas em busca de significados
para a atuação profissional. Neste sentido estamos incluindo também a atuação psicopedagógica que, no nosso entender, em muito
pode contribuir com o sucesso da dinâmica
educador-conhe-cimento-educando.
Dentre os estudiosos que abordam as
contribuições das várias áreas de conhecimento à área da psicopedagogia, destacamos as de Bossa (2000), e de Stroili (2001).
Assim, segundo os estudos desenvolvidos,
sobre este tema, temos alguns subsídios que
se destacam. Dentre eles, os: da pedagogia
que ao estudar as diversas abordagens do processo de ensino e aprendizagem procura embasar a ação docente; da epistemologia e da
psicologia genética que analisa e descreve o
processo de construção do conhecimento pelo
sujeito em interação com outros e com os objetos; da psicologia social que se preocupa
com as relações familiares, grupais, institucionais, com as interferências socioculturais e
econômicas que permeiam a aprendizagem;
da neuropsicologia que possibilita a compreensão dos mecanismos cerebrais que servem
de base para o aprimoramento das atividades
mentais; da psicanálise que aborda o mundo
do inconsciente, das representações, que se
expressa por meio de sintomas e símbolos; da
lingüística que traz a compreensão da línguagem, da língua enquanto código disponível
aos membros de uma sociedade.
Com isto, tomando como referencial a
idéia de complementaridade das funções em
busca de articulá-las as diversas áreas do conhecimento humano para a compreensão do
fenômeno educacional, temos que a psicopedagogia, segundo Fagali (1998), se caracteriza
como uma área de atuação interdisciplinar
desenvolvida por meio das modalidades, clinica e institucional.
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A atuação clinica na psicopedagogia
apresenta um caráter terapêutico, inferindo a
idéia de cura, de resgate da saúde do aprender. Neste sentido, ela atende aos portadores
de dificuldades de aprendizagens, que já se
encontram instaladas. Nada impede, porém
que ao se diagnosticar e proceder a intervenção, visando eliminar ou minimizar os problemas, também se atue de forma a prevenir
outras, possíveis dificuldades. Neste sentido,
o trabalho psicopedagógico na clinica, pode
também ser considerado um trabalho preventivo. Com isto, o psicope-dagogo atua inicialmente realizando o diagnóstico da situação
problema para, em seguida buscar as formas
mais adequadas para a intervenção. O diagnóstico visa principalmente investigar os
quês? e, por quês?, de determinadas situações. A fase de intervenção visa a busca das
melhores opções de procedimentos para se
efetivar a ação.
Na atuação institucional, segundo Fagali (1998), a ênfase do trabalho psicopedagógico reside na construção de conhecimentos
desenvolvidos em nível preventivo. Este trabalho pode ser realizado em diversas frentes
institucionais visando evitar o desenvolvimento de possíveis problemas de aprendizagem ou de outras situações que possam comprometer a educação para a vida social. Dentre as possibilidades de atuação institucional
do psicopedagogo temos trabalhos na área
hospitalar, empresarial, familiar, escolar, e
outras.
Em especial, enfocaremos a atuação
psicopedagógica institucional e neste sentido
podemos constatar que, em grande parte das
instituições, o ‘fazer psicopedagógico’ ocorre, de modo geral, tendo como referencial três
vertentes. A primeira, quando o psicopedagogo é contratado temporariamente, para uma
assessoria psicopedagógica. Neste trabalho,
geralmente as intervenções ocorrem diretamente junto ao grupo de docentes que por sua
vez, estão em busca de metodologias diferenciadas de trabalho, visando um melhor aproveitamento escolar por parte do aluno. A assessoria pode se dar também junto a pais ou
familiares de alunos que apresentam possíveis
dificuldades de aprendizagem. Neste caso,
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geralmente ocorre o encaminhamento para um
atendimento psicopedagógico fora do ambiente escolar. Diante disto, o psicopedagogo dificilmente irá criar vínculos com o grupo, uma
vez que seu trabalho, na maior parte dos casos, é esporádico, ou seja, se restringe a encontros semanais, quinzenais e até mesmo
mensais.
A segunda vertente se dá quando a
instituição escolar contrata o psicopedagogo
para integrar a sua equipe de trabalho. Ao atuar junto a equipe escolar, geralmente composta por diretores, coordenadores, orientadores educacionais, professores, alunos, pais,
familiares e outros segmentos o psicopedagogo tem a oportunidade de interagir diretamente com o cotidiano das ações desenvolvidas na
instituição. Neste caso, ele passa a realizar um
trabalho em conjunto com outros profissionais, contribu-indo assim, dentre outras questões, com: o desenvolvimento de estudos e
reflexões sobre os materiais didáticos escolhidos e utilizados; a organização e seleção dos
temas de ensino; o processo metodológico e
avaliativo; as situações de sucessos e insucessos escolares; os relacionamentos interpessoais e outros temas e questões que sejam de
interesse e necessidade da instituição. O psicopedagogo também além de desenvolver trabalhos sistemáticos junto a equipe escolar pode atuar junto a grupos de pais, ou como alguns estudiosos preferem, junto a ‘escola de
pais’. Neste caso, dentre outros, o objetivo
maior seria a busca de melhorias nas relações
entre pais e filhos frente aos desafios de um
mundo em constante mudança.
Na terceira vertente temos a presença
do professor-psicopedagogo, cuja atuação irá
ocorrer diretamente com alunos em sala de
aula. Isto certamente favorecerá, um relacionamento de proximidade, de confiança propiciando um melhor conhecimento das possíveis dificuldades de aprendizagem dos alunos.
Possibilidade semelhante a esta tem sido alvo
dos recentes estudos dos pesquisadores franceses Hétu e Carbonneuau (2002), que investigam as contribuições dos psicopedagogos no
processo de gestão da sala de aula em instituições de ensino da França. Esses pesquisadores
enfatizam, dentre outras questões, a importân-
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cia do processo integrado de gestão no interior da sala de aula visando um melhor aproveitamento educacional.
Desta forma, ao considerarmos os trabalhos do professor-psicopedagogo, no interior da sala de aula, temos que ele poderá intervir, dentre outras questões, no sentido de
prevenir ou minimizar possíveis dificuldades
de aprendizagem. Esta tendência se constitui
no aspecto central, portanto de maior interesse
neste trabalho, pois se vincula diretamente a
nossa intenção de investigar o desenvolvimento da prática do professor-psicopedagogo.
Nele estaremos enfatizando os possíveis instrumentos utilizados no processo de avaliação
e intervenção, visando a realização de uma
prática institucional preventiva.
2. Algumas concepções de prevenção e prevenção em psicopedagogia
As primeiras concepções sobre prevenção, historicamente aparecem associadas à
idéia de saúde, a idéia de bem estar físico e
emocional. Entretanto, Durlak (1997) conceitua a prevenção como um conhecimento multidisciplinar que envolve as diversas áreas de
conhecimentos, dentre elas a educação, a psicologia, a medicina, a sociologia, além de outras. Isto se justifica em função da multicausalidade dos fatores e dos objetivos que devem
contemplar, os programas de prevenção, em
função das necessidades pessoais ou dos grupos. Diante disto, os trabalhos preventivos
deverão considerar objetivos múltiplos, dentre
eles os de: evitar o aparecimento de problemas, evitar que os problemas já existentes se
agravem, reduzir a gravidade de novos problemas ou mesmo, retardar o desenvolvimento do problema.
Historicamente temos, segundo Albee
e Gullotta (1997), que as primeiras propostas
formais de intervenção em sentido preventivo,
consideraram o aspecto mental, emocional e
educacional. Essas ações ocorreram no século
XX e tiveram como referencial a segunda
guerra mundial e a guerra do Vietnã. Assim
ao final dos anos setenta, os Estados Unidos
foi o primeiro país a oficializar a criação da
primeira comissão de prevenção à saúde. Esta
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proposta envolvia a participação de diversos
profissionais, dentre eles, os médicos, os paramédicos, os psicólogos, os educadores que
atuavam junto a vitimas de problemas emocionais. Dentre os problemas mais comuns,
entre as vítimas das guerras, estavam a pobreza, a depressão, a raiva, a discriminação, o
desemprego. Com o tempo as ações preventivas se ampliaram e passaram a ser desenvolvida junto a famílias e instituições escolares,
não somente para as vitimas da guerra, mas
sim em sentido preventivo, para toda a comunidade.
Desta forma se amplia a importância e
a necessidade do desenvolvimento de programas de intervenção. Os estudos e pesquisas sobre este tema também se expandem.
Com isto, podemos encontrar em Albee e Joffe (1977) uma das mais significativas contribuições, ao proporem diferentes níveis para
um trabalho preventivo. Assim segundo estes
autores, temos a prevenção primária, a secundária e a terciária. A prevenção primária se
constitui de ações a serem realizadas visando
evitar as situações problemas. Elas ocorrem
especialmente por meio do desenvolvimento
de programas educacionais. Esses programas
são destinados à todos e não somente a um
determinado grupo da população. A prevenção secundária consiste em, após o diagnóstico de um determinado problema, propor uma
intervenção focalizada a um determinado grupo. Com isto ela tem por objetivo proteger
determinadas populações de risco. A prevenção terciária é mais ampla que as anteriores
tendo por objetivo a intervenção em populações ou grupos onde os problemas já estão
instalados. Desta forma ela visa reduzir os
efeitos, as conseqüências desses problemas.
Diante disto, podemos constatar a importância das ações de prevenção, em especial
da prevenção primária, pela possibilidade de
se trabalhar de forma ampla, ou seja, com toda a população. Isto contribuiria para evitar o
surgimento de possíveis problemas, para impedir a instalação de situações indesejáveis,
antes mesmo que elas se manifestem concretamente. Programas como este também colabora para o envolvimento e conseqüente
comprometimento da coletividade, o que cer-
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tamente implicará em melhorias sociais. Com
isto, podemos observar que o nível de maior
abrangência para o desenvolvimento das ações psicopedagógicas preventivas é o que vai
atuar junto aos processos educativos no sentido de evitar ou diminuir os problemas de aprendizagem.
2.1. Intervenção psicopedagógica institucional preventiva
Ao tomarmos como referencial os níveis de prevenção, Bossa (2000) propõe três
níveis de intervenção psicopedagógica. No
primeiro nível, o psicopedagogo atuaria junto
aos processos educativos visando evitar os
possíveis problemas de aprendizagem. Para
isto, é proposto um trabalho que considere as
questões didático-metodológicas, e também a
formação e a orientação de professores, além
do aconselhamento aos pais. No segundo nível, a finalidade esta em, ao mesmo tempo,
diminuir e tratar os problemas de aprendizagem que já se encontram instalados. Para isto,
a proposta reside na elaboração de um diagnóstico da realidade institucional, a partir daí
se iniciaria a elaboração dos planos de intervenção. Esse plano deverá considerar tanto o
currículo como o trabalho dos professores,
visando evitar que os problemas, os transtornos, se repitam. No terceiro nível, o objetivo
consiste na eliminação dos trans-tornos que
já se encontram instaladas. Neste caso, o caráter preventivo estaria em prevenir o aparecimento de outros problemas, decorrentes ou
mesmo diferentes dos já eliminados. Para isto,
a proposta de intervenção deverá ser a de propor alternativas para minimizar as decorrências dos problemas, além de atuar para prevenir o surgimento de outras conseqüências.
Ao ampliar essas idéias, e enfatizar
concretamente a elaboração de ações para o
desenvolvimento de propostas de intervenção
em nível preventivo, com o objetivo de aprimorar o processo de construção do conhecimento, Fagali e Vale (1994) também propõe
algumas alternativas. Essas alternativas consideram a importância da: revisão dos programas curriculares das instituições bem como a articulação dos mesmos aos aspectos
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afetivo-cognitivos; atenção para a utilização
de diferentes formas de trabalhar o conteúdo
programático; elaboração de diversos materiais para uso do próprio aluno de forma a integrar o raciocínio, a afetividade, a cognição, o
conhecimento.
Assim, a intervenção psicopedagógica
preventiva proposta, toma como referencial a
ação curricular e os aspectos afetivo-cognitivos dos aprendizes. No que se refere a questão curricular, se torna evidente a necessidade
do desenvolvimento de práticas que sensibilizem os docentes sobre a importância da reflexão critica e possível revisão de: concepções
de educação; orga-nização e seleção dos conteúdos de ensino; metodologia e avaliação.
Aliado a isto se destaca a importância de se
considerar a existência de vínculos afetivoemocionais, como possíveis elementos facilitadores do processo de ensino e aprendizagem.
Entretanto, se torna oportuna a constatação de que as propostas apresentadas, apesar
de serem muito adequadas e pertinentes, nas
ações que são sugeridas, para a intervenção
psicopedagógica institucional, não se considera a possibilidade, do professor ser um psicopedagogo. Neste sentido partimos do pressuposto de que, em tese, o professorpsicopedagogo, sendo um profissional especializado e estando diária-mente inserido no
ambiente da sala de aula, poderia também intervir preventivamente.
Esta nova configuração, em principio,
oportunizaria a reflexão e a possibilidade de
revisão da prática do professor-psicopedagogo e talvez, até mesmo da proposta pedagógica da instituição. Diante disto, consideramos que, este profissional estaria mais
sensível a buscar propostas de trabalho que,
ao mesmo tempo em que, atendessem aos interesses e necessidades pessoais e sociais de
seus alunos, propicias-sem possíveis melhorias nos relacionamentos e no próprio ato de
ensinar e de aprender. No que se refere ao aluno, esse professor especializado em psicopedagogia por meio do convívio diário, poderia, dentre outras questões, estar atento para
melhor auxiliar no desenvolvimento cognitivo, afetivo, emocio-nal, psicomotor, dos mes-
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mesmos. Desta forma, o professorpsicopedagogo também estaria trabalhando no
sentido de fortalecer as relações do grupo, não
deixando de considerar a influência da escola,
da família e da sociedade.
Ao abordarmos a importância da prevenção e da intervenção psicopedagógica, não
podemos ignorar a fase que precede a essas
ações. A etapa de avaliar, ou seja, a avaliação
psicopedagógica, que deverá anteceder a toda
e qualquer proposta de intervenção, seja ela
clinica ou institucional.
A avaliação psicopedagógica, de modo geral, aparece associada a uma queixa.
Segundo Barbosa (2001), os sintomas registrados em uma queixa, são em princípio, originários das observações desencadeadas na
instituição. Essas observações deverão, por
um lado, considerar as atitudes da criança ou
adolescente ao assistirem as aulas, durante os
intervalos e recreios, nas atividades extra
classe, nos relacionamentos com os colegas e
professores. Por outro lado, na avaliação psicopedagógica a instituição de ensino também
deverá ser considerada. Desta forma, a análise
da adequação dos materiais didá-ticos, da
proposta pedagógica, da método-logia, da avaliação, associadas a entrevistas com professores, tem se constituído em importante instrumento de avaliação.
Assim diante das diversas possibilidades de intervenção psicopedagógica, podemos constatar, que no Brasil os recursos
mais utilizados para a avaliação na instituição,
têm sido as entrevistas, as observações, os
inventários, as pesquisas, as dinâmicas grupais e em especial os jogos pedagógicos.
Comtudo a importância da ação psicopedagógica preventiva, deverá sempre considerar a subjetividade do aluno, bem como as
particularidades de cada situação, além da
complexidade dos fatores que a permeiam.
Uma realidade diferente da brasileira,
no que se refere a avaliação e intervenção psicopedagógica, pode ser encontrada na Argentina. Neste país, é prática comum, o psicopedagogo utilizar, tanto na clinica como na
instituição, diversos testes como instru-mento
para a avaliação do aluno. Entretanto o refe-
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rencial para o atendimento tanto clinico como
institucional está na família e na escola.
Desta forma, as propostas de intervenção, de modo geral, se iniciam a partir de entrevistas estruturadas ou semi-estrutu-radas
com pais ou familiares, com os docentes ou
coordenadores das escolas e com o aluno. Essas entrevistas se constituem em uma anamnese que, com os pais ou familiares, tem por
objetivo principal conhecer o histórico de vida do aluno e as relações que permearam essas histórias. As entrevistas com os docentes,
coordenadores ou orientadores, visam obter
informações sobre o processo de ensino e aprendizagem, conhecer a proposta da instituição, a metodologia, a avaliação, o material
didático, e especialmente as relações professor e aluno e entre os alunos. A entrevista inicial com o aluno, dentre outros, tem por objetivo o levantamento de hipóteses sobre os
comportamentos, os relaciona-mentos, os interesses, e até mesmo os pos-síveis silêncios
do aluno diante de algumas questões.
Juntamente com a entrevista, o psicopedagogo argentino, também utiliza com as
crianças, alguns instrumentos específicos de
avaliação. Dentre os instrumentos que irão
nortear as propostas de intervenção psicopedagógicas estão os testes de inteligência, as
provas de nível do pensamento ou também
chamadas de piagetianas, a avaliação do nível
pedagógico, a avaliação perceptomotora, os
testes projetivos, os testes psicomotores e outros.
Também merece destaque como forma de instrumento mais amplo e subjetivo de avaliação
o que Fernández (1990: 44) denomina de “o
olhar e a escuta psicopedagógica”. Segundo a
autora, essa postura é revelada por meio da
disponibilidade do psicopedagogo ouvir atentamente a família, a instituição escolar e o aluno visando formular hipóteses sobre determinados fatos, situações, contextos.
Temos ainda que o referencial teórico
mais utilizado na avaliação psicopedagógica
argentina, é o da “Epistemologia Convergente em Psicopedagogia” . Nesta proposta o
psicólogo argentino Visca (2002) parte da
concepção de que a psicopedagogia conver-
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gente deve considerar as contribuições das
escolas de Genebra, da Psicanalítica e da Psicologia Social. Dentre outros fatores, os trabalhos da escola de Genebra subsidiariam os
fundamentos sobre a construção do conhecimento, os da escola psicanalítica auxiliariam
na explicação de questões relaci-onadas a afetividade e os trabalhos da psicologia social
enfocariam as questões culturais, os processos
grupais e suas relações com o individuo.
Assim, ao abordarmos a diversidade
de recursos da avaliação psicopedagogia institucional na Argentina e confrontá-la com a
realidade da avaliação psicopedagógica no
Brasil, podemos constatar a existência de um
enorme distanciamento entre elas. Talvez a
mais significativa diferença relacionada à avaliação e intervenção psicopedagógica resida
na própria questão da formação do psicopedagogo. Na Argentina os cursos que formam
o psicopedagogo apresentam disci-plinas comuns nos dois primeiros anos à formação do
psicólogo e do psicopedagogo. Além disso,
os currículos dos cursos de psicopedagogia
apresentam uma significativa carga horária
para disciplinas de técnicas de diagnóstico
psicopedagógico, diagnóstico psicopedagógico institucional, intervenção psicopedagógica
em instituições escolares, além de outras disciplinas. Isto, dentre outros fatores, favorece a
possibilidade da liberação do o uso de testes
tanto para os psicólogos como para os psicopedagogos argentinos, além de propiciar uma
melhor possibilidade de preparação para o
exercício profissional.
No Brasil a avaliação por meio do uso
de testes psicológicos, de inteligência, projetivos e outros, são de uso exclusivo dos psicólogos. No nosso entender isto é muito coerente, especialmente com os pressupostos que
norteiam a formação do psicopedagogo no
Brasil que é muito diferente dos valorizados
em alguns outros paises. Assim temos que
dentre outros paises, na Argentina, a formação básica do psicopedagogo ocorre após quatro anos de estudos, em nível de graduação.
Em continuidade a formação inicial, são propostos cursos de especia-lização, mestrado ou
doutorado.
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Na França, a formação inicial ocorre
por meio dos programas de ciências da educação. A formação continuada ocorre nos cursos
de pós-graduação na área de psicopedagogia.
Isto caracteriza uma enorme diferença em relação a atual formação do psicopedagogo no
Brasil. Podemos afirmar que, exceto raríssimas exceções, são os cursos de especialização, geralmente com duração de aproximadamente 360 horas distribuídas em um ano
letivo, que teoricamente formam o psicopedagogo brasileiro. Não podemos nos esquecer
também que estes cursos de especialização
recebem profissionais de diversas formações
iniciais, porém de ‘áreas afins’. Isto certamente se constitui em um diferencial altamente
significativo, para o exercício desta atividade,
que já se inicia na formação, perpassa pela
atuação e reflete diretamente na identidade e
na questão da regulamentação da profissão.
No Brasil a psicopedagogia não possuem o status de profissão regulamentada, ela
esta oficialmente catalogadas, junto ao Código Brasileiro de Ocupação – CBO, como uma
ocupação. Este fato não desmerece o trabalho
do psicopedagogo. Ao contrário, partimos do
pressuposto de que este posicionamento além
de mais coerente em sentido educacional contribui para se evitar dificuldades que esbarram, sobretudo, na construção da identidade e
da legalidade para o exercício profissional.
Se por um lado o exercício da psicopedagogia
esbarra na questão da legalidade, por outro
lado, temos também a realidade de que vários
municípios, especialmente nos estados do Sul
e de São Paulo, ignoram o reconhecimento da
profissão e realizam concursos públicos para
psicopedagogos. No estado de São Paulo,
também temos a aprovação do projeto lei n.º
128/2000, que estabelece a assistência psicológica e psicopedagógica em todas as instituições de ensino básico, abrindo a possibilidade
do psicopedagogo se integrar profissionalmente na área educacional. Acreditamos que,
fatos como estes contri-buem com idéias popularmente dissemi-nadas entre os psicopedagogos de que, apesar da psicopedagogia ainda
não ter conquistado o status de ser uma pro-
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fissão regulamentada no nosso país, ela encontra-se legitimada.
Desta forma, a questão da formação
interfere diretamente na avaliação psicopedagógica perpassando pela possibilidade de
construção e sedimentação de um referencial
teórico que irá servir de parâmetros para a
organização de instrumentos avaliativos e,
sobretudo para analises dos resultados obtidos.
3. Objetivos
Diante do exposto são objetivos deste
estudo descrever e analisar a prática de professores que também são psicopedagogos,
investigar seus possíveis limites e possibilidades. São objetivos específicos:
• caracterizar o professor – psicopedagogo, a
partir de alguns dados pessoais e profissionais;
• identificar a instituição em que estes profissionais estão atuando;
• descrever a prática cotidiana do professor psicopedagogo;
• verificar a opinião dos entrevistados sobre as influências da formação inicial na
prática psicopedagógica;
• verificar os trabalhos de intervenção psicopedagógica preventiva e os procedimentos de diagnósticos mais utilizados;
• descrever as propostas de intervenção psicopedagógica considerada como bem sucedida;
• identificar, segundo os participantes, as
contribuições da psicopedagogia institucional preventiva, os seus desafios e suas
sugestões, para a obtenção de melhorias
na prática psicopedagógica.
4. Metodologia
Assim, visando atingir os objetivos
propostos buscamos, por meio da trajetória
metodológica, dos relatos e das ações, descrever os limites e as possibilidades da prática
cotidiana do professor – psicopedagogo. Para
isto utilizamos como referencial os dados obtidos por meio de questionário semi estrutura-
123
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do além da análise qualitativa para os dados
obtidos.
Para isto, utilizamos inicialmente um
pré-teste com dois psicopedagogos, tivemos
com isto, o objetivo de verificar validade do
instrumento. Diante dos resultados obtidos, o
instrumento sofreu pequenas adequações visando atender ao novo universo da pesquisa
que passou a considerar o grupo de professores – psicopedagogos que deveriam estar atuando em sala de aula, junto ao Ensino Fundamental, em instituições publicas ou particulares do estado de São Paulo.
Participantes
Os dez professores – psicopedagogos
participantes desta pesquisa, foram convidados pela pesquisadora, para que pudéssemos
obter um universo variado em termos de tempo de experiência profissional e de realidades
de instituições de ensino.
Os entrevistados foram escolhidos intencionalmente em função de pertencerem a
diferentes realidades educacionais e atenderem aos objetivos da pesquisa. Isto segundo
Thiollent (1986), se apresenta como um princípio perfeitamente adequado ao contexto de
uma pesquisa que enfatiza aspectos qualitativos. Apesar do convite, a participação na pesquisa, se deu de forma voluntária, sendo possível que o participante se retirasse em qualquer momento sem que houvesse nenhuma
espécie de penalidade ou ônus. Também foi
destacado o nosso compromisso em respeitar
a privacidade e o sigilo em relação aos dados
ou informações obtidos, bem como o nosso
objetivo de retornar aos participantes os resultados obtidos com este trabalho.
apresentou três partes, sendo que na primeira
buscamos informações referentes a dados pessoais dos entrevistados. Na segunda parte,
buscamos situar o professor – psicopedagogo
quanto a sua formação inicial e continuada e
seu tempo de atuação. Na terceira parte, enfocamos os relatos sobre a atuação profissional
e a possível existência de intervenções psicopedagógicas preventivas.
Procedimento
No contato inicial com os participantes apresentamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este termo foi
aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa,
por meio do protocolo 362/06, tendo também
sido registrado junto a Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa – CONEP, por meio da folha de rosto – FR 97120. Ao apresentarmos o
termo aos participantes da pesquisa, ressaltamos a importância do registro de aceite, bem
como explicitamos os objetivos da mesma
além da forma de participação dos envolvidos, e do caráter sigiloso das informações a
serem obtidas. Enfatizamos assim que todo o
desenvolvimento da pés-quisa considerou a
preservação da integridade física, cognitiva,
afetiva e moral dos partici-pantes. Atendendo
assim as normas éticas implícitas nas pesquisas com seres humanos.
Os procedimentos utilizados na pésquisa foram desdobrados nas seguintes etapas:
•
•
Material
O material utilizado consistiu de um
questionário semi-estruturado. Os participantes da pesquisa tiveram acesso a este instrumento de diferentes formas, conforme a manifestação explicitada. Assim o questionário
chegou aos participantes, nos meses de março
e abril de 2007, via correio eletrônico ou pessoalmente, isto é em mãos. O questionário
© Ciências & Cognição
•
Elaboração de pré-teste. O pré-teste foi
realizado de forma voluntária com dois
psicopedagogos;
Contato inicial com os professores – psicopedagogos. Neste encontro, foram apresentados os objetivos do trabalho de pesquisa, sendo questionado o interesse ou
não em participar da mesma. Em caso afirmativo, o termo de consentimento livre
e esclarecido foi entregue, formalizando
assim a concordância na participação;
Encaminhamento dos questionários. Essa
etapa ocorreu para os pesquisados que no
contato inicial manifestaram o desejo de
colaborarem com a pesquisa. Conforme a
opção de cada participante, o questionário
124
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•
já foi entregue ao final do contato inicial
para que depois de respondido, fosse devolvida por meio de correio, via carta selada. Para outros participantes que desejaram responder por correio eletrônico, foi
solicitado o e-mail pessoal, sendo o questionário encaminhado posteriormente;
Sistematização e análise dos dados obtidos.
5. Resultados e discussão
Os entrevistados são todos professores
– psicopedagogo pertencentes ao sexo feminino com idades entre 26 a 50 anos. Do total
de entrevistados, 60% são formados exclusivamente em pedagogia, 20% fizeram cursos
de licenciatura, sendo, português e inglês e
matemática, 10% possui dupla formação, publicidade e propaganda e pedagogia e 10%
apresenta a formação em psicologia.
Neste último caso, podemos constatar
a existência do psicólogo, atuando como professor em sala de aula. Isto não nos causou
grande surpresa, pois é de conhecimento público, a existência de vários outros profissionais que embora não apresentem a formação
desejada para a atuação, desenvolvem seus
trabalhos como coordenadores, como orientadores educacio-nais e até mesmo como gestores, especial-mente junto a instituições particulares de ensino. Para isto, partimos do pressuposto de que, neste caso, embora não se justifique, o curso de psicopedagogia deve ter
contribuído para auxiliar na preparação deste
profissional para o desempenho da função de
professor - psicopedagogo.
Temos também que 70% dos entrevistados realizaram seus cursos de formação
inicial em instituições particulares e 30% são
provenientes de instituições públicas de ensino. O tempo de formação inicial dos entrevistados varia entre dois anos a vinte e dois anos.
Dos participantes, 90% atuam na formação de
origem e somente 10% não atua na formação
de origem. Também temos uma variação que
compreende a faixa de um a nove anos, para o
tempo de formação como especialista em psicopedagogia.
© Ciências & Cognição
Em relação a instituição de Ensino
Fundamental em que os participantes atuam
como professores – psicopedagogos, temos
que 50% delas são instituições de origem
pública, 40% de origem particular. Temos
também 10% do total de participantes que atuam ao mesmo tempo em instituição publica
e particular.
Ao relatarem como desenvolvem os
seus trabalhos os entrevistados indicaram como principais procedimentos metodoló-gicos:
aula teórica, aula prática (jogos variados, musica, alfabeto móvel), exercícios de compreensão e aplicação, leitura e releitura de textos,
produção de textos. Os recursos didáticos relatados foram: livro didático, livro paradidático, materiais concretos, televisão e vídeo.
Os dados obtidos revelam a predominância de duas áreas de conheci-mentos, a de
língua portuguesa e a de matemática. Isso ocorreu apesar de contarmos somente com um
entrevistado formado em língua portuguesa e
um formado em matemática que atuam especificamente nestas áreas de conhecimento. Os
demais estão atuando preferencialmente nestas áreas, no ensino de 1ª. a 4ª.série. Podemos
considerar que isto já era esperado em função
das orientações da atual LDB 9394/96, que no
artigo 32, enfatiza que o Ensino Fundamental,
dentre outros, deverá ter por objetivos o desenvolvimento da capacidade de aprender,
tendo como meios básicos o pleno domínio da
leitura, da escrita e do cálculo. Desta forma se
ressalta o desenvolvimento das habilidades
diretamente ligadas à essas áreas. Justamente
as duas áreas de conhecimento mais enfatizadas pelos entrevistados.
Entretanto, se por um lado a atual
LDB ressalta a importância de um trabalho
nas áreas de língua portuguesa e matemática,
por outro lado, no mesmo artigo 32, da LDB,
outros objetivos são propostos. Dentre eles
destacamos os relacionados à compreensão do
ambiente natural e social do sistema político,
da tecnologia, das artes e dos valores em que
se fundamenta a sociedade. Neste sentido
também se valoriza o trabalho com outras áreas de conhecimentos, como as de ciências
naturais, história, geografia, artes. Entendemos como altamente significativa essa falta
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de referências a outros componentes curriculares. Esperamos que isto não signifique a ausência de um trabalho com as áreas de ciências, história, geografia, dentre outras, pelos
professores – psicopedagogos, em detrimento
da exclusividade para a realização de um trabalho isolado somente com as áreas de língua
portuguesa e de matemática.
Os procedimentos metodológicos
mais utilizados pelos entrevistados são a aula
teórica, a aula prática, exercícios de compreensão e aplicação, leitura e releitura de textos,
produção de texto. No nosso entender são
procedimentos viáveis que devem ser utilizados de forma variada. Entretanto, independentemente do procedimento que se utilize, enfatizamos a importância de que o professor psicopedagogo incentive os alunos para que
registrem as atividades desenvol-vidas. Esta
estratégia se constitui em um referencial significativo, pois auxilia na melhor compreensão dos temas estudados, possibilitando a organização de idéias e estimulando a aprendizagem dos alunos. Ela também pode se constituir em parte do processo avaliativo.
Partindo do referencial de que os professores - psicopedagogos utilizam nas aulas
práticas, materiais concretos, recorre-mos a
Lorenzato (2006), que se refere aos materiais
concretos como recursos didáticos que agem
diretamente no processo de ensino e aprendizagem, dependendo dos objetivos a serem atingidos. Assim é de fundamental importância
que ao utilizar esses materiais em sala de aula,
o professor planeje muito bem o seu trabalho,
selecione e organize os conteúdos a serem
desenvolvidos bem como a possibilidade de
utilização dos mesmos. Diante disto, se torna
interessante ressaltar a importância de um trabalho com uma grande variedade de materiais
concretos bem como, com a exploração de
atividades diversas com um mesmo tipo de
material, atendendo assim as diferentes, mas
complementares áreas de conhecimentos.
Assim, diante dos dados obtidos junto
aos entrevistados, seria altamente relevante
que o professor - psicopedagogo construísse
uma prática apoiada em sólidos referenciais
teóricos e que ao exercê-la, não se limitasse
ao ensino de língua portuguesa e matemática.
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Outro diferencial a ser considerado na prática
do professor - psicopedagogo, se refere a opção de escolha do material didático a ser utilizado. Assim, mesmo que a instituição escolar
imponha determinados materiais e recursos
didáticos, em especial, o livro didático, que o
professor - psicopedagogo não se detenha a
este único material. Que ele tenha a sensibilidade de possibilitar aos seus alunos a experiência de trabalhar com diferentes materiais,
por meio de diversos procedimentos metodológicos. Também seria fundamental que o
professor – psicopedagogo considerasse a
possibilidade da efetivação da avaliação diagnóstica. Ela poderia se consti-tuir em um projeto, visando inicialmente, dentre outras questões, a própria organização do como e do
quando seria mais oportuno realizá-la. Neste
sentido esta proposta possibilitaria melhor
situar o aluno, frente as diferentes áreas de
conhecimentos, além de se transformar em
um recurso de trabalho do professor - psicopedagogo, que se somaria a outros visando
uma aprendizagem mais real e significativa.
No nosso entender, isso também é atuar preventivamente na sala de aula.
Obtivemos também como resultado
que 90% dos entrevistados percebem as influências da formação inicial na atual prática.
Eles afirmam que, de modo geral, isto se revela por meio do desenvolvimento de atividades na escola. Isto vem de encontro às idéias
de Castanho (2001) ao explicitar que na atualidade se valoriza a formação inicial bem como a formação continuada com base na realidade da prática e na constituição da profissão
docente. Deste grupo que consegue perceber
as influências da formação inicial na atual
prática, se destacam 60% de professores –
psicopedagogos que se referem às dificuldades de aprendizagem. Essas dificuldades aparecem compreendendo vários fatores, dentre
eles, os de origem cognitiva, emocional, disciplinar. Relacionamos situa-ções como estas
às idéias de Visca (2002) ao se referir a psicopedagogia como uma área de conhecimento
que favorece inter-relações com outras áreas,
não deverá se prender somente a busca de
respostas que envolvam a questão cognitiva
de forma isolada. Ao contrário, é na interação
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dos vários fatores, dentre eles os de origem
cognitiva, afetiva, emocional, social, familiar,
neurológica, que estão as respostas mais precisas e coerentes às questões de aprendizagem.
Juntamente a isto, temos que 70% dos
entrevistados afirmam realizarem um trabalho
psicopedagógico preventivo. Constatamos
uma tendência, em indicar os jogos como um
dos recursos mais utilizados para o diagnóstico visando um trabalho preventivo. Além dos
jogos, os entrevistados indicaram os brinquedos, as brincadeiras, os desenhos, as produções escolares, os questionários para entrevistas com a família, a observação, o olhar e a
escuta psicopedagógica, o inventário com os
registros dos dados.
A importância dos jogos como instrumento
avaliativo, para a realização de um trabalho
preventivo é inegável, entretanto, Lorenzato
(2006), lembra que por melhor que seja um
material didático, ele não é garantia sucesso
na aprendizagem. Isto vai depender muito de
como o material será utilizado. Isto obviamente também vai depender dos referen-ciais
teóricos do psicopedagogo. Também ressaltamos que os jogos, os brinquedos, as produções do aluno, por exemplo, podem ser utilizados inicialmente como instrumento de diagnóstico e posteriormente como junto às práticas de intervenção, como um recurso metodológico, visando à superação de possíveis
dificuldades de aprendizagem.
Os dados obtidos revelam a existência de
professores - psicopedagogos que apresentam
maior clareza sobre que a atuação preventiva,
chegando a apresentar algumas ações concretas. Outros se referem a importância do trabalho preventivo, mas não chegam a apresentar
ações para a sua realização, eles apresentam a
intenção, mas explicitam como seria o desenvolvimento do trabalho preven-tivo institucional.
Temos também um significativo grupo
representado por 30% dos entrevistados, que
apesar de estarem atuando como professores psicopedagogos em instituições de ensino afirmaram não realizarem um trabalho psicopedagógico preventivo.
© Ciências & Cognição
Esta realidade é altamente preocupante, uma vez que a psicopedagogia institucional se caracteriza especialmente pelo desenvolvimento de um trabalho em nível preventivo. Desta forma, segundo Bossa (2000),
o trabalho psicopedagógico preven-tivo na
instituição, está diretamente relacio-nado ao
processo de ensino e aprendizagem de forma
individual ou grupal. Neste sentido caberá ao
psicopedagogo, dentre outras ações, identificar as possíveis perturbações no processo educacional, atuar conjuntamente com demais
profissionais da instituição, contribuir na orientação do trabalho didático metodológico
junto aos docentes, buscar melhorias educacionais. Como, estamos aqui com um grupo
de professores – psicope-dagogos, entendemos que ações como estas, além de outras,
que considerassem especial-mente a questão
metodológica, afetiva, o envolvimento dos
pais e familiares bem como dos demais profissionais da escola, deveriam ser uma constante na rotina de possibilidades de trabalho
dos entrevistados.
Ao serem questionados sobre o(s)
procedimento(s) diagnóstico(s) utilizados para
a intervenção psicopedagógica, os professores
– psicopedagogos mais uma vez indicaram os
jogos e em seguida as atividades de leitura e
escrita. Outros procedimentos também foram
citados como: atividades matemáticas, atividades lúdicas, representações, dramatiza-ção,
desenho, brincadeiras, entrevistas com pais,
entrevistas com alunos, observações e a avaliação dinâmica do potencial da aprendizagem
– LPAD. Este ultimo proce-dimento proposto por Reuven Feuerstein, se refere Programa de Enriquecimento Curricu-lar – P.E.I.
que dentre outras questões, compreende um
trabalho de avaliação do potencial cognitivo.
Os resultados também revelam a dificuldade de muitos dos entrevistados em relatarem ou até mesmo de situarem e se posicionarem sobre a utilização de procedi-mentos
para um diagnóstico institucional. Isto pode
ser constatado quando os professores – psicopedagogos confundem procedimentos com
materiais utilizados. Assim, temos entrevistados que diante da solicitação de registrarem
os procedimentos mais utilizados indicaram
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materiais como: noticias de jornais e revistas;
atividades que envolvem o uso da visão, da
audição, de coordenação motora grossa e fina; histórias clássicas e em quadrinhos.
Diante disto, seria fundamental que os
professores – psicopedagogos não tomassem
um único instrumento como fonte exclusiva
para a avaliação, mas sim considerassem a
possibilidade de utilização de vários procedimentos bem como das várias frentes de
investigação, dentre elas a escola, a família,
as relações sociais, os interesses pessoais e
outros. Também deve ser analisada a possibilidade de se recorrer a avaliação de outros
profissionais em função das necessidades apresentadas.
Assim temos segundo Rubinstains e
colaboradores (2004), que as práticas avaliativas e de intervenção psicopedagógica são
extremamente variadas no Brasil uma vez que
os psicopedagogos ancorados em suas formações, em seus referenciais teóricos desenvolvem um estilo próprio de avaliação e intervenção psicopedagógica. Elas ainda explicitam que apesar das particularidades, podemos
encontrar pontos comuns na prática psicopedagógica brasileira. Isso se revela especialmente na opção em atuar utilizando recursos
como os jogos, a observação, o P.E.I., os projetos de trabalho.
Ao serem convidados a relatarem uma
intervenção psicopedagógica considerada bem
sucedida muitos professores – psicopedagogos a fizeram em várias instan-cias. Desta
forma eles destacaram interven-ções realizadas diretamente com os alunos, com os pais e
com outros profissionais da instituição. Os
entrevistados também utilizaram ou mencionaram a importância da utilização de vários
recursos para isto. Com os alunos os recursos
cognitivos mais utilizados foram: histórias,
caderno, lousa, leituras, figuras, representações gráficas, materiais concretos para alfabetização, atividades pedagógicas. Com os alunos também foram destacadas situações que
envolvem a afetividade, a estimulação, a observação, a auto-avaliação. Com os pais foram destacadas as conversas informais e as
entrevistas. Com os demais profissionais as
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intervenções para a realização de um trabalho
integrado.
A importância do trabalho integrado,
já foi apontada por Barbosa (2001), Visca
(2002), Saravali (2004) dentre outros, como
um dos diferenciais da prática do psicopedagogo. Neste momento, entretanto, retomamos
e ampliamos estas idéias destacando a relevância de que o professor – psicopedagogo
realize um trabalho diagnóstico e de intervenção, articulado com as equipes interna e externa da escola.
Diante dos relatos de intervenções
bem sucedidas, podemos perceber que muitas
das questões relacionadas a aprendizagem se
misturam as relacionadas a afetividade. Neste
caso o professor – psicopedagogo parece assumir a posição de um mediador entre conhecimentos formalmente exigidos pela escola, o
interesse dos alunos, o nível de desenvolvimento cognitivo dos mesmos, as expectativas
da família, as relações afetivas, dentre outras,
que permeiam o processo educacional.
Ao considerar a indicação das contribuições essenciais da psicopedagogia obtivemos junto aos entrevistados resultados que se
referem a: busca de melhorias na aprendizagem; melhor compreensão do processo de
construção do conhecimento; revisão da própria prática docente; prevenção a problemas
de aprendizagem; diagnostico das dificuldades de aprendizagem; consideração do contexto emocional e cognitivo do aprendiz; possibilidade de realização um trabalho conjunto;
avaliação do aluno como um todo; aprendizagem para a ouvir o aluno e sua família; compreensão da complexidade dos diversos fatores envolvidos no processo educacional; desenvolvimento de um olhar diferenciado para
a aprendizagem e para as dificuldades de aprendizagem; analise do processo de ensino e
aprendizagem a partir do sujeito que aprende
e da instituição que ensina; busca de metodologias diferenciadas de trabalho.
Como pode ser constatado, a grande
parte dos entrevistados, atribuem como contribuições da psicopedagogia, os fatores que
se articulam diretamente ou indiretamente a
obtenção de melhorias relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem. Entre-tanto
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entendemos que a psicopedagogia vai além
disto pois, segundo Kolyniak Filho (2001)
também seria importante que os psicopedagogos que atuam em escolas, não se limitassem
a considerar somente a superação de possíveis
dificuldades de aprendizagem. Eles poderiam
e deveriam, criar mecanismos pelos quais os
alunos pudessem interagir com mais segurança, apreço, solidariedade, respeito, dentre outros valores. Enfim, que a psicopedagogia
também pudesse contribuir para a formação
ética e cidadã do aluno.
Ampliando os dados obtidos junto aos
entrevistados, temos também os estudos e
pesquisas dos educadores franceses Hétu e
Carbonneuau (2002), que dentre outras questões, apontam que uma das atuais contribuições da psicopedagogia institucional reside
em auxiliar na reflexão individual e do grupo
sobre a prática dos docentes e sobre a adequação e diversidade dos projetos da instituição.
Essa diversidade se refere, aos projetos institucionais, objetivos esperados, interesses e
necessidades dos alunos, seus possíveis limites e suas possibilidades, seus vínculos afetivos, emocionais, familiares e mais recentemente as situações de violência por eles enfrentados.
A seguir registramos os resultados obtidos diante da solicitação de tomar como referencial a relação teoria e prática e indicar os
principais desafios na área psicopedagógica.
Mais uma vez se destaca a preocupação com
elevado número de alunos em sala de aula. E
novamente esta situação é apontada como elemento que dificulta o bom desenvolvimento
do processo educacional. Juntamente a isto,
os entrevistados agora, evocam esta realidade
também como elemento desafiador para um
trabalho psicopedagógico institucional. Outros fatores também foram apontados como
desafiadores da área de psicopedagogia como:
a ausência de supervisão que acompanhe o
trabalho psicopedagógico; a existência de trabalho psicopedagógico na escola; a existência
da psicopedagogia na rede pública de ensino;
a ampliação do número de professores – psicopedagogos; a ampliação dos atendimentos
psicopedagógicos nas escolas; a possibilidade
de auxiliar na superação das dificuldades de
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aprendizagem, promovendo a aprendizagem;
a realização de um trabalho integrado; o reconhecimento profissional e cientifico.
Ao retomarmos a idéia do excessivo
número de alunos em sala e da dificuldade de
se fazer um bom trabalho ou um trabalho psicopedagógico por causa disto, os entrevistados reforçaram as idéias de Angelini (2006)
que destaca a existência de condições que impedem ou comprometem a qualidade da educação no Brasil. Dentre elas, esta pesquisadora destaca as classes numerosas; o que se
entende por progressão continuada; a ausência
de condições mínimas para o trabalho; a desestruturação das famílias; a inadequada formação de muitos professores; a má remuneração dos professores.
Essas questões, com exceção da que se
refere a má remuneração, já haviam sido apontadas em outros momentos também pelos
entrevistados. Assim entendemos que seria
importante que, de um lado, as instituições de
ensino, sejam elas públicas ou particulares
revissem as questões de caráter estruturais e
pedagógicas que possam estar comprometendo a qualidade da aprendizagem. Por outro
lado, também se torna fundamental que o professor, se prepare para o trabalho educacional,
que após a sua formação inicial, dentre outras
questões, ele invista na continuidade de seus
estudos.
Neste sentido, a expectativa de trabalho com o professor – psicopedagogo, se torna uma alternativa, se considerarmos que esse
profissional já apresenta um diferencial que
reside na formação continuada. A isto acrescentamos a expectativa de que ele também
apresente uma sensibilidade maior para o desenvolvimento de uma prática diferenciada,
que não ignora as possíveis dificuldades dos
seus alunos, mas que diante dela, trabalha à
partir das possibilidades do mesmo.
A coerência entre a relação teoria e
prática, é o elemento essencial que irá fundamentar as ações psicopedagógicas. Isto talvez
se constitua em um dos maiores desafios da
psicopedagogia, resgatar a concepção de educação do professor - psicopedagogo e sensibilizá-lo para a sua importância no trabalho de
diagnóstico e intervenção junto a seus alunos.
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Neste sentido temos as contribuições de Moojen (2004), que resgata a importância de um
trabalho de diagnóstico e de intervenção coerentes, subsidiados por teorias atuais que,
dentre outras questões, considerem os avanços do mundo cultural.
Ao serem questionados sobre as contribuições visando melhorias na atuação psicopedagógica, 90% dos professores – psicopedagogos se manifestaram indicando a necessidade de: diminuição do número de alunos nas classes; investir na continuidade de
estudos, melhorias no diagnóstico psicopedagógico, atuar de maneira conjunta considerando o envolvimento da família e dos diversos profissionais, ampliar o número de psicopedagogos nas instituições. Muitas das indicações já haviam sido apresentadas em momentos anteriores, é o caso do elevado número de alunos em sala de aula, da importância a
continuidade de estudos, do diagnóstico psicopedagógico e da atuação conjunta com os
diversos profissionais.
Ao considerarmos as contribuições apresentadas pelos professores - psicopedagogos, partimos do pressuposto que elas se caracterizam como elementos complementares.
Os elementos ou atitudes isoladas, dificilmente se caracterizam como melhorias. Se tomarmos como referencial, por exemplo, a importância da continuidade de estudos, isto certamente influirá na realização de um melhor
diagnóstico, na sensibilidade para a formação
de uma equipe de trabalho, no desenvolvimento de ações conjuntas, dentre outras questões.
A queixa sobre a dificuldade de se fazer um trabalho de melhor qualidade, por causa do alto número de alunos em sala de aula e
a proposta de se diminuir a quantidade considerada como excessiva, não se caracteriza
como uma dificuldade exclusiva do professor
- psicopedagogo. Temos vários estudos que,
dentre outras questões, apresentam a necessidade de se rever o excesso de alunos em salas
de aula, especialmente em algumas regiões do
nosso país. Dentre esses estudos e propostas,
destacamos as do “Projeto Brasil 2022 – Do
país que temos para o país que queremos” –
que enfoca o tema “A educação que quere-
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mos”. Esses estudos foram realizados pelo
Instituto PNBE (Pensamento Nacional das
Bases Empresariais) que tem a sua principal
atividade centrada na educação e contou com
a participação de renomados educadores. Os
resultados obtidos foram divulgados no ano
de 2003 visando a obtenção de melhorias para
o país em diversos setores. No que se refere a
educação e ao estado de São Paulo, temos por
meio do relatório apresentado em 27.04.06, a
ênfase dada a necessidade do desenvolvimento de estudos, para que se possa diminuir o
número de alunos em sala de aula. Segundo
esse mesmo estudo, o estado de São Paulo
conta hoje com a média de quarenta estudantes em sala de aula, o que tende a comprometer a qualidade do ensino.
Diante disto, torna-se evidente a necessidade da redução do número de alunos em
sala de aula. Entretanto, entendemos que isto
não poderá se constituir como condição isolada para a obtenção de melhorias educacionais
e muito menos para a realização de um trabalho psicopedagógico preventivo. Outros fatores merecem consideração dentre eles, a própria formação do professor e do psicopedagogo; as condições físicas, estruturais da instituição escolar; a questão curricular; o projeto
pedagógico da escola; a avaliação e intervenção psicopedagógica em nível preventivo; a
formação de uma equipe para o desenvolvimento de um trabalho integrado.
6. Considerações finais
Os resultados indicam por um lado, a
existência de vários elementos limitantes, ou
dificultadores do trabalho psicopedagógico
institucional. Estas questões perpassam, em
muitos casos, pela própria dificuldade de conceber em que se constitui um trabalho institucional preventivo. Juntamente ao desafio de
se elaborar e realizar diagnósticos e intervenções na instituição. Estas dificuldades, no
nosso entender, dentre outras, se relacionam
diretamente a ausência deste tipo de experiência que deveria ter sido propiciada, especialmente pelos cursos de especialização em psicopedagogia e também pelas próprias instituições onde estes profissionais atuam.
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Por outro lado, os resultados também
apontam para a enorme possibilidade que se
constitui o trabalho do professor - psicopedagogo realizado de maneira preventiva na instituição. Como este trabalho estaria sendo realizado diretamente pelo professor - psicopedagogo, portanto, de maneira natural, mas intencional, ele excluiria a necessidade de novos espaços, bem como a de novos profissionais da psicopedagogia que fariam o contato
com o professor, visando obter informações
para trabalhar com o aluno. Não estamos com
isso, excluindo a necessidade de um trabalho
extra-instituição, mas estamos atentando para
a possibilidade de que este trabalho também
seja realizado pelo professor – psicopedagogo, de forma rotineira e preventiva em sala de
aula.
Assim, os resultados obtidos revelam
uma tendência na direção da importância de
se ampliar os trabalhos institucionais preventivos em função de minimizar o surgimento
de possíveis dificuldades de aprendizagem, ao
mesmo tempo em que contribui com a autonomia, com a cidadania, com o preparo do
aluno para o enfrentamento de novos e constantes desafios.
Neste sentido temos segundo Tonet
(2004), que as mudanças sociais estão alterando as características da sociedade e conseqüentemente de seus grupamentos humanos.
Isto implica diretamente em alterações na escola e no perfil desejado pela mesma, para
seus professores. Desta forma o professor psicopedagogo se constitui como um profissional qualificado que dentre outras questões,
promove condições para que seus alunos tenham de forma continua e independente, o
acesso a cultura. Isto contribui para a melhor
preparação do aluno para o desenvolvimento
de suas potencialidades e, conseqüentemente
para a vida.
Diante disto, apresentamos algumas
contribuições que consideramos essenciais
para a ampliação do trabalho a ser realizado
pelo professor – psicopedagogo em sala de
aula. Assim sugerimos que:
•
os cursos de especialização em psicopedagogia passem a considerar uma propos-
•
•
•
© Ciências & Cognição
ta voltada para o trabalho do professor psicopedagogo, investindo na preparação
de seus alunos também para este tipo de
atuação;
os professores – psicopedagogos sejam
incentivados a construir instrumentos próprios para uma melhor investigação das
situações apontadas como dificuldades no
processo de ensino e aprendizagem. Esses
instrumentos deveriam considerar a proposta pedagógica da escola, o material didático, o próprio trabalho do professor –
psicopedagogo, as expectativas do aluno,
da família, os relacionamentos familiares
a estabilidade afetivo – emocional, dentre
outras;
a auto avaliação da própria atuação dos
professores – psicopedagogos seja uma
prática constante, assim como a realização
de atividades que desenvolvam a construção e a formação da autonomia e de um
autoconceito positivo por parte do aluno;
a atuação do professor – psicopedagogo
seja registrada, discutida e apresentada em
fóruns especiais, produzindo material cientificamente qualificado, com conseqüente aumento nas publicações da área.
Essas contribuições, no nosso entender, são viáveis, apesar de ainda convivermos
com questionamentos sobre a validade do trabalho psicopedagógico.
Questionamentos
estes veementemente contestados por vários
estudiosos, dentre eles, Bossa (2002), Fernández (2001), Hétu e Carbonneau (2002), Visca
(2002), ao enfatizarem que a psicopedagogia
busca respostas onde as outras áreas de conhecimento parecem ter deixado lacunas.
Desta forma, o valor da psicopedagogia preventiva, já se encontra comprovado,
em uma dimensão institucional, ao ser aceita
e considerada como um diferencial para a aquisição de melhorias educacionais. A psicopedagogia também já adquiriu o status de ser
reconhecida como objeto de pesquisa nos cursos de graduação e pós-graduação, ampliando
assim a possibilidade de se estender cada vez
mais aos educadores e áreas afins. Mais recentemente estamos constatando a exigência
desta especialização ou mesmo a indicação de
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literatura referente a esta área de conhecimento, em concursos públicos para professores.
Podemos também acrescentar a estas situações, os resultados obtidos neste trabalho, onde os professores – psicopedagogos entrevistados legitimam, por meio de suas ações, a
possibilidade da atuação psicopedagógica institucional preventiva.
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Artigo Científico
Pensamento, crenças e complexidade humana
Thinking, beliefs and human complexity
Cristina Satiê de Oliveira Pátaro
Departamento de Metodologia de Ensino (DME), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar),
São Carlos, São Paulo, Brasil; Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade de São Paulo (FE/USP), São Paulo, São Paulo, Brasil
Resumo
Considerando a complexidade do funcionamento psíquico e mental, o artigo discute as relações entre
crenças e pensamento humano. Parte-se do pressuposto de que processos relativos ao pensamento envolvem não apenas a cognição, mas também aspectos de outra natureza, como afetivos ou socioculturais (crenças). São apresentados os resultados de uma investigação cujo objetivo foi verificar possíveis
influências das crenças no pensamento. A pesquisa envolveu a aplicação de questionário a quatro grupos (católicos, adventistas, espíritas e estudantes universitários sem considerar a religião), totalizando
100 sujeitos. As questões, sobre temáticas de sexualidade, solicitavam do sujeito, primeiramente, um
posicionamento pessoal e, em seguida, a postura de sua religião. Os dados evidenciaram a influência
das crenças no raciocínio humano e, ao mesmo tempo, a existência de outros fatores atuantes nos processos do pensamento, ressaltando a efetiva complexidade do funcionamento mental e das relações entre aspectos culturais e sujeito. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 134-149.
Palavras-chave: crenças; cultura; complexidade; modelos organizadores do pensamento.
Abstract
Considering the complexity of mental and psychic functioning, this article discusses the relations between beliefs and human thinking. It assumes that processes of human thinking involve not only cognition but also suffers the influence of other aspects such as affective or cultural (beliefs). The article
presents the results of a research that studied the possible influences of beliefs in human thinking. A
questionnaire was applied to four groups (Catholics, Adventists, Spiritualists and academic students
without considering the religious tendency), a total of 100 persons. The questions are concerning human sexuality themes; it was asked the personal positioning and subject’s religion positioning. Results
indicated the influence of beliefs and, simultaneously, the influence of other factors in human thinking,
that indicate the complexity of mental functioning and of relations between culture and subject. ©
Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 134-149.
Key Words: beliefs; culture; complexity; organizing models of thinking.
1. Introdução
O presente artigo busca discutir a influência de aspectos culturais no pensamento
- C.S.O. Pátaro é Graduada em Pedagogia (Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP), Mestre em Educação (UNICAMP) e Doutoranda (FE/USP). Atualmente é Professora Substituta (UFSCar). E-mail para correspondência: [email protected].
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humano, compreendendo que o funcionamento mental se dá a partir de elementos que não
se limitam apenas à cognição, à lógica e racionalidade. Neste percurso, nosso intuito será
o de apontar a perspectiva da complexidade
como um caminho possível na compreensão
não apenas das certezas e regularidades que
possam permear o funcionamento psíquico e
mental, mas também das ambigüidades, aleatoriedades e incertezas presentes nas relações
entre sujeito, cultura e pensamento humano.
Nossa referência para as idéias que
configuram a Teoria da Complexidade é o
trabalho de Edgar Morin (1991, 1994, 2002a).
De acordo com Morin, a complexidade do
mundo real – dos objetos e fenômenos da natureza – só pode ser compreendida a partir de
uma perspectiva multidimensional (em lugar
de unidimensional e fragmentada) e que tenha
em vista as incertezas e incompletudes de todo o conhecimento. Nesse sentido, a perspectiva de complexidade considera, na compreensão do mundo real, a ordem, a certeza e a
regularidade tanto quanto a desordem, a incerteza, as não-regularidades. Busca conhecer as
partes sem desvinculá-las da existência de um
todo e vice-versa, levando em conta, assim, as
grandes quan-tidades de interações e unidades
existentes na realidade, de forma que as determinações e previsões dão lugar às nãodeterminações, às possibilidades e aos fenômenos aleatórios.
A partir desta perspectiva de complexidade, nossa intenção será a de buscar compreender o funcionamento psíquico e mental
do ser humano. Para tanto, apresen-taremos
os resultados e discussões de uma investigação realizada que teve como objetivo analisar
as possíveis relações entre o pensamento do
sujeito e os aspectos vinculados à cultura, em
especial, as crenças.
Assim, levando em conta os pressupostos aqui discorridos, pretendemos inicialmente apresentar, neste artigo, de que forma
compreendemos o sujeito psicológico e as
diferentes dimensões que o constituem. Em
seguida, discutiremos acerca das relações entre sujeito e cultura, analisando de que forma
os elementos culturais (como é o caso das
crenças) passam a fazer parte da individuali-
© Ciências & Cognição
dade dos sujeitos. Em um terceiro momento,
nosso olhar estará voltado para a Teoria dos
Modelos Organizadores do Pensamento, referencial teórico e metodológico que orientou a
pesquisa apresentada, e que permite considerar o pensamento humano a partir da articulação de aspectos de diferentes naturezas (cognitivos, mas também afetivos, socioculturais,
biológicos, etc.). Por último, apresentaremos a
pesquisa realizada, os resultados encontrados
e as análises e discussões levantadas a partir
dos dados da investigação.
2. Dimensões constituintes do sujeito
Compreender o psiquismo humano de
uma forma que seja coerente com os princípios de complexidade, expostos anteriormente, exige que consideremos o ser humano
em sua totalidade e multidimensionalidade,
levando em conta os inúmeros elementos e
relações que influenciam o funcionamento
psíquico.
Encontramos essas características no
trabalho de Araújo (1999; 2003). Este autor
apresenta um modelo cujo objetivo é explicar
o funcionamento psíquico em uma perspectiva complexa e não-fragmentada, que considere a influência de fatores diversos, tanto externos quanto internos ao sujeito, que ocorrem
simultaneamente.
Segundo Araújo, cada ser humano, seu
modo de ser, agir, pensar e sentir, é resultado
da interação de diferentes dimensões, com
características específicas, mas que se interrelacionam, e que, em conjunto, fazem parte
de um sistema mais complexo que define a
individualidade do sujeito.
O autor afirma que o sujeito psicológico é, ao mesmo tempo, um ser biológico,
que sente fome, frio e sede, mas que também
tem sentimentos, emoções, desejos. Este
mesmo sujeito interage com a realidade externa (objetiva) e também interna (subjetiva)
e, nesta relação, constrói uma capacidade
cognitiva de organizar suas experiências (Araújo, 2003). Todos os aspectos constituintes
do sujeito (biológico, afetivo, sociocultural e
cognitivo) atuam simultaneamente, influenci-
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ando a maneira de ser, pensar, agir e sentir de
cada ser humano.
Adotar este modelo como explicação
para o funcionamento psicológico do sujeito
implica considerar que em qualquer situação
da vida cotidiana entram em ação diferentes
aspectos relativos às diferentes dimensões
constituintes do sujeito: o funcionamento biofisiológico do organismo, as estruturas cognitivas, os sentimentos, emoções, valores, crenças, desejos do indivíduo, bem como a inter-
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relação deste conjunto como um todo junto ao
meio.
Segundo a representação de Araújo
(2003: 156), a seguir, o sujeito psicológico é
constituído por diferentes dimensões – cognitiva, afetiva, biológica e sociocultural – e seu
funcionamento se dá a partir das interrelações destas entre si e com o mundo externo – físico, interpessoal e sociocultural – com
o qual o sujeito interage:
Figura 1 – Modelo para o sujeito psicológico, segundo Araúo (2003).
Os estudos feitos a partir deste modelo
psicológico, de acordo com Araújo, não podem perder de vista a sua totalidade e a noção
de organização interna e externa das dimensões propostas, de forma que é possível estudar, separadamente, cada uma das dimensões
– afetiva, cognitiva, sociocultural e biológica
– mas não podemos deixar de considerar que
estes aspectos se inter-relacionam e que esta
dinâmica exerce e recebe influências da maneira como o sujeito psicológico lida e interage com o mundo interno e externo.
Dadas estas considerações, é possível
dizer que o funcionamento psíquico ocorre a
partir de um certo grau de previsibilidade, de
certezas; ao mesmo tempo, entretanto, abre-se
espaço ao inesperado, ao aleatório, à possibilidade de desordem e incerteza. Estes pontos
são de fundamental importância se queremos
uma teoria que explique o funcionamento psíquico, o sujeito da vida real, e que esteja de
acordo com os princípios de complexidade.
É neste contexto, e a partir deste olhar
de complexidade, que devem ser compreendidas as discussões propostas no presente artigo. Assim, sem perder a noção do funcionamento do sujeito psicológico como um todo,
nosso foco, a seguir, estará voltado para a dimensão sociocultural, a partir da discussão a
respeito das crenças pessoais e das relações
entre sujeito e cultura.
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3. Crenças, cultura e sujeito
Ao tecer suas considerações acerca da
mente humana, Morin (2002a) considera a
existência de dois tipos de pensamento: o
pensamento racional, ligado à lógica, ao cálculo e à razão, e o pensamento mítico, relacionado a um âmbito mitológico, do imaginário, das analogias e dos símbolos. Segundo o
autor, o raciocínio humano acontece a partir
da articulação destes dois tipos de pensamento, que não podem ser vistos separadamente,
de forma que a esfera imaginária – dos mitos,
religiões, crenças – adquire para o ser humano tanta importância quanto a esfera do pensamento racional.
Diante de tal constatação, Morin coloca que o conhecimento é uma re-construção
do real pelo ser humano e que, portanto, não é
completo, nem pode ser encarado como uma
cópia exata do mundo objetivo, sendo sempre
permeado por constantes “erros e ilusões”.
Tudo isso leva o autor a ressaltar que o conhecimento humano não se encerra nos princípios da razão e da lógica, e deve ser sempre
considerado dentro de seus limites e incertezas.
A partir desta premissa, passamos a
nos debruçar sobre o estudo das relações entre
as crenças pessoais e o pensamento humano.
Considerando, desta forma, que tanto o pensamento quanto a construção do conhecimento são permeados não apenas por processos
relativos à racionalidade e à lógica, mas também por fatores de outra natureza, fomos em
busca de investigar em que medida as crenças
– enquanto construção cultural, proveniente
do imaginário, da “esfera mitológica” (Morin,
2002a) – podem vir a influenciar a organização do pensamento. Ao optarmos por estudar
as crenças, elegemos assim um elemento relativo à cultura, a fim de investigar até que ponto essa dimensão cultural, que se incorpora ao
indivíduo a partir de seu contato com diferentes grupos e com a sociedade, exerce influências no pensamento dos sujeitos.
Partindo do pressuposto de que as
crenças, provenientes do meio cultural e social, passam a fazer parte da individualidade do
ser humano, é necessário explorarmos um
© Ciências & Cognição
pouco mais de perto as relações entre sujeito e
cultura, buscando compreender como se dá a
internalização dos aspectos culturais pelo indivíduo.
O estudo de tais relações entre cultura
e sujeito são pontos altamente discutidos em
estudos de diferentes campos do conhecimento, em especial da Psicologia. Para abordarmos estas relações a fim de orientar a discussão do presente artigo, iremos nos ater mais
especificamente nas perspectivas trazidas por
Morin (2002b), Vygotsky (1998) e também
por Martins e Branco (2001).
Para Morin (2002b), o ser humano está em constante interação com o mundo físico, com os fenômenos naturais, e, principalmente, com outros sujeitos ao seu redor. É
desta interação entre os seres humanos que
nasce a cultura.
Própria da natureza humana e da vida
coletiva, a cultura é definida por Morin
(2002b: 35) como sendo constituída pelo:
“Conjunto de hábitos, costumes, práticas, savoir-faire, saberes, normas, interditos, estratégias, crenças, idéias, valores, mitos, que se perpetua de geração
em geração, reproduz-se em cada indivíduo, gera e regenera a complexidade
social.”
Em cada sociedade, de geração em geração, a cultura é protegida, nutrida, regenerada e, ao mesmo tempo, modificada, para
que não seja destruída, não caia em extinção.
Segundo o autor, da mesma forma que não
existe cultura sem as competências proporcionadas pelo cérebro humano, também não
haveria linguagem ou pensamento sem a cultura.
De acordo com Morin, as relações entre cultura e sujeito são estreitas e mútuas. Se,
por um lado, a cultura depende da vida em
sociedade, por outro, o ser humano, em sua
constituição, também possui muito da cultura
à qual pertence.
Essa “reprodução” da cultura em cada
sujeito é o que o autor denomina imprinting.
Para Morin, o imprinting pode ser compreendido como uma marca, uma inscrição, impos-
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ta à mente humana pela cultura. Desde o nascimento, através da cultura familiar e, posteriormente, através da cultura social, o imprinting vai impondo sua marca e, tal qual uma
cicatriz, passa a fazer parte da constituição do
sujeito, sua individualidade, e com ele permanece continuamente.
Entretanto, a cultura exerce suas influências não apenas externamente, impondo sua
marca, mas também internamente, fazendo
emergir do próprio sujeito o poder de suas
idéias, suas crenças e paradigmas. Em muitos
casos, estas influências vão além, de modo
que a cultura – através das idéias, de suas influências no pensamento e na visão de mundo
– age também em outra direção: é ela que igualmente “impede de aprender e de conhecer
fora dos seus imperativos e das suas normas,
havendo, então, antagonismo entre o espírito
autônomo e sua cultura” (Morin, 2002b: 35).
Assim, para Morin, a cultura passa a
fazer parte do sujeito e não imprime apenas
suas marcas, mas traz também uma consignação de como deve o sujeito organizar, conceber, lidar com o mundo ao seu redor e com os
demais seres humanos.
Diante de tais considerações e partindo do pressuposto de que as crenças possuem
suas raízes na cultura, conforme colocamos
anteriormente, é possível afirmar que o sujeito, ao mesmo tempo em que possui determinadas crenças e tende a agir de acordo com
elas, é também, em certa maneira, tomado por
suas crenças, passando assim a pensar e a enxergar o mundo através delas. Neste aspecto,
a crença é ao mesmo tempo uma forma de
guiar as condutas e também de limitá-las.
Entretanto, é preciso considerar que,
se por um lado o imprinting imprime as marcas da cultura no sujeito, por outro, como já
afirma o próprio Morin, o sujeito não é passivo nesta relação. Vejamos.
Adentrando mais especificamente o
campo da Psicologia, encontramos os estudos
do psicólogo russo Lev S. Vygotsky. Dentre
seus estudos sobre as relações entre cultura e
sujeito, destacaremos, no presente trabalho,
suas considerações acerca do conceito de internalização.
© Ciências & Cognição
De acordo com Vygotsky (1998), a internalização é a reconstrução interna de uma
operação externa ao sujeito e implica uma série de transformações psicológicas, a seguir:
a) Uma operação externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente ao sujeito;
b) Um processo inicialmente interpessoal torna-se intrapessoal. As funções superiores
(como é o caso do pensamento), segundo
Vygotsky, originam-se das relações entre
os indivíduos e, no desenvolvimento da
criança, aparecem inicialmente no nível
social, entre pessoas (interpsicológica) e
posteriormente no nível individual, no interior da criança (intrapsicológica).
c) A transformação do processo interpessoal
em intrapessoal vem como resultado de
um longo processo de desenvolvimento.
Nas palavras do autor,
“O processo, sendo transformado, continua a existir e a mudar como uma
forma externa de atividade por um longo período de tempo, antes de internalizar-se definitivamente. (...) [as funções]
somente adquirem o caráter de processos internos como resultado de um desenvolvimento prolongado. Sua transferência para dentro está ligada a mudanças nas leis que governam sua atividade; elas são incorporadas em um novo sistema com suas próprias leis.” (Vygotsky, 1998: 75)
As idéias de Vygotsky, como é possível notar, auxiliam na compreensão dos processos psicológicos envolvidos na internalização dos aspectos culturais pelos seres humanos, a qual está intimamente relacionada ao
próprio desenvolvimento do sujeito.
A partir dos estudos de Vygotsky,
Martins e Branco (2001) abordam igualmente
o conceito de internalização, ao discutirem as
relações entre cultura e sujeito. A partir de
uma perspectiva sociocultural construtivista,
propõem considerar a relação bidirecional que
caracteriza a transmissão da cultura para o
sujeito. De acordo com estes autores, os parti-
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cipantes do processo de transmissão cultural
estão ativa e constantemente transformando as
mensagens culturais. Assim:
“Emissor e receptor organizam e reorganizam ativamente a informação cultural de forma que a cultura se encontra
continuamente em transformação mediante a ação de todos os participantes da
experiência social.” (Martins e Branco,
2001: 171)
Esta perspectiva nos traz amplas possibilidades na relação entre sujeito e cultura,
abrindo espaço para a participação de ambos
na construção do novo ao longo deste processo de constante interação.
Para Martins e Branco, embora o estudo do conceito de internalização venha recebendo a atenção de vários pesquisadores e de
diferentes áreas do conhecimento, a noção
apresentada por Vygotsky é a que mais trouxe
contribuições para o campo de pesquisa do
desenvolvimento humano. Nas palavras dos
autores, o processo de internalização pode ser
entendido como:
“[um] processo através do qual sugestões ou conteúdos externos ao indivíduo
apresentados por um ‘outro social’ são
trazidos para o domínio intrapsicológico (do pensar e do sentir subjetivos), passando a incorporar-se à subjetividade do indivíduo. Este ‘outro’ são
pessoas, instituições sociais ou mesmo
instrumentos mediados culturalmente.”
(Martins e Branco, 2001: 172)
A compreensão apresentada por estes
autores evidencia a dinâmica entre indivíduo
e cultura, demonstrando de que forma ocorrem as influências mútuas recebidas e exercidas por ambos os pólos desta relação:
“No que se refere ao indivíduo, a internalização de aspectos culturais é antecedida e orientada por elementos motivacionais, afetivos, que elegem e priorizam objetivos e conteúdos culturais, atribuindo-lhes um significado próprio
© Ciências & Cognição
no interior de um universo amplo de
possibilidades. Por outro lado, a cultura
à qual o indivíduo está ligado, e na qual
ele se constitui, orienta suas expectativas e comportamentos em uma certa direção, sem com isto impor-lhe, necessariamente, um padrão definido de crenças, valores e comportamentos. Em função de aspectos motivacionais próprios,
o indivíduo pode se opor de forma mais
ou menos intensa às orientações apontadas pelas sugestões sociais, dando origem à singularidade de sua constituição subjetiva e, em conseqüência, permitindo-lhe introduzir novos aspectos
na cultura coletiva.” (Martins e Branco,
2001: 172)
No trecho que acabamos de citar, tanto
o indivíduo quanto a cultura estão abertos à
transformação, à formação de novos significados, que ocorrerão em função da forma como se dá a relação entre ambos. Ou seja, não
é possível considerar cultura sem indivíduo
ou vice-versa.
Realizando um paralelo entre tais colocações e as considerações de Edgar Morin
(2002b), apresentadas anteriormente, pudemos verificar nestas últimas, de forma análoga, as estreitas inter-relações entre cultura e
sujeito. Segundo Morin, através do imprinting, a cultura inscreve no indivíduo um conjunto de práticas, saberes, crenças, valores,
idéias, conhecimento, que influenciam o desenvolvimento da individualidade do sujeito.
Mas evidentemente, embora todos os indivíduos de um determinado grupo sejam submetidos ao mesmo imprinting cultural, cada sujeito, em sua individualidade, irá constituir-se
e construir-se de maneira diferente, uma vez
que não é a cultura unicamente que influencia
o ser humano – o qual, para Morin, deve ser
considerado de maneira multidimensional,
como um sujeito ao mesmo tempo físico, biológico, psíquico, afetivo, cultural e social
(Morin, 2002b, 2002c). Ou seja, entram em
ação, entre outros fatores, os “aspectos
motivacionais” próprios de cada sujeito
(Martins e Branco, que acabamos de citar),
que possibilitarão que os aspectos culturais
sejam apreendidos pelo indivíduo adquirindo
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didos pelo indivíduo adquirindo significado
próprio.
Diante do quadro exposto até agora,
entendemos que uma compreensão das relações entre cultura e indivíduo, que leve em
conta toda complexidade inerente a estes elementos, necessita, por um lado, de uma noção
de cultura que esteja aberta a transformações,
que exerça suas influências sobre o indivíduo
em uma relação não-unilateral e nãodeterminista. Por outro lado, exige também
uma noção de indivíduo ativo que, embora
possua, em sua subjetividade, traços da cultura e da sociedade da qual participa, tenha possibilidades de (re)significar e (re)construir os
aspectos culturais. Esta noção de indivíduo só
se faz, do nosso ponto de vista, à medida que
encaramos esse ser humano de forma complexa e multidimensional (como já nos propõe
Morin), e nos parece coerente com o modelo
de sujeito psicológico apresentado no início
deste artigo (Araújo, 1999, 2003) – o qual
considera as diferentes dimensões constituintes do ser humano, a partir de uma perspectiva
de complexidade.
Neste contexto, em busca de analisar
as relações entre as crenças e o pensamento
humano, os pressupostos apresentados até agora nos conduziram à opção pela Teoria dos
Modelos Organizadores do Pensamento, que
discorreremos a seguir.
4. A Teoria dos Modelos Organizadores do
Pensamento
A Teoria dos Modelos Organizadores
do Pensamento (Moreno et al., 1999; Arantes,
2000) é uma das bases que fundamenta a pesquisa aqui apresentada e constitui-se, assim,
na base teórica e metodológica para a mesma.
Esta teoria foi inicialmente proposta por Moreno, Sastre, Leal e Bovet, e parte dos trabalhos de Jean Piaget, e também da teoria de
modelos mentais de Johnson-Laird. Vejamos.
As autoras adotam como um dos pontos de partida os estudos de Jean Piaget acerca
dos aspectos estruturais do pensamento e o
funcionamento cognitivo. Reconhecem a importância e abrangência de tais idéias – que
inovam ao constituírem uma teoria acerca dos
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estádios do desenvolvimento cognitivo, colocando o sujeito como organizador da realidade – mas também apontam para suas limitações. Neste sentido, Moreno e colaboradores
(1999) consideram que o desenvolvimento
cognitivo, na perspectiva de Piaget, é tomado
apenas a partir do ponto de vista estrutural,
sem dar muita atenção ao fato de que o emprego de determinadas operações depende não
apenas dos estádios, mas também dos conteúdos aos quais se aplicam. Assim, as autoras
propõem que o funcionamento mental se dê
não apenas em vista dos aspectos estruturais,
internos ao sujeito, mas também, de maneira
articulada, considerando os conteúdos presentes na realidade – ou seja, os elementos, enquanto “um produto da interpre-tação que o
sujeito faz dos objetos e fatos perceptíveis”
(Moreno et al., 1999: 77).
Um segundo ponto em que se baseia a
teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento é a idéia defendida por Philip JohnsonLaird de que o raciocínio humano opera por
meio de modelos mentais. Johson-Laird considera que o raciocínio não segue unicamente
a lógica formal, mas envolve a compreensão
de significados e a manipulação de modelos
mentais, estes vistos como uma representação
interna que o sujeito realiza do mundo ao seu
redor (Johson-Laird, 1993, apud Moreno et
al., 1999). De acordo com este autor, por
meio de modelos mentais, o ser humano representa a realidade que o cerca e é capaz de
raciocinar, verificar hipóteses e alternativas.
Assim, a compreensão envolve a elaboração
de modelos do mundo, e o raciocínio consiste
na manipulação de tais modelos. O papel da
representação na teoria dos modelos mentais
é de fundamental importância para explicar a
elaboração dos modelos, bem como sua manipulação, que se dá através do pensamento.
A partir da articulação entre as idéias
da teoria dos modelos mentais e da epistemologia genética de Piaget – conforme destacamos – Moreno e colaboradores (1999) desenvolvem então a teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento, segundo a qual o ser
humano, a fim de orientar-se e conhecer o
mundo que o cerca, constrói modelos da realidade em sua interação com os objetos, pes-
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soas e relações ao seu redor, e também consigo mesmo.
Os Modelos Organizadores do Pensamento – que influenciam a forma de agir,
pensar, ser e sentir do sujeito, assim como a
própria construção do conhecimento – são
construídos com base em elementos estruturais internos ao sujeito, mas também externos
a ele, ou seja, os conteúdos da realidade. De
acordo com as autoras,
“Concebemos um modelo organizador
como uma particular organização que o
sujeito realiza dos dados que seleciona e
elabora a partir de uma determinada situação, do significado que lhes atribui e
das implicações que deles se originam.
Tais dados procedem das percepções,
das ações (tanto físicas como mentais) e
do conhecimento em geral que o sujeito
possui sobre uma certa situação, assim
como das inferências que a partir de tudo isso realiza. O conjunto resultante é
organizado por um sistema de relações
que lhe confere uma coerência interna, a
qual produz, no sujeito que o elaborou,
a idéia de que mantém também uma coerência externa, ou seja, uma coerência
com a situação do mundo real que representa.” (Moreno et al., 1999: 78)
De acordo com o trecho acima, é possível verificar que, como se baseiam na representação e interpretação do sujeito, os modelos organizadores nem sempre correspondem
exatamente à situação do mundo real. Desta
forma, embora confiram ao sujeito uma “coerência interna”, a qual, por sua vez, “produz
a idéia de uma coerência externa”, isso não
significa que o modelo construído corresponda exatamente à realidade que representa.
Segundo Moreno e colaboradores
(1999), o sujeito constrói os modelos organizadores a partir da avaliação que faz diante de
determinada situação do mundo real, processo
em que estão envolvidas as seguintes atividades cognitivas: abstração de elementos, atribuição de significados e estabelecimento de
implicações e/ou relações. Vejamos:
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A abstração de elementos ocorre uma
vez que o sujeito seleciona alguns elementos
da realidade observada para que constituam o
modelo organizador. Assim sendo, nem todos
os elementos da situação observada são necessariamente abstraídos e, ao mesmo tempo,
o modelo organizador pode contemplar elementos que não se encontram na realidade e
que são, assim, inferidos pelo próprio sujeito.
Na elaboração do modelo organizador, os elementos que não são vistos como significativos ou pertinentes são desconsiderados e passam a não fazer parte do modelo elaborado.
Aos elementos que são abstraídos, o
sujeito atribui significados. Não há, portanto,
no modelo organizador, elemento sem significado. Entretanto, segundo as autoras, contextos diferentes podem levar um mesmo sujeito
a atribuir significados diferentes a um mesmo
elemento, da mesma forma que, a este mesmo
elemento, sujeitos diferentes podem atribuir
significados diferentes.
O estabelecimento de implicações e/ou
relações diz respeito às conseqüências que o
sujeito atribui na relação entre elementos e
significados do modelo em questão.
A construção do modelo organizador
depende de como estes três processos, que
ocorrem simultaneamente, são articulados internamente pelo sujeito: um determinado elemento é abstraído em função do significado
que lhe é atribuído no contexto da construção
de um determinado modelo, e destes dois aspectos dependem as implicações estabelecidas.
Um aspecto importante a ser ressaltado é que a construção dos modelos organizadores permite a imaginação do sujeito, a inferência de novos elementos (Arantes, 2000),
pois o modelo organizador pode ser constituído também de alguns elementos não necessariamente presentes na realidade. Tais elementos passam a integrar o modelo organizador
construído, adquirindo tanta importância
quanto os demais na constituição do modelo.
A imaginação do sujeito pode se basear em
aspectos da razão, de natureza lógicomatemática, mas também de outra natureza.
E, desta forma, podemos dizer que a Teoria
dos Modelos Organizadores avança no senti-
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do de considerar que a organização do pensamento está relacionada não apenas a aspectos (e processos) cognitivos, mas também aos
sentimentos e emoções, desejos, fantasias,
representações sociais, crenças, que influenciam os próprios processos mentais de seleção
de elementos, atribuição de significados e estabelecimento de implicações.
É neste sentido que a Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento permitenos considerar que as crenças pessoais podem
exercer tanta influência no pensamento humano quanto os aspectos cognitivos. É neste
contexto, portanto, que se desenvolveu a pesquisa apresentada a seguir.
lher?” e Questão B – “Para sua religião, qual
o papel da relação sexual no relacionamento
entre um homem e uma mulher?”.
Para a análise dos dados, foram identificados os modelos organizadores aplicados
pelos sujeitos, a partir das respostas dadas em
cada uma das questões. De posse destes dados, foram analisadas as relações entre a distribuição dos modelos organizadores dentro
de cada um dos grupos entrevistados, bem
como as relações entre o posicionamento de
um mesmo sujeito diante de ambas as questões.
5. Objetivos da pesquisa
Na seqüência, temos os modelos organizadores encontrados e a distribuição dos
mesmos dentro dos diferentes grupos entrevistados, considerando primeiramente a Questão A e, em seguida, a Questão B:
O problema central da pesquisa foi
investigar se os modelos organizadores aplicados diante de situações da vida cotidiana
estão de alguma forma relacionados às crenças do sujeito, ou, dito de outra maneira, verificar em que medida as crenças influenciam a
organização do pensamento. O tipo de crença
considerado foi a crença religiosa, e o conteúdo das situações apresentadas aos sujeitos foi
a sexualidade.
6. Metodologia
Para atender aos objetivos da pesquisa,
foi aplicado um questionário a um total de
100 sujeitos adultos, entre 20 e 40 anos, divididos em 4 grupos: 25 Católicos, 25 Adventistas, 25 Espíritas e 25 estudantes universitários sem que fosse considerada a religião. O
questionário foi aplicado a cada grupo, em
seu próprio espaço religioso, o que, no caso
dos estudantes, foi feito na própria Universidade.
Ao responder às questões, que versavam sobre temáticas de sexualidade, os sujeitos deveriam, primeiramente, dissertar sobre
seu posicionamento pessoal diante da temática apresentada e, em um segundo momento,
colocar a postura de sua religião. As duas
questões analisadas foram: Questão A – “Na
sua opinião, qual o papel da relação sexual no
relacionamento entre um homem e uma mu-
7. Resultados e discussões
•
Análise da Questão A: “Na sua opinião,
qual o papel da relação sexual no relacionamento entre um homem e uma mulher?”
Dos dados da Questão A é relevante
destacar, por um lado, a presença do Modelo
1, que agrega em si elementos e significados
associados à religião (Deus, casamento, procriação). Este modelo se faz presente nos 3
grupos religiosos entrevistados, principalmente dentro do grupo Católico, e evidencia que
de fato as crenças religiosas parecem influenciar a organização do pensamento.
Por outro lado, é importante ressaltar
que, mesmo sendo composto por uma maioria
de sujeitos que declararam possuir alguma
religião, nenhum dos entrevistados do grupo
de estudantes aplicou o Modelo 1 ao responder à primeira questão. Este dado indica que o
grau de influência das crenças parece variar
de acordo com o contexto social, e que deve
haver outras variáveis que influenciam igualmente o pensamento dos sujeitos ao organizarem seu pensamento diante do tema solicitado
(experiências pessoais, emoções e sentimentos, crenças de outra natureza).
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Modelos Organizadores
%
Modelo 1 Relação sexual pautada em princípios religiosos tradicionais (criação de 37
Deus, casamento, procriação)
Modelo 2 Relação sexual como elemento que define a continuidade ou não do relacio- 8
namento entre o casal
Modelo 3 Relação sexual como fator de união entre o casal
24
Modelo 4 Relação sexual como complemento do relacionamento entre o casal
24
Modelo 5 Relação sexual valorada de diferentes maneiras, em função do tipo de rela- 7
cionamento entre o casal
Tabela 1 - Modelos organizadores e freqüência (%) considerando o total de sujeitos na Questão A.
Gráfico 1 - Distribuição dos modelos organizadores referentes à Questão A nos diferentes grupos.
•
Análise da Questão B: “Para sua religião, qual o papel da relação sexual no relacionamento entre um homem e uma mulher?”
Analisando os dados da Questão B
podemos notar uma grande quantidade de sujeitos aplicando o Modelo 1, pautado em
princípios ligados tradicionalmente à religião,
correspondendo a 61% da amostra como um
todo e à maioria dos sujeitos dos grupos católico e adventista.
O que chama a atenção, entretanto, é o
grupo de estudantes, onde encontramos uma
parcela de 6 sujeitos aplicando o Modelo 5,
que considera a postura religiosa insuficiente
e antiquada para explicar o papel da relação
sexual. Ao notarmos que todos os estudantes
que aplicaram este modelo afirmaram ser católicos, e que a maioria dos sujeitos do grupo
católico aplicou o Modelo 1, veremos que, em
nossa amostra, uma mesma religião deu origem a raciocínios diversos, orientados em direções opostas. Este dado nos faz considerar
que as crenças, relacionadas a uma cultura,
não são internalizadas de uma mesma maneira
por todos os sujeitos, sendo que outros aspectos subjetivos (ex: sentimentos, valores, conhecimentos do sujeito) parecem atuar na
forma como os indivíduos incorporam suas
crenças.
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Modelo 1
Relação sexual pautada em princípios religiosos tradicionais (criação de Deus,
casamento, procriação)
Modelo 2
Relação sexual exige responsabilidade, pois traz conseqüências
Modelo 3
Relação sexual como fator de união entre o casal
Modelo 4
Relação sexual como complemento do relacionamento entre o casal
Modelo 5
A postura religiosa é insuficiente, antiquada, ortodoxa, para explicar o papel da
relação sexual
----Não respondeu à Questão B
%
61
12
7
7
6
7
Tabela 2 - Modelos organizadores e freqüência (%) considerando o total de sujeitos na Questão B.
Gráfico 2 - Distribuição dos modelos organizadores referentes à Questão B nos diferentes grupos.
Partindo agora para uma análise das
respostas dadas por um mesmo sujeito às diferentes questões, temos os gráficos a seguir,
que apresentam a freqüência de sujeitos que
mantiveram ou alteraram seu raciocínio em
suas respostas às questões A e B, primeiramente considerando o total da amostra e, em
seguida, levando em conta os diferentes grupos entrevistados:
Gráfico 3 - Distribuição dos sujeitos que aplicaram o mesmo modelo organizador e modelos diferentes nas questões A e B.
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Gráfico 4 - Distribuição, por grupo entrevistado, dos sujeitos que aplicaram o mesmo modelo
organizador e modelos diferentes nas questões A e B
Como mostram os dados, embora as
crenças religiosas tenham exercido um certo
grau de influência nas respostas, levando uma
parcela dos sujeitos a manter seu raciocínio
nas duas questões, a maioria da amostra aplicou raciocínios diferentes ao responderem
sobre o papel da relação sexual, primeiramente segundo sua opinião pessoal e, em seguida, sob a postura de sua religião.
Os dados da investigação sugerem que
a cultura, internalizada pelos sujeitos, embora
influencie a individualidade de cada membro
da sociedade, não anula os demais aspectos
subjetivos que se manifestam na dinâmica do
funcionamento psíquico. Ao mesmo tempo,
os resultados obtidos permitem considerar que
tal funcionamento deve ser entendido a partir
de uma visão de complexidade, a qual, ao
considerar as diferentes variáveis que podem
atuar no pensamento humano de forma não
previsível, ajuda a explicar a tendência à mudança no raciocínio dos sujeitos, verificada
em nossa amostra.
Por outro lado, os dados demonstraram também que cada uma das três religiões
consideradas influenciou de forma diferente a
organização do pensamento, levando em conta as variações intrapessoais diante das questões analisadas. Este fato anuncia que o grau
de influência exercida pelas crenças na organização do pensamento de um sujeito pode
também estar, de alguma maneira, relacionado à própria natureza da crença.
7.1. Regularidades e não-regularidades
Como vimos, os resultados gerais obtidos demonstraram que efetivamente os modelos organizadores aplicados pelos sujeitos,
ao se posicionarem diante de tematicas de sexualidade, tiveram associados a seus elementos, significados e implicações, aspectos e
conteúdos relativos às crenças religiosas,
mesmo quando estas não estavam explicitamente presentes no contexto.
Como exemplo do que acabamos de
colocar, dentre os modelos organizadores encontrados a partir das respostas da amostra
entrevistada, podemos citar o Modelo 1 da
Questão A, que, por sua vez, correspondia ao
Modelo 1 da Questão B. Nestes casos, o raciocínio empregado pelos sujeitos fundamentava-se em princípios religiosos tradicionais
para explicar o papel da relação sexual no relacionamento de um casal, citando elementos
como Deus, procriação e casamento, de maneira coerente com alguns dos pressupostos
encontrados nas religiões com as quais trabalhamos. Na primeira questão, que não fazia
referência explícita a princípios religiosos, tal
raciocínio foi aplicado por 37% dos sujeitos,
correspondendo a 18 católicos, 12 adventistas
e 7 espíritas. Já na Questão B, que solicitava
do sujeito a postura de sua religião, 61% de
nossa amostra aplicou o Modelo 1, sendo 23
católicos, 22 adventistas, 9 espíritas e 7 estudantes.
Diante da ocorrência destes dados,
podemos afirmar que os seres humanos incorporam elementos vinculados às suas crenças
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na forma de pensar e de posicionar-se frente
às situações cotidianas, o que indica que, de
uma maneira geral, os aspectos culturais, internalizados pelos indivíduos em sua relação
com os grupos e com a sociedade, podem influenciar a própria organização de seu pensamento. Tal fato, portanto, confirma, em parte,
a hipótese central, de que as crenças influenciam a organização do pensamento humano.
Assim sendo, como já propôs Morin, é
possível dizer que as crenças e a cultura –
que, confirme vimos, relacionam-se ao “pensamento mítico”, da criação, do imaginário e
das analogias – são aspectos de fato tão importantes para o ser humano quanto a esfera
do “pensamento racional”, já consagrado e
exaltado desde a Modernidade, com as idéias
Iluministas e o pensamento cartesiano.
Nesse sentido, consideramos que os
resultados contribuem com uma perspectiva
recente, dentro dos estudos da Psicologia, que
busca compreender os processos do pensamento para além dos aspectos e processos
cognitivos da mente humana.
Entretanto, como um trabalho de Psicologia que adota o referencial da Teoria da
Complexidade, a análise dos dados obtidos
com nossa investigação contempla não apenas
as regularidades presentes, mas atenta também para as não-regularidades, as incertezas e
aleatoriedades que regem os fenômenos observados.
Desta forma, o que chama a atenção
na investigação é o fato de que, mais do que
as regularidades, as permanências, foram encontradas mudanças, variações, tanto na forma com a qual os sujeitos organizaram seu
pensamento quanto no grau de influência exercida pelas crenças religiosas nos modelos
organizadores identificados. Sendo assim, em
busca de compreender as relações entre as
crenças e a organização do pensamento, foi
encontrado um número maior de hipóteses e
de novos questionamentos do que propriamente respostas e/ou considerações conclusivas.
A seguir, discutiremos rapidamente
cada uma das não-regularidades identificadas
diante dos dados apresentados, as quais vêm,
do nosso ponto de vista, confirmar a comple-
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xidade dos processos que envolvem o pensamento humano e as relações entre o sujeito e a
cultura:
•
Uma mesma situação apresentada aos sujeitos da investigação deu origem a raciocínios diversos, de modo que foram encontrados, em cada uma das questões analisadas (Questão A e B), cinco modelos
organizadores diferentes, dentre os quais
nem todos haviam sido elaborados levando em conta aspectos relativos a crenças
religiosas. Tal fato pode ser explicado pela própria Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento, e demonstra que a
elaboração dos modelos organizadores
passa pela interpretação do sujeito, o qual
(re)organiza internamente a realidade objetiva a partir daquilo que, estando ou não
presente no contexto, considera significativo.
•
Uma mesma “cultura religiosa” deu origem a raciocínios diversos. Mais especificamente, diferentes indivíduos que se declararam Católicos incorporaram, nos modelos organizadores aplicados, elementos
relativos a esta religião, integrando, contudo, raciocínios orientados em direções
opostas. É o que pudemos observar ao
comparar os Modelos 1 e 5 da Questão B:
enquanto um deles fundamentava-se em
princípios religiosos tradicionais para explicar o papel da relação sexual, o outro
considerava a postura religiosa como insuficiente para explicar tal papel. Nos dados
apresentados, verificamos que 23 sujeitos
do grupo católico (92%) aplicaram o Modelo 1 em suas respostas à Questão B. Por
outro lado, o Modelo 5 foi aplicado por 6
sujeitos do grupo de estudantes, sendo
que, deste total, 5 deles afirmaram ser Católicos. Assim, diferentes sujeitos de uma
mesma religião, ao responderam à mesma
questão, fundamentados em suas crenças
religiosas, partiram para direções completamente diferentes. Estes dados deixam
claro que a internalização dos elementos
da cultura ocorre de forma não-linear, e
em meio a outros processos subjetivos
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(ex: valores, estruturas cognitivas, sentimentos, representações sociais) que podem levar o sujeito a aceitar ou contestar,
de forma mais ou menos intensa, aquilo
que lhe é sugerido pela cultura (Martins e
Branco, 2001). Desta maneira, a organização do pensamento do sujeito não necessariamente é determinada por aquilo que é
veiculado pela cultura da sociedade ou
grupo do qual este participa.
•
•
Diante de temáticas de sexualidade apresentadas de formas diferentes, a tendência
dos sujeitos foi de alterar seu raciocínio,
isto é, de uma maneira geral, um mesmo
sujeito aplicou modelos organizadores diferentes ao responder às questões apresentadas. Resgatando os dados encontrados,
temos que, ao compararmos as respostas
dadas pelos sujeitos às questões A e B,
39% mantiveram o mesmo tipo de raciocínio – isto é, aplicaram modelos organizadores análogos nas duas respostas –, ao
passo que a maioria, 54%, aplicou raciocínios diferentes. Este dado indica que a
influência das crenças na organização do
pensamento, no caso dos sujeitos que participaram de nossa investigação, não foi
tão intensa a ponto de garantir uma coerência no pensamento dos mesmos. O que
fica evidente, portanto, é que a influência
das crenças religiosas no pensamento não
foi determinante, e isso, por sua vez, conduz-nos para o fato de que os modelos organizadores elaborados pelos sujeitos diante de situações semelhantes podem variar de acordo com o contexto, influenciados por outros fatores como os sentimentos, os valores, as experiências anteriores
do sujeito, apenas para citar algumas hipóteses.
Foi possível verificar variações no grau de
influência das crenças no pensamento dos
sujeitos, de acordo com os diferentes contextos sociais e também com o conteúdo
da própria crença. Assim foi que, no caso
dos sujeitos que estavam em contato com
seu grupo e espaço religioso, a influência
das crenças no pensamento parece ter sido
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mais acentuada. Isso fica claro quando observamos, por exemplo, que, ao contrário
do que encontramos nos grupos religiosos,
nenhum dos sujeitos do grupo de estudantes (entrevistados no espaço da Universidade) fez referência às suas crenças religiosas ao responderem à Questão A; dentro deste grupo, entretanto, mais da metade dos sujeitos declarou vincular-se a alguma religião. Ao mesmo tempo, as diferentes crenças religiosas com as quais trabalhamos influenciaram de formas e em
níveis diferentes o pensamento dos sujeitos entrevistados. Basta verificarmos, dentro de cada grupo religioso, a quantidade
de sujeitos que, influenciados por suas
crenças religiosas, aplicaram o mesmo raciocínio ao responderem às questões A e
B: enquanto que, no grupo católico, 80%
dos sujeitos mantiveram a coerência, nos
grupos adventista e espírita, esta porcentagem corresponde a 48% e 24%, respectivamente. Assim, consideramos que a influência exercida pelas crenças na organização do pensamento humano pode ser
mais ou menos acentuada, a depender de
seu conteúdo e da maneira com a qual o
sujeito relaciona-se ao grupo cultural no
qual se insere.
A partir dos pontos aqui discutidos,
podemos afirmar que os resultados obtidos
com a pesquisa que aqui se coloca, embora
confirmem a hipótese inicial, também trazem
indícios para considerar que as relações entre
as crenças – e por extensão os aspectos culturais – e o pensamento humano são permeadas
por uma série de outros fatores que atuam simultaneamente durante a organização do raciocínio, isto é, na elaboração dos modelos
organizadores. Tais fatores podem ser de ordem inter e intrapsíquica, sendo que, neste
último caso, podem estar relacionados, supomos, a diferentes dimensões constituintes do
sujeito: afetiva (através da atuação de sentimentos e valores); biológica (com o próprio
funcionamento cerebral); cognitiva (influenciada pelos esquemas de ação e estruturas
cognitivas) e até mesmo outros aspectos da
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própria dimensão sociocultural (influência da
linguagem e representações sociais).
Para finalizar, devemos ter em vista
que este trabalho centrou-se apenas nas possíveis influências exercidas pelas crenças religiosas no pensamento humano, e que há outros aspectos também relacionados à cultura
(contexto familiar, linguagem, crenças de outra natureza) que, julgamos, certamente exercem sua parcela de influência na organização
do pensamento dos sujeitos.
8. Considerações finais
O presente artigo buscou discutir as
relações entre as crenças e o pensamento humano, a partir de uma perspectiva de complexidade. Partimos do princípio de que as crenças pessoais, ao fazerem parte da individualidade do sujeito, passam a influenciar o próprio funcionamento mental, a organização do
pensamento, atuando juntamente aos processos cognitivos.
Para as discussões, apresentamos os
resultados de uma investigação embasada na
Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento. Esta teoria considera que o sujeito
constrói modelos da realidade em sua interação com os objetos, pessoas e relações presentes ao seu redor, e também consigo mesmo. Os modelos organizadores do pensamento são construídos a partir não apenas de processos cognitivos, mas também diante da influência de aspectos de outra natureza, como
afetiva (sentimentos, emoções) e sociocultural
(crenças).
A pesquisa apresentada teve como objetivo investigar as relações entre as crenças
religiosas e os modelos organizadores do pensamento aplicados por sujeitos diante de situações que envolviam questões relacionadas ao
tema da sexualidade. Em uma perspectiva
mais ampla, a pesquisa buscou verificar até
que ponto os aspectos culturais (aqui representados pelas crenças), que são internalizados pelos sujeitos, passam a influenciar a organização de seu pensamento.
Os dados da pesquisa, obtidos a partir
da aplicação de um questionário a sujeitos de
diferentes religiões, demonstraram que os
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modelos organizadores aplicados incorporaram elementos relativos às crenças religiosas,
indicando que estas de fato influenciam a organização do pensamento. Por outro lado, foi
verificado também que tal influência atuou
em conjunto a outras variáveis concernentes
ao funcionamento psíquico dos sujeitos em
questão, evidenciado pelas variações nos modelos organizadores encontrados, tanto entre
os diferentes grupos entrevistados quanto na
análise das respostas de um mesmo sujeito.
Diante de todo o exposto, gostaríamos
de encerrar as discussões com algumas considerações suscitadas pelo estudo feito e pelos
resultados obtidos.
Não nos resta dúvida de que o funcionamento mental do ser humano deve ser compreendido a partir de uma perspectiva de
complexidade. Pensamos, assim, que os resultados apresentados vêm por confirmar ainda
mais a necessidade de considerarmos que os
processos do pensamento humano, diante da
infinidade de variáveis que nele atuam, só podem ser de fato compreendidos levando-se em
conta que as não-regularidades existem tanto
quanto as regularidades, que as possibilidades
não são necessariamente previsíveis, que aquilo que influencia não determina.
O intuito, portanto, não foi delinear
um caminho único, com teorias acabadas e
que se pretendem absolutas. Pensamos que
novos estudos, que tenham como ponto de
partida uma perspectiva ampla, encarando o
ser humano em sua totalidade e complexidade, podem esclarecer ainda mais nossa compreensão da realidade humana e de suas relações com o mundo.
Ao mesmo tempo, na intenção de estudar as influências das crenças na organização do pensamento, a pesquisa traz também
contribuições para a discussão acerca das relações entre o sujeito e a cultura, ao modo
com o qual os elementos culturais são internalizados pelos sujeitos e até que ponto estes
mesmos elementos passam a ser incorporados
à forma de pensar do ser humano.
E, neste sentido, os resultados de nossa pesquisa apontam para o fato de que os aspectos culturais, criações humanas que têm
sua origem na vida social dos indivíduos, e-
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xercem sua parcela de influência, orientando
o modo de pensar dos sujeitos e sua atuação
no mundo e que, no pensamento humano, tais
aspectos adquirem tanta importância quanto
outros, de ordem cognitiva ou afetiva, por exemplo.
Por outro lado, essa mesma cultura
não pode ser vista como determinante na
constituição da individualidade do ser humano, uma vez que, como discutido, as crenças
(em especial as religiosas) não foram suficientes para orientar por si só a organização do
pensamento diante das questões cotidianas,
em direção à homogeneidade e constância dos
raciocínios aplicados pelos sujeitos, já que
atuam em meio a outros fatores subjetivos.
Desta forma, estamos inclinados a
considerar que a cultura, ao ser internalizada
– através de aspectos como as crenças (que
aqui elegemos para nosso estudo) – passa a
fazer parte da dinâmica do funcionamento
psíquico e mental do ser humano, mas não
anula os demais fatores que influenciam este
processo, tanto vinculados à própria dimensão
sociocultural, como a demais dimensões do
ser humano.
Isso parece ser coerente com as perspectivas que consideram a relação entre a cultura e o indivíduo, bem como o processo de
internalização desta pelo sujeito, de uma maneira não unilateral, apresentadas ao longo do
presente artigo através das idéias de Morin
(2002b), Vygotsky (1998) e Martins e Branco
(2001). Assim, ao ser incorporada à individualidade do sujeito, os aspectos culturais passam, neste processo, pela subjetividade de
cada ser humano, de forma que a internalização não representa simplesmente a reprodução dos elementos da cultura no indivíduo.
Diante disso, ressaltamos que, em
nossa opinião, qualquer estudo que tenha como objetivo compreender o funcionamento
mental e psíquico do ser humano e sua atuação no mundo deve fazê-lo sempre levando
em conta as influências exercidas pelo contexto cultural nesta dinâmica. Isto é, o ser
humano não pode ser visto desvinculado da
cultura e da sociedade nas quais se insere.
Ademais, acreditamos que estudos futuros
sobre as relações entre o funcionamento men-
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tal e a influência da cultura podem contribuir
para uma compreensão ainda maior destes
processos.
9. Referências bibliográficas
Arantes, V.A. (2000). Estados de ânimo e os
modelos organizadores do pensamento: um
estudo exploratório sobre a resolução de conflitos morais. Tese de Doutorado. Barcelona:
Facultat de Psicologia, Universitat de Barcelona.
Araújo, U.F. (1999). Conto de Escola: a vergonha como um regulador moral. São Paulo:
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 150-155 <http://www.cienciasecognicao.org>
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Submetido em 01/10/2007 | Revisado em 27/11/2007 | Aceito em 28/11/2007 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 03 de dezembro de 2007
Artigo Científico
Ciência da computação e ciência cognitiva: um paralelo de
semelhanças
The computer science and the cognitive science: a similarity parallel
Caroline Andréia Eifler Saraiva e Irani I. de Lima Argimon
Programa de Pós-graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUC-RS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Resumo
O presente artigo tem por objetivo apresentar a inter-relação existente entre a área da Ciência
Cognitiva e a área da Ciência da Computação, fazendo um paralelo entre suas concepções. Foram
abordados aspectos históricos de cada ciência, suas definições, aplicações e críticas. Constatou-se a
permanente investigação sobre os processos da mente em ambas áreas de conhecimento, criando uma
intersecção de visões onde a mente segue o funcionamento do computador e o computador busca
imitar as funções da mente. Nesse contexto, a Ciência Cognitiva, por ser multidisciplinar, busca
encontrar uma teoria unificada de cognição, integrando as diversas áreas do conhecimento em torno
do estudo da mente. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 150-155.
Palavras-chave: ciência cognitiva; ciência da computação; inteligência artificial; redes neurais; conexionismo.
Abstract
The aim of the present paper was to present the relations between the Cognitive Science Area and the
Computer Science Area, making a parallel between their conceptions. Historical aspects of each science were approached, as well as their implications, censures and definitions. It was identified evidences of a great search on the processes of the mind in both knowledge areas, creating a correlation
of views, in which the mind follows the functioning of a computer and the computer recreates mind’s
functions. In this context, the Cognitive Science, intends to find a unificated Cognition theory, putting
all the knowledge areas together around mind's study. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 150155.
Key Words: cognitive science; computer science; artificial inteligence; neural nets;
conexionism.
1. Introdução
A história do processamento de infor-
mação teve origem em tempos muito remotos,
quando os primeiros habitantes viviam em
cavernas. Ao se comunicar através de pinturas
- C.A.E. Saraiva é Bacharel em Informática (PUC-RS), com MBA em Tecnologias da Informação e da Comunicação em Educação (PUC-RS) e Mestranda do Programa de Pós-Graduação de Psicologia (PUC-RS). Atua no ensino
de informática para idosos. E-mail para correspondência: [email protected]. I.I.L. Argimon é Doutora
em Psicologia. Atualmente é Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Avaliação e Intervenção no Ciclo Vital” do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Psicologia (PUC-RS). E-mail para correspondência: [email protected].
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rupestres, o homem primitivo já trocava idéias, demonstrando sentimentos e preocupações
cotidianas. Na antiga Mesopotâmia, com a
invenção da escrita, iniciou-se o processo de
tratamento da informação que incluía não apenas escrever, mas armazenar, combinar e
transmitir o que estava sendo produzido.
Segundo Levy (1993), o advento da
imprensa, por Gutemberg, em 1445, foi um
grande marco para os meios de comunicação,
iniciando o período denominado de “oralidade
secundária”, quando a oralidade cedeu espaço
à objetividade da palavra escrita. Desde então,
houve um processo evolutivo intenso em toda
a forma de comunicação, com o aparecimento
das transmissões de voz, em seguida de imagens e culminando com a transmissão de dados. Para esta, o computador apresenta-se
como condutor mestre de um processo de facilitação de tratamento de informação, pois
armazena, classifica, compara, combina e
compartilha dados, de forma eficiente e com
grande velocidade.
Em razão da capacidade dessas máquinas para lidar com materiais simbólicos,
muitos pesquisadores se convenceram de que
uma ciência da cognição poderia ser moldada
à imagem do computador (Gardner, 2003).
Na primeira metade do século XX,
tem início, então, a ciência cognitiva que, por
sua conceituação, estuda o funcionamento
mental baseado no modelo computacional,
sendo caracterizada como uma área de estudos interdisciplinar que se inter-relaciona com
a Psicologia, a Lingüística, a Ciência da
Computação, as Ciências do Cérebro e a Filosofia, entre outras (Lima, 2003).
2. Uma breve história da Ciência Cognitiva
Os primeiros movimentos rumo a uma
nova ciência, denominada ciência cognitiva,
aconteceram em 1948, no Congresso sobre
Mecanismos Cerebrais do Comportamento,
também chamado de Simpósio de Hixon, no
Califórnia Institute of Technology, onde a
questão clássica de discussão foi a forma pela
qual o sistema nervoso central controla o
comportamento. Além dessa abordagem, como cita Gardner (2003), esse Congresso foi
© Ciências & Cognição
especialmente importante por dois fatores: a
ligação que fez entre cérebro e o computador
e o desafio implacável que lançou ao Behaviorismo.
O Behaviorismo de orientação positivista, cuja idéia principal baseia-se na análise de
condutas observáveis, ou seja, evitando conceitos “mentais”, teve lugar durante as décadas de 20 a 40. Por não tentar explicar os processos cognitivos, Eysenck e Keane (1994)
destacam sua falha no sentido de ser superficial, o que deu lugar ao surgimento de novas
idéias. No Simpósio de Hixon, alguns inputs
teóricos foram lançados por John Von
Neumman - matemático, por Warren McCulloch – neurologista e Karl Lashley – psicólogo, estabelecendo comparações sistemáticas
entre o funcionamento do cérebro humano e
máquinas do tipo computador eletrônico.
Na metade do século XX, nos Estados
Unidos, surgiram os primeiros computadores
eletrônicos, criados para operarem com a
grande quantidade de números da Guerra
Mundial. Conforme cita Hodges (2007), Alan
Turing, em 1936, concebeu a idéia de uma
máquina simples que utilizava a lógica para
executar cálculos. Mais adiante, Turing sugeriu a avaliação de uma máquina que simulasse
o pensamento humano, implementada por
Neumann com o armazenamento de um programa em memória. Com isso, as operações
podiam ser preparadas e executadas internamente, sem que fosse necessário reprogramar
as tarefas a cada vez que era ligado o computador.
A partir destes estudos, Claude Elwood
Shannon, matemático norte-americano, no
final dos anos 30, formalizou o conceito da
teoria da informação. Shannon considerou a
utilização de duas alternativas possíveis de
resposta através da ocorrência de bits (binary
digit em inglês), baseado nos estados dos relés eletromecânicos, ligado e desligado. Pela
teoria da informação de Shannon, a informação poderia ser reduzida, assim como os termos verdadeiro e falso do cálculo proposicional, a um dígito binário, que é a quantidade
mínima de informação necessária para escolha de uma mensagem afirmativa ou negativa,
1 ou 0.
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Foram os insights de Wiener que levaram Shannon à proposição de dissociação da
informação e seu meio transmissor. “Informação é informação, não matéria ou energia.
Nenhum materialismo que não admita isto
pode sobreviver nos dias atuais” (Wiener,
1961).
Posteriormente a esses fatos, Warren
McCulloch e Walter Pitts, no início dos anos
40, defenderam a tese de que uma rede neural
formada pelas conexões dos neurônios poderia ser modelada em termos da lógica, ou seja,
um neurônio sendo ativado impulsionaria outro neurônio e isso implicaria numa proposição. Uma analogia entre neurônios e lógica
poderia ser pensada em termos elétricos –
como sinais que passam ou deixam de passar
através de circuitos. Em função disso, a ciência da computação recorreu às pesquisas sobre neurônios e suas conexões para projetar
máquinas ou programas cada vez mais parecidos com o cérebro humano.
Mas a consolidação do reconhecimento
da ciência cognitiva, por um consenso quase
unânime, deu-se a partir do Simpósio sobre
Teoria da Informação realizado no Massachusetts Institute of Technology em setembro de
1956. Gardner (2003) cita as publicações que
tiveram fundamental importância para tal fato:
•
•
•
•
“The Magical Number Seven”, de George
Miller: um artigo que discutia a capacidade da memória humana de curto prazo limitar-se a aproximadamente sete itens;
“Logic theory machine”, de Newell e Simon: a primeira prova concreta de um teorema executada em uma máquina computadora;
“A study of thinking” de Bruner, Goodnow e Austin: obra capital da psicologia
do pensamento que abordou também conceitos artificiais;
“Syntatic Structure” de Noam Chomsky:
versava sobre suas idéias a respeito da nova lingüística, baseada em regras formais
e sintáticas, próximas às formalizações
matemáticas.
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Nas décadas seguintes, houve vários
movimentos no sentido de estudar a ciência
cognitiva, com muitas publicações de livros
sobre o assunto. Em Harvard, um grupo de
doze estudiosos, com o objetivo de descobrir
as habilidades representacionais e computacionais da mente e sua representação funcional e estrutural do cérebro, elaborou o hexágono cognitivo – um hexágono que mostra as
inter-relações entre os seis campos constituintes da ciência cognitiva, que são as áreas da
Filosofia, Lingüística, Antropologia, Neurociência, Inteligência Artificial e Psicologia. A
reação da comunidade científica foi extremamente negativa a essa proposição, causando a
não publicação desse documento.
3. Uma breve história da Ciência da Computação
A Ciência da Computação ensaiou
seus primeiros passos através da máquina de
Turing, criada nos meados dos anos 30, que
serviu de referência para John Von Neumann,
dez anos mais tarde, na construção dos primeiros computadores. Neumann revolucionou
a concepção do funcionamento de um computador, quando afirmou que era possível colocar no mesmo plano, instruções e dados, não
sendo necessário o uso de duas memórias. Na
área da computação o termo “arquitetura de
von Neumann” é muito conhecido, o que define que a arquitetura permite autonomia entre
hardware e software (Teixeira, 1998).
Ao mesmo tempo, Norbert Wiener apresentava o termo “cibernética”, definindo
em modelos matemáticos toda a atividade
psicológica humana. Enfatizou a necessidade
das máquinas seguirem o funcionamento do
organismo vivo no controle de suas próprias
atividades.
Passados os anos cibernéticos, a possibilidade de elaborar programas que simulassem o comportamento inteligente, tomou
forma através da expressão “inteligência artificial”, cunhada por John McCarthy no campus do Dartmouth College, em Hanover. Segundo Eysenk e Keane (1994), o homem era
visto como um processador de informações,
criando uma proximidade na relação entre a
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mente e o computador, através da inteligência
artificial, que propõe um modelo baseado em
sistemas neurais, tentando imitar o homem em
sua complexidade, ensinando o computador a
pensar.
A Inteligência Artificial proporcionou
o passo fundamental para se tentar relacionar
mentes e computadores e estabelecer o “modelo computacional da mente” (Teixeira,
1998: 13). Não se sabe ainda se seu propósito
foi totalmente realizado, mas, como afirma
Teixeira, nos obrigou a refletir sobre o significado do que é ser inteligente, o que é ter vida mental, consciência e muitos outros conceitos que freqüentemente são empregados
por filósofos e psicólogos.
4. Inteligência artificial e os sistemas especialistas
Com o advento da Inteligência Artificial,
preconizado por nomes como John McCarthy
e Marvin Minsky, futuros diretores do Laboratório de Inteligência Artificial do MIT e
Herbert Simon e Allen Newell, pesquisadores
que criaram em Pittsburgh outro Laboratório
de Inteligência Artificial, surgiram as primeiras máquinas de jogar xadrez e de demonstrar
teoremas. Na visão de Newell e Simon, o
computador era um sistema simbólico físico
como o cérebro humano e exibia muitas propriedades iguais às do ser humano, sendo ambos sistemas que processavam informação no
decorrer do tempo, procedendo em uma ordem mais ou menos lógica.
Mas essa visão gerou polêmica e críticas.
Alguns estudiosos argumentavam que toda
informação do programa do computador havia
sido colocada por um humano; logo, o solucionador de problemas estava apenas fazendo
o que fora programado para fazer. Uma outra
linha de crítica versava sobre a capacidade
dos seres humanos de criar atalhos para solução de problemas, enquanto que os computadores apenas repetiriam processos prédefinidos.
Conforme Gudwin (2005) relata, os filósofos tais como John Searle, Daniel Dennet,
Patrícia Churchland, entre outros, ocupavamse com questões como: pode haver máquinas
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dotadas de inteligência comparável à inteligência humana? Paralelamente a esse embate,
os cientistas e os engenheiros de computação,
passaram a dotar as máquinas de “mentes artificiais”, seguindo os modelos definidos nas
ciências cognitivas.
Segundo Pozzebon e colaboradores
(2004), surgiram diferentes teorias na Inteligência Artificial, em razão da indefinição do
principal conceito que é o de inteligência humana. Dentre elas, a de Vignaux (1995) questionava se era necessário fornecer ao computador uma avalanche de dados, ou se era necessário basear o estudo da cognição no nível
inferior da percepção, conciliando essas duas
vertentes em uma terceira teoria híbrida, segundo a qual a máquina seria capaz de raciocinar utilizando conceitos complexos e de
perceber o seu meio envolvente.
Por volta dos anos 40 havia dois paradigmas vigentes relacionados à Inteligência
Artificial, o simbólico e o conexionista. A Inteligência Artificial Simbólica privilegiou estudar a mente humana, utilizando-se de simulações e representações mentais através de
programas autônomos em relação ao hardware. Já a Inteligência Artificial Conexionista
acreditava que, construindo-se um sistema
que simule a estrutura do cérebro, este sistema apresentará inteligência, ou seja, será capaz de aprender, assimilar, errar e aprender
com seus erros.
Na primeira vertente, os sistemas especialistas foram o grande sucesso nas décadas de 70 e 80. Os sistemas especialistas são
sistemas dotados de inteligência e conhecimento, que trabalham com bancos de memórias, sendo capazes de estender as facilidades
de tomada de decisão para muitas pessoas. Ou
seja, são sistemas providos de mecanismos de
aprendizagem, capazes de analisar e gerar novas regras na base de dados, ampliando a capacidade de resolver problemas a cada vez
que são utilizados (Mendes, 1997).
Os primeiros Sistemas Especialistas
que obtiveram sucesso em seu objetivo foram
o sistema DENDRAL e MYCIN. O sistema
DENDRAL é capaz de inferir a estrutura molecular de compostos desconhecidos a partir
de dados espectrais de massa e de resposta
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magnética nuclear. O sistema MYCIN auxilia
médicos na escolha de uma terapia de antibióticos para pacientes com bacteremia, meningite e cistite infecciosa, em ambiente hospitalar
(Harmon e King, 1988).
Atualmente os Sistemas Especialistas
estão sendo revistos, uma vez que se apresentaram limitados em seu potencial de “aprender” novos conceitos. Estudos apontam para
um novo conceito dentro da inteligência artificial que é a utilização de redes neurais.
Para Teixeira (1998), computadores e
cérebros são sistemas cuja função principal é
processar informação e, assim, podem-se utilizar redes artificialmente construídas para
simular esse processamento. As redes neurais,
representantes do segundo paradigma anteriormente citado, consistem em um sistema
com circuitos que simulam o cérebro humano,
inclusive seu comportamento, sendo capaz de
aprender regras. Tais redes constituem um
intrincado conjunto de conexões entre as neuron-like units que estão dispostas em camadas
hierarquicamente organizadas.
De acordo com Fischler (1987), Rabuske (1995) e Barreto (1997), a abordagem
conexionista trouxe uma nova visão na tentativa de construir um modelo da mente, baseando-se em redes neurais. Apesar das limitações computacionais da época, destacaram-se
algumas conquistas relevantes, como o surgimento da cibernética, a modelagem de redes
de neurônios como um novo paradigma para a
arquitetura computacional e o desenvolvimento de alguns programas computacionais inteligentes que imitavam o comportamento humano.
5. Conclusão
A semelhança de conceitos existentes entre
a Ciência Cognitiva e a Ciência da Computação surge desde a primeira geração de cientistas, que acreditaram em uma ciência da cognição moldada à imagem do computador.
Conforme Gardner (2003) afirma, poderia
haver ciência cognitiva sem o computador,
mas ela não teria surgido quando surgiu, nem
tomado a forma que tomou, sem o aparecimento do computador.
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Os fatos se entrelaçaram em toda a história, criando uma intersecção de visões onde
a mente segue o funcionamento do computador e o computador busca o funcionamento da
mente. Mas a Ciência Cognitiva é uma área
em ebulição que ainda tenta firmar seus próprios caminhos – uma área onde o consenso
ainda está muito distante (Teixeira, 1998).
Para superar esse problema é necessária uma
integração entre as várias abordagens no que
tange ao estudo da mente e do cérebro. A
Ciência da Computação, por sua vez, tem
buscado simular o pensamento humano em
sua essência, uma tarefa nem um pouco fácil,
que vem se aperfeiçoando ao longo dos anos e
atualmente trabalha com o conceito de redes
neurais. Os sistemas especialistas que tiveram
seu auge nos anos 70 e 80 ressurgem com esta
abordagem, combinando a arquitetura convencional com uma arquitetura conexionista.
Não há dúvida de que o computador
tem sido uma ferramenta útil àqueles que querem testar virtualmente suas teorias sobre o
funcionamento da mente. Nesse sentido, os
cientistas vêm usando cada vez mais o computador como instrumentos de análise de dados e como laboratório para simulação dos
processos cognitivos. Mas, como aborda
Gardner (2003), ainda existem alguns cientistas que o consideram um mero brinquedo, atrapalhando ao invés de acelerar os esforços
para entender o pensamento humano. Nos
campos da lingüística e da psicologia ainda
existem reservas com relação à abordagem
computacional.
Nesse contexto, a Ciência Cognitiva, por
apresentar-se um elemento multidisciplinar,
pode buscar a integração do conhecimento
sobre o estudo da mente, encontrando uma
teoria unificada da cognição, juntamente com
estudiosos de várias áreas do conhecimento.
Para Teixeira (1998), o grande desafio da Ciência Cognitiva continua sendo efetuar progressos conceituais e empíricos que permitam
saber do que se está falando quando a referência é a mente ou a consciência.
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Submetido em 10/02/2007 | Revisado em 27/09/2007 | Aceito em 29/11/2007 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 03 de dezembro de 2007
Revisão
Estilo de vida como indicador de saúde na velhice
Life style as health indicator on ageing
Vera Lygia Menezes Figueiredo
Programa Interdisciplinar de Geriatria e Gerontologia, Hospital Universitário Antônio Pedro
(HUAP), Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, Rio de Janeiro, Brasil
Resumo
Uma revisão da literatura gerontológica objetivou explorar o tema do envelhecimento saudável, dando-se destaque aos fatores contribuintes para a manutenção da qualidade de vida. Dentre os fatores
pesquisados, o estilo de vida é considerado como um importante promotor de estímulos sócioemocionais que otimizam o funcionamento cognitivo. A conclusão sugere que estilo de vida possa
ser utilizado com um indicador de saúde, recebendo assim cuidadosa atenção quando se objetiva
promover ou prevenir a saúde na senescência. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 156-164.
Palavras-chave: velhice; estilo de vida; qualidade de vida; saúde coletiva; gerontologia.
Abstract
A gerontological literature review aimed to explore the healthy ageing emphasizing the contributive
factors for the maintenance of a life quality. Among the factors researched, life style is considered as
an important promoter of social-emotional stimuli that improve the cognitive functioning The conclusion suggests that life style may be used as a health indicator and it should earn careful attention
when the objective is to promote or prevent health in senescence. © Ciências & Cognição 2007; Vol.
12: 156-164.
Key Words: ageing; life style; life quality; collective health; gerontology.
Introdução
"Quantos velhos obstinados morrem intestados!
Para eles, trata-se menos de conservar até o fim seu tesouro
ou seu império já meio desligados dos seus dedos entorpecidos,
do que de não se instalar demasiado cedo no estado póstumo de um homem
que já não tem decisões a tomar, surpresas a causar,
ameaças ou promessas a fazer aos vivos."
Marguerite Yourcenar (1980: 96-97)
– V.L.M. Figueiredo é Psicóloga Clínica, Especialista em Psicologia Hospitalar (CPF) e Gerontologia (UFF).
Atua como voluntária pelo Programa Interdisciplinar de Geriatria e Gerontologia (HUAP/UFF) e como Coordenadora
do Plantão Psicológico e de uma Oficina de Estimulação Cognitivo-Expressiva em Grupo, voltados para idosos de
comunidade. E-mail para correspondência: [email protected].
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Nas sociedades modernas industrializadas, um fenômeno mundial recorrente é a
saída do indivíduo do cenário social via a aposentadoria e, comumente, coincidente com
a entrada na velhice. Apesar de a realidade
demográfica apontar para um crescimento
progressivo e expressivo da população idosa,
que já vêm alcançando com facilidade faixas
etárias longevas, o reengajamento funcional
ou mesmo ocupacional (que significaria o acesso aos núcleos socioculturais) não é estimulado ou mesmo valorizado por conta de
imagens ainda preconceituosas e/ou estereotipadas do indivíduo envelhecido. Assim, inexpressivos e insuficientes estímulos socioculturais aliam-se à sensação de inabilidade pessoal para conviver em um mundo estranho aos
seus hábitos e padrões adquiridos em gerações passadas, seja por uma tendência pessoal
à desvalorização de suas capacidades e habilidades, ou bem devido a uma dificuldade para abrir-se ao novo e permitir novas aprendizagens. O indivíduo idoso pode, paulatinamente, desobrigar-se de resgatar o seu sentido
de pertencimento social, deixando de ser alguém 'desejante'.
Além do desestímulo social, e por uma
série de fatores ligados às histórias pessoais e
às experiências de vida, muitos idosos permitem que o seu prazer de viver envelheça, impondo-se um isolamento social ou permitindo
que outros o façam. Outros há que vivem
bem, porém com uma vida bastante rotinizada
e pouco estimulante em termos cognitivos. E
ainda há outros idosos que, por desajustamentos psicológicos diversos, vivem sob uma
qualidade de vida inferior ao esperado.
Em comum para esses estilos vivenciais humanos descritos, pode-se então destacar: uso deficitário das funções cognitivas,
retração da expressividade emocional, e redução das trocas relacionais e com o meio. Este
empobrecimento da qualidade de vida na velhice não encontra respaldo científico: principalmente no primeiro terço da velhice, a
grande maioria dos idosos é saudável, tanto
do ponto de vista orgânico como cognitivo,
ou tem as suas cronicidades ainda sob contro-
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le, garantindo assim a possibilidade de manutenção da autonomia e da independência.
Envelhecimento populacional e o conceito
de saúde
O interesse pelo estudo dos fenômenos
do envelhecimento é gerado pelas projeções
de crescimento da população idosa nos Estados Unidos e em vários países da Europa, na
virada do século XX e em plena era industrial.
Tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, guardadas as devidas proporções diferenciadoras, três índices
epidemiológicos vêm mantendo-se em declínio: a mortalidade infantil, a mortalidade materna, e a mortalidade por doenças crônicas. O
resultado desta combinação vem significando
um crescente número absoluto de idosos que,
paulatinamente, irão somando ao contingente
populacional já existente. Há um consenso no
meio científico de a expectativa de vida ser
um dos indicadores mais importantes de saúde.
No entanto, somente por volta da década de trinta é que a Geriatria surge nos meios científicos como uma disciplina médica,
dedicando-se ao estudo das patologias compreendidas como senis e dos seus aspectos
curativos (Debert,1999). Da mesma forma
acontece com a Gerontologia, quando a partir
da década de cinqüenta os seus estudos são
sistematizados para a área do envelhecimento
normal, da prevenção e da qualidade de vida
na idade tardia, como apropriadamente justifica Néri (1995: 27), "{...} de explicar os determinantes e as características das mudanças
da velhice, que se tornam cada vez mais visíveis e, quando patológicas, cada vez mais onerosas para a sociedade”. As interfaces da
Gerontologia com diversas disciplinas, alcançando campos até mesmo transdisciplinares,
abrem dimensões de estudos e pesquisas enriquecedores.
A velhice, hoje, é uma realidade que
tem longevidade. O crescimento da população
de idosos, em números absolutos e relativos,
já é um fenômeno mundial. Em 1950 eram
cerca de 204 milhões de idosos no mundo e,
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já em 1998, quase cinco décadas depois, este
contingente alcançava 579 milhões de pessoas
- um crescimento de quase oito milhões de
idosos por ano. Segundo Paschoal (apud Papaleo Netto, 1996), a expectativa média de
vida da população em geral (limite biológico)
encontra-se atualmente projetada em torno de
oitenta e cinco anos; para o Brasil de 2005
este índice já era de setenta e dois anos (Néri,
1995:36), o que contrasta enormemente com
aquela expectativa de vida do século passado
de até uns sessenta e oito anos de idade.
Envelhecer com saúde vem sendo,
portanto, o atual desafio para este século XXI,
como bem expressa a Organização Mundial
de Saúde (OMS)1:
"It is time for a new paradigm, one that
views older people as active participants
in an age-integrated society and as active contributors as well as beneficiaries
of development.” (WHO, 2002:43)2
A ciência já acumula pesquisas e estudos que oferecem algumas respostas sobre o
que é ser idoso, o que é a velhice, e o que
produz o envelhecimento humano. As diferenças individuais, entretanto, por estarem
delimitadas por eventos de origem psicológica, sócio-histórica e genético-biológica, trazem dificuldade para conceituar de um modo
homogêneo a tamanha heterogeneidade.
O conceito de saúde, redefinido pela
Organização das Nações Unidas (ONU) em
1947 como um estado de completo bem-estar
físico, psíquico e social, é conceituado em
1994 pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) como a busca de uma qualidade de
vida:
"It is an individual perception of his or
her position in life in the context of the
culture and value system where they
live, and in relation to their goals, expectations, standards and concerns. It is
a broad raging concept, incorporating in
a complex way a person's physical
health, psychological state, level of independence, social relationships, personal beliefs and relationship to salient
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features in the environment." (WHO,
2002:13)3
Este ampliado conceito de saúde, designado como 'Envelhecimento Ativo' (Active
Ageing), define o processo de otimizar oportunidades para a saúde, sendo o bem-estar
biopsicossocial uma de suas vertentes principais, e para uma participação ativa e em segurança de modo a aumentar a qualidade de
vida das pessoas que envelhecem.
Importante destacar que o planejamento estratégico desenvolvido no documento da
OMS prioriza os direitos e já não tanto as necessidades do indivíduo idoso. Em outras palavras, o objetivo é a não paternalização do
indivíduo idoso, devendo ser estimulado a
uma participação conjunta tanto no plano de
políticas públicas quanto na vida social e comunitária. Os seus direitos passam a ser destaque, principalmente nos aspectos da igualdade de oportunidade e do tratamento de saúde à medida que envelhece. No Brasil, a Política Nacional do Idoso, implementada em janeiro de 1994, mostra preocupação na formulação de uma política voltada para a velhice e
também para os que ainda irão envelhecer;
através do seu 'Plano de Ação Governamental'
(MPAS, 1996), a questão da prevenção é um
dos destaques, justificado por tratar-se de ações com menores custos e que produzem resultados sociais melhores.
Freitas e colaboradores (2001), a partir
de uma consistente revisão da literatura científica sobre pesquisas em Gerontologia e Geriatria, produzidas nos últimos vinte anos, apontam um equilíbrio nos estudos sobre a velhice e o envelhecimento: 53,8% em Geriatria
e 45,8% em Gerontologia. “Tal fato reforça o
sentido de que, na velhice, o declínio das habilidades físicas e mentais não resulta somente das conseqüências do avanço da idade, mas
também dos fatores socioculturais que contextualizam o idoso”. Outra análise feita pelos
autores diz respeito à ênfase das pesquisas na
promoção de saúde através da educação para
o autocuidado.
Senescência e a capacidade funcional
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Senescência é a condição humana de
quem está envelhecendo. Há um consenso na
literatura científica para designar, com este
termo, o envelhecimento humano normal,
sendo partes deste processo as alterações funcionais, orgânicas e morfológicas. Já para o
envelhecimento patológico, senilidade é o
termo mais utilizado, concorrendo às doenças
crônicas e/ou os quadros neurodegenerativos
que incapacitam ou restringem sobremaneira
a autonomia do indivíduo idoso.
Um estudo feito em janeiro de 1991,
no Canadá (apud Papaleo Netto, 1996: 314),
com uma população de idosos com mais de
75 anos, conclui que "quanto mais velho maior a incidência de problemas relacionados à
saúde e ao desempenho das atividades da vida
diária quando comparado com grupos etários
de 60-64 anos e 65-74 anos". Esta pesquisa
confirma resultados semelhantes de estudos já
realizados sobre a prevalência da demência
em idosos velhos; no Brasil, entre outras pesquisas, pode-se citar um estudo epidemiológico de 1998, realizada no interior de São Paulo
e conhecido como ‘Estudo de Catanduva’
(Herrera Jr et al., 1998).
Segundo a Organização Mundial de
Saúde (WHO, 2002), as doenças crônicas são
causas significativas e custosas de incapacidade e de reduzida qualidade de vida; isto tanto para os países desenvolvidos como para os
países em desenvolvimento. Porém, "incapacidades associadas com o envelhecimento e o
início da doença crônica podem ser prevenidos ou retardados" (WHO, 2002: 35). Enfatiza o órgão governamental que o alerta para o
envelhecimento patológico tem a ver com o
fato de que o declínio na capacidade funcional
pode ser prematuramente estimulado ou acelerado, bem como pode ser reversível em
qualquer idade através de medidas individuais
e das políticas públicas.
Dentre os fatores precipitantes de incapacidade funcional destaca-se a área cognitiva. Sua importância vem merecendo esforços por parte dos pesquisadores, em nível
mundial, para estudar o perfil cognitivo do
envelhecimento. Dada a heterogeneidade do
envelhecer, os estudos esbarram em dificuldades para classificar déficits cognitivos,
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principalmente aqueles relativos à memória.
Têm sido propostos diversos termos, tais como: alteração de memória associada à idade;
transtorno cognitivo leve; déficit cognitivo
leve; e etc., que alguns estudiosos do assunto
acreditam poderem ser condições intermediárias entre o normal e o patológico. Por outro
lado, quando se intenta classificar as alterações cognitivas leves (ACL) como distúrbios
ou síndromes associados ao envelhecimento
(Korten et al., 1997; Petersen et al., 1999,
2001; Elias et al., 2000), por exemplo, os resultados das pesquisas não apresentam expressão significativa de modo a se poder inferir que aquelas alterações venham a ser um
fator de risco para o desenvolvimento posterior de um quadro de demência. Isto porque as
ACL não costumam comprometer as atividades sócio-ocupacionais e/ou as atividades diárias, não mostram significância clínica, não se
enquadram nos critérios diagnósticos para
síndromes demenciais ou transtornos psiquiátricos graves, e mais, somente a memória
primária (curto prazo) parece ser a função
cognitiva atingida; em termos de tratamento
clínico, ainda pouco se pode oferecer para
modificar tal condição alterada. Destarte, não
se pode afirmar que o declínio das funções
cognitivas globais seja típico do envelhecimento, já que dados de pesquisas efetivadas
com idosos normais de idades até avançadas
mostram-se inconclusos (Rubin et al., 1998).
A depressão é apontada em alguns estudos
como causadora de problemas de memória e,
em outros, como sendo um dos sintomas primários de quadro demencial do tipo de Alzheimer. Apesar de ser considerada como o
segundo mais comum distúrbio psiquiátrico
na velhice (Wetterling e Junghanns, 2004),
ainda mostra-se clinicamente inconcluso distinguir déficits cognitivos vistos na depressão
com aqueles no demenciamento progressivo
(Lamberty e Bieliauskas, 1993; Flicker et al.,
1993; Fischer et al., 2002).
Em poucas palavras, se define falhas
mnêmicas, popularmente conhecidas como
‘falhas de memória’, como alterações funcionais genéricas quando não comprometem a
autonomia e a independência de indivíduos
idosos.
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A conhecida expressão de alerta dos
estudiosos das Neurociências – ‘tudo que não
é usado é perdido’ vem a ser produto de inúmeros estudos e pesquisas sobre o funcionamento cerebral. Citando alguns: Izquièrdo
(2004: 46) comenta que “a maior parte dos
esquecimentos resulta da falta de uso das sinapses (...) o uso reiterado das sinapses causa
o seu crescimento e sua melhora funcional”;
além disso, traça uma conexão direta entre
memórias e emocionalidade ao dizer que
“(…) os maiores reguladores da aquisição, da
formação e da evocação das memórias são
justamente as emoções e os estados de ânimo”. Ainda segundo este autor, “a atenção e a
concentração são as capacidades mais exigidas para tal” (2002: 12). Damásio (1996: 117)
destaca a interação do organismo com o ambiente, sendo suas relações “mediadas pelo
movimento do organismo e pelos aparelhos
sensoriais”, e onde “a comunicação dos setores de entrada entre si e dos setores de entrada
com os de saída não é direta, mas antes mediada pela utilização de uma arquitetura complexa de agregados de neurônios interligados”
(Damásio, 1996: 119). Néri (1995) informa
que pesquisas conduzidas por Baltes e colaboradores, no Instituto Max Planck4, apontam
para uma possível compensação de perdas
mnêmicas com treino da memória, associando
os melhores resultados com boas condições
biológicas. Estudos conduzidos com animais
sobre novas experiências e mudanças nos padrões neuronais corticais mostram que a experiência muda preferências neuronais, a partir
de novas aprendizagens; um desses estudos é
o de Sheinberg e Logothetis (2001).
Apesar dos esforços empreendidos a
produção científica, até o momento, exibe resultados controversos quanto à possibilidade
de falhas mnêmicas poderem servir como
marcadores da condição do envelhecimento
humano para uma diferenciação entre uma
condição benigna de declínio cognitivo e uma
pré-morbidez demencial. O que se depreende
dos vários estudos e pesquisas efetivados vem
reforçar a importância de se pensar o idoso a
partir do que ele preserva em si e do que é
possível de ser otimizado. Para se ter uma velhice saudável a questão central não é impedir
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o declínio funcional biológico, porém disponibilizar instrumentos que auxiliem na preservação daquilo que é fundamental à condução
da vida (qualidade de) no idoso: capacidade
funcional. Manter esta capacidade na velhice
significa, por conseguinte, otimizar recursos
que retardem a deterioração das habilidades
individuais e/ou que expandam potenciais inéditos, dentro dos parâmetros normais considerados aceitáveis para esta população específica.
Capacidade funcional tem como principais atributos a autonomia e a independência, considerados como os fatores diferenciadores no resvaladiço terreno entre a senescência e a senilidade.
Consoante a Organização Mundial de
Saúde (WHO, 2002: 13), autonomia: “(…) is
the perceived ability to control, cope with and
make personal decisions about how one lives
on a day-by-day basis, according to one's own
rules and preferences". Independência, por
sua vez, “(…) is commonly understood as the
ability to perform functions related to daily
living – i.e. the capacity of living independently in the community with no and/or little
help from others.”5
Estilo de vida como indicador de saúde na
velhice
A prática profissional junto à população idosa costuma defrontar-se com queixas
de falhas mnêmicas relatadas pelos próprios
e/ou pelos seus familiares, preocupados com o
espectro dos quadros demenciais. Descartados
os principais fatores precipitantes (hereditários, alterações ou doenças orgânicas, induções por substâncias), e quando não se encontra respaldo objetivo para as ditas queixas,
Figueiredo (2003) alerta para serem investigados os aspectos psicossociais e comunicacionais (relação eu-mundo); pois, muitas
das vezes, a desarmonia nas emoções, a insuficiente estimulação intelectual e o retraimento na vida de relação podem ser os propulsores de falhas mnêmicas, por efeito contraposto
e de forma cumulativa. Canongia e colaboradores (2004) alertam para a morte em vida,
caracterizada por um abandono existencial
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auto-imposto, isto é, pelo próprio indivíduo
idoso, tendo como pano de fundo as situações
vividas ao longo de sua existência, paralisantes do seu viver pelo alto custo emocional envolvido.
Smits e colaboradores (1999) apontam
os fatores psicológicos e a capacidade cognitiva como fortes preditores do envelhecimento
ativo e da longevidade. Para esses autores, os
declínios no funcionamento cognitivo são
disparados pelo desuso, enfermidades, fatores
comportamentais, fatores psicológicos e sociais, mais do que pelo envelhecimento em si.
Bassuk e colaboradores (1999), face os resultados de um estudo longitudinal, concluem
que o desengajamento social é um fator de
risco para o comprometimento cognitivo em
adultos idosos. Herculano-Houzel (2002: 166)
aponta a rotina e o cotidiano repetitivo em
que estacionam alguns indivíduos como responsáveis por pouco exercício para o cérebro.
“É sabido que problemas novos colocam para
funcionar muito mais neurônios no córtex do
que outros que podem ser resolvidos ‘sem
pensar’, no ‘modo automático’”.
Pode-se entender, então, porque estilo
de vida e cognição compartilham uma estreita
relação: a redução da qualidade de um afeta
diretamente a qualidade do outro.
A qualidade de vida na senescência
vem sendo uma preocupação hodierna da Gerontologia, enfatizando-se a importância da
promoção e prevenção de saúde. Pois, apesar
de o declínio na capacidade funcional poder
estar influenciado tanto por fatores ligados ao
estilo de vida do adulto como ao seu ambiente
externo, estudos conduzidos em diversos países, na área da biogerontologia, vêm apontando a supremacia do estilo de vida entre os fatores de saúde e longevidade, no processo de
envelhecimento. A OMS traça, em suas publicações, uma estreita relação entre manutenção de comportamentos favoráveis e envelhecimento saudável (WHO, 2002). Conforme
Silva (2001), a autonomia e a saúde mental
são apontadas como contribuintes principais
para a satisfação de viver, possibilitando a
vivência de uma velhice bem–sucedida. Guimarães (1999: 100) afirma que "o maior indicador do bem-estar na maturidade e na velhi-
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ce é o conceito que as pessoas têm de si mesmas e não a presença de problemas ou indicadores clínicos". Néri (1995) discrimina a velhice bem sucedida em perspectivas socioculturais e individuais; no tocante a esta última,
diz que "[...] depende, pois, do delicado equilíbrio entre as limitações e as potencialidades
do indivíduo, o qual lhe possibilitará lidar,
com diferentes graus de eficácia, com as perdas inevitáveis do envelhecimento” (Néri,
1995: 34). Freire e Rezende (apud Néri, 2001)
entendem que velhice bem sucedida é um
conjunto de recursos necessários à pessoa para enfrentar eventos estressantes, envolvendo
habilidades e capacidade para solucionar problemas, bem como a capacidade social. Resultados de pesquisas originadas do Seattle
Longitudinal Study6 (Schaie, 1993) revelam
pertinente relação entre flexibilidade comportamental e adaptação na velhice. Destes estudos mencionados se depreende que a capacidade de adaptação a mudanças está diretamente associada a altos graus de abertura à
experiência.
Bem-estar subjetivo, enquanto uma
das vertentes do atual paradigma do ‘Envelhecimento Ativo’ (WHO, 2002: 43), é considerado pela literatura científica como um dos
principais propulsores para a competência adaptativa7 do indivíduo idoso; isto porque envolve uma abertura à experiência e uma flexibilidade comportamental.
Importante lembrar que mudanças no
estilo de vida podem e devem ser estimulados
junto ao idoso, porém não é algo que se adquire no meio exterior. Estudos gerontológicos concluem consensualmente para a importância de o indivíduo idoso ser o promotor de
atitudes positivas que o levarão a enfrentar,
com qualidade, esta sua etapa evolutiva
(WHO, 2002; Silva, 2001; Baltes, 1994). Assim explica Wood, ao discorrer sobre mudanças atitudinais (1994: 271): “Os seres humanos, ao mudarem as atitudes internas de suas
mentes, podem mudar os aspectos externos de
suas vidas”; este autor entende que estar-se
receptivo para mudanças advém, essencialmente, de um processo sentido pelo indivíduo, de uma receptividade nem sempre conscientizada ou pronta - uma prontidão em po-
161
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tencial. E. Rogers (1991: 166), ao conceituar
o objetivo do processo do viver, argumenta:
“A ‘vida plena’ é um processo, não um
estado de ser. É uma direção, não um
destino. A direção representada pela
‘vida plena’ é aquela que é escolhida
pelo organismo total, quando existe liberdade psicológica para se mover em
qualquer direção.” (grifos do autor)
Considerações finais
A linha divisória entre senescência e
senilidade pode ser traçada a partir da capacidade funcional e da cognição. Por outro lado,
ao se focalizar promoção e prevenção de saúde, o estilo de vida de um indivíduo idoso deve ser levado em alta consideração, dentre os
outros indicadores de saúde. A revisão da literatura gerontológica efetivada aponta a importância do estilo de vida para a qualidade do
viver na velhice.
Deve ser salientado que estilo de vida
e bem-estar subjetivo são produtos da conscientização do indivíduo de suas necessidades,
desejos, limitações, potencialidades e, principalmente, do grau de abertura individual à
aceitação e incorporação de novas experiências; enquanto aspectos passíveis de oscilações temporais necessitam de eventuais adaptações ou ajustamentos.
A adaptação a este novo ciclo vital,
para dar conta de transformações plurais que
estarão acontecendo ao longo do processo de
envelhecimento, traz a necessidade de mudanças na postura frente à vida e o viver. Utilizando-se as habilidades individuais e os potenciais ainda disponíveis (às vezes até mesmo alguns inéditos), em forma de aprendizagem, o indivíduo idoso terá condições de responder aos desafios.
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Notas
(1) As chamadas de citação para OMS constarão nas Referências bibliográficas sob a entrada World Health Organization.
(2) Tradução livre: "Já é tempo para um novo paradigma, aquele que vê as pessoas idosas como participantes ativos em
uma sociedade integrada etariamente, e como contribuintes ativos assim como beneficiários do desenvolvimento".
(3) Tradução livre: É uma percepção individual de sua (dele ou dela) posição frente à vida, no contexto cultural e no
sistema de valores onde vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e conceitos. É um amplo conceito,
incorporando de um modo complexo a
saúde física de uma pessoa, o estado psicológico, o nível de independência, as relações sociais, as crenças pessoais e a
relação com os aspectos relevantes no meio ambiente.
(4) Max Planck Institute for Human Development and Education. Berlim, Alemanha.
(5) Tradução livre: “Autonomia é a habilidade percebida para controlar, lidar com e tomar decisões pessoais sobre como se viver no dia-a-dia, de acordo com suas próprias regras e preferências". Independência, por sua vez, "é comumente
compreendida como a habilidade para desempenhar funções relacionadas ao viver diário, e.g., a capacidade de viver
independentemente na comunidade com nenhuma ou com pequena ajuda dos outros”
(6) Estudo longitudinal de Seattle.Trata-se de um estudo longitudinal investigativo de diferenças individuais e padrões
diferenciais de mudança para habilidades psicométricas selecionadas, efetivado ao longo de trinta e cinco anos, sobre o
desenvolvimento intelectual adulto.
(7) Termo utilizado por Freire (Néri e Freire, 2000: 24), que designa "{...} a capacidade generalizada para responder
com flexibilidade aos desafios resultantes do corpo, da mente, e do ambiente. {...} Como competência adaptativa, o
envelhecimento envolve a preservação e a expansão das reservas para o desenvolvimento pessoal".
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S u b me t i d o e m 1 6 / 1 0 / 2 0 0 7 | A c e i t o e m 2 6 / 1 1 / 2 0 0 7 | I S S N 1 8 0 6 - 5 8 2 1 – P u b l i c a d o o n l i n e
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Revisão
Interação e construção: o sujeito e o conhecimento no construtivismo
de Piaget
Interaction and construction: the subject and the knowledge in the constructivism of Piaget
Isabelle de Paiva Sanchis e Miguel Mahfoud
Programa de Pós-graduação em Psicologia, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Resumo
O construtivismo de Piaget trata o conhecimento como uma construção, a partir da ação do sujeito,
numa interação com o objeto do conhecimento. Este artigo trata da importância da interação, na teoria
de Piaget, não apenas para a construção do conhecimento, mas também para a própria constituição e
construção do sujeito. São analisados os conceitos construtivistas que se referem aos mecanismos gerais de funcionamento da inteligência, através dos quais as noções de interação e de construção podem
ser definidas; e aludidos conceitos presentes nas últimas obras de Piaget, com o objetivo de mostrar o
fio condutor entre os mecanismos mais gerais e mais específicos da inteligência humana como sendo a
ação, dentro de uma interação. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 165-177.
Palavras-chave: construtivismo de Piaget; sujeito; interação; conhecimento; construção.
Abstract
The constructivism of Piaget treats the knowledge as a construction, from the action of the subject, in
an interaction with the object of the knowledge. This article deals with the importance of the interaction, in the theory of Piaget, not only for the construction of the knowledge, but also for the constitution and construction of the subject. The constructivists concepts related to the general mechanisms of
functioning of intelligence are analyzed, through which the notions of interaction and construction
can be defined; and concepts of the last workmanships of Piaget are alluded, with the objective to
show the permanence of the importance of the action, in a interaction, in his whole work. © Ciências
& Cognição 2007; Vol. 12: 165-177.
Key Words: constructivism of Piaget; subject; interaction; knowledge; construction.
Piaget, ao longo de sua obra, discutiu
questões colocadas em diversas áreas da ciência. Questões propriamente biológicas, em
seus primeiros trabalhos; sociológicas, como
em “Estudos Sociológicos” (1965/1973b); as
relações entre ciência e filosofia, em “Sabedo-
ria e Ilusões da Filosofia” (1965/1969); as relações entre psicologia e pedagogia, em “Psicologia e Pedagogia” (1969/1970b); ou ainda
questões sobre a história da ciência, em “Psicogênese
e
História
da
Ciência”
(1983/1987a), em parceria com Rolando Gar-
- I.P. Sanchis é Psicóloga e Mestre em Psicologia Social (UFMG). E-mail para correspondência:
[email protected].
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cia. Mas as questões que ocuparam a maior
parte de sua produção e que nunca o abandonaram eram questões epistemológicas: o que é
o conhecimento, qual sua origem, como se
transformam o conhecimento e o sujeito do
conhecimento ao longo do tempo? As respostas para essas perguntas foram buscadas por
ele através do ponto de vista do sujeito que
conhece, visto como construtor e ao mesmo
tempo resultado desse processo. O fato de Piaget ter se preocupado com o que acontece no
sujeito suscitou interpretações que tomam sua
teoria como uma psicologia cognitiva individual. Como coloca Lajonquière (1997), há
interpretações que, mesmo reconhecendo a
importância da interação, reduzem-na a uma
interação entre duas realidades previamente
separadas: o sujeito e a realidade. Queremos
mostrar aqui que a interação está no fundamento mesmo da construção de um e outro
pólo.
Através do método clínico, Piaget
buscou conhecer o desenvolvimento das formas de interação do sujeito com a realidade
(Delval, 2000), e a construção do conhecimento delas decorrente. A partir de 1936, com
“O Nascimento da Inteligência na Criança”, e
logo em seguida (1937) com “A Construção
do Real”, Piaget procurou pelo início do conhecimento, pela passagem do biológico ao
cognitivo através da interação mediada pela
ação do sujeito dirigida ao objeto; e pela relação que o sujeito e o objeto mantêm, cada um,
com a construção do conhecimento, como
também um com o outro. É nesse momento
que ele coloca explicitamente a ação do sujeito, em uma interação com o objeto, como fonte do conhecimento (Parrat-Dayan, 2006), ainda que só fale explicitamente em sujeito epistêmico mais tarde, no fim dos anos 50
(Montangero e Maurice-Naville, 1994/1998).
Os conceitos fundamentais tratados nessas
obras, que se referem aos mecanismos mais
gerais de funcionamento da inteligência (adaptação, organização, assimilação e acomodação), já trazem a idéia de que o sujeito se
constitui na interação com o objeto; e que é a
própria interação que permite a construção do
sujeito, do objeto e do conhecimento. Idéia
que permanece até sua última obra. Assim, a
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interação entre o sujeito e o mundo tem não
apenas um caráter construtivo, mas também
constitutivo.
Gênese de uma teoria
No construtivismo de Piaget, o processo de construção do conhecimento confunde-se com o próprio processo de constituição
e de desenvolvimento do sujeito, na sua relação com o mundo, que é físico e ao mesmo
tempo simbólico. Esse sujeito se define como
tal a partir do momento em que se constitui
junto com o objeto do conhecimento, que não
é apenas, nem necessariamente, físico. Dessa
forma, falar em construção do conhecimento
significa falar ao mesmo tempo em construção do sujeito que conhece e do objeto a ser
conhecido. Ambos “aparecem como resultado
de um processo permanente de construção”
(Coll, 1987: 186).
Piaget opôs-se ao mesmo tempo ao
apriorismo, que considera o processo de conhecimento como fruto de uma estrutura
pronta do sujeito; e ao empirismo, que parte
do princípio que o conhecimento provém exclusivamente do que é externo ao sujeito. No
primeiro caso, o sujeito já nasce “pronto”;
enquanto que no segundo, o sujeito é dissolvido, se transforma no próprio objeto, por adquirir como conhecimento uma cópia do real.
Para ele, a natureza de todo conhecimento
consiste na constituição de uma relação entre
o sujeito e o objeto:
“(...) o conhecimento repousa em todos
os níveis sobre a interação entre o sujeito e os objetos, (...) mesmo quando o
conhecimento toma o sujeito como objeto, há construções de interações entre
o sujeito-que-conhece e o sujeitoconhecido.” (Piaget, 1967b: 590, tradução dos autores)1
Isto significa, por um lado, que as estruturas cognitivas do sujeito não estão prontas ao nascer2, e por outro, que o sujeito conhece e interpreta o mundo a partir de estruturas próprias, apesar de não serem estanques.
A palavra construtivismo se refere exatamente
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a essa relação entre a estrutura e o processo
que permite a transformação da própria estrutura. E esse processo se funda na interação
entre o sujeito e o objeto, o que faz com que
as estruturas sejam construídas ao mesmo
tempo pelos dois, ou melhor, pela relação estabelecida entre eles. A interação é mediada
pela ação do sujeito. Ou seja, todo conhecimento está, em todos os níveis, ligado à ação:
“Conhecer não consiste, com efeito, em copiar o real, mas em agir sobre ele e transformálo” (Piaget, 1967/1973a: 15), dentro de um
sistema de interações. Como colocam Becker
e Franco (1999: 7): “(...) o conhecimento se
constitui na medida em que ele se desfaz - ele
não é coisa, mercadoria, mas relação criada
pela ação humana”. Isso significa que o conhecimento não é cumulativo. O que é estável
num determinado momento deve se desestabilizar, para que um novo arranjo seja feito. E
essa ação se dá através dos mecanismos subjacentes aos processos construtivos das estruturas do sujeito, mais especificamente a assimilação e a acomodação. Piaget define pela
primeira vez com precisão esses conceitos no
momento em que procura pelas relações entre
o funcionamento dos seres vivos em geral e a
inteligência, e quando busca compreender a
constituição do sujeito em seu início, num
processo que leva à construção de uma estrutura sensório-motora.
Mesmo que Piaget tenha abandonado
os estudos propriamente biológicos, presentes
em seus primeiros trabalhos, suas questões
iniciais sobre a adaptação dos seres vivos
permaneceram. Ao desenvolver sua teoria da
epistemologia genética, buscou encontrar as
relações entre o biológico, o psicológico e o
epistemológico. Sua obra “Biologia e Conhecimento” (1967/1973a), publicada originalmente em 1967, tem essa preocupação explícita em seu sub-título: “Ensaio sobre as relações entre as regulações orgânicas e os processos cognoscitivos”. Mas já em “O Nascimento da Inteligência na Criança”
(1936/1975c), de 1936, 31 anos antes, essas
relações são enfatizadas, principalmente na
introdução, com o título de “O Problema Biológico da Inteligência”.
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Nestas duas obras, Piaget (1967/
1973a, 1936/1975c) trata detalhadamente do
que ele acredita ser a continuidade entre o biológico e o intelectual, a partir de dois tipos
distintos de fatores hereditários para o ser
humano. No entanto, Piaget não fala de uma
continuidade linear, e alerta para os reducionismos possíveis decorrentes dessa interpretação:
“Há dois métodos que não devem ser
seguidos. (...) o método que conduz a
projetar nas estruturas ou fenômenos de
ordem inferior os caracteres das estruturas ou fenômenos de ordem superior
(inteligência, consciência intencional,
etc); (...) ou o método que consiste em
suprimir as características originais dos
níveis superiores para reduzi-los de uma
vez só (...) aos níveis inferiores (redução da compreensão inteligente a associações condicionadas, etc). Nos dois
casos a comparação entre as funções
cognoscitivas e as formas elementares
de organização torna-se inoperante.”
(Piaget, 1967/1973a: 51-52)
O primeiro tipo de fator hereditário é
de ordem estrutural, e se refere ao sistema
nervoso e aos órgãos sensoriais, que colocam
certos limites ao nosso conhecimento e à nossa percepção (e ao mesmo tempo possibilitam
a construção do conhecimento propriamente
humana). Dessa forma, só conseguimos escutar um som, por exemplo, que esteja dentro de
uma determinada escala. Esses fatores estruturais influem na construção de noções fundamentais (como o espaço) de modo a restringir as nossas possibilidades de percepção:
“As nossas percepções são tão-somente aquilo
que são, entre todas as que seriam concebíveis” (Piaget, 1936/1975c: 14). Já o segundo
tipo diz respeito ao funcionamento da inteligência, e não à transmissão de uma ou outra
estrutura específica. Esse funcionamento é
traduzido pelas duas grandes invariantes funcionais: a adaptação e a organização, que,
como diz Abib (2003), dizem respeito a uma
propensão para a transformação e para a cons-
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trução de um sistema de relações e coordenações, respectivamente.
A adaptação e a organização são as características fundamentais de qualquer ser vivo. Mas, se:
“O organismo adapta-se construindo
materialmente novas formas para inserilas nas do universo, [a inteligência] prolonga tal criação construindo, mentalmente, as estruturas suscetíveis de aplicarem-se às do meio.” (Piaget,
1936/1975c: 15-16)
E Piaget completa:
“Afirmar que a inteligência é um caso
particular da adaptação biológica equivale, portanto, a supor que ela é, essencialmente, uma organização e que sua
função consiste em estruturar o universo
tal como o organismo estrutura o meio
imediato” (Piaget, 1936/1975c: 15, grifo nosso).
Assim, se a inteligência estrutura o universo, ele é o universo humano, que supõe o
mundo físico, assim como a cultura, as redes
simbólicas, os valores, as relações e seus significados
(Becker,
2003;
RamozziChiarottino, 1997). Além do quê, não há uma
equivalência entre as funções gerais de qualquer ser vivo e as funções especificamente
humanas:
“(...) se as funções que caracterizam os
mecanismos cognoscitivos fossem exatamente as mesmas que as grandes funções do organismo em geral, isto significaria que o conhecimento não contém
nenhuma função própria. Daí decorreria
duas conseqüências igualmente absurdas, a saber, ou a inteligência já está
presente em todos os níveis da vida orgânica, ou nada introduz de novo e não
contém, assim, nenhuma razão funcional de desenvolvimento.” (Piaget,
1967/1973a: 170)
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Os conceitos de inteligência e de intencionalidade só fazem sentido se referidos
ao ser humano. Pode-se falar em coordenação
de esquemas conceituais ou sensório-motores
como inteligência, mas “nada disso se aplica
ao genoma” (Piaget, 1967/1973a: 53). E
quanto ao conceito de intencionalidade3, ele
só “tem sentido no caso da consciência, e não
tem mais nenhum fora dos atos mentais.” (Piaget, 1967/1973a: 54).
A adaptação, na perspectiva de Piaget,
não significa um estado, e nem pressupõe um
equilíbrio com o ambiente, uma adequação do
sujeito com o meio. Pelo contrário, ela é o
próprio processo -dialético- que permite uma
transformação permanente, tanto de um, como
do outro. O processo de adaptação é regido
por dois mecanismos, que supõem, ambos, a
ação do sujeito (por isso há transformação): a
assimilação e a acomodação, que são “os dois
pólos de uma interação que se desenvolve entre o organismo e o meio, a qual constitui a
condição indispensável de todo funcionamento biológico e intelectual” (Piaget, 1937/
1975a: 328). Mas as formas biológicas de assimilação são hereditárias, enquanto que “aquilo que é característico das assimilações
cognitivas é construir sem cessar novos esquemas em função dos precedentes ou acomodar os antigos” (Piaget, 1983/1987a: 246).
Adaptação, nesse sentido, confunde-se
com a própria inteligência. Melhor dizendo, a
inteligência seria a forma de adaptação humana, que, enquanto assimilação, “(...) incorpora
nos seus quadros todo e qualquer dado da experiência” (Piaget, 1936/1975c: 17), conservando o ciclo de organização anterior, e coordenando os dados para que seja possível incorporá-los a esse ciclo. E enquanto acomodação modifica o próprio ciclo já organizado,
de modo a responder às exigências do meio.
A inteligência, vista dessa perspectiva, se distingue de uma concepção pré-formista, como
também daquela que a toma como o resultado
de um processo. Ela é o próprio processo.
Tanto que os esquemas mesmos de ação “são
‘formas’ da organização vital, mas formas
funcionais de estrutura dinâmica e não material” (Piaget, 1967/1973a: 45). A adaptação
não é, então, o equilíbrio progressivo entre o
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sujeito e o meio, mas sim entre os mecanismos de assimilação e acomodação, através de
um processo em que sujeito e objeto são construídos em parceria. Ela não tem como objetivo atingir uma harmonia perfeita entre os sujeitos e o mundo. Pelo contrário, supõe um
desequilíbrio permanente, para que novas estruturas possam surgir. Significa, em suma, a
abertura para as possibilidades de compreensão e de relacionamento com o mundo.
Apesar das diferenças de natureza que
separam a vida orgânica, a inteligência prática
ou a inteligência reflexiva, a adaptação em
todos os casos é possibilitada pela assimilação
dos objetos (que também são de naturezas diferentes) pelo sujeito4. E a partir daquilo que é
incorporado, o sujeito se reorganiza de modo
a se incorporar ao objeto:
“A assimilação nunca pode ser pura,
visto que, ao incorporar os novos elementos nos esquemas anteriores, a inteligência modifica incessantemente os
últimos para ajustá-los aos novos dados.
Mas, inversamente, as coisas nunca são
conhecidas em si mesmas, porquanto
esse trabalho de acomodação só é possível em função do processo inverso de
assimilação.” (Piaget, 1945/1975b: 18)
A organização, segunda invariante
funcional, caminha necessariamente junto
com a adaptação, como a outra face de um
mesmo mecanismo. Nas palavras de Piaget,
ela é “(...) o aspecto interno do ciclo do qual a
adaptação constitui o aspecto exterior” (Piaget, 1936/1975c: 18). Ou seja, enquanto a adaptação diz respeito à relação do sujeito com
o que é exterior a ele (experiência), a organização atua na relação do sujeito consigo próprio (atividade racional), permitindo novas
maneiras de adaptação, que por sua vez permitem novas formas de organização. Nenhum
esquema ou operação intelectual está desconectado de todos os outros. “Todo e qualquer
ato de inteligência supõe um sistema de implicações mútuas e de significações solidárias” (Piaget, 1936/1975c: 19). A partir disso,
pode-se ver que conhecimento significa necessariamente relação. Tanto do sujeito com o
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mundo, como entre os esquemas e as estruturas próprias do sujeito. A possibilidade de o
sujeito se constituir como tal, assim como o
objeto, está na existência desta relação, sendo
que “(...) a atividade do sujeito é relativa à
constituição do objeto” e que há “uma interdependência irredutível entre a experiência e
a razão” (Piaget, 1936/1975c: 26). A própria
conservação,
procurada
pela
autoorganização, diz respeito à transformação:
“Não se trata, porém, da manutenção de
estados ou estruturas, mas, isto sim, da
preservação do processo, ele mesmo, de
auto-organização: o que se preserva é a
invenção incessante de novas possibilidades.” (Abib, 2003: 64)5
Através desse duplo processo de adaptação e organização, e consequentemente da
assimilação e da acomodação, há uma relação
permanente entre estrutura e gênese, pois são
esses processos que permitem a construção
das estruturas.
As estruturas são construídas ao longo
do tempo através de um processo dialético.
Uma estrutura tem o caráter de totalidade, de
transformação e também de auto-regulação
(Piaget, 1970a). No entanto, Piaget reivindica
a todo momento a existência de um sujeito
como centro organizador das próprias estruturas:
“Se as estruturas existem e comportam
mesmo, cada uma, sua auto-regulação,
fazer do sujeito um centro de funcionamento não significa reduzi-lo à posição
de simples teatro, como o censurávamos
à teoria da Gestalt e não é voltar às estruturas sem sujeito, com as quais sonham um certo número de estruturalistas atuais? Se elas permanecessem estáticas, é evidente que seria este o caso.
Porém, se por ventura se pusessem a estabelecer ligações entre si, de outro modo que por harmonia pré-estabelecida
entre mônadas fechadas, então o órgão
de ligação volta a ser, de direito, o sujeito.” (Piaget, 1968/1970a: 58)
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Ou seja, o sujeito existe apesar das estruturas, ou porque “de maneira geral, o ‘ser’
das estruturas é sua estruturação” (Piaget,
1968/1970a: 114). Dessa forma, pode-se pensar a relação entre o ser e o tornar-se como
um dos pontos mais importantes do construtivismo piagetiano (Macedo, 1994).
O processo dialético é caracterizado pela
construção de “interdependências não estabelecidas até então entre dois sistemas, [de] interdependências (...) entre as partes de um
mesmo objeto” (Piaget, 1980/1996a: 199), de
superações que levam a uma nova totalidade.
Como também pela “intervenção de circularidades ou espirais na construção das interdependências” e por desembocar em relativizações, já que “um caráter até então isolado” é
posto “em relação com outros pelo jogo das
interdependências” (Piaget, 1980/1996a: 198200). Isso significa que há interdependência
em todos os níveis: entre a assimilação e a
acomodação, entre os esquemas e também
entre as estruturas e a totalidade. Ou seja, a
principal característica da dialética é a “construção de interdependências entre domínios
ou subsistemas concebidos anteriormente como opostos ou sem relação entre si” (Montangero e Maurice-Naville, 1994/1998: 72).
Piaget refere-se ao papel da dialética como
sendo o de constituir “o aspecto inferencial de
toda equilibração” (Piaget, 1980/1996a: 200),
sendo que a equilibração não é a manutenção
de um estado ou estrutura, mas sim um “processo construtivo que conduz à formação de
estruturas” (Piaget, 1980/1996a: 200). O processo dialético gera superações (equilibração
majorante) que constituem uma mudança qualitativa em relação ao estado anterior, sem
que, com isso, os elementos presentes anteriormente deixem de fazer parte da nova organização:
“Enfim, o construtivismo relacional ou
dialético, por sua dupla preocupação
com a totalização e a formação histórica, é naturalmente levado a fazer a síntese entre as considerações de estrutura
e de gênese.” (Piaget, 1967a: 1238, tradução dos autores)6.
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Então, a constituição das estruturas
não pode “ser dissociada do desenrolar histórico da experiência” (Piaget, 1936/1975c:
359). E essa importância da formação histórica vem desde os esquemas mais elementares:
“Um esquema resume em si o passado e consiste sempre, portanto, em uma organização
ativa da experiência vivida” (Piaget,
1936/1975c: 56). Piaget diz ainda “da impossibilidade de divorciar qualquer conduta, seja
ela qual for, do contexto histórico de que ela
faz parte” (Piaget, 1936/1975c: 56).
O construtivismo apresenta, por defender uma construção possibilitada pela interação, um modo de existir relacional, tanto do
sujeito quanto do objeto (Abib, 2003). Dessa
forma, o objeto nunca é “coisa”, é sempre relação, pois ele também depende da interação
para se constituir como objeto. Até mesmo
características físicas de um objeto, por exemplo, o fato de ser sólido, é já um fenômeno constituído por sua relação com o sujeito.
Não há outra maneira de perceber e significar
um objeto, a não ser a partir das estruturas e
da ação do sujeito. No entanto, isso não significa que o sujeito crie o objeto, independente
do próprio objeto, pois ele é, de fato, um dos
dois pólos a constituir a relação.
Em “A Construção do Real na Criança”, Piaget trata especificamente desse ponto,
fundamental, do papel da relação na constituição do sujeito e do objeto, desde o nascimento
de toda criança:
“(...) assimilar significa, desde esse
momento [em que se instaura um conjunto de relações elaboradas pela atividade do sujeito com os objetos], compreender e deduzir, e a assimilação confunde-se com a relacionação.” (Piaget,
1937/1975a: 7)
E continua:
“(...) o sujeito assimilador entra em reciprocidade com as coisas assimiladas:
a mão que apanha, a boca que chupa ou
o olho que observa, deixam de limitarse a uma atividade inconsciente de si
própria; embora concentrada em si pró-
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pria; passam a ser concebidas pelo sujeito como coisas entre coisas, mantendo com o universo relações de interdependência.” (Piaget, 1937/1975a: 7)
Quando a criança nasce, o universo
para ela não é composto por objetos permanentes, presentes em um espaço objetivo;
também as noções de tempo ou de causalidade ainda não se constituíram. Mas desde esse
momento ela começa a elaborar esse universo
exterior, que vai sendo construído e identificado na medida em que ela identifica e constrói a si própria: “(...) essa construção não é o
produto de uma dedução a priori, tampouco é
devida às tentativas e explorações puramente
empíricas” (Piaget, 1937/1975a: 90). E Piaget
enfatiza a construção mútua: “(...) ao descobrir o objeto, a criança organiza seus esquemas motores e elabora relações operatórias,
ao invés de sofrer passivamente uma pressão
dos fatos” (Piaget, 1937/1975a: 90). A interação entre o sujeito e o objeto se refere também aos mecanismos que tornam possível o
conhecimento:
“(...) a interação do sujeito e do objeto é
tal, dada a interdependência da assimilação e da acomodação, que se torna
impossível conceber um dos termos sem
o outro.” (Piaget, 1936/1975c: 388)
Piaget se refere, neste momento, a
uma organização prática do universo, numa
época em que a criança ainda não domina a
linguagem, que por sua vez está subordinada
ao exercício da função simbólica (Piaget,
1945/1975b). No entanto, o desenvolvimento,
em qualquer época da criança ou do adulto, se
dá de acordo com esse mesmo processo dialético de construção mútua (Piaget, 1936/1975a,
1945/1975b). A tomada de consciência, por
exemplo, não é uma espécie de iluminação de
algo que já existia e estava apenas escondido.
Ela é uma construção, que tem como fundamento uma interação mediada pela ação:
“(...) o estudo da tomada de consciência
nos conduziu a colocá-la na perspectiva
geral da relação circular entre o sujeito
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e os objetos, o primeiro não aprendendo
a se conhecer senão agindo sobre estes e
os segundos só tornando-se conhecíveis
em função do progresso das ações exercidas por eles.” (Piaget, 1974: 281-282,
tradução dos autores)7
A progressiva construção do real (na
medida em que há também construção do sujeito) implica a definição de dois conceitos de
extrema importância para a constituição de
uma noção de sujeito na teoria de Piaget: objeto e interação. Pois é precisamente através
da interação com o objeto do conhecimento
que o sujeito se constitui. Como já dito, o objeto não pode ser considerado “coisa”, mas
deve ser pensado como “um fragmento de
cultura a ser reconstruído” (Lajonquière,
1997, sem página), pois ele é um “objeto situado ou intelectualizado por outras inteligências, mais ainda, ele é, por sua vez, um fragmento
da
interação
sujeito-objeto”
(Lajonquière, 1997, sem página). Além do
que, ele se torna objeto apenas quando o sujeito o constitui como significante (Piaget,
1937/1975a).
Se é através de sua relação com o objeto que o sujeito se transforma, o objeto é,
então, “a mediação entre o sujeito atual e o
sujeito que se constrói a partir dessa interação
com o objeto” (Franco, 1999: 16). Lembrando-se também da constituição do sujeito paralela à constituição do real, não se deve pensar
a interação como sendo simplesmente a presença simultânea de um sujeito e de um objeto. Piaget define o tipo de interação na teoria
construtivista, contrapondo a outras visões
que ele buscava combater:
“(...) de fato em todas as epistemologias
clássicas, o conhecimento é interpretado
sob o modo da contemplação ou do
pensamento, e o problema dos papéis do
objeto e do sujeito reduz-se então a determinar se esse pensamento ‘especulativo’ (no sentido estrito) se limita a apreender, sob a forma de um tipo de cópia, uma realidade exterior e ele, ou se
ele retira em parte esse conhecimento
dele próprio, enquanto fonte de estrutu-
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rações. A posição construtivista ou dialética consiste, ao contrário, em sua
própria raiz, a considerar o conhecimento como ligado a uma ação que modifica o objeto e que, por conseguinte, não
o atinge senão por intermédio das transformações introduzidas por essa ação.
Nesse caso o sujeito não está mais frente ao objeto, e num outro plano, olhando-o tal como ele é ou através de lentes
estruturantes: ele mergulha no objeto
por seu organismo, necessário para a
ação, e reage sobre o objeto enriquecendo-o com as contribuições da ação;
quer dizer que o sujeito e o objeto estão
doravante situados exatamente no mesmo plano, ou melhor, sobre os mesmos
planos sucessivos ao longo das mudanças de escalas espaciais e do desenrolar
genético e histórico. Enfim, em princípio, não há mais fronteira entre o sujeito
e o objeto (...).” (Piaget, 1967a: 1244,
tradução dos autores, grifo nosso)8
Vê-se, então, que o sujeito e o objeto
do conhecimento não são construídos pela
interação entre duas realidades previamente
constituídas, estanques e separadas. Mais do
que isso, a interação através da ação (assimilação e acomodação) permite que tanto um
quanto o outro passem a ser conhecidos, não
simplesmente por suas próprias características, mas sim pelas características da relação
estabelecida entre elas:
“A inteligência não principia, pois, pelo
conhecimento do eu nem pelo das coisas como tais, mas pelo da sua interação; e é orientando-se simultaneamente
para os dois pólos dessa interação que a
inteligência organiza o mundo, organizando
a
si
própria.”
(Piaget,
1937/1975a: 330, grifo nosso)
Pode-se definir a constituição do sujeito se dando precisamente pela interação. Não
porque essa interação permita que o sujeito
assimile o objeto; o mais importante é que ela
possibilita a assimilação da própria interação,
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o que contém, simultaneamente, um e outro.
O sujeito do conhecimento
“É subjectum, isto é, emerge das profundezas de um organismo, mas não se
reduz a esse organismo, pois interage
com a cultura abstraindo - não só dessa
cultura, mas, sobretudo do resultado
dessa interação - os mecanismos de seu
desenvolvimento.” (Becker, 2003: 26)
A partir das interações, o conhecimento se direciona simultaneamente para os dois
pólos. Isto é, há um duplo processo de interiorização e exteriorização, na direção de uma
compreensão do sujeito e do objeto, respectivamente. O sujeito se constrói, então, nesta
dupla relação de construção do conhecimento
do outro e de si, na interação mesma com o
outro. Pode-se pensar num diálogo constante
do sujeito com o mundo e com sua própria
subjetividade, que se transforma por causa
mesmo desse diálogo.
Daí a importância do conceito de ação
na teoria piagetiana, pois é ela que faz a mediação na interação do sujeito com o mundo, é
ela que permite haver a assimilação e a acomodação, inclusive a assimilação da própria
interação. Mesmo a percepção só tem sentido
se ligada às ações (Piaget, 1967/1973a: 16):
“Perceber uma casa, dizia o neurologista v. Weiszäcker, não é ver um objeto
que entra pelos olhos, mas, ao contrário,
assimilar um objeto no qual se vai entrar”.
Essa idéia é compartilhada por Piaget,
que coloca a ação como a explicação para o
papel da assimilação, que por sua vez “exprime o fato fundamental de que todo o conhecimento está ligado a uma ação (...)” (Piaget,
1967/1973a: 15). Uma ação que é na verdade
interação, pois não se dá no vazio, mas se direciona para o objeto. Da mesma forma que
um objeto não pode ser entendido como um
objeto apenas físico e sim como qualquer objeto do conhecimento para o sujeito, a ação
também deve ser considerada a ação humana
em todos os seus aspectos: “Ação física, ação
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simbólica, ação social, ação cultural, ação lingüística, ação concreta, ação formal, ação de
primeiro grau, ação de segundo grau...” (Becker, 2003: 53). A operação é uma ação, diz
Piaget, como também a reflexão (Piaget,
1974/1996b, 1977/1995). Uma ação que é ao
mesmo tempo, e permanentemente, estruturada e estruturante.
Permanência e prospectiva de uma teoria
Piaget, através desses conceitos, discutia as relações entre a possibilidade de conhecimento e o sujeito conhecedor. Um sujeito epistêmico, nas suas palavras, abstrato e
universal, presente em todos os sujeitos reais,
que se constitui na sua relação com o mundo.
Essa relação não é uma relação qualquer, mas
uma interação com o(s) objeto(s) do conhecimento mediada pela ação do próprio sujeito,
que dessa forma assimila – não o objeto puro,
mas o resultado da interação – e acomoda-se,
construindo, assim, novas estruturas de compreensão da realidade. Através de um processo dialético, as estruturas são reconstruídas,
assim como também as estruturas do mundo
na medida em que este adquire significado
para o sujeito. Isto é, para falar em constituição do sujeito, faz-se necessário falar em
constituição do objeto e construção do conhecimento, pois é exatamente nesse processo –
de uma determinada relação de um sujeito
com um objeto, tendo como resultado o conhecimento - que surge, se constitui e se constrói qualquer sujeito. Os mecanismos fundamentais de adaptação (ou seja, assimilação e
acomodação) e de organização traduzem, respectivamente, o diálogo do sujeito com o
mundo externo e consigo próprio, que é também o duplo processo resultante da interação.
Estrutura e gênese não podem ser dissociadas,
já que não existem estruturas inatas/prontas.
Elas se constroem, na medida mesmo em que
há construção de conhecimento. E têm, no
sujeito, seu centro organizador.
Piaget passa a se preocupar mais, nas
últimas décadas de sua produção, com a explicação para o aparecimento de conhecimentos realmente novos, não sendo “nem predeterminados no espírito do sujeito nem retira-
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dos tais quais do meio” (Montangero e Maurice-Naville, 1994/1998: 68). Assim, num
primeiro momento a construção das estruturas
foi explicada apenas em termos de um funcionamento geral dos seres vivos (mesmo que
analisado em termos de um sujeito e um
mundo humano, com suas características próprias): a assimilação e acomodação. Neste
momento, passam a ser enfatizados modos de
construção do conhecimento específicos do
ser humano. Mas os novos conceitos introduzidos nesta época aperfeiçoam, detalham e
enriquecem os conceitos mais gerais, sem, no
entanto, contradizê-los. Assim, por exemplo,
Piaget (1974) explica a tomada de consciência
como uma reconstrução, necessária, na passagem entre o inconsciente e a consciência, não
podendo ser reduzida a um simples processo
de iluminação. E insere este conceito também
em suas conclusões mais gerais de que “o conhecimento procede a partir, não do sujeito,
nem do objeto, mas da interação entre os
dois” (Piaget, 1974: 263)9. Novamente, procura definir a posição construtivista, desta vez
apoiando-se na formação dos “possíveis”:
“Para justificar nossa epistemologia
construtivista contra o inatismo ou o
empirismo, não é suficiente mostrar que
todo conhecimento novo resulta de regulações, de uma equilibração portanto,
pois sempre se poderá supor que mesmo
o mecanismo regulador é hereditário
(...), ou ainda que resulta de aprendizagens mais ou menos complexas. Procuramos, por isso, abordar o problema da
produção de novidades de outro modo,
centrando as questões na formação dos
‘possíveis’.” (Piaget, 1981/1985: 7)
Pois o possível “não é algo observável, mas o produto de uma construção do sujeito” (Piaget, 1981/1985: 7), que interage
com o objeto, mas que o insere em interpretações devidas à sua própria atividade sobre ele.
A obra “Vers Une Logique des Significations” (Piaget e Garcia, 1987b)10 traz a
idéia de que existe uma lógica das significações (baseada na ação) que precede a lógica
dos enunciados. Isso significa que, uma ação
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não sendo nem verdadeira nem falsa, as implicações entre as ações são suscetíveis de
verdade ou falsidade. A lógica das significações estaria fundada, então, sobre as implicações entre as ações, ou entre as significações,
pois toda ação ou operação é carregada de
significações para o sujeito. Talvez este conceito traga uma relação mais próxima entre
forma e conteúdo. Mas pode-se ver a idéia de
significação do objeto pelo sujeito já contida
no conceito de assimilação, pois todo conhecimento supõe uma assimilação, que “consiste
em conferir significações (...) ao que é percebido ou concebido” (Piaget, 1967/1973a: 17).
E a significação é ligada à ação:
“A importância da noção de assimilação
é dupla. De um lado implica, como acabamos de ver, a noção de significação, o
que é essencial, pois todo conhecimento
refere-se a significações (...). Por outro
lado, exprime o fato fundamental de que
todo o conhecimento está ligado a uma
ação (...).” (Piaget, 1967/1973a: 14-15)
A assimilação, ao permitir a significação, constrói novos conhecimentos, mas está
também em no fundamento mesmo de qualquer conhecimento:
“Julgar (...) é assimilar, isto é, incorporar um novo dado a um esquema anterior, num sistema de implicações já elaborado. Portanto, a assimilação racional
supõe sempre, é verdade, uma organização prévia. Mas donde vem essa organização? Da própria assimilação, pois todo conceito e toda relação exigem um
julgamento para se constituírem.” (Piaget, 1936/1975c: 382)
Piaget procurou encontrar, por um lado, as estruturas cognitivas do sujeito e, por
outro, o funcionamento da inteligência que
permite a construção do conhecimento, e das
próprias estruturas. Isto é, um sujeito universal que se direciona para a aquisição de uma
lógica capaz de interpretar o mundo, de forma
cada vez mais abrangente. O olhar de Piaget
voltado para os aspectos lógicos do conheci-
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mento gerou diversas críticas, como por exemplo a de Boesch11, que aponta para uma
insuficiência na teoria de Piaget, justamente
por se concentrar nesses aspectos lógicos:
“Podemos, como Piaget demonstrou,
estudar a construção de conceitos lógicos amplamente sem levar em conta as
ações que levaram a eles. Entretanto, se
quisermos olhar para resultados individualmente ou culturalmente diferentes
do processo de construção, não podemos divorciá-los das experiências nas
quais estão baseados. A ação se torna
assim um conceito de muito maior importância do que Piaget alguma vez tenha a ela atribuído.” (citado por Simão,
2002: 116)
No entanto, Piaget mostrou a importância da ação precisamente (ou até mesmo)
para a construção de conceitos lógicos. Não
apenas para a construção do conhecimento,
mas para a própria constituição do sujeito:
“O intermediário entre os objetos e os
acontecimentos, por um lado, e os instrumentos cognitivos, por outro lado, é
de facto, como foi possível verificar por
diversas vezes, a acção. O modo como a
acção participa no processo de conhecimento, na perspectiva própria da epistemologia genética, dá a esta posição
epistemológica um sentido preciso, que,
ao mesmo tempo que converge para
uma linha de pensamento já clássica em
filosofia dialética, confere-lhe entretanto uma identidade em si própria, na medida em que a prática é analisada nas
suas acções constituintes que aparecem
então como factores essenciais no ponto
de partida do processo cognoscente.”
(Piaget e Garcia, 1983/1987a: 228)
A ação, portanto, é fundamental, mas
também seu contexto, já que todo esquema é
“uma organização ativa da experiência vivida” (Piaget, 1936/1975c: 56), e que qualquer
ação de um sujeito “é sempre coordenada por
outros porque não existem acções isoladas,
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[sendo que] os seus significados são sempre
solidários” (Piaget, 1983/1987a: 247). Na ação está também implicada a significação,
pois o objeto é conhecido pelo sentido atribuído a ele. O sujeito adquire conhecimento dos
objetos em contextos determinados, “com o
tipo de significados sociais que lhe são atribuídos” (Piaget, 1983/1987a: 244). Afinal, como
diz o próprio Piaget: “o que é a criança em si
mesma se não existem crianças a não ser em
relação a certos meios coletivos bem determinados?” (Piaget, 1965/1973b: 26). A ação não
é realizada em função de impulsos internos;
pelo contrário:
“na experiência da criança, as situações
com as quais ela se depara são engendradas pelo seu ambiente social envolvente, as coisas aparecem em contextos
que lhe conferem significados particulares.” (Piaget e Garcia, 1983/1987a: 228)
Em conclusão, o mais fundamental é
que essa ação se dá numa interação que não
permite apenas a construção do conhecimento, mas que é constitutiva do próprio sujeito:
as “relações entre o sujeito e seu meio consistem numa interação radical” (Piaget,
1936/1975c: 386). O sujeito aparece, assim,
“imerso num sistema de relações” (Piaget e
Garcia, 1983/1987a: 244), que se dá com os
objetos e com os outros sujeitos. Mas os próprios objetos não são “puros”, não são “definidos por seus parâmetros físicos” (Piaget e
Garcia, 1983/1987a: 228). Eles são já construídos em função de outras interações, carregados de significações construídas por outros
sujeitos. Pode-se pensar então em uma intersubjetividade constituinte, a partir da qual o
sujeito se constrói, ao mesmo tempo que o
conhecimento, de si, do outro e do mundo.
Piaget se aproxima do sujeito ao pensar na
possibilidade de conhecimento, dada pela interação constituinte entre o sujeito e o mundo
(significado já por outros sujeitos); e pelo reconhecimento de uma relação permanente entre o presente (do qual o passado faz parte) e
o futuro, entre estrutura e gênese, que é o lugar, de fato, da construção.
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Notas
(1) “(...) la connaissance repose à tous les niveaux sur des interactions entre le sujet et les objets, (...) même quand la
connaissance prend le sujet comme objet, il y a construction d’interactions entre le sujet-qui-connaît et le sujet-connu.”
(2) Isto não quer dizer que não haja, nesse momento, nenhuma estruturação. Mas os esquemas reflexos com os quais a
criança nasce irão se transformar em esquemas de ação prática ou mental, que por sua vez se coordenarão em formas de
estruturas de fato, cada vez mais complexas, que permitirão outras formas de relacionamento com o mundo.
(3) “A intencionalidade define-se pela consciência do desejo, ou da direção do ato” (Piaget, 1975c, p.146), ou então
pela “direção global do ato” (Piaget, 1974). Segundo Flavell (1975), Piaget considera a intencionalidade como uma das
características distintivas da inteligência humana.
(4) Piaget distingue a assimilação presente no processo de construção do conhecimento da assimilação físico-química:
“a assimilação é apenas uma noção funcional e não estrutural. (...) é, pois, evidente que a assimilação cognoscitiva deve
representar formas completamente diferentes(...)” (Piaget, 1973a, p71).
(5) Piaget enfatiza esse ponto tanto em “O Nascimento da Inteligência na Criança”, como em “O Estruturalismo”.
(6) “Enfin, le constructivisme relationnel ou dialectique par sa double préoccupation de la totalisation et de la formation
historique est naturellement conduit à faire la synthèse entre les considérations de structure et de genèse.”
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(7) “(...) l’étude de la prise de conscience nous a conduit ainsi à la replacer dans la perspective générale de la relation
circulaire entre le sujet et les objets, le premier n’apprenant à se connaître qu’en agissant sur ceux-ci et les seconds ne
devenant connaissables qu’en fonction du progrès des actions exercées par eux”.
(8) “(...) en fait dans toutes les épistémologies classiques, la connaissance est interpreté sur le mode de la contemplation
ou de la pensée, et le problème des rôles de l’objet ou du sujet revient alors sans plus à déterminer si cette pensée
‘spéculative’ (au sens propre) se borne à appréhender, sous la forme d’une sorte de copie, une réalité estérieur à elle, ou
si elle tire en partie cette connaissance de son propre fonds, en tant que source de structurations. La position
constructiviste ou dialetique consiste au contraire, en son principe même, à considérer la connaissance comme liée à une
action qui modifie l’objet et qui ne l’atteint donc qu’à travers les transformations introduites par cette action. Em ce cas
le sujet n’est plus face à l’objet, _et sur un autre plan_, à le regarder tel qu’il est ou à travers des lunettes structurantes: il
plonge dans l’objet par son organisme, nécessaire à l’action, et réagit sur l’objet en l’enrichissant des apports de
l’action; c’est à dire que le sujet et l’objet sont désormais situés exactement sur le même plan, ou plutôt sur les mêmes
plans successifs au fur et à mesure des changements d’échelles spatiales et des déroulements génétiques et historiques.
Em bref, il n’y a plus en droit de frontière entre le sujet et l’objet (...)”.
(9) “la connaissance procède, non pas du sujet, ni de l’objet, mais de l’interaction entre les deux”.
(10) Piaget faleceu antes de poder terminá-la.
(11) Boesch, E.E. (1991). Symbolyc Action Theory and Cultural Psychology. Berlin, Heidelberg: Apringer, Verlab.
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Ensaio
O que é ser humano?
What is to be a human being?
Luiz Antonio Botelho Andrade, a, Edson Pereira da Silvab e Eduardo Passosc
a
Departamento de Imunobiologia, Instituto de Biologia, Universidade Federal Fluminense (UFF),
Niterói, Rio de Janeiro, Brasil; bLaboratório de Genética Marinha, Departamento de Biologia Marinha, UFF, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil; cDepartamento de Psicologia, ICHF, UFF, Niterói, Rio de
Janeiro, Brasil
Resumo
Este artigo tenta mostrar que o humano do ser humano é mais o resultado de um devir do que o apogeu de um acabamento biológico capturado e engessado por uma concepção tipológica de espécie. A
partir do processo evolutivo e de algumas etapas da evolução humana, ressalta-se a importância da sociabilidade para o surgimento da linguagem articulada e desta para a explosão da inventividade humana, o surgimento da cultura e a emergência da autoconsciência. © Ciências & Cognição 2007; Vol.
12: 178-191.
Palavras-chave: australopithecus; autoconsciência; cultura; evolução; linguagem;
ser humano.
Abstract
This essay tries to demonstrate that the adjective “human” attached to the term “human being” is not
given as the result or the end of the biological process; it can not be understood under a typological
concept of species. Using the evolutionary process and especially some of its steps, the importance of
the sociability to the development of language which explains the explosion of human creativity, the
appearance of the culture and the emergence of the self-consciousness is underlined. © Ciências &
Cognição 2007; Vol. 12: 178-191.
Key Words: australopithecus, self-consciousness, culture, evolution, language, hu - L.A.B. Andrade é Doutor em Imunologia (Instituto Pasteur, França). Atua como Professor Adjunto do Departamento de Imunobiologia, Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior da Faculdade de Educação da UFF. O professor Andrade se dedica ao estudo e desenvolvimento das idéias de Humberto Maturana e Francisco Varela à educação. Endereço para correspondência: Departamento de Imunobioloiga, Instituto de Biologia, Outeiro
São João Batista, s/n, Campus do Valonguinho, Niterói, RJ, Brasil. E-mail para correspondência:
[email protected]. E.P. Silva é Doutor em Genética (Universidade de Wales-Swansea). Atua como Professor
Adjunto do Instituto de Biologia e Chefe do Laboratório de Genética Marinha (UFF), onde trabalha com genética de
populações utilizando métodos moleculares. O professor Edson é responsável por artigos científicos nas áreas de Genética e Evolução, bem como sobre a epistemologia e aprendizagem nestas áreas. Endereço para correspondência:
Laboratório de Genética Marinha, Instituto de Biologia, UFF, Niterói, RJ, Brasil, 24.001-970. E-mail para correspondência: [email protected]. E. Passos é Doutor em Psicologia (Universidade do Rio de Janeiro). Professor Associado I do Departamento de Psicologia (UFF). Atua como Professor na Graduação e Pós-graduação (Departamento de
Psicologia, UFF). Endereço para correspondência: Departamento de Psicologia, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Campus do Gragoatá, s/n, bloco O, segundo andar, UFF, Niterói, RJ. E-mail para correspondência:
[email protected].
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man being.
1. Introdução
O principal objetivo deste ensaio é
ressaltar o devir e o inacabamento biológico e
histórico do ser humano usando, para tanto, o
ferramental teórico da Biologia do Conhecer
(Maturana e Varela, 1990, 1997; Maturana,
1997). Assim, para dar início à nossa empreitada intelectual, analisamos a questão colocada no título desse artigo a partir de duas etapas importantes do processo evolutivo humano, a saber: (a) do andar bípede ao gênero
Homo e (b) do gênero Homo ao Homo sapiens, para alcançar a questão que nos interessa
discutir: (c) do Homo sapiens ao vir a ser humano. Ou seja, o que é ser humano?
Na primeira parte, chamaremos atenção para o bipedismo e para algumas espécies
de australopitecos situadas em pontos chave
do processo de hominização. Na segunda parte, destacaremos o surgimento dos artefatos
de pedra lascada e as características anatômicas e comportamentais de algumas espécies
do gênero Homo, chamando atenção para a
dispersão desse gênero para fora da África,
berço da humanidade. Na terceira e última
parte, avançaremos a idéia e discutiremos a
questão de que o humano do ser humano é
mais o resultado de um devir do que o apogeu
de um acabamento biológico capturado e engessado por uma concepção tipológica de espécie. Assim, ao invés de darmos ênfase à
corporalidade do Homo sapiens, ressaltaremos o devir, ou seja, o vir a ser humano.
2. Do andar bípede ao gênero Homo
Nossa aventura poderia começar com
a descoberta de uma trilha de vinte e sete metros de comprimento com pegadas deixadas
por dois indivíduos que caminharam juntos
numa superfície mole de cinzas vulcânicas
que endureceu por volta de 3,6 milhões de
anos atrás. Haja vista as marcas feitas pelo
calcanhar, pelo arco das plantas dos pés e pelo
dedão não-opositor, as pegadas de outrora se
assemelham ao andar bípede humano, de agora (Leakey, 1995). Pela marca temporal e pe-
los registros fósseis encontrados, tudo indica
que essas pegadas pertenceram a dois indivíduos da espécie Australopithecus afarensis
(Johanson e Edey, 1981).
A partir de várias evidências fósseis,
os especialistas deduziram que o A. afarensis
possuía um cérebro pequeno, se comparado
ao do homem moderno, mas de igual tamanho
ao cérebro de um macaco. Sua estatura corporal era, também, pequena, sendo os machos
maiores e mais pesados do que as fêmeas. Os
dentes caninos dos machos eram significativamente maiores do que os das fêmeas, acentuando o dimorfismo sexual. Como característica comum da espécie, as mandíbulas do A.
afarensis se projetavam mais para frente
(prognatismo) do que em qualquer outra espécie pertencente à família hominídea. Com
relação às suas proporções corporais - intermediárias entre o macaco e o homem - os braços eram muito longos em relação às pernas e
o antebraço longo e forte. Essas características, combinadas com a curvatura dos ossos
dos dedos das mãos e dos pés (falanges),
permitiam aos membros dessa espécie uma
grande agilidade para subir em árvores, à semelhança dos macacos. Pela análise de todos
os fósseis encontrados até agora, datados de
3,8 e 2,9 milhões de anos atrás, o A. afarensis
atravessou um período de mais ou menos um
milhão de anos, sem muita mudança (Leakey,
1995; McHenry e Coffing, 2000; Klein e Edgar, 2005).
Embora alguns estudos demonstrem
que a marca temporal de 3,6 milhões de anos
para o bipedismo deva ser recuada no tempo
evolutivo, nenhuma demonstração do andar
bípede é mais convincente do que os registros
fósseis deixados pelo A. afarensis (Klein e
Edgar, 2005). O leitor poderá indagar agora:
muito bem, macacos bípedes, mas por que o
bipedismo é tão importante?
Várias hipóteses têm sido propostas
para responder a pergunta acima formulada:
(a) adaptação às savanas, (b) vigília contra a
ação de predadores, (c) aumento da eficiência
locomotora, (d) liberação das mãos para o
transporte de alimentos ou da prole (McHenry
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e Coffing, 2000, Klein e Edgar, 2005). Embora todas estas hipóteses sejam plausíveis, elas
se apóiam em um argumento muito questionável em biologia – o finalismo. Por tanto, na
ausência de uma boa explicação, nos resta um
consolo, ou melhor, um consenso: o bipedismo constituiu uma novidade evolutiva importante uma vez que a linhagem de macacos bípedes diversificou e proliferou. Além disso,
depois de iniciado o bipedismo, o processo de
hominização “sempre caminhou por dois
pés”.
Embora ainda exista um debate sobre
o provável ancestral do gênero Homo (Asfaw
et al., 1999), algumas simplificações podem
ser feitas sem comprometer os objetivos desse
ensaio – ênfase no processo de humanização.
Nesse sentido, é importante ressaltar a descoberta de fragmentos de um hominídeo descoberto em Afar, na Etiópia, em 1999. Esse material foi datado em 2,5 milhões de anos e,
após análise, classificado como uma “nova”
espécie - Australopithecus garhi (Asfaw et
al., 1999). Como afirmam vários autores, essa
espécie se encontra no lugar certo e na localização temporal correta para ser considerada
como um possível ancestral do gênero Homo.
O primeiro registro fóssil do gênero
Homo – um pedaço de crânio - foi encontrado
por Jonathan Leakey na garganta Olduvai,
Tanzânia, África (Leakey, 1964). A pouca
espessura relativa do crânio indicou que este
indivíduo tinha uma constituição ligeiramente
mais leve do que qualquer uma das espécies
conhecidas de australopitecíneos. Ele tinha
dentes molares menores e, o que é mais significativo, seu cérebro era quase 50% maior
(650 cm3) do que o cérebro de qualquer outro
australopiteco já encontrado (350 cm3). Ele
recebeu o nome de Homo habilis - homem
habilidoso - pela grande correlação temporal e
estratigráfica existente entre os registros fósseis dessa espécie e os primeiros artefatos de
pedra lascada (Leakey, 1995; Klein e Edgar,
2005).
3. Do gênero Homo ao Homo sapiens
Em torno de dois milhões e quinhentos
mil anos atrás uma criatura bípede e franzina
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descobriu que se batesse uma pedra contra a
outra, de maneira adequada, produziria lascas
finas capazes de penetrar e cortar o couro de
um animal morto, podendo, assim, descarnálo completamente. Essa descoberta aumentou
consideravelmente as chances de sobrevivência desta espécie e da linhagem que a sucedeu
(McHenry e Coffing, 2000, Klein e Edgar,
2005).
Esta tecnologia primitiva de produção
destes artefatos é denominada de indústria
olduvaiana, em referência ao importante sítio
arqueológico conhecido como a “Garganta de
Olduvai”, na Tanzânia, onde muito destes artefatos foram encontrados (Leakey, 1995;
McHenry e Coffing, 2000; Klein e Edgar,
2005).
Se por um lado é certo que o Homo
habilis produziu e utilizou artefatos de pedra
lascada, não é evidente, por outro, que esse
comportamento possa ser chamado de cultura,
no sentido que discutiremos no próximo tópico. Um forte argumento para não incluir a
produção destes primeiros artefatos de pedra
no legado cultural da humanidade é o fato deles terem sido produzidos, por mais de um
milhão de anos, sem nenhuma variação.
Voltando aos registros fósseis do gênero Homo, é importante ressaltar a descoberta do esqueleto de uma criança - o menino de
Turkana - que media aproximadamente 1,62
metros quando morreu, mas que poderia atingir cerca de 1,80 metros, se tivesse sobrevivido até a idade adulta. Esse fóssil foi classificado como Homo ergaster (McHenry e Coffing, 2000, Klein e Edgar, 2005). Os membros dessa espécie apresentavam as mesmas
proporções corporais mostradas pelos seres
humanos atuais no que tange ao tamanho e
proporções entre braços e pernas. Com relação ao volume do cérebro, estimado em 880
cm3, ele era maior do que o do H. habilis (650
cm3) e menor do que o do homem moderno
(1.350 cm3), em valores absolutos.
A descoberta do fóssil do menino de
Turkana teve um grande valor para a paleontologia e antropologia. Assim como Lucy
(fóssil de A. afarensis) não deixou dúvida
quanto ao fato de pertencer à categoria dos
macacos bípedes, o menino de Turkana, i-
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gualmente, não deixou dúvida quanto ao fato
de pertencer à linhagem que deu origem aos
humanos. Algumas de suas características evidenciam isto: testa chata e recuada; nariz
projetado para frente, com narinas orientadas
para baixo. Nesse ponto, diferenciava-se do
H. habilis, que possuía narinas embutidas no
rosto, semelhantes às dos macacos. Apesar
das mandíbulas serem muito projetadas para
frente e os dentes de mastigação significativamente maiores do que os nossos, as feições
do menino de Turkana forneceram uma demonstração inequívoca a respeito da estrutura
corporal de nossos antepassados (McHenry e
Coffing, 2000, Klein e Edgar, 2005).
Uma característica marcante do H. ergaster - a diminuição do comprimento dos
braços, em relação às pernas - assinala o abandono final de qualquer utilização tipicamente símia das árvores, seja para alimento
ou para refúgio. É importante ressaltar que a
exclusividade da vida no solo significou uma
ênfase maior no andar bípede, o que poderia
explicar, no decorrer do tempo evolutivo, o
estreitamento dos quadris. Nas fêmeas, esse
estreitamento acarretou, também, o estreitamento do canal vaginal, a diminuição do tempo de desenvolvimento intra-uterino, o nascimento precoce e, por conseguinte, a expansão da neotênia e uma maior dependência do
recém nascido aos seus progenitores (Leakey,
1995; McHenry e Coffing, 2000; Klein e Edgar, 2005). Estas duas últimas conseqüências
serão ressaltadas quando discutirmos o processo de humanização.
Alguns autores enfatizam a existência
de uma relação inversa entre o dimorfismo
sexual e o comportamento cooperativo. Essa
idéia é fortalecida pela observação de que, em
algumas espécies de símios, quando os machos são muito maiores do que as fêmeas, eles
tendem a competir intensamente entre si pelas
fêmeas sexualmente receptivas, mas não estabelecem com as mesmas o que os especialistas denominam de relações cooperativas. Assim, é sugestivo pensar que, pari passo à redução do dimorfismo sexual em nossa linhagem, intensificou-se o comportamento cooperativo entre macho e fêmea. Se imaginarmos
que a intensificação do comportamento coo-
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perativo entre macho e fêmea tenha aumentado também a atenção e o cuidado dispensado
à prole, teremos assim o embrião do núcleo
familiar, fundamental ao processo de humanização, como discutiremos mais adiante.
Acredita-se que o H. ergaster – que
significa homem trabalhador – tenha sido o
ancestral comum do H. erectus e do H. heidelbergensis (McHenry e Coffing, 2000; Klein e Edgar, 2005). As características do Homo
ergaster e do Homo erectus são tão similares
entre si que alguns autores preferem a denominação de “complexo ergater/erectus”. Outros utilizam de critérios temporais e geográficos para fazerem a distinção entre essas espécies e, assim, consideram a emergência do
Homo ergarter como anterior à do Homo erectus e restringem, ao primeiro, o espaço geográfico que constitui o continente africano.
É importante ressaltar que os indivíduos das espécies Homo ergaster, Homo erectus e Homo heidelberguensis possuíam uma
anatomia, uma fisiologia e uma tecnologia
(corpo robusto, inclusão da caça na dieta,
produção de artefatos de pedra e uso do fogo)
que lhes permitiam andar por longas distâncias e, portanto, migrar e habitar territórios
nunca dantes ocupados. Assim, por exemplo,
o Homo erectus chegou à China e à Indonésia
e, por algum desvio para o norte e/ou oeste,
chegou, também, à Europa.
Com relação ao domínio tecnológico
demonstrado pelo complexo ergaster/erectus,
há de se remarcar um novo tipo de artefato de
pedra, mais sofisticado, o machado de mão,
em forma de lágrima. Há registros deste tipo
de utensílio em vários sítios arqueológicos na
África, datados de cerca de 1,4 milhões de
anos. Os arqueólogos chamam a produção
deste novo tipo de utensílio de indústria acheulense, em alusão ao sítio arqueológico de
Saint Acheul, localizado na França, onde este
mesmo tipo de produção industrial foi encontrado, em uma versão temporalmente posterior. Embora a forma do machado de mão já
exija um modelo mental para produzi-lo, não
consideramos que esse seja ainda o ponto de
inflexão para o desencadeamento da explosão
da inventividade humana e o surgimento da
cultura. Há de se destacar, no entanto, que
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independente da discussão acadêmica sobre a
inclusão ou não da indústria acheulense no
conceito de cultura, a confecção dos machados de mão e o fogo aumentaram ainda mais a
chance de sobrevivência da linhagem que
dominou essas técnicas, seja pela utilização
das mesmas como proteção, seja pelo enriquecimento alimentar, com maior aporte protéico à dieta, derivado das atividades de caça
animal e preparação do alimento.
Voltando ao processo evolutivo da linhagem humana, destacaremos agora o surgimento do Homo heidelbergensis (600 a 500
mil anos atrás). Essa espécie parece ter evoluído, abruptamente, no complexo ergaster/erectus. Alguns autores mostraram que o
Homo heidelbergensis compartilhava traços
primitivos comuns, tanto com Homo ergaster
quanto com o Homo erectus, incluindo o rosto
largo e projetado um pouco para frente, mandíbula inferior sem queixo, dentes grandes,
extensas arcadas superciliares, osso frontal
(testa) chato e baixo, parede craniana grossa.
Por outro lado, divergia do H. ergaster e do
H. erectus sob vários aspectos: cérebro relativamente grande, medindo 1.200 cm3, maior
do que o do ergaster (900 cm3) e do erectus
(1000 cm3), arcadas superciliares mais curvas
- em oposição à arcada em forma de prateleira
(Leakey, 1995; McHenry e Coffing, 2000;
Klein e Edgar, 2005).
As evidências arqueológicas sugerem
que o Homo heidelbergensis foi o ancestral
comum que deu origem às espécies Homo sapiens e Homo neandertalensis. A primeira
evoluiu na África, há cerca de 180 mil anos
atrás. Os registros fósseis do H. neandertalensis, no entanto, foram encontrados principalmente na Europa, mas já se demonstrou sua
dispersão para fora deste continente, particularmente na Ásia.
A biologia molecular e alguns marcadores genéticos (DNA mitocondrial) sugerem
que uma pequena população da espécie H.
sapiens emigrou, com sucesso, para fora da
África em torno de 70 mil anos atrás. Essa
pequena população proliferou e se dispersou
para várias partes do mundo tais como a Europa, a Ásia e também a América. A chegada
neste último continente parece ter ocorrido
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em pelo menos três levas, uma em torno de 25
mil e as outras duas em torno de 15 e 12 mil
anos atrás (Groves, 1994; Klein e Edgar,
2005).
Embora saibamos que o Homo sapiens
substituiu os seus contemporâneos Homo neandertalensis - que já se encontravam na Europa, ainda há um debate acadêmico a respeito de como essa substituição ocorreu (Groves,
1994).
4. Do Homo sapiens ao vir a ser humano
Neste tópico, advogaremos que o aperfeiçoamento da linguagem, em algum período
de nossa pré-história mais recente, produziu
uma dimensão inteiramente nova para o Homo sapiens - a cultura. Seguindo essa linha
argumentativa, demarcaremos o surgimento
da linguagem, a explosão da inventividade
humana e o principal ponto deste ensaio – o
processo de humanização.
Tendo anunciado a nossa linha argumentativa para este tópico, iniciaremos com
alguns comentários sobre a linguagem, a partir do paradigma da Biologia do Conhecer.
Assim, no âmbito desse paradigma, a linguagem é um processo progressivo de orientação
e re-orientação de condutas entre indivíduos,
ou seja, uma coordenação de coordenação
condutual consensual (Maturana, 1997). Mas
o que é uma coordenação de coordenação
condutual consensual? Como ela se estabelece? Qual o seu significado para a humanização? Para responder essas questões, proporemos um exemplo, um cenário. Imaginemos
uma situação de caça em que o animal caçado
(touro enfurecido) é muito mais forte do que o
caçador (hominídeo). Visto assim, a única
maneira do caçador obter sucesso nessa difícil
empreitada é através de um “chamamento”,
da formação de um coletivo. No entanto, esse
coletivo só terá sucesso se as ações individuais estiverem, relativamente, coordenadas.
Cabem aqui dois comentários importantes para nossa discussão. No primeiro, assumimos como pressuposto que os artefatos
até então produzidos por esse hominídeo não
tinham o valor de armas com suficiência para
superar a dificuldade dessa caça específica -
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um pressuposto razoavelmente plausível. Em
segundo lugar, é preciso ressaltar que o
“chamamento” diz respeito à coordenação de
coordenação de condutas e não ao fato de se
encontrar um parceiro, uma vez que o comportamento societário é comum a várias espécies, particularmente nos mamíferos.
Chamamos a atenção do leitor para o
fato de que, a todo o instante, nós, seres humanos, coordenamos as nossas condutas com
as de outra pessoa. Se essa observação for um
pouco mais aguçada veremos que, a todo o
momento, novas coordenações são geradas
sobre as primeiras e, assim, sucessivamente.
A esse processo recursivo de coordenar uma
ação sobre outra, já coordenada - como se
déssemos uma volta sobre a volta – pode ser
denominado “coordenação de coordenação”.
Há de se fazer agora um comentário importante para o entendimento da unidade básica
da linguagem, qual seja: uma coordenação de
coordenação de ação entre dois indivíduos só
ocorre se houver, em ambos, uma vontade,
um desejo e a partir daí um consenso. Como
toda ação humana é conduta, chega-se, com
isso, à unidade básica da linguagem: uma coordenação de coordenação condutual consensual (Maturana, 1997).
Dito isto, voltemos ao nosso exemplo
anterior no qual os caçadores primitivos enfrentam um touro enfurecido. Advogamos
que, para se obter sucesso nessa empreitada
arriscada, aqueles caçadores de outrora já deveriam estar imersos em alguma rede lingüística, mesmo que rudimentar, na qual gestos,
disposições corporais, grunhidos ou mesmo
algum tipo mais elaborado de som, se tornaram palavras no devir, ou seja, na recursividade do próprio processo.
A partir desta reflexão, podemos imaginar pequenas conversações, gestuais ou sonoras, do tipo:
- Oi! - Olá! (coordenação);
- Veja o touro! - Onde? - Atrás! (coordenação
de coordenação)
- Vamos correr! Não, vamos pegá-lo (conduta
consensual).
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Deixando os exemplos lingüísticos,
nos propomos agora a imaginar situações e/ou
cenários que pudessem, num passado longínquo, favorecer a recorrência de encontros e de
re-encontros entre nossos antepassados e, assim, possibilitar o surgimento da linguagem.
Embora nunca possamos ter certeza de como
era a vida diária dos nossos antepassados, podemos utilizar nossos conhecimentos atuais
para imaginar e recriar alguns cenários, como
esses que estão propostos logo a seguir.
4.1. Redução do dimorfismo sexual e sociabilidade
Embora possamos detectar um grau de
sociabilidade em todos os primatas, este fenômeno é particularmente bem desenvolvido
entre os humanos. Para explicar o aumento de
relações cooperativas entre os machos e as
fêmeas, chamaremos atenção para a ocorrência de uma relação inversa entre dimorfismo
sexual e sociabilidade.
É bem conhecido pelos primatologistas que, em muitas espécies de macacos,
quanto maior a diferença corporal entre machos e fêmeas, maior será a competição entre
os machos maduros por oportunidades de acasalamento. Assim, por exemplo, entre os babuínos das savanas, os machos são duas vezes
maiores em tamanho do que as fêmeas e se
observa que eles competem fortemente entre
si por domínio territorial e por oportunidades
de acasalamento. Os machos de chipanzés,
por outro lado, apresentam um comportamento mais cooperativo entre si e isto parece ser o
resultado da redução, nessa espécie, do dimorfismo sexual (Leakey, 1995; Klein e Edgar, 2005). É importante ressaltar que outros
fatores, além da redução do dimorfismo sexual, devem ter contribuído para a sociabilidade
nos primatas, dentre os quais, a própria sexualidade, como demonstrado por Frans B. M. de
Waal (2007), ao comparar o comportamento
dos chipanzés com o dos bonobos.
Sabendo-se que os machos australopitecíneos seguiam o mesmo padrão dimórfico
dos babuínos, é razoável supor que a cooperação entre eles fosse menor do que àquela que
ocorreu, supostamente, nas espécies do gêne-
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ro Homo, com a redução do dimorfismo sexual. Seguindo essa linha de raciocínio, acredita-se que as mudanças fisiológicas e comportamentais que ocorreram nas fêmeas ao longo
da linhagem evolutiva humana, fazendo com
que as mesmas se tornassem mais receptivas
sexualmente aos machos, independentemente
do período fértil, possam ter contribuído para
o aumento da freqüência dos encontros e dos
reencontros entre macho e fêmea e, por conseguinte, do estabelecimento de um comportamento mais cooperativo entre ambos. Se
acrescentarmos a esse prazer do encontro cooperativo a dinâmica que envolvia o cuidado
dispensado à prole, teremos o surgimento do
núcleo familiar.
4.2. O amor como emoção fundamental para a sociabilidade
Para discutir a assertiva explicitada acima, é importante entender que as emoções,
diferentemente do que a nossa tradição cultural costuma associar com sentimentos, são
disposições corporais (ou estados do corpo)
que nos abrem ou nos fecham à possibilidade
de realizar certas condutas (Bloch, 2002; Maturana e Bloch, 2003). Assim, por exemplo,
não se espera uma conduta gentil no âmbito
emocional do ódio.
Destarte, quando o amor é apontado
como emoção fundamental para a construção
da sociabilidade, não se está falando de sentimento, mas apontando a disposição corporal
que permitiu, ao primata bípede, a aceitação
do outro, de forma mais intensa e perene, na
convivência. E porque o amor seria assim tão
importante para a sociabilidade e para a humanização? Fundamentalmente, porque o
amor permitiu o prazer na espontaneidade dos
encontros e dos reencontros e, assim, a convivência ininterrupta entre humanos (Maturana,
1997).
Seguindo essa linha de raciocínio que
considera o amor como emoção fundamental
para a convivência (Maturana, 1997), retornaremos ao ponto de discussão sobre o nascimento precoce do bebê e a expansão da neotênia. Se considerarmos que durante o processo evolutivo da linhagem humana houve um
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marcante estreitamento da pélvis e, por conseguinte, do canal vaginal, podemos inferir
que o nascimento precoce significou uma
vantagem adaptativa em face de uma alta taxa
de mortalidade durante o nascimento. Se assim o foi, tornou-se fundamental uma maior
atenção dos pais para com a prole excessivamente frágil. Se aceitarmos que a expansão da
neotênia e tudo que ela implicava (e ainda
implica) desencadearam mudanças emocionais mais perenes, de aceitação sem maiores
exigências, e que essas mudanças foram conservadas transgeracionalmente, isto explicaria
o aumento da sociabilidade entre humanos e,
de acordo com o que estamos defendendo aqui, o ambiente adequado ao surgimento da
linguagem. O correspondente dessa emoção
fundamental de aceitação do outro, enquanto
legítimo outro, na convivência, é denominado, na nossa cultura, de amor.
4.3. Cooperação em atividades complexas,
perigosas ou prazerosas
Assim como foi mostrado no exemplo
da caça ao touro, a cooperação deve ter sido
benéfica para a linhagem evolutiva que levou
ao homem moderno. Alguns antropólogos
argumentam que a cooperação deve ter sido
importante não só para a coesão e sociabilidade do grupo, mas também como defesa contra
predadores ou mesmo contra grupos rivais.
Outra atividade complexa, que deve ter envolvido uma mudança organizacional centrada na sociabilidade e na recursividade dos encontros, deve ter sido aquela produzida pela
construção e utilização de abrigos coletivos.
Se acrescentarmos a esses abrigos o conforto
gerado com o domínio do fogo - aquecimento,
possibilidade de um sono ininterrupto, preparação da carne e o seu compartilhamento - a
convivência e a sociabilidade deve ter sido
muito intensificada. O fogo criou o lar, este
espaço de convivência onde ocorriam o partilhar de alimentos, a elaboração de ferramentas
de pedra, a proteção mútua, as relações sexuais e todo um sistema complexo de reciprocidade e cooperação. Acreditamos que o estabelecimento e a perenidade destes espaços de
convivência favoreceram aquilo que veio a
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surgir bem mais tarde no tempo evolutivo: o
aperfeiçoamento da linguagem.
É importante explicitar neste ponto de
nossa argumentação que não estamos advogando que a convivência tenha induzido mudanças genéticas que levaram ao aperfeiçoamento da linguagem. Estamos simplesmente
dizendo que a conservação transgeracional
deste modo particular do viver na linguagem,
facilitou a fixação de mudanças genéticas que
reforçaram esse mesmo modo de viver (Maturana e Podozis, 1992), ou seja, o fluir do viver
humano, na linguagem.
4.4. Aperfeiçoamento da linguagem
Como sugere Maturana (1997), a linguagem originou-se na intimidade de pequenos grupos de nossos antepassados que conviviam na sensualidade, compartilhando alimentos, na participação dos machos na criação das crianças e nas coordenações de coordenações de conduta que isso implicava. A
essa rede cooperativa da comunidade lingüística, subjaz o amor como emoção básica que
possibilitou tanto a aceitação quanto a legitimidade do outro, fundado na relação.
Embora esta história transgeracional
de interações recorrentes, própria da linguagem, tenha surgido lenta e paulatinamente em
nossa linhagem evolutiva, advogaremos agora
que o surgimento da linguagem falada ou o
seu aperfeiçoamento produziu a explosão da
inventividade humana. Essa hipótese tem sido
levantada por vários antropólogos, dentre os
quais Diamond (1997). Este autor afirma que
a linguagem, em si mesma, já é pura invenção: cada sentença é uma nova invenção, produzida pela combinação de elementos familiares.
4.5. O vir a ser humano
Neste subitem reforçaremos a idéia de
que o humano do ser humano surge com a
dinâmica relacional própria do modo de viver
humano. Não queremos dizer com isso que
estamos negando a corporalidade do Homo
sapiens ao fazer referencia ao humano, esta-
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mos, simplesmente, afirmando que essa corporalidade, por si só, não é suficiente.
Interessa-nos a discussão que na literatura se apresenta como o caso das “crianças
selvagens”. São casos de crianças criadas sem
contato, ou com muito pouco contato com
outros seres humanos. Linnaeus, em seu Systema Naturae, de 1758, já descrevera seis casos do que ele designou de Homo ferus, elo
perdido entre o homem e os primatas, que o
naturalista buscava recuperar. Malson (1967)
distingue, entre as crianças selvagens, aquelas
que foram criadas por animais daquelas que
foram enclausuradas e/ou privadas do contato
humano, como são os casos de Victor de Aveyron, encontrado vivendo sozinho nos Pirineus, no ano de 1799, e de Kasper Hauser,
jovem que vivia confinado em Nuremberg e
que foi descoberto em 1828.
Há registros de 105 casos encontrados
em diferentes regiões do mundo, sendo a Índia o país onde se tem notícias do maior número deles. Embora se possa crer que estes
registros sejam todos antigos, alguns casos
recentes contraria esta crença. Assim, em
2004, foi identificado na Rússia um menino
criado por cães e, logo no ano seguinte, em
2005, foram registrados seis casos de crianças
selvagens que viviam enclausuradas nos
EUA, Alemanha, Romênia, Quênia e Índia
(http://www.feralchildren.com).
Aprofundaremos nossa discussão narrando a história de duas crianças hindus que
foram “resgatadas” de uma família de lobos
com a qual elas viviam no norte da Índia. Elas
foram criadas isoladas de qualquer contato
humano e “resgatadas” da família lobo pelo
reverendo anglicano J. Singh, em 1920.
Quando elas foram resgatadas, uma das meninas tinha cerca de oito anos e a outra era muito mais jovem. Elas foram transferidas para o
orfanato dirigido pela família do missionário
e lá receberam o nome de Amala, a mais jovem, e, a outra, de Kamala.
Quando foram transferidas para o orfanato, as meninas não sabiam andar em dois
pés, mas se moviam com desembaraço andando de quatro. Elas não sabiam falar, comiam carne crua, lambiam os líquidos e se aninhavam, de quando em vez, nos cantos do
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quarto. À noite, quando ficavam mais ativas,
uivavam e gemiam com o desejo de fugirem.
Elas rejeitavam o contato humano, preferindo
a companhia uma da outra ou de cães. O gosto quase exclusivo por carne levava Kamala a
caçar frangos para comê-los e, de quando em
vez, enterrava as carcaças ou entranhas no
chão. Com o passar do tempo, Kamala mudou
seus hábitos alimentares e seus ciclos de atividade (Malson, 1967; Newton, 2002).
Amala morreu em setembro de 1921,
um ano após a sua transferência para o orfanato, enquanto Kamala sobreviveu por mais
oito anos, vindo a morrer em 1929.
Depois da morte das duas crianças, o
reverendo Singh descreveu a evolução psicológica de Amala e Kamala. Considerando que
tanto o bipedismo quanto a linguagem são
pontos importantes para a nossa discussão,
nos limitaremos a transcrever, a partir das
observações do reverendo Singh, algumas
poucas passagens que consideramos ilustrativas e marcantes.
Com relação ao refinamento da motricidade e do andar, o reverendo disse: “progressiva e muito lentamente a motricidade da
criança humanizou-se”. Ao fim de dez meses
no orfanato, Kamala estendia a mão para solicitar alimentos. Depois de um ano e quatro
meses (fevereiro de 1922), ela conseguiu se
erguer com o auxílio de um apoio. Um ano
mais tarde conseguiu ficar de pé, sem o auxílio de apoio. Em dezembro de 1926 conseguiu andar com os dois pés, com certa desenvoltura. Entretanto, voltava a assumir a marcha lupina e a correr de quatro toda vez que
ela se sentia em apuros (Malson, 1967; Newton, 2002).
Com relação à linguagem, Kamala aprendeu a pronunciar duas palavras: “ma”
que significava mãe, ao referir-se à esposa do
missionário, e “bhoo” para exprimir fome ou
sede. Em 1923, dizia sim ou não com a cabeça e já pronunciava oralmente o sim - “hoo”.
Em 1924, conseguiu expressar “eu quero arroz” (“am jab bha”). Em 1926, já dominava
três dezenas de palavras e quando estas lhe
faltavam, recorria aos gestos. Já no final de
sua vida, em 1929, dominava cinqüenta palavras, reconhecendo o nome das pessoas
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(Malson, 1967; Newton, 2002). Embora Kamala tenha aprendido a falar algumas dezenas
de palavras e a andar com os dois pés, a família do reverendo teria dito que eles nunca a
sentiram, verdadeiramente, humana.
Este relato demonstrou que a triste
condição de Amala e Kamala não era devida
a uma incapacidade física ou mental inata,
mas, principalmente, à ausência do contato
humano e/ou do modo de viver humano, numa fase precoce da ontogenia. Ou seja, embora as meninas-lobo possuíssem a anatomia
e a fisiologia do Homo sapiens, elas não puderam compartilhar a dinâmica relacional
humana em uma janela importante do desenvolvimento – a primeira infância.
Interessa-nos perguntar, neste ponto
de nossa discussão, que dinâmica relacional é
essa que nos faz humanos? Muitos autores
formularam esta pergunta e a responderam
utilizando referenciais de natureza mais filosófica
(Heidegger,
1982;
Nietzsche,
1873/1974), científica (Morin, 1979; Maturana, 1992; Changeaux, 1985) ou religiosa (Sto
Tomáz de Aquino, 1258/1973). Para respondê-la, vamos nos basear nas contribuições advindas do arcabouço teórico da Biologia do
Conhecer (Maturana, 1997; 2000; Maturana e
Bloch, 2003).
Assim, para a Biologia do Conhecer,
o humano e toda construção humana, ideal e
material, se dá com e na linguagem (Maturana, 1997, 2000). Como nos mostra Maturana
(1997), o humano surge no entrelaçamento
do linguajar e do emocionar, a que chamamos
de conversar. Destarte, nós, membros da espécie Homo sapiens, nos tornamos humanos
ao viver no entrecruzamento de muitas redes
de conversações, de muitos domínios operacionais (Maturana, 1992). Se aceitarmos que
o conversar é o entrelaçamento do linguajar
com o emocionar, segue-se que as redes de
conversações em que vivemos interferem na
dinâmica entre o nosso ser e o nosso atuar.
Nesta ótica, fica mais fácil entender a transformação do homem no devir das redes de
conversações que ele mesmo configura. Ou
seja, atuamos de acordo como somos, mas
também somos de acordo como atuamos (Eicheveria, 1994).
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4.5.1. Surgimento da Cultura
Se aceitarmos que o humano é constituído no conversar, o viver humano se dá
como uma rede de conversações ou, de uma
forma mais ampla, na trama de várias redes
de conversações. Estas diferentes redes de
conversações constituem o que nós apontamos como diferentes culturas.
Nessa perspectiva e de acordo com
essa linha argumentativa, se um grupo humano mantiver, recursivamente, uma rede de
conversações relativamente durável no tempo, estaremos diante de uma cultura. Como a
conversação implica tanto o linguajar quanto
o emocionar, há de se incluir as emoções na
definição de cultura. Assim:
“uma cultura é uma rede de conversações que define um modo de viver, um
modo de estar orientado no existir, um
modo de crescer no atuar e no emocionar. Cresce-se numa cultura vivendo
nela como um tipo particular de ser
humano na rede de conversações que a
define.” (Maturana, 1997)
Não queremos afirmar que toda a cultura humana possa ser reduzida à linguagem.
Estamos afirmando apenas que não há nenhum lugar fora da linguagem desde o qual
podemos observar a cultura. Como nos mostra Echeverría (1994), somente através do
mecanismo de reconstrução lingüística é que
podemos ter acesso aos fenômenos nãolinguísticos de nossa existência.
Assim, no contexto que estamos discutindo, a linguagem humana não somente
precede todas as características apontadas
como indicadoras da cultura - idioma, crenças, concepções, sistemas de conhecimento,
normas, hábitos, costumes, arte, símbolos,
objetos - como também é geradora das mesmas.
Tendo em vista que essa dimensão gerativa da linguagem não é auto-explicativa,
mostraremos como alguns dos epifenômenos
anteriormente citados, tais como a arte, os
símbolos, os sistemas de conhecimento e a
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própria reflexividade, ou autoconsciência,
surgem com a linguagem.
Ainda que seja muito forte afirmar
que a linguagem da arte surge com a arte da
linguagem, muitos autores corroboram com
esta afirmação (Leakey, 1995; Charbonnier e
Lévi-Strauss, 1989). A seguir apresentaremos
alguns exemplos dessa correlação.
Dentre as várias manifestações artísticas, daremos prioridade às pinturas rupestres
surgidas no período conhecido como paleolítico superior. Assim, os rinocerontes desenhados a carvão, os touros e os cavalos multicoloridos encontrados em várias cavernas
da Europa - Lascaux, Chauvet, Altamira, etc.
- são exemplos da resplandecência dessa arte
e do comportamento simbólico de nossos antepassados (Leakey, 1995; Klein e Edgar,
2005).
Com relação às pinturas rupestres, duas questões interessantes podem ser formuladas: como explicar o surgimento das mesmas
e porque elas levaram um tempo evolutivo
longo para se manifestar? Embora estas duas
questões sejam difíceis de responder, alguns
autores sugerem a existência de uma relação
direta entre as pinturas rupestres e os diversos
rituais culturais que as ensejavam tais como a
fartura da caça, a criação de ambientes propícios à entoação de cantos, acompanhados ou
não por instrumentos musicais, de motivação
mais imanente ou transcendente e o xamanismo (Leakey, 1995; Klein e Edgar, 2005).
Com relação ao longo intervalo de
tempo que levou para o surgimento das manifestações artísticas e simbólicas, alguém poderia tentar explicá-lo, seja pela ausência de
matéria prima disponível aos “artistas potenciais de outrora”, seja pela insuficiência de
um desenvolvimento sensório-motor mais
refinado, ou seja, uma habilidade especial.
Estas explicações ficam, a nosso ver, prejudicadas, principalmente quando consideramos
que o subproduto das fogueiras - o carvão - já
era regularmente disponível há, pelo menos,
250 mil anos atrás e que o simples ato de imprimir as mãos ou os dedos nas paredes das
cavernas, como faria qualquer uma de nossas
crianças de agora, dispensaria qualquer habilidade especial. Se não foi pela falta de maté-
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ria prima nem por uma incapacidade motora
ou habilidade especial, o que foi então?
Advogamos que o aperfeiçoamento da
linguagem permitiu tanto a emergência do
comportamento simbólico quanto o surgimento das técnicas de pintura que envolvia,
entre outras coisas, a busca, o transporte e a
mistura de pigmentos e fixadores naturais.
Afirmamos isso porque entendemos que a
mistura, enquanto processo, é uma coordenação de coordenação de ações e, portanto, é
linguagem. Os preparativos para a execução
das pinturas policromadas em locais de difícil
acesso, que envolveria, entre outras coisas, a
produção de uma iluminação artificial e até
mesmo a montagem de “andaimes”, só poderia ocorrer na linguagem. Destarte, reforçamos a idéia de que os preparativos e as técnicas básicas de pintura de nossos antepassados
já deveriam ser produtos de redes de coordenações de coordenações de ações bem sofisticadas, provavelmente a linguagem falada.
Continuando a nossa discussão sobre
a linguagem da arte e a arte da linguagem, é
importante fazer uma referência ao comportamento simbólico de nossos antepassados,
haja vista que os animais representados nas
paredes das cavernas nem sempre eram os
mais consumidos. O antropólogo francês
Claude Lévi-Strauss nos brinda com uma
magnífica expressão antropológica produzida
a partir dos estudos com os povos San do Kalahari e com os aborígines australianos: “certos animais eram representados mais frequentemente não porque eram bons para comer,
mas sim porque eram bons para se pensar”
(Lévi-Strauss, apud Leakey, 1995). Para nós,
tanto a representação do que se come quanto
a representação do que se pensa é simbólico e
os símbolos, por não existirem em si mesmos, surgem na linguagem e com a linguagem. É por isso que podemos criar novos
símbolos a partir do fluir recursivo de nossas
conversações.
Antes de passarmos a correlacionar a
linguagem com os diferentes sistemas de conhecimento, gostaríamos de ressaltar que a
emergência do comportamento simbólico não
surgiu na Europa, mas sim na África. Isso
ficou demonstrado com a descoberta, no
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Quênia, de vários fragmentos de ovos de avestruz talhados em forma de contas, datadas
de cerca de 40 mil anos. Pelo imenso número
de sobras quebradas ou imperfeitas, foi sugerido que aquelas populações de outrora dedicavam muitas horas de trabalho para a fabricação das referidas contas, sem nenhum motivo utilitário imediato (Ambrose, 1998). Essa marca temporal de 40 mil anos para o surgimento do comportamento simbólico na África pode ser ainda recuada para 75 mil anos
atrás, ou mesmo mais, considerando a descoberta do sítio arqueológico “Caverna de
Blombos”, África do Sul, onde foi encontrado um número relativamente grande de conchas da espécie Nassarius kraussianus, perfuradas intencionalmente. Estas e outras observações corroboram com a tese de que a emergência do comportamento simbólico e o
desencadeamento da inventividade humana
tiveram início na África, bem antes das populações humanas se deslocarem para a Europa.
Por conseguinte, a África é o berço da humanidade (Klein e Edgar, 2005).
Já tivemos a oportunidade de apresentar a vinculação entre a linguagem e os sistemas de conhecimento (Andrade e Silva,
2005). Assim, de forma bem sintética, se
prestarmos atenção para o que é produzido
por alguém quando esse alguém evoca a noção de conhecimento, notaremos que esse
produto não passa de enredos explicativos
para enredos fenomênicos. Na qualidade de
enredos, eles estão, necessariamente, na linguagem.
4.5.2. A emergência da autoconsciência
Dedicaremos nossos últimos comentários para a emergência da autoconsciência no
devir do processo de humanização. Ainda
que este termo - autoconsciência – suscite
outros termos correlatos – mente e pensamento - em torno dos quais é travado um intenso
debate acadêmico na contemporaneidade
(Searle, 1998), vamos nos restringir a comentar a capacidade do homem em fazer referência a si e ao mundo com o qual interage.
Acreditamos que a dificuldade de
compreender a autoconsciência como um fe-
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nômeno imanente, particular ao viver biológico humano, reside no fato de termos de encontrar o mecanismo pelo qual somos capazes de distinguir a nós mesmos, como se fossemos entidades independentes de nosso próprio viver e, ao mesmo tempo, de especificarmos um eu que nos habita e que, portanto,
é dependente de nossa biologia.
Este aparente paradoxo pode ser resolvido se aceitarmos que a operação de autoconsciência é uma distinção reflexiva de
um “eu” forjado na linguagem, de tal forma
que este eu não somente constitui o corpo que
surge na distinção, mas também que este eu
pode ser referenciado, como uma abstração,
no fluir da rede lingüística.
Para tornar mais claro este argumento,
desdobraremos a questão em duas perguntas,
quais sejam:
1- Como este eu, corpóreo e abstrato, é capaz
de fazer referência ao mundo e se autoreferenciar, ou seja, como nos tornamos observadores?
2- Como os laços da rede lingüística, que nos
liga uns aos outros e ao mundo, mesmo se
mantendo na exterioridade de nossa corporalidade, nas franjas das relações interpessoais,
cria em nós o que, em nós, é tão intimo - a
autoconsciência?
Vamos tentar responder estas duas
perguntas e esperamos que, ao final, tenhamos explicado nossa indagação inicial, qual
seja: como nos tornamos autoconscientes no
devir?
Cônscios de que toda explicação exige tanto uma condição formal, mecanismo
gerativo, quanto uma informal, aceitabilidade, convidamos o leitor para participar conosco da formulação de um mecanismo gerativo para a autoconsciência. Antes, porém,
faremos uma solicitação, sem a qual será impossível caminharmos juntos: é indispensável
romper com a crença de que representamos
os objetos que estão no mundo em nossa
mente, como um espelho.
A razão de nosso alerta e da controversa que ela suscita advém do fato de que
tanto a célula nervosa quanto o sistema ner-
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voso, como um todo, é sensível somente à
intensidade dos sinais químicos de seu próprio modo de operar e, portanto, não podem
captar e processar “informações” ou qualidades do mundo lá fora, como música, cheiro,
sabor, cores, etc. Como nos mostra Heins
Von Foerster (1994) não há uma correspondência, ponto a ponto, do que acreditamos ser
o mundo lá fora com o que acreditamos ser o
mundo de dentro - nossa mente. Somente para se ter uma idéia da ordem de grandeza e do
diferencial que separa estes dois mundos, para os duzentos ou trezentos milhões de receptores sensóreos, há cerca de dez bilhões de
sinapses no sistema nervoso, sugerindo que
as dinâmicas internas de nosso próprio organismo, ao se entrecruzarem com as perturbações advindas do meio externo, participam na
criação interna do que o organismo "vê",
“sente” e “nomeia”, tais como cores, sons e
sensações. Quais as conseqüências desse entendimento para nossa discussão?
A conseqüência mais fundamental é a
de que o mundo lá fora, com os seus objetos
e acontecimentos, não pré-existem ao observador, pois que eles não são entidades primárias ao ato de observar e, portanto, independentes da biologia do observador. As características que supostamente são dadas às coisas
mostram-se também como características do
observador. As cores não estão lá fora, independentes de nossa biologia, mas também
não estão cá dentro, independentes de nosso
mundo cultural. Se isso é assim, nega-se tanto o realismo de um mundo predeterminado
que o organismo é capaz de representar quanto o idealismo que toma a percepção como
uma projeção de um mundo interno predeterminado (Varela et al., 1993).
É com essa dupla negação que se diz
que os objetos não antecedem à distinção que
deles é feita pelo observador. Os objetos surgem na práxis do viver do observador e o que
é essa práxis do viver humano senão as coordenações de coordenações de ações que realizamos em nosso cotidiano?
Seguindo esta linha de raciocínio, o
observar surge no domínio das coerências
experienciais inerentes ao próprio viver. Ao
darmos ênfase ao processo, deslocamos a po-
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sição do observador de ente corporificado
para ente operacional.
Se o leitor aceitou que é impossível a
este ente operacional fazer referência a algo
fora de seu domínio de experiências, fora de
sua própria história, deduz-se que os objetos,
o corpo e suas partes e, por extensão, o próprio “eu”, surgem no operar das coordenações de coordenações condutuais consensuais, ou seja, na linguagem. É importante notar
que, embora enclausurados em nossa própria
biologia, nós só nos tornamos observadores
na presença do outro, ao partilharmos do processo recursivo e transgeracional que é o viver na linguagem.
O importante é que nós, seres humanos, repetimos esse processo transgeracionalmente a cada ontogenia. Assim, quando
nascemos e nos inserimos no mundo através
das primeiras triangulações criadas pelo apontar da mãe, no sentido lato deste termo,
para um objeto, que pode ser o nosso corpo
ou parte dele, já estamos na linguagem.
A necessidade do outro, fundado na
relação, já nos coloca frente ao desafio de
responder à segunda questão anteriormente
formulada, qual seja: como os laços de uma
rede lingüística podem criar em nós o que,
em nós, é tão intimo - a autoconsciência?
Chamamos atenção, neste contexto,
para
intuição
de
Luigi
Pirandello
(1926/1989):
“... se, por acaso, a visão dos outros
não nos ajudar a constituir em nós, de
algum modo, a realidade daquilo que
vemos, os nossos olhos já não sabem o
que vêem; a nossa consciência perde-se,
porque aquilo que pensamos ser a nossa
coisa mais íntima, a consciência, significa os outros em nós; e não podemos
sentir-nos sós.”
Para além desta intuição, a Biologia
do Conhecer tem nos mostrado como o devir
autoconsciente pode ser entendido como uma
co-emergência da experiência de um mundo
vivido e da identidade do eu vivente. Se aceitarmos a ressalva que a experiência é tanto
um evento pessoal, porque necessariamente
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auto-referencial, mas, também, coletivo, porque necessariamente relacional, poderemos
compreender o surgimento de seres vivos capazes de fazer referência ao mundo e se autoreferenciar, sem termos de apelar para uma
transcendência ou para a imanência de um
suposto “eu”, independente e centro desta vivência (Depraz et al., 2000).
Se o leitor aceitou que o nosso viver
humano é gerado no fluir recursivo de nossas
próprias conversações e que estas, por serem
abertas ao indeterminado, abrem-nos, também, a possibilidade de construção de novos
mundos possíveis, torna-se evidente que o
humano é forjado na linguagem e que toda
conversa tem um fundo ético, porque constitutiva do mundo humano, e revolucionário,
porque capaz de mudar a história.
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© Ciências & Cognição
Submetido em 28/06/2007 | Revisado em 29/11/2007 | Aceito em 30/11/2007 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 03 de dezembro de 2007
Ensaio
A teoria da representação cognitiva de Hobbes
Hobbes´s theory of cognitive representation
Cláudio R. C. Leivas
Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil
Resumo
O presente artigo procura analisar a teoria da representação cognitiva no contexto da filosofia natural
de Hobbes, objetivando mostrar que o filósofo inglês possui uma consistente teoria do conhecimento
fundada em conceitos derivados da experiência e de estudos ópticos e metafísicos. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 192-202.
Palavras-chave: representação natural; metafísica; óptica.
Abstract
This article intends to analyze the theory of cognitive representation in the context of Hobbes´s Natural Philosophy, aiming at to show that the British Philosopher had a solid epistemology established
on concepts derived from experience and from his optical as well as metaphysical studies. © Ciências
& Cognição 2007; Vol. 12: 192-202.
Key Words: natural representation; metaphysics; optica.
Concepções e pensamentos são representações no modo de compreender de Hobbes. Considerados isoladamente ou desencadeados - isto é, não articulados como elos amarrados e justapostos numa rede ou cadeia
de pensamentos - cada pensamento ou concepção em particular "é uma representação ou
aparência" (Hobbes, 2003: 9) dos objetos externos. O modo de acesso ao conhecimento da
realidade externa é inicialmente representacional: "Estas imagens mentais e representações das qualidades das coisas fora de nós,
são o que chamamos cognição, imaginação,
idéias, informação, concepção, ou conhecimento delas. E a faculdade, ou poder, pelo
qual somos capazes desse conhecimento, é o
que aqui denomino por poder cognitivo ou
conceptual" (Hobbes, 1983: 48).
As representações cognitivas podem
apresentar-se de diferentes formas conforme o
tipo de "faculdade da mente" (Hobbes, 1983:
48) escolhido para entrar em contato com o
objeto externo. Como tudo começa na sensação, a própria sensibilidade é definida inicialmente como um tipo de representação originária.. A representação cognitiva, nesse
caso, é denominada representação sensível.
Esse tipo de representação depende da presença do objeto. Constatada a ausência do objeto e o conseqüente enfraquecimento ou obs-
- C.R.C. Leivas é Mestre em Filosofia (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRS), Doutor em Filosofia
(UFRS). Atualmente é Professor (UFPel). E-mail para correspondência: [email protected].
192
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curecimento de sua imagem chamamos então
a representação cognitiva de representação
imaginativa. A diferença entre essas duas versões oriundas das representações cognitivas é
assinalada por Hobbes a seguir: "Uma concepção obscura é aquela que representa todo o
objeto em conjunto... e quanto mais ou menos
partes forem representadas, assim se diz que
a concepção ou representação é mais ou menos clara. Considerando então a concepção
que, quando produzida pela sensação era clara
e representava distintamente as partes do objeto, e quando nos vem novamente é obscura,
achamos que nela falta algo que esperávamos
e, por isso, a julgamos passada e enfraquecida" (Hobbes, 1983: 62).
As representações sensíveis
O conhecimento sensível assinala o
principio da vida cognitiva dos seres vivos.
Através da sensação o mundo externo é primeiramente percebido como objeto de conhecimento. Porém, como o acesso cognitivo à
realidade externa é indireto, a natureza dotou
os seres vivos de um medium para extrair as
informações dos objetos que pressionam os
diversos órgãos sensoriais. Essa estrutura mediúnica é a própria sensação metamorfoseada
como fantasma ou representação: "A sensação é um fantasma, feito pela reação e esforço
para fora no órgão da sensação, causado por
um esforço para dentro a partir do objeto,
permanecendo ali por algum tempo" (Hobbes,
2000: 391).
No Curto tratado dos primeiros princípios Hobbes se refere a uma sutil equivalência entre phantasma e repraesentatio: - "Como os objetos são um, por união ou reunião,
assim são os fantasmas que os representam"
(Hobbes, 1988: 42). Enfim, nas primei-ras
linhas do primeiro capitulo do Leviatã Hobbes enfatiza que considerados não por união
ou reunidos em cadeia, mas isoladamente,
cada pensamento do individuo humano perceptivo "é uma representação ou aparência
de alguma qualidade, ou outro acidente de um
corpo exterior a nós, o que comumente se
chama um objeto" (Hobbes, 2003: 15). A sensação tem pois uma função representacional
© Ciências & Cognição
em Hobbes. O início das representações sensíveis se assenta naquilo que na visão de
Hobbes é o acontecimento mais admirável de
toda a vida cognitiva das criaturas sensíveis,
isto é, o próprio aparecer:
“De todos os fenômenos ou aparências
que existem próximos de nós, o mais
admirável é a própria aparição (to
phainesthai); ou seja, que alguns corpos
naturais têm neles mesmos as estruturas
[ou modelos (patterns)] de quase todas
as coisas e outros de nenhuma. De forma que se os fenômenos ou aparências
são os princípios pelos quais nós conhecemos todas as outras coisas, devemos
necessariamente reconhecer a sensação
como o princípio pelo qual conhecemos
aqueles princípios, e que todo conhecimento que temos é dela originário."
(Hobbes, 2000: 389)
Consideremos, antes de tudo, que os
termos fenômeno, aparência, fantasma e imagem são termos equivalentes em Hobbes, pois
de acordo com o que ele diz no Exame do
“De Mundo” de Thomas White, “[em meu
esquema] um e o mesmo movimento da mente tem agora recebido quatro [diferentes] nomes para quatro diferentes pontos de vista ...:
Esses nomes são: phantasma, imago, imaginatio e memoria” (Hobbes, 1976: 367). Podemos dizer, porém, que as representações
cognitivas — sejam elas sensíveis, imaginativas ou visuais - são definidas por Hobbes meramente como tipos distintos de efeitos causados por um mesmo movimento que ocorre
no interior de nossas vidas mentais? São as
representações cognitivas simples efeitos desses movimentos internos operados mentalmente?
Felizmente, o point de départ da philosophia prima de Hobbes no capítulo VII do
De Corpore esclarece de forma definitiva essa
questão ao estabelecer ali uma divisão fundamental quanto à forma como conhecemos
as coisas, ou seja, (1) como acidentes internos
da mente ou (2) como não existindo realmente, mas simplesmente parecendo existir:
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“Conseqüentemente as coisas podem
ser consideradas ... ou como acidentes
internos de nossa mente, de tal modo
que as consideramos quando a questão é
sobre alguma faculdade da mente; ou
como espécies (species) das coisas externas, não como existindo realmente,
mas apenas como parecendo existir, ou
[parecendo] ter uma existência (being)
fora de nós.” (Hobbes, 2000: 94)
Essa sensação aparente de exterioridade - que o professor Zarka denomina de
consciência de exterioridade - é o que, num
só tempo, define as representações cognitivas
e impede que elas sejam diluídas pela força
avassaladora da teoria do movimento hobbesiana. Nos Elementos da Lei Hobbes diz que
as "representações das qualidades das coisas
fora de nós são o que chamamos cognição"
(Hobbes, 1983: 48). A representação cognitiva é pois a capacidade de conhecer as qualidades sensíveis dos objetos conforme esses
aparecem para nós e parecem fora de nós.
Esses objetos se apresentam em nós e
para nós, originando, a partir disso, fenômenos distintos, que aparecem na forma de fantasmas ou representações, isto é, como uma
aparição das coisas exteriores, de forma que
o que é próprio da representação é o "apresentar ou representar alguma coisa sem ser ela
mesma uma coisa, quer dizer, sem receber o
estatuto de uma realidade" (Zarka, 1992: 18).
Hobbes acredita que a forma como representamos as coisas é tão forte e intensa que mesmo na configuração apocalíptica da hipótese
da destruição do mundo externo continuaríamos a acreditar nas imagens representadas das
coisas armazenadas no interior de nosso cérebro antes do the day after como algo indubitavelmente externo e independente da mente:
"A esse homem [isto é, o único sobrevivente do apocalipse] ficariam as idéias
do mundo e de todos os corpos que havia contemplado com seus olhos antes
da aniquilação... tudo o qual, ainda que
não fosse mais que idéias e fantasmas
que estariam presentes internamente
somente a quem as imaginasse, apare-
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cer-lhe-iam, porém como externas e não
dependentes da mente." (Hobbes, 2000:
389)
O estatuto representacional da sensação, mutatis mutandis, vem a ser possível, em
primeiro lugar, porque a sensação é dotada de
uma memória de curtíssima duração, porém
suficiente para gerar uma sensação aparente
de exterioridade que permite a percepção do
percebido:
"Não podemos começar nossa busca por
tais princípios [isto é, a busca de nossas
representações da realidade externa] por
outro fenômeno que a própria sensação,
... [ou seja,] pela memória que por algum tempo permanece em nós das coisas sensíveis, ... pois aquele que percebe que tem percebido, lembra." (Hobbes, 2000: 389)
A equivalência entre sensação e representação é assegurada, em segundo lugar, pela
capacidade de mudança, que resulta da forma
diversa como os fantasmas são representados,
por exemplo, quando o objeto da percepção é
alterado e novos fantasmas tomam o lugar dos
primeiros. Essa capacidade de mudança —
aqui associada com as representações sensíveis — é identificada por Hobbes como sendo
o conatus, isto é, um tipo de movimento interno plenamente compatível com a sensação:
tal compatibilidade parece justificada pelo
fato que a sensação é ela própria um tipo de
movimento — além de ser, como foi dito antes, a sede central das representações ou fantasmas intermitentes que aparecem continuamente em nossa vida mental. Ver-se-á a seguir que é justo através da capacidade da mudança que se abre um campo cognitivo bastante extenso e complexo em que o principio
de comparação e de diferença atuará como
uma espécie de chef d´équipe.
Comparação, diferença e representação
O princípio de comparação e diferença é fundamental para que as representações
enquanto fantasmas surjam nos órgãos sensí-
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veis das criaturas vivas. De fato, "não se pode
falar de sensação se não há comparação e distinção de fantasmas" (Zarka, 1992: 18). A
aparição dessas entidades fenomênicas chamadas fantasmas - entidades essas que surgem por reação sensível provocada pela presença de um objeto epistêmico qualquer - é
engendrada por um processo de discriminação
ou separação operado pelo principio de comparação e diferença:
"Por sensação compreendemos comumente o juízo que fazemos dos objetos
por seus fantasmas; a saber, ao comparar e distinguir aqueles fantasmas ... de
forma que a sensação tem necessariamente alguma memória aderente a ela,
pela qual os primeiros e os últimos fantasmas podem ser comparados juntos, e
diferenciados uns dos outros." (Hobbes,
2000: 393)
A seletividade e a diversidade são pois
dois aspectos inerentes à sensação e sem os
quais não haveria conhecimento sensível e,
conseqüentemente, as representações cognitivas. Se quisermos uma analogia com o adágio
popular que diz que uma única andorinha não
faz o verão, diremos com Hobbes que na hipótese de podermos representar um único fantasma isso implicaria uma suspensão da sensação, pois "sentir sempre o mesmo e não
sentir vem a ser o mesmo" (Hobbes, 2000:
394). O princípio de comparação e diferença,
dessa forma, atua de modo a fazer com que a
multiplicidade de fantasmas gerados no centro
nervoso da vida cognitiva dos indivíduos sensíveis seja submetida a um discernere - isto é,
uma clara percepção das diferenças - justaposto no plano de uma ordem de prioridades.
A seleção e a discriminação de fantasmas,
por outro lado, influi decisivamente na intensidade daquela memória que é própria da sensibilidade animal. Aliás, uma das diferenças
fundamentais dos vegetais em relação aos animais é que os primeiros não possuem órgãos que funcionem como retentores mnemônicos da multiplicidade de fantasmas gerados
na sensação:
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“Embora pela reação dos corpos inanimados um fantasma possa ser feito, cessaria, contudo, tão logo o objeto fosse
removido. Pois a menos que esses corpos tenham órgãos, como as criaturas
vivas os têm, adequados para reter tais
movimentos, sua sensação seria tal que
eles nunca se lembrariam." (Hobbes,
2000: 300-301)
Pudemos perceber anteriormente que
na opinião de Hobbes a sensação deve de ter
em si mesma uma variedade contínua de fantasmas para que esses possam ser discernidos
uns dos outros. Pois da mesma forma que sem
sensação não há memória, sem memória não
há retenção de fantasmas, e, por conseguinte,
nada para ser discernido ou diferenciado
comparativamente. É de se indagar no momento se essa multiplicidade fenomênica, enquanto submetida àquele princípio fundamental que orienta a comparação e a distinção de
fantasmas (isto é, o princípio de comparação e
diferença) é algo que se dá num só tempo ou
em tempos distintos. E Hobbes dirá que a natureza da sensação é tal que a comparação e a
diferenciação dessas entidades fenomênicas
chamadas fantasmas ocorre uma de cada vez,
de forma que dois objetos registrados nos órgãos sensoriais não produzem dois fantasmas
distintos, mas um só resultante da composição
de ambos.
Verbi gratia, quando abrimos um livro
percebemos uma página inteira. Mas isso não
nos dá acesso ao seu conteúdo: - Dessa forma,
somente ao lermos cada palavra, uma de cada
vez, podemos com isso fazer associações,
comparando umas com as outras, etc., o que
nos permitirá enfim emitir um juízo sobre o
conjunto das informações extraídas. Tudo isso
requer, obviamente, a representação de cada
uma das partes numa certa linha de tempo.
Com efeito, nossas representações sensíveis,
determinadas como sensações aparentes da
exterioridade ou consciências da exterioridade, não podem estar separadas da consciência do tempo.
O objeto da rpresentação
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O objeto que é próprio da representação é formado por um engano da sensação
que ao considerar um acidente interno da
mente como sendo algo externo e objetivo
fixa os limites das aparências perceptivas
como se fossem os limites de entidades reais.
Objeto real, no vocabulário de Hobbes, é tudo
aquilo que constitui o mundo exterior e pode
ser concebido como independente de estruturas mentais. Numa acepção mais ampla os
objetos reais são corpos e “Hobbes define um
corpo como aquilo que não depende para sua
existência do pensamento humano e que coincide com algum espaço” (Zarka, 1992: 53).
(Veremos depois que na compreensão de
Hobbes considerar um corpo como possuidor
de certa substancialidade imaterial é uma contradictio in adiecto, isto é, uma contradição
nos termos.)
A percepção ou apreensão da multiplicidade de objetos ou coisas que constituem a
realidade exterior depende da forma como as
capacidades sensório-perceptivas de uma criatura sensível são estimuladas pelos movimentos externos constitutivos desses mesmos objetos ou coisas. O objeto real se metamorfoseia num objeto aparente — isto é, num objeto representacional — quando um movimento
ou conatus exterior pressiona um determinado
órgão sensorial originando ali (como resultado de sua força centrífuga) um movimento ou
conatus interior que, devido a sua natureza
reativa, é então fisiologicamente pressionado
para fora, cujo efeito no indivíduo senciente é
aquilo que denominamos antes de sensação
aparente de exterioridade:
"A causa da sensação é o corpo exterior,
ou objeto, que pressiona o órgão próprio
de cada sentido ... a qual pressão, pela
mediação dos nervos e outras cordas e
membranas do corpo, prolongada para
dentro em direção ao cérebro e coração,
causa ali uma resistência, ou contrapressão, ou esforço do coração para se
transmitir, cujo esforço, porque para fora, parece ser de algum modo exterior.
(Hobbes, 2003: 15)
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O mais importante no momento, prima facie, parece ser concentrar esforços na
tentativa de não confundir o objeto real com o
objeto da representação. De fato, se o primeiro é determinado no estrito âmbito do movimento exterior, o segundo, por sua vez, é o
resultado de uma consciência de exterioridade proveniente da projeção de qualidades e
acidentes considerados, de forma ilusória ou
enganosa pelo espírito, como sendo aquelas
propriedades pertencentes à realidade exterior. Um passo além e veremos Hobbes afirmar
que essas qualidades e acidentes das coisas
que constituem nossas representações cognitivas não estão na verdade nas próprias coisas,
mas pertencem in totum à vida mental do sujeito epistêmico. Opera-se aqui, portanto, uma
visível subsunção das qualidades secundárias
e primárias à vida cognitiva subjetiva, pois de
acordo com o que diz Hobbes a seguir:
“Quaisquer acidentes ou qualidades que
os nossos sentidos nos fazem pensar
que existam no mundo, não estão lá,
constituindo apenas aparências e aparições. As coisas que realmente estão no
mundo, fora de nós, são os movimentos
que causam essas aparências.” (Hobbes, 1983: 56)
Todos os nossos pensamentos podem
então ser definidos, diz Hobbes, como uma
"representação ou aparência de alguma qualidade ou acidente de um corpo exterior a
nós" (Hobbes, 2003: 15). Definir os pensamentos como representações cognitivas parece plenamente justificável no âmbito de um
sistema de pensamento que combina componentes empíricos com componentes fenomênicos. Essa combinação revela uma démarche
fundamental no interior do Leviatã quando
Hobbes inscreve ali o seguinte axioma: “O
homem não pode ter nenhum pensamento representando uma coisa que não esteja sujeita
à sensação” (Hobbes, 2003: 29).
As representações imaginativas
No contexto da pura sensibilidade animal, porém, essas representações sensíveis
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— aqui traduzidas em pensamentos — estão
todas invariavelmente circunscritas a enganos
e ilusões. A razão disso é que todo pensamento representando algo está sujeito à sensação
e a sensação é uma fonte originária de enganos e ilusões ocorridos na vida cognitiva dos
indivíduos sencientes:
“As coisas que realmente estão no
mundo, fora de nós, são os movimentos
que causam essas aparências. E esse é o
maior engano da sensação, que também
deve ser corrigido pela sensação, pois,
assim como a sensação me diz, quando
vejo diretamente um objeto, que a cor
parece estar no objeto, assim também a
sensação me diz, quando vejo por reflexão um objeto, que a cor não está nele.”
(Hobbes, 1983: 56)
O De Homine-óptico (isto é, a parte óptica
do De Homine) tece importantes considerações relativas a esse engano originário da
sensação. De fato, Hobbes diz ali que "segundo uma instituição da natureza todo ser
animado começa por julgar que essa imagem
[uma luz, uma cor assim representada] é a visão da coisa mesma" (Hobbes, 1974: 43). Observemos que Hobbes está ali usando novamente um modelo da percepção animal em
geral para explicar o engano da sensação. Enganar-se ou iludir-se é pois algo inerente a
todos os seres vivos animados. Em outras palavras, o engano originário da sensação é uma
propriedade de todo indivíduo senciente que
cai dentro do reino animal, gênero maior em
que os sencientes humanos estão compreendidos como simples partes na relação com o
todo. A confusão quanto à distinção entre objetos reais e objetos aparentes é originada pois
naturalmente no interior da sensibilidade animal. Decorre disso que representações sensíveis cognitivas — isto é, "as representações
das qualidades das coisas fora de nós" (Hobbes, 1983: 48) - apresentarão ou representarão interiormente os objetos externos como se
eles fossem exteriores ao processo mental:
"Muito embora, a certa distancia, o próprio
objeto real pareça confundido com a aparência que produz em nós, mesmo assim o objeto
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é uma coisa, e a imagem ou ilusão uma outra"
(Hobbes, 2003: 16).
Hobbes está abrindo caminho aqui para a instituição de um outro tipo de representação cognitiva. De fato, se a distinção no
momento é entre objeto real e objeto imaginário, as representações sensíveis se transformam então em representações imaginativas. Essa transformação ocorre sem que o
segundo termo implique a exclusão do primeiro, em nosso entendimento, porque em
Hobbes a capacidade da imaginação é definida como um tipo específico de sensação, ou
seja, ela é uma sensação enfraquecida ou debilitada, e isso devido ao estatuto da ausência
de seu objeto. Com efeito, dada a ausência de
um objeto epistêmico atual - representado anteriormente no contexto de um objeto presente responsável por aquela geração fenomênica
de um objeto aparente - devemos pensar no
momento num objeto aparente imaginário
que é o objeto próprio das representações imaginativas cognitivas. As representações
imaginativas são definidas por Hobbes da seguinte forma:
“Quanto à maneira pela qual se tem conhecimento de uma concepção passada,
recorde-se a definição da imaginação
onde dissemos que se trata de uma concepção que pouco a pouco declina, ou
se vai tornando mais obscura. Uma concepção obscura é aquela que representa
todo o objeto em conjunto, mas nenhuma das suas partes por si mesmas; e
quanto mais ou menos partes forem representadas, assim se diz que a concepção ou representação é mais ou menos
clara. Considerando então a concepção
que, quando produzida pela sensação
era clara e representava distintamente
as partes do objeto, e quando nos vem
novamente é obscura, achamos que nela
falta algo que esperávamos e, por isso, a
julgamos passada e enfraquecida.”
(Hobbes,1983: 62)
Na próxima seção desejo examinar a
teoria da representação visual de Hobbes objetivando com isso uma melhor compreensão
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de sua teoria da representação cognitiva. Começo ali explicando como Hobbes concebe
sua teoria física da luz para depois concernir à
formação das representações visuais.
As Representações Ópticas
(a) Teoria física da luz
A teoria da intromissão da luz de AlHazen (isto é, a idéia que vemos através de
raios de luz que entram nos olhos a partir do
exterior) substitui gradativamente a teoria da
emissão da luz dos antigos (isto é, a idéia que
vemos através de raios visuais emitidos pelo
olho). Vitelo continua os estudos de Al-Hazen
e acrescenta que o raio de luz deve ser definido como um feixe de linhas matemáticas
(Prins, 1987: 296). A explicação física da luz
recebe com Vitelo um “tratamento puramente
geométrico” de forma que o fenômeno óptico
passa a ser explicado em termos de “pontos e
linhas”. Prins sugere que os estudos desenvolvidos pelos ópticos medievais reduzem a
óptica à geometria de forma que a natureza da
luz é por eles formulada a partir de um tratamento puramente geométrico de problemas
físicos justificado pelo conceito de raio de
luz. Em resumo, a forma geométrica como os
antigos explicavam a visão através da noção
de raio visual sofre uma readequação com os
medievais de forma a conduzir a uma explicação física da luz justificada pela geometrização do raio de luz.
A teoria física da luz de Hobbes parece compatível com a teoria da intromissão da
luz dos ópticos medievais. Hobbes utiliza, por
exemplo, o termo lux para se referir à fonte
original de luz que irradia de um corpo luminoso antes de se dirigir para o centro do olho.
Lux, dessa forma, é distinto de lumen, visto
que esse último termo se refere não à luz original mas à luz refletida — isto é, à luz como
fantasma, que pertence à sua teoria da visão1.
A objetividade da causa física da luz — lux
— é diferenciada em Hobbes da subjetividade
da qualidade sensível – lumen -, que surge
como uma reação no interior do dispositivo
óptico em decorrência de estímulos nervosos
no cérebro e no coração. A óptica hobbesiana
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remete dessa forma a uma teoria da intromissão da luz ao definir as causas físicas da luz
pelo termo lux e a uma teoria da emissão da
luz compreendida como lumen ou fantasma2.
A primeira explicação do fenômeno óptico na
terceira seção do Curto Tratado evidencia a
objetividade da causa da luz respaldada na
idéia clássica da emissão da luz pelas espécies
através de um medium:
“Luz, cor, calor e outros objetos próprios da sensação ... nada mais são do
que as diferentes ações das coisas exteriores sobre os espíritos animais, pelos
diferentes órgãos. Pois se a luz e o calor
fossem qualidades inerentes em ato às
espécies, e não diferentes modos de ação - porque as espécies entram por todos os órgãos para ir aos espíritos - se
deveria ver o calor e sentir a luz, o que é
contrário à experiência.” (Hobbes,
1988: 45)
O Curto Tratado apresenta dessa forma uma explicação da teoria mediúnica da luz
fundada no conceito de Species. O fundamento dessa explicação — conforme estabelecido
por Hobbes na terceira seção do Curto Tratado - consiste em que a causa eficiente está do
lado do objeto e não do lado do sujeito. De
fato, a terceira seção do Curto Tratado esclarece que "o objeto é a causa eficiente ou agente do desejo e os espíritos animais o paciente" (Hobbes, 1988: 53). Uma vez estabelecido que o princípio de causalidade é da ordem do objeto e não da ordem do sujeito segue como corolário que a natureza mediúnica
da luz é compatível com a teoria da emissão
das Species: - “Todo agente que age sobre um
paciente à distância o toca seja pelo Medium,
seja por alguma coisa que sai dele mesmo, a
qual será denominada Species" (Hobbes,
1988: 25).
Essa concepção começa porém a sofrer mudanças a partir do Tractatus Opticus I
onde Hobbes afirma que se não houvesse visão não haveria nada que chamaríamos de
luz. A aparição da luz e das cores é doravante
um fenômeno subjetivo e situa-se em claro
contraste com a tese objetivista da emissão da
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luz pelas espécies do Curto Tratado. Se no
plano da origem da luz a teoria da luz de
Hobbes — dada a inserção das teses do Tractatus Opticus I — indica um movimento que
articula a ação do meio a partir da fonte luminosa, esse movimento, concebido como propagação da luz a partir do meio, vem a ser luz
somente quando há um sentimento da luz em
nós, sentimento esse que é definido como visão. Em resumo, lux e lumen são agora explicados de forma subjetiva. A conclusão das
teses ópticas no pensamento maduro3 de
Hobbes parece indicar o que segue: — A ação
física da luz não basta para explicar todas as
modalidades da visão4. A passagem das causas físicas da luz para a explicação da visão
através da constituição do conceito de representação visual é o que pretendemos examinar no próximo item.
(b) A formação das representações visuais
Estabelecida a hipótese que a ação física da luz é insuficiente para produzir a visão, a teoria óptica hobbesiana remete a um
complexo sistema psíquico-fisiológico para
adequar a teoria da luz à teoria da visão:
“A ação de um objeto luminoso, quando
propagada para o fundo do olho e conseqüentemente para o cérebro, é a causa
da reação pela qual um movimento é
transmitido para fora do cérebro, através do olho, na direção dos objetos externos. O ultimo movimento, contudo, é
experimentado não como movimento
mas como fantasia ou imagem ... de algum corpo luminoso. Essa fantasia
chamamos iluminação ou luz.” (Hobbes, 1976: 102)
Doravante a luz e a cor são consideradas “não como emanações do objeto mas como fantasmas de nosso mundo interior”
(Hobbes, 1974: 43). É de se observar que a
idéia de fantasma como recurso para explicar
o fenômeno visual faz parte da literatura óptica dos medievais e dos renascentistas. Vitelo,
por exemplo, recorre à idéia de fantasma para
explicar a ilusão visual e podemos constatar,
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além disso, que o Optical Thesaurus de 1572
traz uma identificação entre fantasma e imagem refratária5. Uma outra observação que
nos parece relevante é que se na Critica do
'De Mundo' Hobbes se refere à luz como fantasia, no De Homine ele se refere à luz como
fantasma. Seria devido ao fato que na Critica
do 'De Mundo' ele em muitos aspectos se
mostra disposto a seguir Aristóteles para
quem a raiz etimológica da palavra fantasia é
dada pelo vocábulo luz? De fato, Dherbey sugere que a identificação de fantasia e luz em
Aristóteles serve para dissipar o erro de não
se diferenciar a sensação da imaginação: —
“A confusão feita por Protágoras entre sentir e
imaginar se explica se atentamos à etimologia
de phantasia que, nos diz Aristóteles, vem de
phaos, a luz” (Dherbey, 1983: 61).
Diferentemente de Aristóteles, conforme podemos observar nos escritos ópticos
do De Homine, Hobbes não está preocupado
em identificar fantasia e Luz para separar sensação e imaginação e sim identificar fantasma
e luz para separar a imagem visual do objeto
da visão. Com efeito, após definir a luz no De
Homine como fantasma de nosso mundo interior, Hobbes pode operar uma distinção fundamental entre o que é da ordem da representação visual e o que é da ordem da própria
coisa:
“Uma luz, uma cor assim figurada [isto
é, representada], isso se chama uma imagem. E, segundo uma instituição da
natureza, todo ser animado começa por
julgar que essa imagem é a visão da
coisa mesma ... [Sendo que] mesmo os
homens ... confundem a imagem com o
próprio objeto.” (Hobbes, 1974: 43)
Lembremos que essa idéia de uma separação radical entre o fenômeno visual e a
própria coisa estabelecida por Hobbes no De
Homine de 1658 remonta ao ano de 1649
quando ele escreve o tratado óptico A Minute
or First Draught of the Optiques. Essa constatação se deve ao fato de que a parte óptica do
De Homine corresponde quase que integralmente à segunda parte do First Draught, parte
essa que Hobbes dedica ao estudo da visão6.
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A construção óptica da representação em
Hobbes começa a ser delineada enfim através
da justaposição de uma fundamental
diferenciação entre o que é da ordem do
aparecer e o que é da ordem da realidade.
Tendo isso em mente podemos constatar que a imagem é construída visualmente em
nosso cérebro na medida em que somos afetados por um objeto externo e que quando essa
imagem é projetada de dentro para fora por
reação dos estímulos nervosos centrais temos
a ilusão que o que vemos é a coisa mesma.
Constata-se pois que as teses ópticas de Hobbes se posicionam de forma antagônica com a
óptica antiga uma vez que "aquilo que um
Antigo vê num espelho é a coisa mesma"7.
Em A teoria aristotélica da visão Cappelletti
diz, por exemplo, que é importante sublinhar
que existe em Aristóteles uma teoria realista
da sensação visual segundo a qual o sujeito
capta qualidades que se encontram verdadeira
e realmente no objeto, de forma que os "erros
e ilusões se referem aos sensíveis comuns
(distancia, magnitude, etc.) e não são na realidade erros da vista mas do entendimento"
(Cappelletti, 1977: 91).
Explicar como se formam as imagens
visuais a partir de uma separação radical entre
o que é da ordem do fenômeno e o que é da
ordem das coisas é o tema do primeiro capitulo da parte óptica do De Homine. De fato, a
noção de representação visual orienta ali o
processo de formação das imagens. A percepção visual da irradiação do corpo luminoso é
enviada através do dispositivo óptico para o
sistema nervoso central provocando ali uma
reação para fora que consistirá nas aparições
ou fantasmas de nosso mundo interior. O que
segue disso tudo é uma síntese dos múltiplos
pontos de visão que irão constituir a imagem
visual do objeto segundo uma correspondência ordenada:
“Uma visão [isto é, uma imagem visual]
distinta e figurada ocorre quando a luz
ou a cor forma uma figura cujas partes
tem por origem as partes do objeto, e
lhes corresponde uma à uma na ordem.
Uma luz, uma cor assim figurada [isto
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é, representada], isso se chama uma imagem.” (Hobbes, 1974: 43)
O estatuto representacional da visão
da forma apresentada nessa passagem no De
Homine óptico é plenamente compatível com
o que Hobbes descreve na Crítica do 'De
Mundo' nos termos de uma superfície aparente imaginária: - “A área aparente do sol ou de
qualquer outro objeto não é inerente no próprio objeto mas é meramente imaginária”
(Hobbes, 1976: 40). A superfície aparente
imaginária é constituída ponto por ponto a
partir das informações visuais que temos das
partes do objeto luminoso. Ora, no De Homine Hobbes enuncia justamente que a configuração dos pontos de visão justapostos numa
linha reta no centro retinal do aparelho óptico
se chama linha de visão: “Cada ponto visto é
situado sobre uma linha reta que passa primeiramente pelo centro da retina, depois por um
ponto de sua superfície ... [sendo que] essa
linha reta chamar-se-á linha de visão” (Hobbes, 1974: 44). O lugar aparente das imagens
que temos dos objetos - a saber, “a forma como aparecem na visão direta” - é então explicado no capítulo terceiro do De Homine a partir da mencionada noção de linha visual: “Por
conseguinte, se damos a distancia aparente de
um objeto (colocado em linha reta), [bem como] a sua grandeza aparente e a sua figura
aparente, [segue que] o seu lugar aparente é
igualmente dado” (Hobbes, 1974: 59).
A localização dos objetos na representação é dessa forma estabelecida na linha de
visão - isto é, na linha reta - pela determinação do lugar e da distancia real dos objetos a
partir de seu lugar e de sua distância aparente.
Sobre essa questão Zarka esclarece que em
Hobbes “a constituição visual da representação governa o problema da determinação da
distancia e do lugar real do objeto a partir de
seu lugar aparente”8. O lugar e a distancia
real são dessa forma reduzidos ao que aparece. A imagem visual, formada a partir da linha de visão, é percebida pelo individuo receptor “como se”9 fosse a própria coisa. Nos
Elementos da lei, lembremos novamente,
Hobbes esclarece essa questão da seguinte
forma:
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"Por isso, segue-se também que quaisquer acidentes ou qualidades que os
nossos sentidos nos fazem pensar que
existam no mundo, não estão lá, constituindo apenas aparências e aparições.
As coisas que realmente estão no mundo, fora de nós, são os movimentos que
causam essas aparências.” (Hobbes,
1983: 56)
Existindo no mundo apenas aparências e aparições, a realidade se encontra subsumida nas representações visuais. A forma
como vemos as coisas é então a forma como o
visível se manifesta. Tudo isso constitui a instigante e ainda hoje pouco explorada teoria
óptica de Hobbes. A relação do desejo com as
cores ou a metafórica comparação da filosofia
política com “lentes prospectivas... que permitem ver de longe” (Hobbes, 2003: 158) são
algumas das questões que surgem de forma
surpreendente diante de nossos olhos quando
examinamos o mundo predominantemente
visual de Hobbes.
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(1987).
La
Décision
Métaphysique de Hobbes. Paris: Vrin.
Zarka, Y.C. (1992). (Org.) Hobbes et son
vocabulaire. Paris: Vrin.
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 192-202 <http://www.cienciasecognicao.org/>
Zarka, Y.C. (1986). Vision et désir chez
Hobbes. Em: Recherches sur le XVII' siecle,
© Ciências & Cognição
n° 8. Paris: CNRS.
Notas
(1) É de se observar que já no CurtoTratado Hobbes se refere ao termo lux como luz primitiva e ao termo lumen como
luz derivada. Na medida que “por luz primitiva se entende lux [e] por [luz] derivada lumen” surge então como corolário
que assim como “a luz primitiva e a cor estão para os corpos luminosos ou coloridos assim a luz derivada e a cor estão
para as espécies”.
(2) Segundo Prins a óptica de Hobbes não é geométrica uma vez que ela está determinada causalmente pelo movimento.
A óptica de Hobbes estaria, ainda segundo Prins, situada no plano da física matemática. Zarka sugere, ao contrário, que
ela é geométrica e remete ao começo do De Homine onde Hobbes diz que a óptica é uma ciência demonstrativa da
mesma forma que a geometria, de modo que, continua Zarka, é importante não confundir “os movimentos da matéria
que produzem em nós a representação da luz ou do calor com as qualidades sensíveis”.1 Em nossa opinião, são dois
diferentes enfoques da teoria óptica de Hobbes que não precisam ser necessariamente excludentes. Há em Hobbes a
compatibilidade entre uma mecanização da luz e uma geometrização do olhar, o que podemos observar, por exemplo,
através da passagem em Hobbes das razões físicas da luz para o ato da construção geométrica do visível, ou ainda pela
comparação do termo lux com o termo lumen.
(3) Isto é, no Tractatus Opticus I e II, no De Homine, etc.
(4) Cf. Zarka, idem, p. 137.
(5) Cf. Prins, op. cit., pp. 303-304.
(6) O motivo pelo qual Hobbes deixou a primeira parte do First Draught, isto é, a teoria da luz, fora do De Homine ainda hoje é um mistério para os que estudam sua teoria óptica. Seria porque ao tratar do homem (De Homine) ele pensava
que as razões físicas da luz podem ser subsumidas na noção de luz como fantasma de nosso mundo interior? O fato é
que dois anos depois do First Draught Hobbes escreve no inicio do Leviathan (1651) — sua obra política maior — que
embora “o próprio objeto real pareça confundido com a aparência que produz em nós, mesmo assim o objeto é uma
coisa, e a imagem ou ilusão uma outra”. A critica à doutrina óptica escolástica da emissão da luz por species visível é o
recurso que Hobbes usa no Leviathan para sustentar a diferença entre percepção visual e a realidade. Aristóteles criticou
Protágoras por não diferenciar sensação e imaginação. O primeiro capítulo do Leviathan é dedicado ao exame da sensação e o segundo capitulo ao exame da imaginação. Mas ao contrário de Aristóteles, embora Hobbes num primeiro momento diferencie sensação e imaginação, num segundo momento ocorre a subsunção da imaginação à sensação, isto
pelo fato que para ele “a imaginação é uma sensação diminuída”.
(7) Simon, G. op. cit., p. 197.
(8) Cf. Zarka, op. cit., p. 138.
(9) É de se observar, contudo que o componente racional não está presente nesse estágio de argumentação. Em outras
palavras, as correções efetuadas pelo raciocínio — por exemplo, aquelas relativas às ilusões ópticas — remetem a um
plano objetivo que não interessa a Hobbes nesse estágio do argumento. (A critica de Hobbes das Species invisíveis dos
escolásticos, por exemplo, é uma critica da razão dirigida a todos aqueles que postulam raciocínios equivocados por não
conseguirem decifrar os enganos da visão natural a partir da distinção entre a dimensão do aparecer e a dimensão da
realidade ou ainda a partir da distinção entre o que é da ordem da subjetividade e o que é da ordem da objetividade.) O
que realmente importa aqui é que “por natureza” a luz e a cor são compreendidas como fantasmas puramente subjetivos
que determinam o modo como vemos as coisas.
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 203-213 <http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 15/10/2007 | Revisado em 28/11/2007 | Aceito em 29/11/2007 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 03 de dezembro de 2007
Ensaio
Robôs como artefatos
Robots as artifacts
Dulce Maria Halfpap, Gilberto Corrêa de Souza e João Bosco da Mota Alves
Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Resumo
Robôs são artefatos criados pelo homem. Essa visão é apresentada a partir da investigação primeira do
papel do conceito de artefato na evolução da história humana, até o desenvolvimento de artefatos específicos, os robôs. Esses também foram então destacados na história da humanidade como artefatos
especiais que tentam reproduzir as funções humanas. Nessa empreitada foram identificadas gerações
de robôs, as quais puderam exemplificar melhor o desenvolvimento dos robôs como artefatos na sociedade humana, desde seu surgimento até os dias de hoje. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 203213.
Palavras-chaves: robôs; artefatos; história.
Abstract
Robots are artifacts created by man. This vision has been presented since the earliest investigation of
the role of the artifact concept in the evolution of human history until the development of specific artifacts, the robots. These were also pointed out in the humanity history as special artifacts that try to
reproduce the human functions. In that effort, generations of robots were identified, which could better exemplify the development of the robots as artifacts in the human society, since its beginning until
today. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 203-213.
Key Words: robots; artifacts; history.
1. Introdução
Antes de discorrer sobre robôs, considera-se pertinente neste momento, colocar em
discussão o conceito de “artefato” e demonstrar como essa palavra se relaciona com a robótica1. Tais termos, aparentemente parecem
ser distintos, justamente porque a idéia inicial
que se tem de artefato é que se trata de alguma coisa elaborada artesanalmente, mais rudimentar. Em geral, não é bem assim. Pode-se
observar que existem outras perspectivas a
serem adotadas.
Sobre o significado do termo artefato
- G.C. de Souza é Graduado em Processamento de Dados (CESUPA), Mestre em Ciência da Computação (UFSC)
e Doutorando em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC).
E-mail para correspondência:
[email protected]; D.M. Halfpap é Graduada em História (UFSC), Mestre e Doutora em Engenharia de Produção
(UFSC). E-mail para correspondência: [email protected]; J.B.M. Alves é Graduado em Engenharia Elétrica (Universidade Federal da Paraíba), Mestre em Engenharia Elétrica (UFSC) e Doutor em Engenharia Elétrica (Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Atua como Professor no Departamento de Informática e Estatística (UFSC). E-mail para
correspondência: [email protected].
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 203-213 <http://www.cienciasecognicao.org/>
utilizado neste artigo, buscou-se suporte em
© Ciências & Cognição
alguns dicionários2, como segue:
Autor
Ferreira (1978)
Conceito de artefato
a) Produto da indústria. Var. de artefato.
b) Do lat. Arte factu, ‘feito com arte’; var. de artefacto.
Ferreira (1999)
c) Qualquer objeto manufaturado; peça.
d) Observação ilusória durante uma medição ou experiência científica e que se deve a imperfeições no método ou na aparelhagem.
e) Observação ilusória durante uma
Merriam-Webster3
f) Something created by humans usually for a practical purpose;
espe-cially: an object remaining from a particular period <caves
containing prehistoric artifacts>;
g) Something characteristic of or resulting from a human institution
or activity <self-consciousness ... turns out to be an artifact of our
education system – Times Literary Supplement>;
h) A product of artificial character (as a scientific test) due usually to
extraneous (as human) agency - ar.ti..fac.tu.al adj.
Stanford Encyclopedia of i) An artifact may be defined as an object that has been intentionally
Philosophy4
made or produced for a certain purpose. Often the word ‘artifact’
is used in a more restricted sense to refer to simple, hand-made
objects (for example, tools) which represent a particular culture
(This might be termed the “archaeological sense” of the word). In
experimental science, the expression ‘artifact’ is sometimes used
to refer to experimental results which are not manifestations of
the natural phenomena under investigation, but are due to the particular experimental arrangement.
Houaiss (2001)
j) Produto de trabalho mecânico; objeto, dispositivo, artigo manufaturado;
k) Aparelho, engenho, mecanismo construído para um fim determinado [...].
Quadro 1 - Classificação de artefato.
Em geral, as interpretações apresentadas mostram algo em comum. Neste artigo,
utilizam-se aquelas do Dicionário Houaiss
(2001), que são consensuais com as demais.
Então se artefato é qualquer objeto feito à
mão, então se deduz que artefato pode ser várias coisas. Com efeito, as explicações ora
apresentadas são consideradas significa-tivas
quando se associa artefato à robótica, além de
ajudar a esclarecer, inclusive, o título deste
artigo.
À vista disso, recorre-se à história para
tornar mais compreensível esta polêmica com
o seguinte questionamento: a partir de quando
o homem começou a construir artefatos? Uma
resposta imediata seria: a construção dos primeiros artefatos que se tem notícia remonta à
história da origem do comportamento humano
e à evolução da inteligência e Wilson (1975
apud Burke, 2002: 179-180), resume bem toda essa trajetória quando diz que:
“Os homens mais primitivos, ou homens-macacos, começaram a andar eretos quando passaram a viver a maior
parte ou a totalidade do tempo no chão.
Suas mãos ficaram livres, a manufatura
e manipulação de artefatos tornou-se
mais fácil e a inteligência cresceu à medida que o hábito de utilização de ferramentas foi aprimorado. Com a capacidade mental e a tendência a usar artefatos aumentando mutuamente, toda a
cultura material expandiu-se. A espécie
dirigiu-se, então, para a trilha dupla de
evolução: a evolução genética pela sele-
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ção natural ampliou a capacidade de desenvolvimento da cultura, e a cultura
aumentou a aptidão genética daqueles
que dela faziam máximo uso. A cooperação durante a caça foi aperfeiçoada e
proporcionou um ímpeto novo à evolução da inteligência, a qual, por sua vez,
permitiu sofisticação ainda maior no
uso de ferramentas, e assim por ciclos
repetidos de causalidade. A distribuição
das atividades de caça e de coleta de outros alimentos contribuiu para aguçar as
habilidades sociais.”
Ilustrando esta citação, menciona-se
algumas cenas do filme de Kubrick (1968) “2001: Uma Odisséia no Espaço”, quando um
macaco faz uso de um pedaço de osso da carcaça de um animal e, ao bater com ele com
uma das mãos, descobre a partir daí, a ampliação do poder da sua força. A aptidão para
manipular e criar outros instrumentos equivalentes e utilizar para determinados fins demonstra já ter adquirido a capacidade de abstração dando início à construção do edifício
da civilização. O ato de manipular aquele objeto e fazer uso dele, não vem sozinho. Ele
utiliza o seu cérebro, as suas mãos, para executar aquela tarefa. Em outras palavras, o resultado da força daquele ancestral do homem,
revela que ele já dispõe dos primeiros equipamentos cognitivos para realizar algumas
atividades mentais com funções essenciais de
sobrevivência: do acaso à necessidade, a vida
fez emergir a consciência. São cenas inusitadas que resumem graficamente o texto antes
citado.
De fato, ao longo do processo evolucionário, o homem desenvolveu: seu cérebro,
sua inteligência, sua capacidade de raciocínio,
a linguagem e outras habilidades bem mais
poderosas e complexas do que qualquer outra
espécie. Isso quer dizer que o homem atingiu
um nível de conhecimento que pode ser considerado como fundamental para a sua sobrevivência.
O conhecimento permitiu ao homem a capacidade de construir desde uma simples lança para abater uma caça para o seu sustento e
de sua família, ao mais sofisticado projeto de
© Ciências & Cognição
uma bomba atômica. Refletindo sobre tudo
isso, destaca-se a questão do conhecimento
como condição primordial para a construção
de artefatos de um modo geral.
Ampliando um pouco mais essa discussão, Dennett (1998: 151), comple-menta:
“[...] se isso estiver certo, então todas as
realizações da cultura humana – linguagem, arte, religião, ética, a própria ciência – são artefatos (ou artefatos de artefatos...) do mesmo processo fundamental que desenvolveu as bactérias, os
mamíferos e o Homo sapiens.”
Pensamento que é corroborado por
Burke (2002). Em conformidade com o historiador Burns (1972), a história registra que os
primeiros artefatos criados pelo homem aparecem no período Paleolítico Inferior, quando
o homem de Neanderthal já fazia uso de alguns instrumentos como, armas e utensílios
que suprissem as deficiências da força muscular. A princípio, eram simples galhos de árvores utilizados como porretes. Depois, descobre que lascando as pedras poderia dar-lhes
gumes cortantes. A parte mais grossa da pedra
(o que sobrava), era segurada na palma da
mão, dando origem ao machado manual desempenhando as funções de: rachador, serra,
faca e raspador. No final desse período, surgem métodos mais aperfeiçoados de lascar a
pedra. Passa a utilizar as próprias lascas dando início à manufatura de pontas de lanças,
facas, perfuradores e raspadores bem mais
eficientes.
No Paleolítico Superior, o Homem de
Cro-Magnon convive com instrumentos e utensílios mais aperfeiçoados e com mais variedades. Utiliza além das lascas de pedra e
hastes de ossos, outros materiais como o chifre de rena e o marfim. Exemplos de artefatos
mais complicados começam a surgir: a agulha
de osso, o anzol, o arpão e a flecha. O uso de
roupas (feitas de peles de animais costuradas
umas às outras) já aparece, visto o homem
desse período ter feito botões de ossos e de
chifres e por ter inventado a agulha.
É provável que o homem de CroMagnon utilizava adornos feitos de dentes de
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 203-213 <http://www.cienciasecognicao.org/>
animais e conchas perfurados. Contudo, a suprema realização do Homem de Cro-Magnon,
foi a sua arte – escultura, pintura, entalhe e
gravação, acham-se bem representados em
uma clara evidência de que está registrando os
seus construtos, o que já pode diferenciá-lo
dos outros animais (Burns, 1972).
Pela arte o homem primitivo teria começado a refletir, dando um enorme salto no
desenvolvimento cognitivo, desenvolvendo
um cérebro com um excesso de possibilidades
criativas, usadas para a solução de problemas
mais complexos e para a arte. Com isso vão
aparecendo as várias subjetividades no ser
humano. Os padrões rígidos coletivos sendo
alterados em várias culturas, com valores e
modos de viver diversos (Pacheco e Silva Filho, 2003).
No período Neolítico, as armas e os
instrumentos de pedra passaram pelo método
do polimento através do atrito, ao contrário
dos períodos anteriores, quando utilizava o
sistema de fratura e separação de lascas. O
nível de progresso material é bem mais expressivo, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento da agricultura e da domesticação de animais.
O homem neolítico era produtor de alimentos. Tais circunstâncias demonstram que
o homem desse período começa a se sedentarizar. O aumento mais rápido da população
torna-se viável favorecendo o desenvolvimento das instituições: a família, a religião
e o estado. É provável que uma das causas da
origem do estado – talvez a mais importante –
remonta no desenvolvimento da agricultura.
Inventou os primeiros barcos e jangadas, o
que contribuiu para a sua difusão para várias
partes do mundo. Destacam-se ainda as artes
de tecer e fiar pano. Foi o primeiro a fabricar
cerâmica e descobriu o fogo através do atrito.
Observa-se que a faculdade inventiva do homem neolítico era bem mais aguçada do que a
dos seus antepassados. Novos instrumentos e
habilidades técnicas são acrescentados ao seu
arsenal. Construiu casas de madeira e barro
secado ao sol e no final desse período, descobriu a possibilidade do uso dos metais e já
apareciam alguns instrumentos de cobre e ouro entre os demais artefatos do seu cotidiano.
© Ciências & Cognição
Em resumo, segundo Burns (1972), as verdadeiras pedras angulares da cultura neolítica
foram, sem dúvida, a domesticação de animais e o desenvolvimento da agricultura.
Um grande passo no desenvolvimento
da espécie humana foi a possibilidade de usar
uma linguagem. A invenção da escrita tornou
possível estocar informação e conhecimento
fora do cérebro humano e tudo leva a crer
que, num certo sentido, a invenção da linguagem escrita indica o nascimento da ciência.
Entretanto, não se pretende aprofundar esta
discussão porque tende a ultrapassar as fronteiras desta proposta, ou seja, trabalhar com o
conceito de “artefato”, termo tão utilizado e
nem sempre bem compreendido, porém, não
no sentido lato, mas restrito à construção de
objetos de uma maneira geral.
Esse retrospecto histórico é importante
na medida em que favorece o reconhecimento
que homem, ao longo do seu processo evolutivo, atingiu uma enorme capacidade intelectual. Isto lhe permitiu desenvolver uma extraordinária cultura e a tendência, é avançar
sempre porque a busca do conhecimento não
cessa e não pode ser interrompida; faz parte
da natureza humana.
No princípio, os procedimentos eram
extremamente simples e rudimentares e, nem
poderia ser diferente. Entretanto, quando o
homem foi se tornando mais criativo e exigente, esses mesmos artefatos evoluem e adquirem contornos mais sofisticados, com outras utilidades e com mais aplicações até atingir o atual nível tecnológico. Afinal, eles foram e devem continuar sendo criados para
cumprir um objetivo. Como salienta Dennett
(1998: 24), “[...] a meta ou o propósito de um
artefato é a função a que ele deve servir designada pelo seu criador”.
Quando se trata de procurar os antepassados de todo esse arsenal tecnológico tal
como hoje é visto, sentido e usufruído, não se
pode esquecer que todas essas descobertas
possuem efeitos multiplicadores, já que se
repercutem em muitas outras ações, bem diferentes e mais aprimoradas.
Depois de tudo que foi analisado, retoma-se à questão inicial, ou seja, quando se
associa artefato à robótica a partir das expli-
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 203-213 <http://www.cienciasecognicao.org/>
cações dadas, torna-se mais fácil compreender
que um robô é apenas um exemplo de artefato, aliás, é o artefato mais moderno e mais em
voga hoje. O que foi apresentado é o ponto de
partida para uma compreensão mais facilitada
da robótica, das suas aplicações e de suas inter-relações com a sociedade.
Considerando que artefatos podem ser
várias coisas, diz-se ainda que eles poderiam
ser ou não, inteligentes. A propósito, a questão da inteligência, hoje embutida no conceito
de artefato, é fruto da época contemporânea e
será esclarecido mais adiante, especialmente
quando forem mencionados os robôs atuais.
Contudo, antes de falar sobre inteligência,
toma-se a dianteira com as manifestações de
Piaget (apud Calvin, 1998: 11): “[...] inteligência é aquilo que você utiliza quando não
sabe o que fazer [...]”. Esta ênfase de Piaget,
aparentemente simples, por si só pode ajudar
a compreender que inteligência não é simplesmente uma aptidão inata defendida e apregoada por muitos, isto é, somos ou não
inteligentes. Ela envolve esperteza, criatividade, improvisação, intuição, capacidade crítica, tomada de decisão, capacidade de memorização e outros atributos mais. Como arremata Calvin (1998: 23): “a inteligência diz respeito ao processo de improvisação e aprimoramento na escala temporal do pensamento e
da razão”.
Certamente é isso que se deseja das
nossas máquinas inteligentes. As pesquisas
em Inteligência Artificial caminham nesta direção. Sem dúvida é um desafio, porém, não é
de hoje que os cientistas defrontam-se com
grandes desafios em todo o campo científico
que tendem a ressurgir com mais força, à medida que a ciência avançar cada vez mais para
tentar explicar os mistérios da mente humana.
Essa introdução é o ponto de partida
para uma compreensão da robótica, para clarear a idéia de robô, a grande variedade deles
e, sobretudo, para as finalidades para as quais
são projetados e suas implicações tecnológicas. Na seqüência, será examinado o início
desse processo.
2. Histórico da robótica
© Ciências & Cognição
O desejo veemente de construir robôs
não é de hoje. Alguns fatos remetidos à história mostram que a idéia é muito antiga e se
levado às últimas conseqüências, ver-se-á que
o conceito de robô acompanha a história do
homem, ou seja, desde quando os mitos faziam alusão a certos mecanismos que passavam
a ter vida. Desta feita, os primeiros registros
de seres artificiais com capacidades humanas,
envolvem mitos e lendas. A história ilustra
com alguns fatos muito significativos.
Segundo Pazos (2002), no Egito antigo sacerdotes construíram os primeiros braços
mecânicos que eram utilizados em estátuas de
deuses com a intenção de atuar sob a “inspiração” daqueles, como meio de impressionar
o povo. Na Grécia antiga, há registros de estátuas que operavam hidraulicamente. Na Idade
Média, havia relógios no cume das igrejas e
exibiam uma figura humana de tamanho natural, às vezes em forma de anjo, ou mesmo de
demônio, fazia movimentos com um martelo
que batia num sino para marcar as horas. A
lenda de Golém, por exemplo, é um dos fatos
mais interessantes do passado mítico. Conta a
lenda que:
“Joseph Golém era um homem artificial
que teria sido criado no fim do século
XVI por um rabino de Praga, na Tchecoslováquia, que resolvera construir
uma criatura inteligente, capaz de espionar os inimigos dos judeus – então
confinados no gueto de Praga. O Golém
teria sido criado a partir de um boneco
de areia esculpido pelo rabino, que lhe
concedeu também o dom de falar e raciocinar. A lenda diz que o Golém era
de fato um ser inteligente, mas que um
dia se revoltou contra seu criador, o
qual então lhe tirou a inteligência e o
devolveu ao mundo do inanimado.”
(Teixeira, 1990: 17)
Nos séculos XVII e XVIII, proliferaram muitos mitos e lendas a respeito de seres
artificiais. O caso do flautista mecânico, do
célebre “pato de Vaucanson”, o leão animado
de Leonardo da Vinci e seus esforços para
fazer máquinas que reproduzissem o vôo das
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 203-213 <http://www.cienciasecognicao.org/>
aves, são alguns exemplos. Porém eram artefatos muito limitados (para nós, hoje), pois
não podiam realizar mais do que uma tarefa,
ou um número bem reduzido delas. Mas, talvez resida aí o início desta inquietação humana.
Houve muitas outras invenções mecânicas durante a revolução industrial sendo a
grande maioria, direcionada aos interesses da
produção têxtil. A máquina de fiar de Cromptom de 1779 (Pazos, 2002: 7), é um exemplo
entre tantas outras.
Em 1805, a boneca construída por
Henri Maillardet em Londres, escrevia e desenhava com precisão. “Levava uns cinco minutos para executar uma tarefa e tinha vários
itens no seu repertório (armazenados numa
memória mecânica) que podiam ser selecionados” (Pazos, 2002: 6). Hoje ela pode ser
vista no Franklin Institute de Pensilvânia –
Estados Unidos.
O conceito de robótica há muito convive conosco. Ele evoluiu do conceito de automação. Derivada do grego, automação significa: “having motion within itself5 ” (Mortimer, 1987: 1).
O termo robótica aplica-se ao estudo,
à construção e à utilização de robôs em geral.
Foi expresso pela primeira vez em 1942 pelo
cientista e escritor Isaac Asimov, numa história chamada “Runaround” (História da Robótica, 1998). Na verdade, Asimov começou a
escrever histórias sobre robôs em 1939, embutidas de salvaguardas. Tais salvaguardas
foram formalizadas em três leis para a robótica, “hoje tidas como código de ética dos profissionais da área” (Alves, 1988: 1). São as
seguintes:
1ª lei: Um robô não pode prejudicar um ser
humano ou, por omissão, permitir que o
ser humano sofra dano.
2ª lei: Um robô tem de obedecer às ordens
recebidas dos seres humanos, a menos que
contradigam a Primeira Lei.
3ª lei: Um robô tem de proteger sua própria
existência, desde que essa proteção não entre em conflito com a Primeira e a Segunda
Leis (Asimov, 1997, p. 9).
© Ciências & Cognição
Mais tarde, Asimov, acrescentou uma
quarta lei - a Lei Zero: “Um robô não pode
causar mal à humanidade nem permitir que
ela própria o faça6.”
As leis propostas são vistas hoje através de uma perspectiva puramente relacionada à ficção, uma vez que na época em que foram escritas, não se poderia prever o avanço
vertiginoso nesta área.
Entretanto, duas tecnologias desenvolvidas mais recentemente e consideradas
como o antecedente imediato da robótica, merecem destaque: o comando numérico (final
da década de 40 e início de 50) e o telecomando. A primeira se baseia no trabalho original de John Parsons:
“Essa tecnologia é utilizada para controlar as ações de uma máquina operatriz,
a qual é programada por meio de números, que podem ser introduzidos através
de um teclado ou pela leitura de um cartão perfurado. Esses números podem
especificar, por exemplo, as diferentes
posições das ferramentas da máquina
para efetuar uma usinagem adequada
numa peça.” (apud Pazos, 2002: 7)
A segunda tecnologia, o telecomando,
trata do uso de um manipulador remoto controlado por um ser humano:
“O manipulador é um dispositivo, em
geral eletro-mecânico, que pode ser
uma garra, um braço mecânico ou ainda
um carro explorador, que reproduz os
movimentos indicados por um operador
humano localizado num local remoto.
Esses movimentos podem ser indicados
pelo operador através de um joystick ou
algum outro tipo de dispositivo adequado. O telecomando é especialmente útil
no manuseio de substâncias perigosas,
tais como materiais radiativos, a altas
temperaturas, tóxicos ou explosivos. O
operador pode ficar num lugar situado a
uma distância segura, e manipular o material observando e guiando os movimentos do manipulador através de uma
208
Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 203-213 <http://www.cienciasecognicao.org/>
janela ou de um circuito fechado de televisão.” (Pazos, 2002: 7)
Uma aplicação do telecomando muito
utilizada hoje é na medicina, em cirurgias realizadas em órgãos pequenos, como por exemplo, olhos e ouvidos, o que permite maior
precisão de movimentos.
A base do robô moderno encontra-se
na combinação de telecomando e comando
numérico. Contudo, é tão somente no início
do século XX, que a idéia de construção de
robôs ganha corpo devido a necessidade de
aumentar a produção e da melhora da qualidade dos produtos. E é nesse período que o
robô industrial encontrou suas primeiras aplicações.
Em 1950, Asimov publicou o livro “I,
Robot”, um verdadeiro clássico da ficção científica. Por muito tempo a robótica não passou disso. Os robôs eram vistos em história
em quadrinhos, filmes, livros e até mesmo em
peças teatrais. A propósito, a palavra robô tem
origem numa das suas mais prestigiadas peças
de teatro do autor tcheco Karel Capek, apresentada em Praga no início do século XX, intitulada
Rossum’s
Universal
Robots
7
(R.U.R.) .
A palavra robô, de origem tcheca –
robota - quer dizer trabalhador forçado, que
na obra de Karel Capek, se refere ao robô
Rossum (cientista) e seu filho, criados para
prestar serviços à humanidade de forma obediente e servil vindo este termo posteriormente a generalizar-se na indústria por causa da
evolução introduzida pela automação. No desenrolar da tragédia tais “criaturas” se rebelam contra seus criadores assumindo o comando. É a imaginação do autor utilizada para criticar o progresso tecnológico introduzido
na Europa pelos norte-americanos.
A exemplo desta tão famosa peça teatral, a ficção científica ganha corpo e inúmeros filmes do gênero foram produzidos. Entre
os mais famosos estão: “O dia em que a terra
parou” de 1951, “2001: Uma odisséia no espaço” de 1968, “Guerra nas estrelas” de 1977,
entre tantos outros. E, bem recentemente, o
filme “AI” de Spielberg, que trata de um robô
dotado de consciência. Mas, não é esse tipo
© Ciências & Cognição
de robôs mágicos da ficção científica que a
robótica trata, pelos menos, até agora. Na
verdade, os roboticistas concentram suas pesquisas na produção de artefatos e no desenvolvimento de robôs como máquinas informáticas, com sistemas complexos com funções
interligadas, com a finalidade de processar
informações. Suas ações dependem da variedade de informações que elas consigam processar. Neste contexto, de acordo com Martins (1993: 10): “robótica é a ciência dos sistemas que interagem com o mundo real com
pouca ou mesmo nenhuma intervenção humana”.
Para conceber os mais variados dispositivos robóticos, esta ciência é uma área
transdisciplinar em grande expansão. Necessita de conhecimentos de vários campos científicos: da microeletrônica, da engenharia mecânica, da engenharia elétrica, da matemática
e de outras ciências e, como não se poderia
deixar de mencionar, da Inteligência Artificial. Busca o desenvolvimento e a integração de
técnicas e algoritmos para a criação de artefatos inteligentes ou não, sendo o artefato de
maior popularidade hoje, o robô. É esta sintonia com várias áreas do conhecimento, requerida pela robótica, que tem possibilitado o avanço nesse campo.
Para uma melhor compreensão da robótica e seu relacionamento com a sociedade
é importante esclarecer, dentro do possível, o
que significa um robô e porque estas criações
de laboratórios de Inteligência Artificial se
distinguem de outras máquinas. Algumas definições são de origem mais abstratas e vêem
os robôs como sistemas que interagem com o
mundo real. Outras, mais técnicas, os consideram como verdadeiras máquinas animadas,
porém, outras ainda mais detalhadas ajudam a
sintetizar suas principais características não só
dos já existentes, bem como dos que ainda
estão por vir.
Na verdade, inúmeras definições têm
surgido como é o caso desta, por exemplo,
baseada na idéia francesa de robô, assim expressa: “Robô é um dispositivo automático
adaptável a um meio complexo, substituindo
ou prolongando uma ou várias funções do
homem e capaz de agir sobre seu meio” (Mar-
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tins, 1993: 13). Este conceito pode ser comparado com a moderna interpretação do pesquisador canadense, Marshall McLuhan, ao afirmar que: “todo produto da tecnologia, de alguma forma, faz estender nossos sentidos e
nervos” (apud Martins, 1993: 13). Neste contexto, alguns exemplos como o automóvel e
outros meios de transporte seriam extensões
de nossos pés, assim como os meios de comunicação, rádio, TV, etc., estendem as capacidades do nosso sistema nervoso central: fala, audição e visão.
Assim são os robôs quando substituem
ou prolongam uma ou mais funções humanas
ao agirem nos ambientes para os quais foram
projetados e tem impulsionado enormemente
o desenvolvimento da robótica. Entre outras
aplicações, os robôs são utilizados para pintar
automóveis a pistolas (a spray), para fundir
metais ou plásticos, para misturar produtos
químicos, para desativar bombas, na pesquisa
científica e educacional, etc.
Entre as definições de robô apresentadas, salienta-se aquela que é oficializada pela
Associação das Indústrias de Robótica (antigo
RIA – Robot Institute of América), que o define como: “a programmable, multifunction
manipulator designed to move material,
parts, tools, or specific devices through variable programmed motions for the performance of a variety of tasks8” (Roussel e Norvig,
1995: 773).
Este conceito, um pouco mais abrangente, coloca em evidência os termos ‘manipulador’ e ‘programável’, característicos do
robô propriamente dito excluindo, assim, certas máquinas que não são robôs como, os eletrodomésticos de um modo geral, que para
muitos se confundem com eles. Entretanto,
este conceito é válido para os robôs da segunda geração.
De acordo com Martins (1993: 15-16),
esses conceitos parecem não satisfazer os
pesquisadores da área da robótica, argumentando que são por demais simplificados e incompletos e por não se referirem às características fundamentais dos robôs atuais, ou seja:
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b) capacidade de excluir por inspeção;
c) capacidade de identificar peças;
d) capacidade de posicionar peças.
No entanto, existem controvérsias por
parte da Japan Industrial Robot Association
(JIRA), que defende que máquinas operadas
pelo homem podem ser consideradas robôs,
independentemente da complexidade delas.
Como se pode observar, as divergências entre
os profissionais desta área são visíveis. Porém, independente dos desacordos, seria possível uma definição que possa ser adotada
mundialmente? O que se pode adiantar, é que
a robótica entre nós se mostra incipiente e o
caminho a ser percorrido é longo e árduo.
A chegada dos robôs propriamente ditos é muito recente; deu-se nos inícios dos
anos 60, agindo no complexo mundo da produção industrial. Desde então, vem ganhando
espaço e desempenhando tarefas geralmente
difíceis de altíssimo risco para o homem, ou
extremamente cansativas.
3. Gerações de robôs
Aqui serão consideradas três gerações
de robôs9, a saber:
• Primeira Geração: Robô Pick-and-Place;
• Segunda Geração: Robô Play-Back; e,
• Terceira Geração: Robô Inteligente.
Importante ressaltar que, dessas, as
duas primeiras gerações continuam a ter aplicações generalizadas. A terceira geração, os
chamados Robôs Inteligentes não apenas têm
limitação em aplicações, como também carece de consenso sobre suas reais características, uma vez que a própria palavra “inteligente” ainda é objeto de debate em várias áreas
do conhecimento, da psicologia à tecnologia.
No entanto, aqui será levado a cabo o fato de
que essa terceira geração de robôs é necessária, como será visto na breve descrição de cada uma delas, a seguir.
3.1. Primeira geração: robô pick-and-place
a) sensitividade;
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A primeira geração de robôs é caracterizada por movimentos simples de ida e volta,
com o efetuador (garra, etc.) abrindo-se e fechando-se para a realização de tarefas como
manipulação repetitiva de materiais. Nesta
categoria encontram-se os alimentadores de
papel em gráficas, manipuladores de materiais
incandescentes em metalúrgicas, etc.
O controle dos robôs de primeira geração é feito por curso e parada mecânica, através de parafuso sem fim, o que equivale
dizer que a programação de uma tarefa para
esses robôs é quase inflexível, e feita com
muito pouca liberdade de mudança. Em outras
palavras, os robôs de primeira geração não
possuem flexibilidade de programação de novas tarefas, o que limita muito sua aplicação
em células flexíveis da manufatura. Ainda,
pode-se afirmar que (os robôs de primeira geração) tem um número bastante reduzido de
tarefas diferentes as quais pode executar.
Além disso, os robôs de primeira geração não possuem sensores externos para
monitoração de seu ambiente de trabalho.
Com isso, alguma mudança ocorrer em seu
ambiente, que por ventura vier a ocorrer, a
mesma não é detectada pelo robô. Por exemplo, se a peça que o robô deveria pegar, para
deslocá-la para outro lugar, não estiver no devido lugar, o robô se comporta como se a
mesma lá estivesse. Isso pode ocasionar paradas obrigatórias em uma linha de produção,
por exemplo.
3.2. Segunda geração: robô play-back
A segunda geração de robôs conseguiu
superar a limitação observada nos robôs de
primeira geração, ampliando significativamente o número de tarefas diferentes as quais
pode executar. Tendo seu controle efetuado
por computador digital, a programação de
uma tarefa é armazenada em um programa de
computador, escrito em uma linguagem dedicada ao robô alvo. Isso significa que mudança
de tarefa equivale a mudança do programa
correspondente. Essa flexibilidade é a principal característica que diferencia a primeira da
segunda geração de robôs.
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É comum ver-se nos pátios de montadoras de veículos automotores os robôs de
segunda geração, com aplicações em pintura,
solda, montagem, etc. Se um robô de segunda
geração está executando uma tarefa de solda a
ponto na linha de produção de um modelo de
automóvel, por exemplo, a mudança de sua
tarefa para um outro modelo se dá através da
mudança do programa que fará o robô executá-la.
Importante salientar, no entanto, que
os robôs de segunda geração não necessariamente possuem sensores externos, que o fariam capazes de monitorar mudanças em seu
ambiente de trabalho. Nisso, os robôs de segunda geração se igualam aos de primeira geração. Há casos, é verdade, em que alguma
forma de sensoriamento é agregada ao efetuador do robô, trazendo alguma facilidade na
execução de tarefas. Mas isso representa uma
exceção, não a regra. Isto é, o robô de segunda geração não é capaz de descobrir, por si só,
se o modelo de automóvel não é mais o mesmo e, sozinho, tomar a decisão de mudar o
programa (tarefa) para atender a esta mudança. Evidentemente que, se o número de modelos é pequeno, pode-se até prever algumas
(poucas) situações em que tal mudança pudesse efetuar-se. Mas, ainda assim, isso teria
um custo elevado.
Também, isso seria exigir demais da
segunda geração de robôs, pois alguma coisa
parecida com inteligência (seja isso o que for)
estaria presente. Daí a necessidade de uma
nova geração de robôs, a terceira, os chamados robôs inteligentes.
3.3. Terceira geração: robô inteligente
A necessidade de se dotar um robô de
capacidade de tomar decisão em situações não
previstas leva, necessariamente, a uma nova
geração de robôs, a qual se convencionou
chamar de robô inteligente. Note que, para a
mudança da primeira para segunda geração de
robôs, a área tecnológica foi auto-suficiente.
Mas, da segunda para a terceira geração, isso
não é possível. Uma das razões para isso é o
fato da área tecnológica ser extremamente
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eficiente em “como fazer”, e não necessariamente em “o que fazer”.
O nome, inteligente para a terceira geração de robôs, deve ser explicitado, o que é
feito a seguir: do latim, intellegere, significa
aprender, mas ela é muito mais que a capacidade de aprender. Além da capacidade de aprender, é preciso levar em conta uma série de
outros atributos, tais como: raciocínio, memorização, adaptação ao meio e, ainda, a motivação e o esforço. Verifica-se, então, como
John McCarthy (2007), conceitua inteligência: “intelligence is the computational part of
the ability to achieve goals in the world.
Varying kinds and degrees of intelligence occur in people, many animals and somemachines”.
A inteligência é um processo. Se fosse
possível chegar a um consenso sobre o conceito de inteligência, provavelmente facilitaria
a árdua tarefa de caracterizar os assim chamados robôs inteligentes. Essa complexidade da
inteligência dificulta não só a compreensão da
inteligência propriamente dita, como também
a ampliação dessa compreensão para os robôs.
A evolução presenteou a nós, seres
humanos, com capacidade de tomada de decisão. E, também, aos animais e, até certo ponto, aos vegetais. Mas, principalmente, aos seres humanos. Aprender um pouco o que significa essa capacidade pode ser o "caminho das
pedras" para a mudança da segunda para a
terceira geração de robôs. E essa é uma tarefa
não trivial, uma vez que, a área tecnológica
sozinha, não é capaz de tal façanha. Como diz
o poeta, "vamos precisar de todo mundo":
psicologia, pedagogia, evolução, etologia, engenharia, educação, etc., e, principalmente, a
neurociência, pois ela é que tem nos presenteado (neste inicio de milênio), com pesquisas
sobre novos modelos mentais. Tais modelos
podem ser de grande utilidade para dotar os
robôs de terceira geração de capacidade de
tomada de decisão em situações não previstas.
Em resumo, a principal característica
da terceira geração de robôs (robô inteligente)
é a sua capacidade de monitorar seu ambiente
e, em função de mudanças ambientais, tomar
decisões que podem, inclusive, modificar este
próprio ambiente. Em outras palavras, o robô
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inteligente terá que descobrir, sozinho "o que
fazer" em certas situações. Isso já é suficiente
para ter-se uma idéia da complexidade envolvida em projetos de robôs de terceira geração.
Não é a toa que a robótica, literalmente, parou
na segunda geração. Não há nada de novo na
área (Dyson, 1999), preocupando-se apenas a
desenvolver brinquedos para ricos.
É imperativo, portanto, que trabalhos
como este ganhem espaço no meio científico,
pois uma vez que novos modelos mentais são
disponibilizados pela neurociência, podem ser
colocados em uma linguagem formal e, a partir daí, poderem ser tentados em robôs, agora
sim, de terceira geração.
4. Conclusões
As três gerações de robôs contemplam
a totalidade dos robôs implementados hoje.
Sejam fixos ou móveis, antropomórficos ou
não. Aliás, algumas pesquisas sobre robôs
antropomórficos, como os que auxiliam no
estudo do equilíbrio de bípedes (que não pode
ser considerado um problema trivial, também), podem ser de grande ajuda para pessoas
com dificuldade de locomoção9.
É interessante, também, colocar o robô, independente de sua geração, como mais
um artefato de automação. Nada mais que isso. Ou seja, ele representa a tentativa da capacidade intelectual do ser humano de exercer
as funções superiores de sua mente em ação:
procurar facilitar a vida.
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Notas
(1) Importante: Este artigo é uma compilação de capítulo de mesmo título da tese de doutorado de Dulce Halfpap, defendida em 2005, Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC), Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
(2) Os dicionários não necessariamente contemplam definições técnicas, todavia se foi buscar de outras fontes para
ajudar a esclarecer temas como: artefato, mente, consciência e memória; que são tratados neste trabalho.
(3) a) Alguma coisa criada pelo homem, geralmente para uma finalidade prática; especialmente: um objeto remanescente de um período específico (cavernas contendo artefatos pré-históricos); b) alguma coisa característica de, ou
resultante de uma atividade ou instituição humana – self-consciousness... resulta num artefato de nosso sistema de
educação – Times Literary Supplement; c) um produto de caráter artificial (assim como em um teste científico) geralmente devido a uma ação externa (humana). Tradução livre). Disponível no endereço eletrônico:
http://www.merriam-webster.com/dictionary/artifact
(4) Um artefato pode ser definido como um objeto que foi intencionalmente feito ou produzido para um determinado
propósito. Frequentemente a palavra ‘artefato’ é usada em um sentido mais restrito ao se referir a objetos feitos a
mão simples (ferramentas) que representam uma cultura em particular. (Este pode ser o sentido arqueologico da palavra). Em ciência experimental, a expressao artefato é usada para se referir a resultados experimentais os quais não
são manifestações do fenômeno natural estudado, mas são devidos a uma configuração em particular do experimento. Tradução livre). Disponível no endereço eletrônico: http://plato.stanford.edu/entries/artifact/#Oth.
(5) Aquilo que se movimenta por si mesmo. Tradução livre.
(6) Isaac Asimov. Disponível no endereço eletrônico: http://en.wikiquote.org/wiki/Isaac_Asimov#Three_Laws
_of_Robotics
(7) Os Robôs Universais de Rossum.
(8) Um robô é um manipulador programável, multifuncional projetado para manipular materiais, peças, instrumentos,
ou dispositivos específicos através de vários movimentos programados para desempenhar uma variedade de tarefas.
(Tradução livre).
(9) Obtida em palestra sobre Robótica, proferida pelo Prof. João Bosco da Mota Alves, no RExLab/UFSC, no dia 14
de outubro de 2005.
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Submetido em 13/10/2007 | Revisado em 27/11/2007 | Aceito em 28/11/2007 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 03 de dezembro de 2007
Ensaio
Cognição e texto: a coesão e a coerência textuais
Cognition and text: the literal cohesion and coherence
Carmen Elena das Chagas
Estudos de Linguagem, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil
Resumo
Este trabalho objetiva apresentar um estudo sobre a importância da coesão e da coerência na construção da progressividade do texto, mas tomando como modelo, o processo cognitivo que ambas necessitam para exercer o fundamental papel de elementos lingüísticos presentes na superfície textual, pois se
interligam e se interconectam, por meio de recursos também lingüísticos, de modo a formar um “tecido” no contexto em que estão inseridas. Utilizando os pressupostos teóricos da Lingüística Textual e
os fundamentos dos autores cognitivistas, observarei o desenvolvimento dos modelos cognitivos que
as justificam, proporcionando a continuidade de sentido. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 214218.
Palavras-chave: sentido; modelos cognitivos; coesão; coerência; progressão textual.
Abstract
This paper objectives to present a study on the importance of the cohesion and the
coherence in the construction of the progressive of the text, taking as model the cognitve process that
both need to exert the basic paper of linguistic present elements in the literal surface, that if they estabilish connection and if they interconnect, by means of also linguistic resources, in order to form
one text in the context where they are inserted. Using the estimated theoreticians of the Linguistic and
the bedding of the cognitivistes authors, I will observe the development of the cognitives models that
justify them, providing the direction continuity. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 214-218.
Key Words: signification; cognitive models; cohesion; coherence; progression.
1. Introdução
A interpretação real é um ato mental,
precisamente, um processo cognitivo de usuários da linguagem. O resultado deste processo
é uma representação conceitual do discurso na
memória. Se esta representação é satisfatória
para um número de propriedades, diz-se que
um usuário da linguagem entendeu o discurso.
Beaugrande e Dressler (1981: 37) postulam que o texto é originado por uma multiplicidade de operações cognitivistas interligadas, “um documento de procedimentos de decisão, seleção e combinação”, de maneira que
caberia à Lingüística Textual desenvolver
- C.E. das Chagas é Mestranda na Área de Linguagem, Sub-área Língua Portuguesa (UFF). Atualmente, é Professora de Língua Portuguesa dos Ensinos Fundamental e Médio. Apresenta interesse por pesquisa nas áreas de Língua
Portuguesa, especificamente Lingüística Textual, Análise do Discurso e Sociolingüística. E-mail para correspondência:
[email protected].
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modelos procedurais de descrição textual capazes de dar conta dos processos cognitivos
que permitem a integração dos diversos sistemas de conhecimentos dos usuários da comunicação, na descrição e na descoberta de
procedimentos para a sua atualização e para o
tratamento no quadro das motivações e estratégias da produção e compreensão dos textos.
A mente humana é um processador de informação, ou seja, ela recebe, armazena, recupera, transforma e transmite informação, bem
como os processos correspondentes que podem ser estudados como padrões.
Van Dijk (1977) defende que o processamento cognitivo de um texto consiste de
diferentes estratégias processuais, entendendo-se estratégia como “uma instrução global
para cada escolha a ser feita no curso da ação”. Tais estratégias são hipóteses operacionais eficazes sobre a estrutura e o significado
de um fragmento de texto ou de um texto inteiro. Falar em processamento estratégico significa dizer que os usuários da língua realizam, simultaneamente, em vários níveis passos interpretativos finalisticamente orientados, efetivos, flexíveis, e eficientes .
O cognitivo apresenta-se sob a forma
de representações e tratamento ou formas de
processamento da informação. Pode-se, assim, dizer que a memória opera em três momentos ou fases. Estocagem, quando as informações perceptivas são transformadas em
representações mentais associadas a outras;
retenção, quando se dá o armazenamento das
representações; e reativação, quando se opera,
entre outras coisas, o reconhecimento, a reprodução, o processamento textual.
Existem duas maneiras gerais para se
construir representações mentais. No processamento “de-baixo-para-cima” o falante começa com eventos perceptuais individuais que
ocuparão os mais baixos níveis da representação e se constrói generalizações sucessivas
para dar sentido a esses dados. No processamento “de-cima-para-baixo” revela um confronto com um número de fatos bem limitado.
O falante importa um esquema mental inteiro,
com toda sua estrutura já feita e todos os seus
compartimentos disponíveis, mesmo que vagos. Assim, qualquer que seja a fonte, entre-
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tanto, estruturas de expectativa são mecanismos poderosos que nos possibilitam a chegar
a uma representação mental e manter o interesse pelo texto.
2. Coesão e coerência
A coesão e a coerência no texto falado
mostram que o estudo destes dois fatores que
constituem o texto deve ser feito de forma
diferenciada dos textos escritos, pois a conversação se produz de maneira dialógica, já
que se refere a uma criação coletiva.
A coerência apresenta-se como um
princípio de interpretabilidade do texto, envolvendo fatores de ordem cognitiva, interacional e lingüística. Este princípio se relaciona à boa estrutura do texto, estabelecendo a
partir de uma unidade de sentido o que a caracteriza como ato global, ou seja, refere-se
ao texto como um todo. “É algo que se articula pela interação, num processo de construção
mútua, pelas relações estabelecidas e percebidas pelos falantes” (Aquino, 1991: 85).
O falante utilizará certos sinais lingüísticos no texto com o objetivo de dar pistas
para ajudar os interlocutores a chegar a uma
representação mental adequada. Este uso de
meios lingüísticos para facilitar a coerência
pode ser definido como coesão textual. Assim, um sinal de coesão indica como a parte
do texto na qual ele aparece se liga conceitualmente a outra parte do texto. Este sinal,
normalmente, é designado como elo coesivo.
A coesão é bem comum no discurso, isto nos
leva a acreditar que ela tem uma função comunicativa grande: possibilitar a coerência
em alguns casos.
Um sinal de coesão indica como a parte se liga, conceitualmente, com uma outra
parte do texto. É normal referir-se a estes sinais como ligações ou elos coesivos. Cada
língua possui seus próprios meios de utilizar a
coesão. Ela pode ocorrer através de: expressões descritivas que, na representação mental,
o conceito se liga a um anterior, contribuindo,
assim, para a coerência; identidade que faz
ligação com formas idênticas ou com referência ou denotações idênticas; relações lexicais
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que ocorrem através de hiponímia e meronímia e outros meios afins.
Um texto é coerente se descreve fatos
conhecidos ou que sejam relacionados entre
si. Em termos mais cognitivos, portanto, um
texto é coerente se puder ser interpretado em
um modelo mental ou formal.
“Os temas “coesão” e “coerência” estão
longe de uma definição clara. Na conversação, a coesão não pode ser definida em termos estritamente formais, pois
o texto se produz dialogicamente, concorrência de dois ou mais agentes. A
coerência não é uma unidade de sentido
e sim uma dada possibilidade interpretativa resultante localmente. Dois interlocutores se entendem não só são coerentes no que dizem, mas principalmente,
porque sabem do que se trata em cada
caso. E quando não sabem, manifestam
seu desentendimento de modo a integrálo como parte efetiva no próprio texto.”
(Marcuschi, 1986: 02)
O texto conversacional é coerente,
mas acontece é que o mesmo obedece a processos de ordem cognitiva e, muitas vezes,
torna-se difícil detectar as marcas lingüísticas
e discursivas dessa ocorrência, pois ela nem
sempre se dá com base nessas marcas, mas na
relação entre os referentes. Desta forma, um
texto conversacional pode ser considerado
coerente se os referentes apresentados puderem ser organizados como pertencentes ao
mesmo quadro. Além disso, estes referentes
precisam fazer parte de um conjunto, isto é,
os elementos presentes no co (n) texto devem
ser pertinentes.
Breaugrande e Dressler (1981) consideram constituírem a coesão e a coerência
níveis de análise. A coerência apresentada
muitas vezes, macrotextualmente, refere-se à
maneira como os elementos do universo textual (Levinson et al., 2004) se unem numa
configuração de modo acessível e relevante.
Isto é, a coerência é o resultado de processos
cognitivos operantes entre os usuários e não
uma simples parte dos textos. Esses conhecimentos que determinam a produção de senti-
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do e, conseqüentemente, a coerência estão
armazenados na memória em forma de estruturas cognitivas como conceitos, modelos
cognitivos globais e superestruturas.
Os conceitos são um conjunto de conhecimentos guardados nas memórias semântica e episódica, em unidades consistentes,
mas não estanques.
Os modelos cognitivos globais são
blocos de conhecimentos utilizados, intensamente, no processo de comunicação e que representam de forma organizada nosso conhecimento armazenado na memória. Dividem-se
em:
1- Frames são situações estereotipadas e sem
ordenação em nossa memória como, por
exemplo, elementos que se referem ao
carnaval (serpentina, mascarado e samba)
ou ao Natal (chaminé, presentes, ceia).
2- Esquemas são seqüências ordenadas previsíveis e fixas como, por exemplo, a situação de um casamento, um acidente ou aniversário.
3- Planos são possibilidades onde se pode
perceber a intenção do escritor ou do falante como procedimentos para conseguir
um emprego ou uma promoção.
4- Scripts é quando se pode especificar os papéis dos participantes de forma determinada como, por exemplo, características
de crianças ou de adolescentes.
5- Cenário são situações que se estendem ao
domínio da referência como a idéia de atos que acontecem num clube, numa escola ou num tribunal.
Já as superestruturas compõem a forma global de um texto e definem a organização e as relações hierárquicas entre seus
fragmentos.
Os estudiosos do texto afirmam que a
coerência depende, acima de tudo, de nosso
conhecimento prévio e não só dos modelos
cognitivos globais citados acima, mas sim do
elemento base, situado em nosso conhecimento de mundo que sustenta todos os outros, já a
coesão é bem constante no discurso, pois indica que ela possui uma carga de comunicação expressiva. A coesão está para a coerên-
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cia como a forma lingüística que se usa está
para aquilo o que se quer expressar.
3. Progressão referencial
A progressão referencial de um texto
refere-se às estratégias lingüísticas por meio
dos quais se firmam (estabelecem) entre segmentos do texto diversos tipos de relações
semânticas ou pragmático-discursivas, contribuindo para a progressão do texto.
Weinrich (1964) postula uma “estrutura determinativa” cujas partes são interdependentes, sendo todas necessárias à interpretação. Esta interdependência é permitida,
às vezes, pelo uso de diversos mecanismos de
seqüenciação encontrados na língua.
Koch (2006: 7) mostra que a referenciação constitui uma atividade discursiva,
pressuposto este que implica uma visão de
não-referenciação da língua e da linguagem.
Na mesma linha de pensamento Mondada e
Dubois (apud Cavalcante et al., 2003) sublinham que no lugar de pressupor uma estabilidade a “priori” das entidades no mundo e na
língua, é possível reconsiderar a questão de
estabilização, pois os objetos-de-discurso pelos quais os indivíduos entendem o mundo
não são preexistentes, nem dados, porém são
elaborados no desenrolar de suas atividades,
transformando-se a partir dos contextos.
A referenciação privilegia a relação
intersubjetiva e social, na qual as referências
do mundo são elaboradas e avaliadas de acordo com a adequação dos objetivos das ações
que estão em desenvolvimento nos enunciadores. Segundo Castilho (2004), durante a
interação, tomam-se decisões sobre como
administrar o pensamento, que palavras escolher, que propriedades ativar. Essa administração configura um conjunto de momentos
mentais, no sentido etimológico de “movimentos”. Três conjuntos simultâneos de instruções, três movimentos ou processos discursivo-computacionais podem ser aí identificados: a ativação, a reativação e a desativação.
Ainda Koch e Marcuschi (apud Koch
et al., 2005) defendem que a discursivização
ou textualização do mundo por meio da linguagem não consiste em um mero processo de
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elaboração de informações, mas na (re) construção do próprio real.
Os objetos-dediscurso não se confundem com a realidade
externa ao ato lingüístico, mas (re) constroem-na no próprio desenvolvimento da interação. Assim, a realidade é construída, mantida
e alterada não apenas pela forma como se
nomeia o mundo e sim pela forma como, sóciocognitivamente, interage-se com ele. Os
sujeitos interpretam e constroem o mundo na
interação com os espaços físico, social e cultural.
Marcuschi e Koch (apud Abaurre,
2002) examinam alguns aspectos de dois conjuntos de estratégias de progressão referencial
na língua falada: primeiro, a referenciação por
meio de expressões nominais definidas e, segundo, a referenciação anafórica sem antecedente explícito. Ambas desempenham papel
importante na organização do texto e, por decorrência, na construção do sentido. Ambas
dizem respeito à sucessão de referentes, um
aspecto central no processo de textualização e
fator relevante da coesão e da coerência.
4. Conclusão
Desta forma, conclui-se que a progressão textual precisa garantir a continuidade de
sentidos e o permanente ir e vir responsável
pela tessitura do discurso. Assim, para propiciar o constante movimento de progressão e
de retroação, o produtor dispõe de uma série
de estratégias ou procedimentos que desenvolvem um papel relevante que, também, são
destinados a assegurar uma continuidade de
referentes, ou melhor, de objetos de discurso,
adquirida pela cadeia referencial que não
permite que estes objetos sejam arquivados,
permanecendo em estado de ativação na memória de trabalho durante o processamento
textual.
Representações mentais não ficam limitadas à compreensão de discurso, mas são
ferramentas mais gerais, fundamentais para a
cognição humana. A organização que os ouvintes associam a um determinado discurso é
um reflexo da maneira como o conteúdo é
visto como coeso pelo ouvinte e assim fica
armazenado na sua mente. Outros fatores que
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contribuem para a representação mental que
os ouvintes têm do discurso são os seus conhecimentos prévios de como as coisas acontecem no mundo real, junto com as suas expectativas sobre o que o falante pretende dizer, pois os discursos nos forçam a utilizar
tudo o que sabemos sobre a nossa cultura,
língua e o mundo.
O produtor de um texto cumpre regras
gerais de coesão e coerência e usa um número elevado destas estratégias ou destes procedimentos eficientes para conseguir alcançar a
unidade do texto. Estas articulações cognitivas e sociais podem desenvolver pequenos
cortes interpretativos quando o interlocutor
fala fora do tópico ou quando algum turno
parece incoerente com o turno anterior. O falante pode reagir quando uma tomada de turno anterior for brusca, pode acrescentar algum
detalhe explicativo sobre determinado assunto
ou usar uma troca de turno para uma ratificação, retomando o que fora afirmado antes.
Tais estratégias semânticas fazem parte de um
conjunto de elos comunicativos e interacionais usados para estabelecer certos objetivos
como, por exemplo, compreender o mundo.
5. Referências bibliográficas
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Ensaio
O uso de narrativas autobiográficas no desenvolvimento profissional
de professores
The use of autobiographical narratives in the professional development of teachers
Denise de Freitas, a e Cecília Galvãob
a
Departamento de Metodologia de Ensino, Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, São Paulo, Brasil; bCentro de Investigação
em Educação, Departamento de Educação, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
Resumo
Utilizar o recurso da narrativa autobiográfica levou-nos a inscrever nossos episódios de vida pessoal e
profissional e encontrar lugar para os significados das trajetórias e das práticas de formadoras de professores. A narrativa pessoal nos ajudou a perceber como nos fomos construindo profissionalmente.
Duas questões constituíram-se como fios da investigação: 1) Que momentos marcantes identificamos
na nossa vida profissional? 2) Como descrevemos esses momentos e como explicamos teoricamente a
sua influência no nosso desenvolvimento profissional? A própria construção da metodologia de investigação se constitui em uma narrativa na medida em que a recolha de dados são as escritas autobiográficas sobre os percursos singulares que foram sendo construídas por nós, investigadoras, no entrecruzamento de nossas histórias de professoras e formadoras de professores e pesquisadores. A análise
ressignifica e reinterpreta os olhares que temos de nós mesmas, pondo em evidência outras emoções e
razões das quais antes não nos tínhamos apercebido. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 219-233.
Palavras-chave: narrativas de professores; desenvolvimento profissional; pesquisa
autobiográfica.
Abstract
- D. Freitas é Doutora em Educação (FEUSP) com Pós-doutoramento (Universidade de Lisboa). Atua como Professora Associada do Departamento de Metodologia de Ensino (UFSCar) e como Pesquisadora no Programa de PósGraduação em Educação (UFSCar) no campo da Educação (sub-áreas: i) formação de professores de Ciências; ii) educação científica; iii) inovação curricular; iv) educação ambiental). Endereço para correspondência: Departamento de
Metodologia de Ensino (UFSCar). Rodovia Washington Luis, Km. 235, SP 13565-905. Telefone: (16) 3351-8662. Email para correspondência: [email protected]. C. Galvão é Graduada em Ciências Biológicas, Mestre em Educação na área de Metodologia do Ensino das Ciências e Doutora em Educação (FCUL). Atua como Professora no
Departamento de Educação, Faculdade de Ciências (Universidade de Lisboa). Leciona e Investiga nas áreas de Desenvolvimento Curricular, Educação em Ciências, Desenvolvimento Profissional de Professores, Narrativa em Educação, Educação para a Saúde e Educação Ambiental. Participa do Grupo de Coordenação do Centro de Investigação em
Educação e a Comissão Executiva do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Endereço para correspondência: Departamento de Educação da Faculdade de Ciências (Universidade de Lisboa),
Campo Grande, Edifício C6, Piso 1, 1749-016, Lisboa, Portugal. Telefone: (351) 21 75 000 49, E-mail para correspondência: [email protected].
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Making use of such means as the autobiographical narrative has led us to put into words our personal
and professional life stories and to find a place to the meaning of those paths and our practices as
teacher educators. The personal narrative has helped us to notice how we’ve been developing as professionals. Two questions have become the thread of investigation: 1) What meaningful moments do
we identify in our professional life? 2) How do we describe such moments and how do we explain
theoretically their influence on our professional development? The construction of the investigation
methodology becomes a narrative itself, considering that the data collecting refers to the autobiographical writings about the remarkable paths which have been built by us, researchers, in the intersection of our stories as teachers and teacher/researcher educators, and researches. This analysis
brings a new meaning and a new reading on the way we see ourselves, also setting in evidence other
emotions and reasons which we hadn’t been aware of. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 219233.
Key Words: teachers´ narratives; professional development; autobiographical research.
Introdução
“Ainda bem que o que eu vou escrever já deve estar na certa,
de algum modo, escrito em mim. Tenho é que me copiar...”
Clarice Lispector
Olhar para o passado pode ajudar-nos
a encontrar explicação para significados nas
ações que temos hoje como pessoas que foram construindo um percurso pessoal e profissional rico de cruzamentos com os outros e
a dar sentido ao nosso posicionamento como
professoras e formadoras de professores. As
nossas intenções são acadêmicas, mais do que
pessoais, embora saibamos que a pessoa e o
profissional se interligam e se expressam de
um modo completo e integrado (Moita, 1995).
O recurso à narrativa autobiográfica inscrevese na idéia de que, ao narrarmos episódios
com significado, os analisaremos de uma
forma contextualizada, tentando que essa análise ponha em evidência emoções, experiências ou pequenos fatos marcantes, dos quais
antes não nos tínhamos apercebido.
Para Bakhtin (1981: 345), há uma
“decisiva significância na evolução da consciência individual, à medida que a pessoa distingue o seu próprio discurso do de outros,
entre o seu próprio pensamento e o de outras
pessoas”. O discurso internamente persuasivo,
para Bakhtin, está fortemente interligado com
a “própria palavra”; mesmo no “pensamento
próprio” e na compreensão dialógica da linguagem, esse discurso é metade nosso e metade do outro, construindo-se sobre elementos
de discursos de autoridade. Para a compreen-
são dessa consciência individual, o recurso à
narrativa, trazendo à luz o que está escondido,
configura-se como um método que estabelece
ligação entre o processo mental e o discurso
que o exprime (Bruner, 1991: 6), isto é, “a
narrativa opera como instrumento do pensamento ao construir a realidade”. Como diz
Hannah Arendt, é no espaço para palavras que
se podem produzir verdades de si. E por meio
do autoconhecimento e da experiência de si,
Michel Foucault considera que se dá o processo de subjetivação, experiência entendida
como “o que nos passa, o que nos acontece, o
que nos toca. Não o que se passa, o que acontece, ou o que toca” (Larrosa, 2002: 21).
Com esta investigação, procuramos
saber quem somos ou, citando Heikinen
(1998), como me tornei quem sou?
Florbela Espanca, a esse respeito, diz
magistralmente no poema “Eu” o seguinte:
“Até agora eu não me conhecia.
Julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.”
“Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, o não dissera…
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim e não me via!”
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Quantas vezes nos descrevemos a partir de imagens que fomos criando, longe do
nosso verdadeiro eu, tentando que os outros
nos devolvam a imagem que pensamos que
estamos a transmitir-lhes, mas apenas nos enganamos a nós próprios.
Vamos neste artigo procurar que a narrativa de nós nos ajude a perceber como nos
fomos construindo profissionalmente, através
de um olhar mais personalizado, tentando que
o eu e o Eu do poema se tornem coincidentes
e consistentes.
Optamos por partir de um problema
central: como construímos, narrativamente, o
nosso processo de desenvolvimento profissional? E desenhamos, com base nele, duas questões de investigação:
1) Que momentos marcantes identificamos na
nossa vida profissional?
2) Como descrevemos esses momentos e como explicamos teoricamente a sua influência
no nosso desenvolvimento profissional?
Na idéia da curvatura de espaçotempo, em “que o espaço e o tempo interagem
e são relativos um ao outro e que o espaço é
curvo” (Elbaz-Luwisch, 2002: 25), se harmoniza nosso “desejo narrativo” neste trabalho.
Queremos poder revisitar um tempo passado
de nossas vidas e, ao recontá-lo, potencializar
novos significados do nosso presente e perspectivar a construção do devir, em consonância com a forma como Cavaco (1991: 157)
vislumbra esse movimento no meio físico e
social.
“Num universo saturado de informação
tecem-se as palavras e os factos, as regras e os usos, os implícitos e os explícitos, em processos de fluidez movediça, reveladora do jogo das forças contrastantes. O sentido das coisas torna-se
difuso e, todavia, em cada um de nós
coexistem, em cada momento, memórias do passado e expectativas de futuro
que se combinam na forma como vivemos o presente e contribuímos para o
modelar, projetando-o no devir.”
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Do mesmo modo, desejamos curvar o
espaço guiando reflexões que poderão dar novas direções aos conhecimentos no campo da
formação de professores e de pesquisadores
na educação científica.
Tentaremos, a partir dos momentos
que identificamos como marcantes e que nos
permitem fazer um balanço retrospectivo, isto
é, olhar para o caminho percorrido, para os
acontecimentos, as situações, as atividades, as
pessoas com significado, perceber:
“os recursos, os projetos, os desejos que
são portadores de futuro. No passado
não há somente as coisas que ocorreram, há também todo o potencial que
cada indivíduo tem para prosseguir a
sua existência de futuro.” (Josso, 2004a:
16)
O querer da caminhada é guia pela grafia
da memória
A própria construção da metodologia
de investigação se constitui em uma narrativa,
na medida em que não se pode dissociar a fase de recolha de dados dos percursos singulares que foram sendo construídos por nós, investigadoras, no entrecruzamento de nossas
histórias de professoras e formadoras de professores e pesquisadores. Ou seja, são duas
histórias com começo, meio e fim, que dialogaram para a sua construção.
O início: reconhecimento da empatia para
desnudar
Como é natural da vida social dos seres humanos, procuram-se permanentemente
situações de estabilidade para manutenção do
eu. Dependendo da posição que se ocupa na
profissão, impõem-se níveis de exigências
mais ou menos elevados em relação à preservação de identidade profissional. Via de regra, na academia a exigência e a inflexibilidade estão colocadas em patamares muito elevados. Dessa forma, a entrega para elaborar
nossas próprias narrativas, neste trabalho, não
esteve alheia a esse tipo de resistência devido
à personalidade, como caracteriza Huberman
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(1973), uma vez que as nossas imagens pessoais e profissionais poderiam estar em jogo.
Acreditamos que esta perspectiva foi
se despontando depois que farejamos e reconhecemos pontos de confluência em nossas
maneiras de ser e estar na vida e em nossas
trajetórias pessoais. Apesar das diferenças,
inclusive de pátrias (Brasil e Portugal), a identificação de inúmeras similaridades permitiu a aproximação por indicar possibilidades
de compreensão.
De forma natural, o projeto deste artigo nasce ao mesmo tempo em que incorríamos na etapa do discurso. Era o início de um
percurso metodológico para a construção das
narrativas em que “a forma oral é importante,
pois a memória não funciona num ápice, é
necessário criar condições que facilitem a rememorização da sua história” (Josso, 2004b).
O “desejo narrativo” foi ativado de forma intensa e logo seus primeiros traços figuravam
no papel.
Cartografias das narrativas: os primeiros
esboços
Traçando suas escritas...
Uma de nós sentiu necessidade de realizar a narrativa sem interrupção, sem parada,
e nessa retrospectiva a narrativa surge como
uma catarse constantemente “interrompida”
para dar lugar à objetivação. Os fatos da sua
história de vida foram ordenados temporalmente e dispostos numa seqüência classificatória de acordo com a expressão máxima de
sua relação com os momentos considerados
por si como charneiras. Assim, foram dispostos em fila seus antecedentes e suas conseqüências, colocados ali de forma apressada e
apertada, quase “pisando os calcanhares uns
dos outros”.
Para outra de nós, ao começar, a escrita desperta o sabor que a ela lhe é peculiar.
Pouco a pouco, lentamente, aquecendo a memória, as reminiscências vão tomando conta
de si e ganhando dimensão própria, impassíveis ao controlo. Os acontecimentos, ainda
com lugar no tempo, andam errantes. E como
que suspensos no ar, sem lacunas, os fatos são
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detalhados pelo prazer de reviver cada espaço,
cada canto, cada cheiro, cada sabor; é a delícia de ser a si reinventada numa escrita livre e
marota trazendo para fora o seu lado mais alegre da infância.
Apesar das diferenças culturais, o resultado dessas narrativas foi o mesmo observado por Sousa (2005: 105):
“[...] quando homens e mulheres professores narram suas histórias de vida e de
formação observa-se que, em maior ou
menor grau, elas estão articuladas à família, à escola, aos grupos de convívio,
que funcionam como espaços de construção e de reprodução de padrões socialmente aceitos de feminilidade e masculinidade.”
Ao evocarem as memórias nos territórios escolar e familiar, os acontecimentos emergiram e fizeram novamente história. E a
força e o poder das palavras escritas fizeram
“coisas conosco” e nos colocaram novamente
“diante de nós mesmos, diante dos outros e
diante do mundo em que vivemos” (Larrosa,
2002: 21).
Elaborando suas leituras...
Nós, interlocutoras primárias dessas
narrativas, trocamos os olhares, os pedaços de
vida não revelados. Ao mesmo tempo em que
a leitura e releitura evocavam em cada uma
nova profusão de acontecimentos, aqueles que
foram colocados de lado não por serem menos
marcantes, mas por ficarem algures sem sabermos, por ora, os porquês, os significados e
os significantes do conteúdo foram intensamente compartilhados. Os focos foram para as
diferenças, mas, principalmente, para as similaridades que ajudaram a consolidar a confiança.
Para nós, esta fase funcionou como
uma transferência simbólica do processo psicanalítico (Villani, 1999). Uma espécie de
ajuste inicial em que aspectos simultaneamente cognitivos e subjetivos entram em jogo.
Acreditar que o Outro tem escopo e saber para ajudar e orientar-nos no encontro de nós
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mesmas foi fundamental para a entrada e a
manutenção neste processo quase analítico,
mesmo que sustentadas por esta passageira,
mas necessária, ilusão.
Desse encontro das leituras, surgem
movimentos para inclusões dos acontecimentos. Devemos continuar ou paramos onde estamos? Quais as implicações num e noutro
caso? O que interessa para uma pesquisa científica? Interromper o desejo e a necessidade
de falar sobre si é lícito na perspectiva adotada da indissociabilidade entre a pessoa e o
professor?
Com o apoio advindo do discurso de
autoridade, especificamente em Bakhtin
(1981), verificamos que as autobiografias ao
longo da história da civilização traçam uma
tipologia e esta se relaciona com o conceito
de público e privado, realidade interior e exterior versus indissociação do campo visível e
invisível, esferas do silêncio e da exposição
do discurso.
As autobiografias platônicas envolvem
uma autoconsciência individual relacionada
com as formas estritas de metamorfose. No
seu íntimo, está o “curso da vida à procura do
verdadeiro conhecimento” (Bakhtin, 1981:
130). Nelas, a vida aparece partida em épocas
ou degraus bem demarcados. Vai da ignorância autoconvencida, passa pelo cepticismo
autocrítico, por autoconhecimento e, finalmente, por conhecimento autêntico. No esquema platônico, há um momento de crise e
de renascimento como um ponto de viragem
no curso da vida.
As autobiografias retóricas, desde os
primórdios da escrita nos gregos clássicos,
são determinadas por acontecimentos; relatos
de atos de natureza cívica ou política ou
mesmo relatos de seres humanos quando estes
dão visibilidade a acontecimentos vividos.
Diferentemente, “o mais importante não é o
tempo e o espaço da vida representada, mas é
o exterior real no qual a representação de alguém ou da vida de alguém é realizada através da narrativa verbal de um ato cívico ou
político ou através do relato do self” (Bakhtin,
1981: 131). Este tipo de autobiografia é de
uma época em que o privado não existia, tudo
era público, nada era secreto, tudo era subme-
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tido ao controle público e do estado e era avaliado publicamente. Não havia diferença entre
o ponto de vista biográfico e autobiográfico.
Na era Helênica e Romana, alguns retóricos puseram a questão: é permitido um
relato do próprio eu? A resposta positiva dirigiu-se para a imagem que os gregos clássicos
tinham da existência humana e das coisas e
nesta não havia o conhecimento de uma realidade invisível, portanto, “a unidade da totalidade externalizada do homem era de natureza
pública” (Bakhtin, 1981: 135). Nas épocas
seguintes, a imagem do homem foi distorcida
pelo aumento de participação nas esferas mudas e invisíveis da existência. E com elas veio
a solidão. O pessoal e dividido ser humano
perdeu a unidade e totalidade que tinha sido
um produto de origem pública, tornou-se abstrato e idealista. Um vasto número de novas
esferas de consciência e de objetos apareceu
na vida privada do indivíduo, esferas essas
que, em geral, não eram tornadas públicas (a
sexual e outras).
Nos dias atuais, portanto, num contexto novo, as escritas personalizadas que refletem a influência do esquema platônico incorporam um novo objetivo. Recentemente, o
que obtemos no inventário de uma pessoa é a
exposição dos seus acontecimentos, o registro
dos seus sucessos, com um comentário autobiográfico público. É a seqüência da obra
própria pelo próprio que fornece o sólido suporte para se compreender a passagem do
tempo numa vida. A objetivação da narrativa
autobiográfica dá-se a partir da seqüência crítica marcante na continuidade da vida relatada. A consciência do eu nesse contexto é revelada apenas para um círculo restrito de leitores (no nosso caso, a academia), a biografia
é construída para eles, havendo aqui a noção
de público, embora numa dimensão menor
(Bakhtin, 1981: 139).
Desse diálogo, algumas respostas provisórias foram construídas para definir esta
etapa da pesquisa. Entendemos que, na narrativa, a catarse pessoal é um fenômeno naturalmente humano, ou seja, dependendo da
pessoa e do contexto, ele ocorre com maior ou
menor exposição do eu. Esta não deve ser evitada, mas orientada definindo os seus contor-
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nos dentro do campo científico. Não significa
sua castração, muito pelo contrário, abre e
aponta perspectivas de construção de outros
espaços para sua vazão (social, psicanalítico,
autoconhecimento, entre outros). Dessa forma, nossa resposta sobre a continuidade ou
não da narrativa caminhou na direção do que
consideramos necessário para a explicitação
do pensamento dos professores sobre a construção do processo de identidade de modo a
fornecer pistas significativas para a compreensão da cognição situada (Roth, 2004). Imbricando o processo de construção das narrativas pessoais com os movimentos iniciais de
(de)formação de olhares na investigação, de
modo a construir um outro campo de significações, o científico, orientamos a memória
das narrativas para preencher os espaços lacunares necessários a esse campo.
Dar significado ao conteúdo discursivo no
campo da ciência
Na perspectiva de Wenger (1998) de
que as comunidades de prática são caracterizadas como histórias partilhadas de aprendizagem em que construir uma identidade significa negociar os significados da nossa experiência como membros de comunidades sociais,
entendemos que falar de identidade em termos sociais não é negar a individualidade,
mas ver a individualidade como fazendo parte
de práticas de comunidades específicas. Na
vida do dia-a-dia, é difícil dizer com exatidão
onde acaba a esfera individual e começa a coletiva. As nossas práticas, linguagens, artefatos e pontos de vista refletem as nossas relações sociais. Até os pensamentos mais privados fazem usos de conceitos, imagens e perspectivas que compreendemos através da nossa
participação em comunidades sociais. A identidade na prática é definida socialmente, não
só porque está reificada num discurso social
do eu e num discurso de categorias sociais,
mas também porque é produzida como uma
experiência vivida de participação em comunidades específicas. Uma identidade é uma
classe de acontecimentos de participação e de
reificação através dos quais a nossa experiência e a sua interpretação social se constroem
© Ciências & Cognição
mutuamente. “Sabemos quem somos através
do que é familiar, compreensível, usável e
negociável; sabemos quem não somos pelo
que é estranho, opaco, inutilizável e improdutivo” (Wenger, 1998: 153).
Numa primeira interpretação, a dialogicidade dos textos indica, de maneira global,
que as histórias apresentam momentos por
vezes relacionados aos espaços da historiografia, do entrecruzamento cultural, quiçá da evolução das civilizações. Encontramos tempos marcados pelas idéias, filosofias, políticas
locais e globais.
Numa classificação tipológica, as narrativas neste trabalho aproximam-se do esboço platônico, em que a exposição dos acontecimentos da vida aparece partida em épocas
bem demarcadas por pontos de mudanças identificadas por uma análise autobiográfica
pública. Ou seja, não só encontramos episódios que indicam o que pensamos que somos
ou dizemos acerca de nós, como também o
que os outros pensam ou dizem que somos.
Percebemos as esferas mudas e invisíveis da
vida privada que, em geral, não são tornadas
públicas, ao mesmo tempo em que observamos uma tentativa de recriar a totalidade e
exterioridade da existência.
Para Wenger, à medida que crescemos
através de uma sucessão de formas de participação na sociedade, as nossas identidades
formam trajetórias. Trajetória é um movimento contínuo em que se interpõem os acontecimentos próprios e os de conjunto, produzidos
num campo de influências, o qual se delineia
numa linha de coerência que liga o passado, o
presente e o futuro. Para sua definição, esse
autor parte da idéia de que a construção da
identidade é um processo que se dá em contextos sociais nos quais ela vai sendo definida
pelas interações de múltiplas trajetórias convergentes e divergentes e nesse percurso a
temporalidade é fundamental e muito mais
complexa do que a simples noção linear de
tempo. Para Wenger (1998: 155), as trajetórias podem ser classificadas em:
i) periféricas – caminhos que não levam à
participação total;
ii) de entrada – início a novos percursos;
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iii) interiores – a evolução da prática continua
através de novos acontecimentos, pedidos,
invenções, novas gerações, criando ocasiões para renegociar a sua identidade e a
dos outros;
iv) de fronteira – algumas trajetórias encontram o seu valor tecendo fronteiras em
seus próprios percursos e ligando comunidades de prática;
v) de saída – conduzem para fora da comunidade;
vi) paradigmáticas – fornecidas aos novatos
pelos pares mais experientes; a sua
comunidade, a sua história e a sua
evolução configuram as trajetórias que
constroem. São testemunhas vivas do que
é possível, do que é esperado e desejável.
Numa análise mais focada nos momentos de crise e de renascimento, nos pontos
de viragem no curso da vida encontramos algumas trajetórias que, tendo em vista seu conteúdo, poderiam significar momentos de risco
para a evolução de uma identidade profissional.
Em ambas as narrativas, a visão da
passagem de uma fronteira para outra parece
corroborar a tese rousseauniana de que a infância é para ser passada no seio familiar e
que a escola constituir-se-ia num perigo para
a libertação das crianças face às restrições das
normas e das regras.
“Antes da obrigação da escola, sem
pressas, num tempo de férias contínuas,
assim se iam tecendo os dias nessa outra escola de avós e de velhos, de muitas crianças e animais. A natureza plena onde, de pés nus sujos de terra e erva, corria horta fora, abraçando árvores
e sonhos, inventando vidas.” (Formadora A – grifo dela)
“…ir para a escola significou, no primeiro momento, uma “intervenção perigosa”, que punha em risco a relação
familiar. Uma relação marcada por um
sentimento de medo pelo afastamento
das pessoas queridas. A imagem da es-
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cola era angustiante.” (Formadora B –
grifo dela)
Percebemos nas narrativas que as trajetórias de entrada no universo da escola pelo papel de alunas deram-se tanto pela transformação da inclinação natural da infância de
experimentar as coisas da vida contemplando
a natureza de forma solitária como pela percepção de ruptura com os laços afetivos do
convívio familiar.
Entretanto, ainda nessa trajetória, o
papel da escola ganha contornos significativos. Na linha do pensamento de Dewey e Piaget sobre a importância que assume a escola
na construção de um espaço em que as crianças possam desenvolver, ao seu ritmo, a sua
aprendizagem, tem-se uma significação desenvolvida a partir das correlações entre o
papel da família e o da escola.
“Quando busco rememorar esta fase,
duas imagens são fortes: a imagem da
pessoa terna e maternal da minha primeira professora e de sua relação de
presença com os seus alunos e a imagem do meu jogo de aluna-filha que
impunha tacitamente regalias concedidas pela professora para desempenhar
o seu papel em algumas ocasiões, privilegiadamente naquelas em que exercia
controle, como, por exemplo, verificar
as tarefas feitas pelos alunos (colegas da
sala) passando visto em seus cadernos.
Hoje, penso que essa explicação que
construí muito mais tarde pode acobertar outras razões de busca. Da família
queria o limite e da escola, a liberdade.” (Formadora B – grifo dela)
Em outra narrativa, o fato de a família
já ter significação sobre a aprendizagem faz
com que a ressignificação se dê pela clarificação da distinção dos objetivos entre a primeira escola (família) e a segunda escola
(instituição escolar).
“Quando entrei para a escola na cidade,
a aldeia ficou intermitente na minha vida, em que as férias recriavam todas as
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vivências anteriores. Passei a olhar à
volta de outra maneira, a compreender
um pouco mais os acontecimentos e a
espantar-me por nunca ter notado antes
certas ocorrências. Notei como as pessoas pareciam precocemente envelhecidas, como as crianças estavam persistentemente com feridas nas pernas e nos
braços, fruto de picadas de insetos, coçadas e não desinfectadas. Incomodavame o facto de as pessoas não dizerem
bem as palavras, “mãos” eram transformadas em “mãs”, algumas terminações das palavras não existiam e havia
frases e palavras que, por vezes, não entendia por estarem tão deturpadas como
a pergunta “aonde vandas?” corruptela
de “onde é que vocês vão?” Foi a constatação de que afinal eu não aprendia
tudo ali, havia a escola que me ensinava melhor algumas coisas como a fala e
a escrita.” (Formadora A – grifo dela)
Alguns acontecimentos das narrativas
apontam para a constituição da memória coletiva e nesta evidenciam-se alguns acontecimentos que marcam épocas históricas da
educação em vários contextos políticos, econômicos e culturais, trazendo à tona o que
Charlot (2005) chama de os universais das
situações de ensino. Nos dois contextos, temos:
“A imagem é de escola “cinzenta” e
castigadora, formadora de espíritos obedientes e sem opinião, modelo de
uma época fascizante para quem a educação era uma ameaça. Associo sempre
medo ao dia-a-dia, da professora que
podia bater, do teste que viria negativo,
da matéria que não tinha compreendido,
do exame que não me deixaria passar,
do que dizer aos meus pais para não os
magoar ou defraudar nas suas expectativas.” (Formadora A – grifo dela)
“Uma professora temida por todos pela
sua relação distante e extremamente rigorosa com os alunos. Desta fase tenho
poucas lembranças, mas quando busco
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evocar, uma me ocorre sempre, que é a
de uma professora gordinha, com cara
de brava e com expressão tensa de
quem está com medo. Lembro-me do
dia em que ela bateu com a régua na
minha carteira. Era costume fazer em situações de desagrado, batendo, por vezes, na mão ou cabeça dos alunos. Não
me recordo de sentir medo, muito pelo
contrário, encontro, na escola, o sentimento de indiferença na relação interpessoal, e este não me afetou, nem para
calar, nem para bradar.” (Formadora B
– grifo dela)
Para essas formadoras, a imagem de
uma escola fria e de uma professora hostil não
teve força para configurar o que Wenger define como trajetórias de saídas. Ou seja, para
conduzi-las para fora da comunidade escolar.
Contrariamente, como vemos abaixo na narrativa da Formadora B, a sua ligação com a figura materna e as práticas de representação de
papéis sociais vivenciadas por ela na infância
e apoiadas pelos familiares constituíram-se
como trajetórias de fronteiras que acalentaram um desejo crescente pela participação na
comunidade escolar, não no papel de aluna,
mas sim no de professora.
“[...] elegi como brincadeiras preferidas as de mãe e de professora [...] Tinha o maior prazer em cuidar da minha
imagem pessoal ao encarnar a personagem de professora e talvez essa influência tenha vindo da minha mãe, que
era uma mulher vaidosa e elegante (...)
Por volta dos 10 anos, quando já me
sentia envergonhada com os olhares dos
outros e quando já não queria mais ser
alvo das atenções, é que percebi que o
que era no início uma representação,
uma brincadeira, tinha se tornado um
método de estudo, ou seja, já não conseguia estudar se não fosse dessa forma, ensinando [...] Mais tarde, com 13
anos, essa forma foi transferida para o
estudo em grupo. Assim, sempre que
possível, eu estudava com os colegas
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dissertando sobre o que tínhamos aprendido.” (Formadora B – grifo dela)
No caso da Formadora B, em que a
família e a escola constituem trajetórias de
fronteira para a sua inclusão e pertencimento
ao mundo intelectual e educacional, vemos
que alguns acontecimentos promovidos pelos
pais são potencializados pelas ações de alguns
dos professores. Conforme excertos de sua
narrativa, podemos dizer que essa amplificação de ações tenha, inclusive, definido mais
tarde a sua opção pela área Ciências Naturais.
“[...] professor de Ciências que considero uma referência importante, por ter
contribuído com a minha mudança na
forma de conceber a metodologia de
ensino. [...] uma professora de Biologia
que [...] todos nós gostamos do seu método de aula. Além disso, admirávamos
a sua competência intelectual. [...] professor de Química fantástico [...] muito
respeitado pela comunidade escolar por
sua competência. De suas características abstraí sua paixão pela Química (área de conhecimento) e respeito e valorização pela profissão professor. [...]
Foi a partir daí que comecei a traçar
uma meta profissional: queria ser cientista. Nesse ponto, fui bastante estimulada pelo meu pai, que comprava para
mim os Kits “Pequenos Cientistas”
[...].” (Formadora B – grifo dela)
As narrativas autobiográficas trazem
em sua elaboração pessoal o sentido idiossincrático das experiências de vida e fazem emergir os processos identitários da inserção
dos sujeitos nos grupos sociais. As memóriasdenúncias apontam a existência de tempos em
que a escola se alinha aos preceitos de uma
política ditatorial e reclamam por resistências.
“Houve, no entanto, um episódio que
foi, talvez, o que mais contribuiu para
uma viragem no modo como passei a
encarar a minha relação com a vida, isto é, intervindo mais nos acontecimentos do que esperando que acontecessem
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para depois reagir. Estava no último
ano do curso [secundário], conseguira ir
a exame a todas as disciplinas com boas
notas excepto a Físico-Química, porque
as aulas eram de molde a que não conseguíssemos acompanhar a matéria. [...]
No dia da oral, lá estava ela, presidente
de júri, imponente e de cara fechada.
Senti um vómito a acompanhar o medo
e olhei para as caras pálidas das outras
alunas e sabia que eram o espelho da
minha. A oral correu bem [...] No fim
todos os que assistiam me deram os parabéns, incluindo a minha professora de
física do ano anterior. [...] Quando a
pauta da oral saiu, à frente do meu nome havia uma palavra escrita a vermelho que eu não conseguia ler pela impossibilidade que o meu cérebro estabelecia [...] eu tinha reprovado no exame.
Olhei para a cara triste dos meus pais e
a rapariga tímida que corava quando os
professores se lhe dirigiam acabou ali.
Corri em direcção à sala dos professores, e com o magote de colegas e familiares atrás, abri a porta, enfrentei a professora e perguntei aos gritos “Por que é
que reprovei?” “Quais as questões a que
não respondi?” “Exijo uma resposta!”
[...] Talvez de todo o episódio o que
mais me marcou foi a solidariedade de
todas as pessoas presentes, a maior parte eu desconhecia por serem familiares
de alunas, oferecendo-se para testemunhas de um processo em tribunal. Estávamos em 1973, vivíamos tempos de
grande repressão, o meu pai era militar
e desaconselhou a queixa. O sentimento
de injustiça foi tão forte que a certeza
da minha razão fez-me crescer e não me
incomodar com a reprovação. [...] É
provável que este acontecimento tivesse
mudado o meu futuro, se, por acaso, se
pode falar assim. [...] Foi um ano em
que comecei a dar explicações de todas
as matérias aos vizinhos, a preços baratíssimos, mas que me permitiram perceber o valor de ganhar o meu próprio
dinheiro e constatar que gostava de explicar os assuntos e de ver como aque-
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las crianças ultrapassavam as dificuldades.” (Formadora A – grifo dela)
Esse trecho da narrativa, como diz
Larrosa (1999:15), indica que muitas vezes a
educação é o lugar de realização do projeto
que o educador tem sobre o educando, mas
também é o lugar em que o educando resiste
a este projeto, afirmando sua alteridade, afirmando-se como alguém que não se deixa
reduzir aos modos como ele o vê, como alguém que não aceita a medida do seu saber,
do seu poder.
Outros momentos das narrativas apontam para as trajetórias paradigmáticas
(Wenger, 1998), nas quais elementos constitutivos da identidade profissional vão ganhando força e significado no contato com os
membros mais experientes da comunidade.
No caso da Formadora A, vemos que a
sua interação com o pensamento de autores,
pelo ato da leitura, é o mote para a construção
da sua identidade com o campo intelectual:
“descobrir que os livros continuavam o meu
mundo com o qual me relacionava imediatamente foi outra conquista, abrindo-me novas
perspectivas de viver, como se eu me desdobrasse noutras pessoas”; e a envolve profunda e empaticamente nessa esfera coletiva,
dando-lhe o sentido de pertencimento a essa
comunidade. Mais tarde, na entrada à Faculdade, a evolução dessa prática (trajetórias
interiores) se dá com o advento de novos acontecimentos.
“A faculdade constituiu uma mudança
total na minha vida. A autonomia, que
já iniciara no serviço cívico, expandiuse ao longo desses anos, [...]. A consciência social desenvolveu-se com as leituras de livros revolucionários, proibidos anteriormente (encontrei-me, por
vezes, em círculos de amigos a discutir
o materialismo dialéctico), com a participação em reuniões de alunos para se
organizar a defesa de posições que se
apresentariam nos órgãos de gestão da
faculdade, com a identificação com
movimentos, fosse de libertação de povos ou de defesa ambiental ou de ani-
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mais em risco de extinção. Lutava-se
muito, reivindicava-se ainda mais e aprendia-se a argumentar nas múltiplas
reuniões, organizadas como assembleias
de debates organizados.” (Formadora A
– grifo dela)
Concordamos com Chaves (2006:
166) que, como professoras:
“somos definitivamente marcadas pela
instituição escola. Nela forjamos parte
importante de nossa subjetividade e ali
entramos em contato com modelos com
base nos quais vamos instituir, criar,
fundar nossa identidade profissional.”
Numa pesquisa comparativa sobre narrativas autobiográficas de professores universitários, Sousa (2006) verifica que quando os
docentes narram suas histórias de formação,
tal como essas nossas narrativas, elas estão
articuladas à família, à escola, aos grupos de
convívios e suas sínteses apresentam seleções,
omissões, preferências de determinados aspectos e que delas resultam uma série de
questionamentos que vão fazendo ao longo de
suas vidas.
Igualmente em nossas narrativas, para
a fase de formação na Universidade foram
deixadas poucas palavras, apenas para pontuar brevemente um período marcado por revoluções pessoais, novas aprendizagens, opções
temporárias e instáveis e perguntas que ainda
permanecem, já que para elas não bastam explicações do presente.
“Da época da Universidade a verdadeira revolução foi sair de casa, mudar de
cidade e viver entre grupos bastante heterogêneos. Esse foi o maior desafio.
Das disciplinas lembro que a cada semestre fazia escolhas temporárias em
busca de novas descobertas: Botânica,
pelas aulas de laboratório; Zoologia, pelos estudos de campo, especialmente as
aulas de Biologia Marinha; Imunologia,
pela perfeição metabólica; Ecologia, pelas interações e conexões complexas…
Das disciplinas da licenciatura não me
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lembro de nenhuma.” (Formadora B –
grifo dela)
“As disciplinas consideradas pela maioria dos alunos como difíceis, como as
matemáticas e as múltiplas Físicas e
Químicas, constituíram desafios que ultrapassei com gosto e boas notas. Isso
levanta-me uma questão a que não consigo dar resposta: seriam os conhecimentos base que já tinha adquirido antes, mesmo que não tivessem sido valorizados pelo sistema de avaliação do secundário, os responsáveis por esse sucesso? Ou seria antes o sentir que aquele era o curso com o qual me identificava, em que a natureza assumia um papel
preponderante, trazida nas disciplinas
de Zoologia, Botânica, Fisiologias, Ecologia ou Antropologia, por exemplo, e,
por isso, tudo era estudado com determinação e vontade de saber?” (Formadora A – grifo dela)
No entanto, para uma de nós “um acontecimento trágico, que constituiu também
um momento de viragem no (...) seu percurso,
aparentemente, linear” colocou-a em contato
com a sala de aula ainda durante sua formação.
“Em Março, estávamos em 1978, houve
um enorme incêndio e a faculdade ardeu em parte. Foi um desnorte total para
alunos e professores e foi urgente encontrar um espaço onde se pudesse terminar o ano lectivo. Fomos colocados
em instalações do ministério da educação [...], edifício de escritórios, convertido à pressa para albergar estudantes e
professores, habituados a anfiteatros
amplos, laboratórios e espaço ao ar livre. Não me adaptei e a faculdade perdeu o encanto. Ao mesmo tempo, continuava a dar explicações à vizinhança e
soube através de um aluno que a escola
estava a pedir um substituto de uma
professora em licença de parto. E se eu
tentasse? Tentei, fiquei não como substituta, mas ocupando um horário legíti-
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mo, completo com 5 turmas de 8º ano e
4 turmas de 9º.” (Formadora A – grifo
dela)
A Formadora B começou sua carreira
depois de licenciada, mas o fez dividindo espaço com um estágio científico no laboratório
de Liminologia na universidade. Para ela, que
durante a infância brincou de ser professora e
que idealizou ser cientista quando adulta, os
dois mundos seguiam, nesse momento inicial,
sem se constituírem em trajetórias de fronteira, ou seja, sem ligações entre as comunidades de práticas. Assim, enquanto “o estágio
não era muito atraente, pois tratava de taxonomia do zooplâncton. Era um trabalho cansativo e muito isolado [...] as aulas… estas
sim eram emocionantes. Cada dia uma descoberta nova. Ao mesmo tempo em que descobria sobre os alunos, o funcionamento da
escola, desvendava as minhas reações, minha
maneira de ser... e também passei a ver o
conteúdo de Ciências de um outro ângulo”.
No entanto, um episódio de aula constituiu-se
num evento marcante que a colocou para dentro da profissão de forma definitiva.
“Com aquela turma da 7ª série sentiame muito insegura e a cada dia testava
diferentes manejos em sala de aula.
Como é de praxe numa escola particular, as regras são criadas pela direção e
a nós só resta cumpri-las. Estávamos
numa época em que a “chamada” (controle de presença dos alunos) não deveria ser feita no início da aula. Um belo
dia, quando entrei na sala da 7ª série, os
alunos estavam extremamente agitados,
então, resolvi começar pela chamada
com o intuito de dar-lhes um tempo para se acomodarem. O coordenador, que
costumava fazer a ronda pelo corredor
olhando através das janelas, me viu desobedecendo a uma ordem sua. Entrou
abrupta e furiosamente na sala e me repreendeu na frente de todos. Não esqueço o olhar dos meus alunos assistindo
publicamente à minha derrota como
professora. A situação naquele exato
momento se constituiu como vida ou
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morte naquela profissão... Desafiei o
coordenador: olhei para ele, olhei para
os alunos, empinei o tronco e continuei
a chamada em voz bem alta. Esta foi a
virada! A partir desse dia, os alunos
passaram a me ver de outra forma. Melhor: começaram a prestar atenção em
mim. A partir desse momento, senti que
tinha entrado efetivamente na profissão
pela porta da escola.” (Formadora B –
grifo dela)
Muitos foram os momentos charneiras, descritos nas duas narrativas, mas os apontados acima se constituem em divisor de
águas para quem faz uma formação híbrida.
Ou seja, o percurso da formação de professores na área de Ciências Naturais, em geral, é
marcado pela sedução inicial dos futuros professores com os discursos e as práticas profissionais das culturas científicas específicas em
detrimento dos das ciências humanas.
Só muito mais tarde, quase ao final do
curso, ou mesmo no início da carreira, se defrontam com a necessidade de se posicionarem em relação aos saberes da docência e optarem pelo seu exercício. A partir desse momento, suas narrativas são marcadas por acontecimentos que levam a trajetórias interiores,
determinando suas escolhas ao longo do caminho para o desenvolvimento profissional.
“Este foi outro salto na minha autonomia, agora com plena independência financeira, diploma académico e estatuto
profissional completo. A novidade foi
integrar o conselho directivo da escola e
passar a analisá-la do lado de quem
manda, de quem se preocupa com as
regras e que tem de, além de dar o exemplo, castigar quem as não cumpre.
Missão pouco compatível com os meus
25 anos, de aparência de muito menos,
para ter credibilidade. Mas foi um ano
bem sucedido, cheio de peripécias e algumas incompatibilidades com interesses instalados, como o de ter de proibir
antigos professores de continuarem a ir
à escola tirar fotocópias sem pagar, ou
de fechar material de limpeza à chave
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para que um antigo funcionário não os
fizesse desaparecer para uso próprio.
Estas decisões foram tomadas sempre
em equipa de gestão, mas como o presidente era da terra, um dos elementos era
provisório e eu era a efectiva e, portanto, com responsabilidade profissional e,
ainda por cima, de Lisboa, era o alvo da
inimizade. Mas, genericamente, fizemos
uma boa gestão e eu aprendi imenso sobre esse outro lado da profissão de professor.” (Formadora A – grifo dela)
Os primeiros estudos sobre o ciclo de
vida ou desenvolvimento profissional dos
professores juntamente com o interesse pelo
estudo biográfico avançam a partir da década
de oitenta, indicando que a vida profissional
dos professores é marcada por fases e ciclos.
Huberman (1995) delimitou uma série de “seqüências ou de maxiciclos” que atravessam as
carreiras das pessoas dentro de uma mesma
profissão. No início da carreira docente, por
exemplo, tal como em nossas narrativas, verificamos a fase de “exploração”, marcada por
escolhas provisórias e pela experimentação de
papéis, e a fase de “estabilização”, assinalada
pelo compromisso e pela aquisição de papéis
e responsabilidades de maior importância ou
prestígio. A evolução de uma fase a outra só
foi possível pelo fato de a fase de exploração
ter sido bem sucedida, tal como nos ocorreu.
“Foi um deslumbramento, foi o encontrar do meu palco, uma sala de aula
funcionou como a oportunidade de gerir as matérias com as quais me identificava bem, de poder explicar os assuntos que tinha mesmo acabado de estudar, de partilhar ideias e experiências,
de cativar, de seduzir! Não sei de que
gostava mais, se dos alunos que mostravam que gostavam de mim, se de explicar os assuntos, se de preparar as aulas e
estudar as matérias, se falar da escola
em casa.” (Formadora A – grifo dela)
“Essa forma de entrar na profissão aceitando o desafio e saboreando resultados
conquistados foi extremamente impor-
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tante para delinear minha forma de estar
na profissão [...]. Pouco a pouco o retorno do aluno acarinhava a autoestima, o autocontrole e autoconceito
pessoal/profissional. [...] Os alunos, em
sua maioria, me consideravam como
uma professora competente, uma pessoa
compreensiva e envolvente que os estimulava para o estudo…” (Formadora B
– grifo dela)
Para Huberman (1995: 40) a fase de
“estabilização” na profissão é marcada pelas
escolhas subjetivas e pela admissão oficial ao
sistema de ensino. “Num dado momento, as
pessoas passam a ser professor, quer aos seus
olhos, quer aos olhos dos outros (...)”. E a opção por permanecer na profissão requer escolha por uma identidade profissional e, ao
mesmo tempo, renúncia ao apelo constante de
outras orientações. Os estudos indicam que
essa fase é acompanhada por um “sentimento
de competência pedagógica crescente”, como
também observamos em nossas narrativas.
Para esse autor, os percursos individuais do desenvolvimento profissional na sua
fase subseqüente (fase de “diversificação”)
parecem divergir. No entanto, em nossas narrativas, a entrada na pós-graduação direciona
para a consolidação pedagógica e inclusão da
dimensão da pesquisa para ajudar nos questionamentos sobre seus saberes e suas práticas
na docência.
“O meu melhor ganho com o mestrado
foi ter tempo para estudar e pensar [...].
Os grandes pedagogos, as reflexões sobre o significado das estratégias de ensino, múltiplas experiências pedagógicas descritas e analisadas, em que a Psicologia e a Sociologia assumiam um carácter preponderante, estava tudo lá. As
aulas, nem sempre interessantes, pontualmente desafiadoras, iam abrindo algumas perspectivas. Mas paralelamente
com o tempo, outra dimensão que sobressai é a investigação sobre a escola.” (Formadora A – grifo dela)
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“O que eu buscava era o encontro de
novidades para atuar no ensino [...]. O
mestrado foi uma fase de identificação
com o discurso na área de educação.”
(Formadora A – grifo dela)
Um patamar da consolidação profissional se deu nas primeiras experiências como
formadoras de professores. Nas narrativas,
evidencia-se que a partir desse momento em
suas carreiras a identificação social com a
profissão de professor assume sínteses pessoais. Parafraseando-as, tem-se para a Formadora A que entrar como professora para a faculdade a fez ver a escola e o seu próprio desenvolvimento profissional de uma nova maneira. Dos anos como docente universitária
não encontrou um só ano que não tenha sido
rico em termos de experiências profissionais.
Desde os primeiros anos, a intensidade das
trocas intelectuais e a azáfama que a relação
professor-aprendizagem-aluno implica mantêm-se. Nesse percurso, ganhou a serenidade
e os conhecimentos para tirar partido de todas
as situações, mesmo as mais adversas. Do
mesmo modo, o desempenho de tarefas variadas ligadas à vida acadêmica, como a participação em diversos órgãos de gestão, a tem
ajudado a criar uma vinculação indissociável
com a profissão. Ao longo do tempo, nas múltiplas entradas que foi fazendo, como aluna,
como professora, como investigadora e como
formadora de professores, foi criando laços
com a escola. Sempre lá esteve. Aprendeu a
olhá-la de diferentes maneiras e o que procurava sem perder nenhuma perspectiva de vista, pois acredita que só assim se cria a verdadeira empatia com os outros, com as situações
e os problemas. E que, nos momentos de descrédito, é preciso encontrar a motivação e as
razões para se continuar. E recomeçar sempre,
mesmo que seja noutro lugar.
Para a Formadora B a experiência na
disciplina de Prática de Ensino em Biologia e
Prática de Ensino em Ciências revelou-se
marcante para o seu desenvolvimento profissional. Acompanhar as aulas dos seus alunos
no estágio lhe permitiu balizar suas competências e habilidades no ensino. A entrada no
mundo da pesquisa por meio de ações de in-
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tervenção na própria prática docente ajudou-a
a refletir sobre o próprio processo de aprendizagem e, ao mesmo tempo, a utilizar melhor
as ferramentas teórico-metodológicas para
analisar e compreender a nuances dos processos de ensino e de aprendizagem. Esses processos possibilitaram, ao longo do seu desenvolvimento profissional, tornar consciente sua
ação de ensino, ajustando aos aspectos cognitivos do processo os elementos subjetivos
considerados preciosos, como por exemplo, a
dose de intuição que orienta a sua prática pedagógica.
Uma síntese
Contrariamente a Clarice Lispector, o
processo de construção de nossas narrativas e
sua posterior análise nos permitiu ressignificar e reinterpretar os olhares que temos de nós
mesmas e de nossa identidade como professoras, pondo em evidência outras emoções e
razões as quais antes não tínhamos percebido.
Neste percurso estivemos refazendo a
nossa existência, pois como diz Paulo Freire
(1987: 78): “Existir humanamente é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, volta problematizado
aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo
pronunciar”. Nos diferentes patamares da interpretação narrativa, as vidas vão-se reconstruindo em círculos cada vez mais complexos,
fechando tempos e abrindo novas perspectivas. Onde ficam as pessoas e as suas identidades, despidas e revestidas de novas camadas? Onde ficamos nós, narradoras e ouvintes? Nos olhares externos, públicos, ou no circuito interno, privado, que criamos para nós
próprias, pronunciando-nos sucessivamente?
Talvez este duplo olhar permita uma melhor
compreensão do significado do que realizamos, constituindo-se a narrativa, a que aqui
deixamos, como a mediação de um e de outro
percurso, abrindo caminho para uma identidade profissional reconhecida e assumida.
Agradecimento
© Ciências & Cognição
Apoio parcial do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq).
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Divulgação Científica
Membro-fantasma: o que os olhos não vêem, o cérebro sente
Phantom-limb: what the eyes don’t see, the brain feels
Alessandra de Oliveira Demidoff, a, Fernanda Gallindo Pachecoa e Alfred Sholl-Franco, b
a
Faculdade de Medicina, Centro de Ciências da Saúde (CCS), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil; bPrograma de Neurobiologia, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), Centro de Ciências da Saúde, UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, Brasil
Resumo
Os estudos sobre membro-fantasma se iniciaram a partir de relatos de pessoas que sofreram amputação de algum membro, lesão de plexo braquial ou até mesmo em pacientes tetraplégicos que diziam
sentir sensações da presença do membro perdido ou inativo, as quais muitas vezes eram dolorosas.
Durante muito tempo, acreditava-se que a origem da sensação fantasma era psíquica, no entanto, sabese hoje que tal fenômeno está relacionado também com o fisiológico, a partir da reorganização cortical, que consiste em alterações estruturais na representação topográfica dos mapas corticais. O objetivo deste trabalho é abordar os diversos fatores que ocasionam a sensação de membro fantasma, assim
como seus principais sintomas além de apresentar experiências já realizadas em indivíduos portadores
deste fenômeno. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12: 234-239.
Palavras-chave: membro-fantasma; dor fantasma; imagem corporal; homúnculo de
Penfield; reorganização funcional cortical.
Abstract
The researches about phantom limb begun with relates of people that suffered limb amputation or
brachial plexus avulsion, and even in tetraplegic subjects that related the feeling of the lost or inactive
limb, and many times these feelings were painful. During many time, we believed that the cause of the
phantom limb feeling was psychic, but nowadays we know that this phenomenon is related to a
physiological cause as well, whit the cortical reorganization, that consist in structural modifications
in topographic representation of the cortical maps. The aim of this work is to point the different factors that cause the phantom limb feeling and the principal symptoms of this phenomenon, as well as
show experiences already develop in subjects that present this phenomenon. © Ciências & Cognição
2007; Vol. 12: 234-239.
– A.O. Demidoff é Monitoras de Neurofisiologia, Programa de Neurobiologia (IBCCF, UFRJ) e Graduanda do
Curso de Fisioterapia, Faculdade de Medicina (UFRJ). E-mail para correspondência: alessandrademidoff
@gmail.com; F.G. Pacheco é Monitora de Neurofisiologia, Programa de Neurobiologia (IBCCF, UFRJ) e Graduanda
do Curso de Fisioterapia, Faculdade de Medicina (UFRJ). E-mail para correspondência: [email protected];
A. Sholl-Franco é Biólogo (FAMATh), Especialista em Neurobiologia (UFF), Mestre e Doutor em Ciências (UFRJ).
Atua como Professor (IBCCF, UFRJ), Membro Efetivo do Programa Avançado de Neurociência (PAN; UFRJ) e Orientou este trabalho. Endereço para correspondência: Sala G2-032, Bloco G, CCS, Programa de Neurobiologia,
IBCCF, UFRJ. Av. Brigadeiro Trompowiski S/N, Cidade Universitária, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, RJ 21.941590, Brasil. Telefone: +55 (21) 2562-6562. E-mail para correspondência: [email protected].
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Key Words: phantom limb; phantom pain; corporal image; Penfield’s homunculus;
cortical functional reorganization.
Introdução
Pode-se definir como membro fantasma a experiência de possuir um membro ausente que se comporta similarmente ao membro real, assim como sensações de membro
fantasma a vários tipos de sensações referidas
ao membro ausente (Rohlfs e Zazá, 2000). A
sensação da presença do membro ou do órgão
após a sua extirpação é descrita por quase todos os doentes que sofreram amputação e
muitas vezes vem associada a dor que varia
em intensidade e duração de caso para caso.
Muitos indivíduos afirmam que o fantasma se manifesta de forma rígida e que, em
muitos casos, estão na posição em que perderam o membro. Além disso, relatam que
quando o membro se movimenta em direção a
um objeto, o fantasma penetra neste objeto,
podendo também atravessar o próprio corpo
do paciente. Um outro relato consiste no fato
de que, muitas vezes, uma parte do membro
amputado desaparece, permanecendo apenas,
a extremidade distal do mesmo (Schilder,
1989).
A sensação de ter um membro fantasma durante muito tempo despertou em muitos
o medo da loucura, sendo motivo de segredo e
até mesmo vergonha. Muitos indivíduos omitiam dos médicos a sensação de ter um membro fantasma, devido ao receio de serem considerados insanos, entretanto, com o passar do
tempo, as hipóteses psicológicas foram cedendo lugar para as hipóteses fisiológicas.
A sensação fantasma pode ser compreendida como uma superposição cortical de
áreas vizinhas, que pode ocorrer, por exemplo, pela invasão do território representativo
da face sobre o território da mão, ou até mesmo pelo desmascarar de sinapses silenciosas.
Variações de membro-fantasma
A sensação de membro fantasma pode
se manifestar nos indivíduos em diferentes
situações, como por exemplo: amputação de
algum membro, em casos de aferição de plexo
braquial, e, até mesmo em situações de tetraplegia (Conceição e Gimenes, 2004). Segundo Ramachadran e Blakeslee (2002) não são
apenas pernas e braços fantasmas, há muitos
casos de seios fantasmas em muitas pacientes
que sofreram uma mastectomia radical (retirada da mama). Um outro registro foi um caso
de apêndice fantasma onde o paciente se recusava a acreditar que o cirurgião o tinha retirado devido às dores que persistiam.
Sabendo-se que o fenômeno da sensação fantasma pode se manifestar em variadas
circunstâncias, as situações mais comuns serão descritas mais detalhadamente, juntamente com algumas pesquisas realizadas em pacientes que possuem a sensação fantasma.
Sintomas
A sensação de ter um membrofantasma é muito real. Muitos indivíduos relatam que, logo que perderam a perna, sentiram
o impulso de sair da cama e andar, e acabaram caindo, outras pessoas com mãos fantasmas já tentaram, até mesmo, atender o telefone. Esses fatos são conseqüências da vívida
sensação de um membro fantasma.
Dentre os sintomas descritos por pacientes com sensação de membro fantasma, os
que se apresentam com maior freqüência são:
a dor “fantasma”; dormência; queimação;
câimbra; pontadas; ilusão vívida do movimento do membro fantasma, ou até mesmo, apenas a sensação de sua existência. Em casos de
lesão do plexo braquial, são relatados também; estiramento da mão inteira que irradia
para o cotovelo; constrição do pulso; espasmos da mão e descargas elétricas na mão e
cotovelo (Giraux e Sirigu, 2003).
Uma outra sensação de membro fantasma já observada consiste no desaparecimento de partes do membro, permanecendo
apenas, a extremidade distal do membro, o
que pode ser explicado com base no fato de
que o modelo postural do corpo se desenvolve
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especialmente em contato com o mundo externo. Sendo assim, as extremidades corporais
que mantêm um contato mais estreito e variado com a realidade tendem a ser mais presente que as demais (Schilder, 1989). Além disso, pode ser observado o fenômeno de duplicação de membros, caso dificilmente encontrado, no qual pacientes relatam ter a vivida
sensação da presença de outros dois membros,
paralelamente com seus membros reais
(Conceição e Gimenes, 2004)
O que é a dor fantasma?
A dor fantasma é uma sensação dolorosa referente ao membro (ou parte dele) perdido que pode se apresentar de diversas formas tais como ardor, aperto, compressão ou
até mesmo uma dor intensa e freqüente. A
proporção relativa dos amputados em grupos
“com dores crônicas” e “sem dores crônicas”
varia de um estudo para o outro, dependendo
da definição que se dá às palavras “crônicas”
e “queixa”, sendo então esta dor relatada por
2 % dos pacientes, número que em outras pode variar em até 97 %. A dor normalmente
está presente na primeira semana após amputação, mas ela pode aparecer após meses ou
até vários anos, estando localizada principalmente na parte distal do membro fantasma. A
duração da dor fantasma varia de acordo com
cada indivíduo, entretanto a dor severa persiste em apenas uma pequena fração dos amputados, na ordem de 5-10 % (Rohlfs e Zazá,
2000).
Muitos estímulos internos e externos
modulam a dor fantasma, dentre os fatores
relatados pelos amputados que modificam a
experiência dolorosa estão os fatores agravantes da dor, os quais são a atenção, emoção,
toque no coto ou pressão, mudança de temperatura, reflexos autônomos, dor de outra origem, colocação de uma prótese. E ainda, os
fatores que aliviam a dor, que são o descanso,
distração, movimentos do coto, uso de uma
prótese, elevação do coto, percussão ou massagem no coto. Isto prova que a experiência
de dor fantasma é um resultado não de um
único evento, mas da interação de vários efeitos neuronais (Rohlfs e Zazá, 2000).
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Quando ocorre a desaferenciação
(perda da inervação sensorial de uma região)
ou a amputação de um membro as informações sensoriais periféricas se tornam inteiramente ausentes, fazendo com que neurônios
no sistema nervoso central que até então recebiam informações daquela parte do corpo se
tornem anormalmente hiperativos. Na dor do
membro fantasma, a ausência dessas informações sensoriais faz com que neurônios nas
vias nociceptivas se tornem excessivamente
ativos. A superposição extensa de representações corticais que, normalmente estão separadas se relacionam com a intensidade da dor
do membro, ou seja, a reorganização cortical
maciça pode aumentar esse fator. Brugger e
colaboradores (2000) apresentaram importantes evidências de que o crescimento pós-lesão
e o novo padrão de conexões estabelecidas
por neurônios no cérebro de amputados podem ser possível causa do problema.
Psíquico versus fisiológico
Durante milênios acreditava-se que as
sensações em partes ausentes do corpo eram
de origem psíquica, entretanto, a partir deste
século, as explicações psíquicas foram cedendo lugar às explicações fisiológicas.
Grande parte de nossas informações
sensoriais está relacionada com áreas específicas do córtex pós-central, de modo que permitem a construção de mapas sensorial, destacando-se aqui o mapa somato-sensorial presente no giro pós-central (Schilder, 1989).
Como resultado, cada indivíduo tem uma imagem interna que é representativa do próprio ser físico, sendo esta conhecida como
“imagem corporal”.
A imagem corporal é construída de
acordo com as percepções, idéias e emoções
sobre o corpo e suas experiências, podendo
ser, constantemente, mudada. Sendo assim, o
fantasma de uma pessoa amputada seria a reativação de um padrão perceptivo dado pelas
forças emocionais. Está claro que o quadro
final de um fantasma depende grandemente
de fatores emocionais e da situação de vida do
indivíduo. Depois da amputação, o indivíduo
sofre um grande impacto psicológico e vários
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distúrbios emocionais surgem na adaptação
física e social, o que lhe faz enfrentar uma
nova situação, mas como reluta em aceitá-la,
acaba tentando, inconscientemente, manter a
integridade de seu corpo (Schilder, 1989).
Desse modo, o membro-fantasma pode ser entendido como a interação entre o que
se detecta ao nível periférico (corpo) e o que
se integra ao nível central (mente), sendo criada então, a aparência final do corpo no sistema nervoso. Como o ser humano está acostumado a ter um corpo por completo, o fantasma acaba sendo a expressão de uma dificuldade de adaptação a um defeito súbito de
uma parte periférica importante do corpo. Além desse fator, o córtex cerebral, que possui
um mapa sensorial das partes do corpo, ainda
possui uma área de representação da região
amputada, o que dificulta o cessar das sensações corporais. Assim, as sensações de membro fantasma são caracterizadas por fatores
psíquicos e fisiológicos, que agem, conjuntamente para expressar tal fator.
Arrumando a bagunça: o fenômeno de reorganização funcional do córtex cerebral
As áreas de representação cortical, denominadas mapas corticais (e.g. homúnculo
de Penfield) podem ser modificadas através
da plasticidade neural a partir de alterações
estruturais (adaptativas) por estímulos sensoriais, experiência, aprendizado, e após lesões
cerebrais (Lundy-Ekman, 2004). Assim, em
indivíduos que sofreram amputação ou lesão
do plexo braquial é que podemos observar
alterações sinápticas que podem explicar o
proceso de fortalecimento (desinibição) de
sinapses anteriormente silenciosas. No sistema nervoso normal, muitas sinapses parecem
não ser usadas, a não ser que a lesão de vias
acarrete um maior uso das sinapses até então
silenciosas (Farnè et al., 2002).
Estudo de casos
A organização cortical é alterada após
alguma perda sensorial, sendo assim, áreas
que antes eram ativadas pelo membro amputado passam a ser invadidas por neurônios de
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áreas não alteradas cujas representações tenham localizações próximas no córtex. Na
amputação de mãos a área da face “invade” a
área da mão, consistente com os relatos de
estimulação tátil da face induzindo sensações
de mão fantasma em amputados. O sistema
motor mostra, portanto uma capacidade substancial de plasticidade (Farnè et al., 2002).
Pacientes que tiveram seus membros
superiores transplantados após uma amputação possibilitaram o estudo de reversibilidade
da organização cerebral após lesão periférica,
utilizando-se de análises de ativações de M1
antes e após o transplante, observando suas
evoluções ao longo do tempo. Em um estudo
(Giraux et al., 2001) os resultados mostram
que as mãos transplantadas são ativadas e reconhecidas pelo córtex sensório-motor, sendo
que as novas entradas periféricas permitiram
uma remodelagem global do mapa cortical
das extremidades e reverteram à reorganização induzida pela amputação. As representações de mão e braço tendem a retornar a seus
locais originais; este estudo tenta explicar essa reversibilidade cortical dizendo que em
macacos com segmentos amputados, motoneurônios eferentes rompidos preservam sua
eficácia funcional direcionando-se para novos
músculos (Farnè et al., 2002). Como os neurônios eferentes e aferentes da via central sobrevivem após serem cortados, o circuito sensório motor pode estar funcionalmente pronto
após o transplante, podendo explicar as mudanças na atividade cortical poucos meses
após o transplante de membro.
Em um outro caso, descrito por Conceição e Gimenes (2004), um paciente tetraplégico referia ter uma vívida sensação de duplicação de membros. Dizia possuir um par de
mãos que se situavam paralelamente ás mãos
normais e duas pernas igualmente situadas
paralelamente ás pernas reais. O paciente
também referia que o par de braços cruzava
em cima do peito e lhe causavam dificuldades
respiratórias. A pesquisa realizada, neste caso,
utilizou a técnica de biofeedback, que é usada
na aprendizagem de controle voluntário de
respostas fisiológicas específicas. No fim do
tratamento o paciente apresentou como resultado a eliminação total da queixa, resultando
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na recuperação da capacidade motora funcional.
Uma outra maneira de encontrarmos o
membro fantasma é através da lesão de plexo
braquial, onde o paciente parece sofrer com a
sensação do membro perdido assim como a
dor a ele relacionada, mesmo não havendo a
perda física do membro (amputação). Giraux
e Sirigu (2003) mostraram que em pacientes
com lesão de plexo braquial onde eram aplicados testes com exposição a movimentos
virtuais do membro verificou-se que há indução de mudanças plásticas na representação
cortical do membro danificado e que esta
plasticidade estava relacionada a mudanças na
sensação de dor fantasma. A gravação dos
movimentos da mão normal que eram refletidos por um espelho dava ao paciente a ilusão
de que quando ele realizava determinado tipo
de movimento era o seu membro afetado que
estava realizando, sendo ele instruído a mexer
com o membro fantasma ao olhar para o espelho. Foi observada uma melhora significante
na avaliação da atividade do córtex entre o
pré e pós-treinamento assim com a diminuição da dor para esses pacientes sendo que dos
3 avaliados 2 reduziram sua medicações no
final da pesquisa graças à diminuição da dor.
Considerações finais
Apesar de não se saber ao certo a origem da sensação do membro fantasma, sabese que esta é baseada tanto em fatores psíquicos como em fatores fisiológicos. Sabe-se
também que ainda não existe um tratamento
específico para tal fenômeno. Entretanto, existem terapias e medicamentos que são utilizados para a redução da dor, sem contudo terem se mostrado eficazes para a cura da dor
fantasma e de suas sensações. Desse modo,
como não existe, ainda, uma cura para o fascinante fenômeno das sensações fantasmas,
muitos indivíduos precisam se adaptar com
essa situação, como descrito no relato:
“Hoje sou altamente conformista de que
sou amputado e vivo bem como estou.
Porém, como vivi 34 anos com a perna
e há cinco anos e meio sem a perna, em
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todos os meus sonhos à noite, eu tenho
a perna. O cérebro, o inconsciente ainda
mantém a memória anterior. Hoje eu
sou um grande jogador de tênis nos
meus sonhos, coisa que eu não era antes. É muito comum eu sonhar com uma
partida inteira, desde o primeiro ponto
até o final, ganhando ou perdendo. Acordo suado e feliz por ter jogado uma
partida de tênis, com a perna que eu não
tenho.” (Disponível no endereço eletrônico: http://www.amputadosvencedores.
com.br/fenomeno_membro_fantasma.ht
m).
Sendo assim, este trabalho propôs-se a
realizar uma breve revisão da literatura, de
forma a identificar as informações mais objetivas e acuradas a respeito da sensação do
membro fantasma, tema de extrema importância e ainda pouco explorado nos ambientes
acadêmicos e clínicos de nosso país.
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S u b me t i d o e m 3 0 / 1 0 / 2 0 0 7 | A c e i t o e m 2 0 / 1 1 / 2 0 0 7 | I S S N 1 8 0 6 - 5 8 2 1 – P u b l i c a d o o n l i n e
© Ciências & Cognição
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Resenha
Repensando a função do manicômio na sociedade
Reflexions about the role of lunatic asylum in the society
Maurício Aranha
Núcleo de Psicologia e Comportamento, ICC, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
Clínica em movimento: por uma sociedade sem manicômio (2003). Ana Maria Lobosque. Editora Garamond, ISBN 85-86435-92-9, 200 págs.
Palavras-chave: filosofia da ciência; saúde mental, psiquiatria.
Este é um livro que desde o título
mostra seu compromisso abrangente com a
análise da alma na luta revolucionária dos
profissionais que a praticam pelo viés do ideal
antimanicomial.
O livro propõe novos modelos para o
exercício da clínica psiquiátrica e, ao mesmo
tempo, instrumentaliza idéias para um projeto
de sociedade mais humana. Esta mudança de
paradigma alavanca a crença num projeto terapêutico para a loucura, mostrando a impossibilidade de reconhecimento desta em sua
singularidade e diferença. A obra evidencia a
vocação originariamente totali-tária dos hospitais psiquiátricos, o que demonstra ser o tratamento da loucura permeado de uma coletiva
vontade de poder que captura e exclui a loucura do espaço político da cidadania. A abordagem, tão bem encadeada tem por fim o desencadeamento de um movimento que impulsiona a abordagem clínica a um exercício de
autonomia e liberdade das pessoas.
A obra leva ao questionamento do pa-
pel da psicanálise no contexto da loucura tendo em vista que nem mesmo ela, que tanto
prometera reconhece no delírio uma tentativa
de cura e re-organização do equilíbrio psíquico. Mesmo a psicanálise se voltou para a
normatização da loucura oferecendo como
modelo estruturante a mítica edipiana. Na edificação do Instituto da Lei normativa à loucura, a família passa a representar a moral que
deve ser imposta às manifestações psicóticas,
como se a cura aí se encontrasse. Portanto, o
grande destaque do texto é que sua abordagem parte do sofrimento humano para a ele
retomar como compreensão que não se furta
ao embate diário com a miséria humana. Um
“movimento” que é também comprometimento.
Este livro se debruça sobre a filosofia
de Nietzsche para propor uma transvalorização da ética e da política, com a finalidade
de reconhecer não apenas a positividade da
loucura como experiência, mas também de
que maneira ela pode ser um remodelador de
– M. Aranha é Médico (UFJF), Especialista em Neurociência e Saúde Mental (Barcelona), Neurolingüística
(IBMR), Psicologia Analítica, Psicopedagogia Institucional e Clínica, Terapia Holística e Metodologia dos Processos
de Aprendizagem. Atua como Coordenador do Núcleo de Psicologia e Comportamento do Instituto de Ciências Cognitivas (ICC). E-mail para correspondência: [email protected].
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nossa cultura. O sentido político que advém
da desospitalização tem por missão o enfrentamento de modelos lucrativo economicamente.
A obra de Ana Marta Lobosque lança
mão de outros autores contemporâneos como
Foucault, Deleuze e Guattari, para esboçar a
desconstrução dos conceitos de lei, desejo e
culpa dominantes no Ocidente. Preocupa-se
em revisar as estruturas que sustentam o modelo especulativo-científico, confessionalanalítico, singular-coletivo, autonômiconormatizado para se dar a devida dimensão ao
texto da autora e a sua proposta de novas práticas de convívio com a loucura. Assim, busca
romper definitivamente com as Instituições
manicomiais como forma de resgate a dignidade humana prolatada, até mesmo, pela
Constituição.
Na parte I do livro, "Clínica em Movimento: o cotidiano de um serviço substitutivo de saúde mental", a autora expõe sua posição ao abordar o modelo asilar e o racional no
contexto de uma sociedade global. Demonstra
a desigualdade e preconceito que permeiam o
tratamento do portador de transtorno mental.
Isso significa que para que haja uma nova
contextualização do tratamento, haverá a necessidade de uma mudança estrutural em todos os setores que se voltam para a abordagem da saúde mental. Indo desde a capacitação técnica até revisões conceituais de grande
complexidade. Mas o foco da autora é a clínica da saúde mental e é nela que centra suas
reflexões. Por assim ser, questiona a noção
habitual de clínica, que tem servido mais aos
profissionais que aos pacientes.
Ana Maria Lobosque critica os profissionais da saúde mental por transformarem
suas abordagens e set terapêuticos em lugares
que tem por fim acolher o suposto saber individualista. Negando a interdisciplinaridade, a
singularidade, a autonomia e a cidadania do
portador de sofrimento mental. Incita a novas
prática que contemple uma forma de superação não só autocrítica, mas também implicada
nas questões de políticas públicas. A autora
convida à uma reflexão sobre a respeitabilidade às diferenças que deve permear o convívio entre os operadores da saúde mental e sua
clientela. Na busca de uma vivência conjunta,
uma aposta no encontro de um espaço coletivizado, respeitador e acolhedor ao “diferente”
e suas necessidades.
Na parte II, a autora fala da influência
sofrida no contato com os textos de Freud, da
sua relação com a psicanálise, com a saúde
mental e suas práticas. Expõe as contribuições
dos textos de Foucault, Delueze e Guatari e o
retorno a Freud proposto por Lacan. Os textos
confrontam a autora com elementos constitutivos do universo “psi” tais como aspectos
políticos, modelos científicos, o Instituto do
poder que permeia as relações, objetos e sujeito.
Finalizando, na parte III, defende-se a
igualdade, a partir da reflexão sobre o presente e se afirmando que em toda sociedade organizada o direito é uma conquista edificada
pela própria sociedade, pois que a sociedade
não serve ao direito, mas sim o direito, ao
normatizar, o faz em prol da sociedade a qual
deve existência.
Desta forma, observa-se que o “movimento” proposto por Lobosque soa como
um caminhar refletido e transformador em
prol de uma prática clínica que se alia a justiça social, lembrando que o portador de transtorno mental é, antes de mais nada, um sujeito
de direito, portanto, um cidadão.
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12 <http://www.cienciasecognicao.org> ISSN 1806-5821
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publicado ou sobre a própria publicação, as quais serão encaminhadas ao(s) Autor(es) ou ao Editorchefe, no caso das dúvidas que não sejam de interesse geral, o Conselho Editorial poderá deixar de publicar, embora seja encaminhada à pessoa responsável para eventual resposta privada.
Normas para Apresentação de Trabalho
Prazos: os manuscritos podem ser submetidos a qualquer
tempo. Entretanto, caso sejam encaminhados até as datas
que se seguem podem ser indicados como prioritários
para a publicação nos prazos indicados. Toda e qualquer
submissão inicial de material deverá ser realizada somente por correio eletrônico para:
[email protected]
- 15 de fevereiro para o volume de Março.
- 15 de junho para o volume de Julho.
- 15 de outubro para o volume de Novembro.
O texto original, rigorosamente sob a forma estabelecida abaixo, deve ser apresentado como arquivo
gravado em *.doc; Office 97 ou superior; fonte Times
New Roman, tamanho 12; espaço entre linhas simples;
sem espaço de parágrafos; alinhamento com as margens
esquerda e direita (justificado) e identação de 1,25cm no
início de cada parágrafo.
242
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Ao enviar um texto para submissão, redija no
corpo da mensagem, uma carta de encaminhamento dirigida aos Editores contendo:
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Autorização para o processo editorial de seu texto.
Garantia de que todos os procedimentos éticos referentes a um trabalho científico foram atendidos.
Concessão dos direitos autorais de seu texto à revista
Ciências & Cognição.
Endereço completo de um dos Autores para correspondência com os Editores (incluir CEP, fone, fax e
e-mail).
Envie também, por correio postal, carta dirigida
aos Editores com o mesmo conteúdo daquela mensagem,
assinada por todos os Autores do estudo ou pelo Autor
responsável
(modelo
disponível
no
site
www.cienciasecognicao.org).
Remeter para:
A/C Prof. Dr. Alfred Sholl Franco
Sala G2-032, Bloco G - Centro de Ciências da Saúde.
Programa de Neurobiologia - Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Av. Brigadeiro Trompowiski S/N - Cidade Universitária
Ilha do Fundão - CEP 21.941-590 - Rio de Janeiro/RJ.
Fone: 0055/21/2562.6562.
Procedimentos Editoriais
O processo de revisão editorial só será iniciado
se o texto obedecer a todas as condições acima. Caso
contrário, será solicitada a adequação às normas e, então,
a realização de nova submissão.
Se o texto estiver de acordo com as normas aqui
mencionadas, e for considerado, pelos Editores, potencialmente publicável na revista eletrônica Ciências &
Cognição, os Autores serão comunicados por e-mail sobre o início do processo editorial. O texto será, então,
encaminhado por indicação dos Editores dos Núcleos
para 2 (dois) revisores membros do corpo editorial fixo
da revista, ou para consultores ad hoc, em casos extraordinários. Os Revisores são escolhidos pelos Editores,
entre pesquisadores de reconhecida competência na área.
Os Autores podem sugerir possíveis consultores ad hoc
(pesquisadores qualificados afiliados a instituições, que
não as dos Autores) na carta de encaminhamento. De
qualquer maneira, Ciência & Cognição reserva aos Editores a escolha dos revisores e/ou consultores.
A autoria do texto não é informada aos Revisores ou Consultores ad hoc, bem como a identidade dos
mesmos não é informada aos Autores. Para que se mantenha um prazo médio entre a submissão e o retorno do
parecer, os revisores têm um prazo para realização da
avaliação e, caso um revisor tenha qualquer espécie de
impedimento para expressar seu parecer, deverá comunicar, imediatamente, aos Editores. Os Revisores e/ou Consultores ad hoc, após análise do texto, rejeitam, reco-
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mendam com sugestões de modificações ou indicam sua
publicação. Os Autores recebem cópias dos pareceres dos
Consultores.
Caso o texto venha a ser rejeitado, os Autores
podem submetê-lo novamente depois de cuidadosa revisão, considerando os pareceres recebidos. Em geral, é
encaminhado aos mesmos Revisores/Consultores ad hoc.
A recomendação para publicação associada a sugestões
de modificação do trabalho visa melhorar a clareza ou
precisão do texto, segundo os padrões de qualidade da
revista científica. Uma versão reformulada do texto deve
ser apresentada para apreciação, tendo em vista obter a
aceitação; versão esta acompanhada de carta dos Autores
aos Editores quando estes não concordarem com algumas
das sugestões dos Revisores/Consultores, informando as
modificações efetuadas e justificando as não realizadas.
Esta carta e o texto reformulado são encaminhados a
um dos Conselheiros da revista, juntamente com a versão
original e os pareceres dos Revisores/Consultores, para
análise. O Conselheiro pode rejeitar, sugerir modificações (quantas vezes considerar necessário) ou indicar o
texto reformulado para publicação. Nesta fase, o Conselheiro terá conhecimento da identidade de Autores e Revisores/Consultores envolvidos.
O texto aceito será convertido em formato *.pdf
e enviado ao(s) Autor(es) na forma final em que será
publicado para que sirva como uma prova do manuscrito,
a qual deverá ser conferida e devolvida com possíveis
correções (exceto no título ou no nome dos(s) Autor(es)).
A não devolução da prova corrigida, no prazo estipulado,
implicará no aceite da mesma na forma em que se encontrar.
A decisão final sobre a publicação de um texto
submetido à revista Ciências & Cognição cabe aos Editores dos Núcleos, auxiliados pelos pareceres de Revisores/Consultores e Conselheiros. Os Editores comunicam
o resultado final aos Autores, por e-mail, o mais rapidamente possível, indicando a data e número da revista
prevista para a publicação do artigo.
Direitos Autorais
São da revista eletrônica Ciências & Cognição
os direitos autorais de todos os artigos publicados por ela.
A reprodução total de qualquer artigo desta Revista em
outras publicações, por quaisquer meios, requer autorização por escrito dos Editores. Reproduções parciais de
artigos (resumo, abstract, mais de 500 palavras de texto,
tabelas, figuras e outras ilustrações, arquivos sonoros ou
de vídeo) deverão ter permissão por escrito dos Editores
e dos Autores.
Carta de Autorização – Modelo
“Os autores abaixo assinados transferem à Revista Ciências & Cognição, com exclusividade, todos os direitos de
publicação, em qualquer meio, do artigo .......................,
garantem que o artigo é inédito e não está sendo avaliado
por outro periódico e que, no caso de estudo, foi conduzido conforme os princípios da Declaração de Helsinki e
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Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 242-246 <http://www.cienciasecognicao.org/>
de suas emendas, com o consentimento informado aprovado por comitê de ética devidamente credenciado.” (Incluir nome completo, endereço postal, telefone, fax, email e assinatura de todos os autores.)
* Segundo a Resolução n. 1.595, do Conselho Federal de
Medicina de 18-5- 2000, é obrigatório que os autores de
“artigos divulgando ou promovendo produtos farmacêuticos ou equipamentos para uso em Medicina declarem os
agentes financiadores que patrocinaram suas pesquisas”.
Reprodução de Outras Publicações
Citações (com mais de 500 palavras), reprodução de uma ou mais figuras, tabelas ou outras ilustrações,
bem como de arquivos sonoros, devem ter permissão
escrita do detentor dos direitos autorais do trabalho original para a reprodução especificada em Ciências & Cognição.
A permissão deve ser obtida pelos Autores do
trabalho submetido. Os direitos obtidos secundariamente
não serão repassados em nenhuma circunstância.
Desenhos e esquemas mesmo que modificados
apenas serão admitidos com autorização. Entretanto, o
Conselho Editorial coloca a disposição dos Autores,
quando da diagramação da prova do artigo, de pessoal
habilitado a formular esquemas e montagens adequadas
ao padrão estilístico da publicação.
•
•
•
Apresentação do Texto
Partes do Texto Original e Roteiro para Apresentação
do Texto Original:
O texto original deve ser apresentado como arquivo gravado em *.doc; Office 97 ou superior. Corpo de
texto em fonte Times New Roman, tamanho 12; espaço
entre linhas simples; sem linha adicional entre os parágrafos e com deslocamento de 1,25cm na primeira linha
de cada parágrafo; alinhamento nas margens esquerda e
direita (justificado).
Use itálico em palavras ou expressões a serem
enfatizadas e também no caso de palavras estrangeiras à
língua empregada. Use negrito apenas nos título, subtítulos e nomes dos Autores. Não use palavras sublinhadas
ao longo do texto, nem marcas d’água.
•
•
•
•
Título na língua empregada no artigo (fonte Times
New Roman, tamanho 16, negrito, centralizado) e
em inglês (fonte Times New Roman, tamanho 12, itálico, centralizado; deve informar o leitor sobre o
objetivo do artigo).
Nome dos Autores (fonte Times New Roman, tamanho 12, negrito, centralizado)
Afiliação institucional e o país (fonte Times New
Roman 12, centralizado). Incluir nome da universidade, Institutos, Centros de Pesquisa etc e o país.
Resumo, em português, contendo entre 100 e 150
palavras (fonte Times New Roman, tamanho 12, alinhamento e recuo de 1,25cm nas margens direita e
•
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•
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esquerda). No caso de relatos ou comunicações breves de pesquisas, o resumo deve apresentar brevemente os objetivos, método, resultados e discussão
do estudo. O resumo não precisa incluir informações
sobre a literatura da área, nem referências bibliográficas. O objetivo deve ser claro, informando, caso for
apropriado, qual o problema e as hipóteses do estudo. Para os relatos de pesquisa, o método deve oferecer informações breves sobre os participantes, instrumentos e procedimentos especiais utilizados. Apenas os resultados mais importantes, que respondem aos objetivos da pesquisa devem ser mencionados no resumo. É vetada a utilização de abreviaturas
não convencionais ou sem prévia colocação por extenso do termo a ser abreviado.
Palavras-chave em português (fonte Times New
Roman, tamanho 12, alinhamento e recuo de
1,25cm nas margens direita e esquerda). No mínimo
3 e no máximo 6, em letras minúsculas e separadas
com ponto e vírgula.
Abstract (resumo traduzido para o inglês). Deve ser
escrito de modo fluente e corresponder o máximo
possível ao conteúdo explicitado no Resumo, seguindo a mesma forma (fonte Times New Roman,
tamanho 12, em itálico, alinhamento e recuo de
1,25cm nas margens direita e esquerda).
Key Words (fonte Times New Roman, tamanho 12,
em itálico, alinhamento e recuo de 1,25cm nas margens direita e esquerda), palavras-chave traduzidas
para o inglês, ou termos correspondentes.
Autor para Correspondência (indicado com um
asterisco). Deve incluir uma breve descrição sobre as
atividades atuais do Autor, sua formação, vínculo atual e, se desejar, endereço completo para contato,
incluindo e-mail e homepage, caso haja.
Corpo do Texto: Os Subtítulos devem aparecer em
negrito, alinhados à margem esquerda, precedidos e
seguidos de uma linha em branco. Quando o texto
for um relato de pesquisa deverá apresentar Introdução, Materiais e Método (quando for o caso, ou
Metodologia), Resultados, Discussão e Referências
Bibliográficas, numerados em arábico, assim como
possíveis subtítulos. Em revisões pode-se utilizar o
recurso de um Índice (sem paginação) que apresente
a listagem dos tópicos e dos subtópicos. Caso o Autor ache interessante e relevante, poderá acrescentar
um subtítulo sobre “Hiperlinks de Temas Relacionados”.
Figuras, Fotos, Tabelas e audios. As fotos ou figuras devem ser enviadas separadamente, em arquivo
anexo, no formato *.jpg (resolução máxima de
72dpi, não ultrapassando o limite de 1,4 MB cada
um). Indicar no texto o lugar onde serão incluídas,
com referências do tipo: figura01, tabela02 ou gráfico01 etc., salvando os arquivos com nomes correspondentes: figura01.jpg, tabela02.jpg ou grafico01.jpg. Os arquivos de áudio, também enviados
separadamente, em anexo, no formato *.mp3, devem
ser apresentados já editados (cortes, formato, definição de mono ou estéreo, não podendo ultrapassar o
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Ciências & Cognição 2007; Vol 11: 242-246 <http://www.cienciasecognicao.org/>
•
•
•
•
limite de 1,4 MB cada um). Os arquivos serão incluídos exatamente como nos forem enviados. Indicar
no texto o lugar em que o arquivo de áudio deverá
ser incluído. Citar autoria, data e local de gravação.
Não nos responsabilizamos pelo uso indevido das
gravações por terceiros.
Importante: para nomear as imagens ou áudios não use letras maiúsculas, acentuação, espaços
ou caracteres especiais (o "ç" é entendido como caractere especial). Ao preparar arquivos de imagens
teste a resolução final: opte sempre por manter legíveis as linhas e dados dos gráficos e/ou tabelas. Para
tanto, ao "reamostrar" as imagens a fim de adequá-la
à resolução pedida (em algum programa de edição de
imagem), selecione a opção "manter proporções da
imagem", tomando o cuidado de obedecer ao limite
de 1,4 MB. Acrescente sempre na margem esquerda
da fotografia, tabela ou gráfico uma marca de autoria.
Notas (quando houver) devem ser indicadas por algarismos arábicos no corpo do texto, as notas deverão ser listadas após as referências bibliográficas,
sob o título Notas (não usar o recurso “Inserir Notas...” do Word).
Agradecimentos e créditos a instituições de financiamento deverão aparecer no final do texto e antes
do item Referências Bibliográficas.
Anexos (quando houver) devem ser indicados no
corpo do texto e apresentá-los no final, após as Referências Bibliográficas, identificados por letras maiúsculas (A, B, C, e assim por diante) e por títulos adequados. Utilizar anexos somente quando for imprescindível: dar preferência à informação que facilite o acesso a materiais e instrumentos, por meio de
notas e/ou links.
Normas para fazer Citações. Observe rigorosamente as normas de citação. Todos os estudos referidos
devem ser acompanhados dos créditos aos autores e
das datas de publicação.
• No caso de trabalho de única autoria, o nome do
autor deve ser seguido da data de publicação, na
primeira vez em que for citado, em cada parágrafo. Exemplos: (Santos, 2000) ou Santos
(2000). Trabalhos com dois autores, citar no texto os dois sobrenomes dos autores (usando o separador e) sempre que o artigo for referido, acompanhado da data do estudo entre parênteses.
A citação também poderá ser feita com os sobrenomes entre parêntesis separados por uma
vírgula do ano de publicação. Exemplo: “Santos
e Silva (1999) demonstraram que...” ou ... foi
demonstrado na literatura (Santos e Silva,
1999). Para trabalhos com três ou mais autores:
Quando a citação for inserida como parte do
texto, citar apenas o sobrenome do primeiro autor, seguido de "e colaboradores" e da data de
publicação entre parênteses (exemplo: Santos e
colaboradores (2000) demonstraram que ...). Porém, na seção de Referências Bibliográficas todos os nomes dos autores deverão ser relaciona-
•
© Ciências & Cognição
dos. A citação, no corpo do texto, também poderá ser feita apenas entre parêntesis, onde o sobrenome do primeiro autor deverá ser seguido
pela expressão et al. – em itálico – seguido por
uma vírgula e o ano de publicação (Exemplo:
Santos e colaboradores (2003) ou (Santos et al.,
2003)).
• A citação de obras antigas e reeditadas devem
ser feitas da seguinte forma: autor (data de publicação original/data de publicação consultada).
Evite citações secundárias, quando o original
pode ser recuperado com facilidade. Quando necessário, informar no corpo do texto o nome do
autor que faz a citação original e a data de publicação do estudo, e, em nota, a referência bibliográfica original. Somente a obra efetivamente consultada deve ser listada nas referências bibliográficas. Usar, nos casos de citação secundária, os termos apud, op. cit., id. ibidem etc.
• A citação literal de um texto deve ser indicada
colocando o trecho entre aspas e deve incluir a
referência ao número da página da publicação
do qual foi copiado (Santos, 2000: 16). Citações
de mais de três linhas devem ser apresentadas
como novo parágrafo, recuado de 0,5 cm da
margem esquerda e 0,5 cm da margem direita e
entre aspas.
Lista de Referências Bibliográficas. Deixar uma
linha em branco entre cada referência bibliográfica.
Apresentar as referências em ordem alfabética, pelo
sobrenome dos autores, apenas com as inicias em
maiúsculo. Referências a vários estudos do mesmo
autor são apresentadas em ordem cronológica, do
mais antigo ao mais recente. Quando coincidirem autores e datas, utilizar letra minúscula como diferenciador após a data: Santos (2000a), Santos (2000b)
como critério para listar as referências em ordem alfabética. Ao repetir nomes de autores não substituir
por travessões ou traços. Não usar os comandos
“sublinhado” ou “negrito” nesta seção. Os grifos,
quando necessários, devem estar presentes como
nos exemplos abaixo.
Exemplos de Citação na Lista de Referências:
Artigo de Revista Científica
Bloch, M. (1999). As transformações das técnicas como
problema de psicologia coletiva. Signum, 1, 169-181.
Artigo de Revista Científica Ordenada por Fascículo
- Citar como no caso anterior, e acrescentando o número
do fascículo, entre parênteses, sem sublinhar, imediatamente após o número do volume:
Dunaway, D.K. (1991). The oral biography. Biography,
14 (3), 256-266.
Artigo de Revista Científica no Prelo
- No lugar da data, indicar que o artigo está no prelo. Não
referir data, volume, fascículo ou páginas até que o artigo
245
Ciências & Cognição 2007; Vol 12: 242-246 <http://www.cienciasecognicao.org/>
seja publicado. No texto, citar o artigo indicando, entre
parênteses, que está no prelo.
Texto Publicado em Revista de Divulgação Comercial
- Havendo indicação do autor, iniciar a citação pelo sobrenome e inicial do nome, seguido do ano, dia e mês
entre parênteses, nome do artigo, nome da revista em
itálico, volume e páginas:
Toledo, R.P. (2001, 23 de maio). O santo de Assis – Jacques Le Goff. Veja, 20, 160.
- Quando o texto não indicar o autor, iniciar com o título,
seguido do ano, dia e mês, nome da revista em itálico,
volume e páginas. Como no exemplo a seguir:
As armas do barão assinalado (1998, maio). Bravo!, 8,
58-63.
Livro com Autoria Única
Halbwachs, M. (1925). Les cadres sociaux de la
mémoire. Paris: Presses Universitaires de France.
Livro Organizado por um Editor
Neisser, U. (Ed.). (1982). Memory observed: remembering in natural contexts. San Francisco: Freeman.
Capítulo de Livro
Benjamin, B.S. (1967). Remembering. Em: Donal, F. G.
(Ed.). Essays in philosophical psychology (pp. 171-194).
London: Macmillan.
Capítulo ou Artigo Traduzido para o Português de
uma Série de Múltiplos Volumes
Bausola, A. (1999). O Pragmatismo (Capovilla, A.P.,
Trad.). Em: Rovighi, S.V. (Ed.). História da Filosofia
Contemporânea. Do século XIX à Neoescolástica (Vol.
8, pp. 459-471). São Paulo: Edições Loyola. (Original
publicado em 1980).
Livro Traduzido para o Português
Foucault, M. (1992). As palavras e as coisas (Muchail,
S.T., Trad.). São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora.
(Original publicado em 1966).
Texto Publicado em Enciclopédia
Stroll, A. (1990). Epistemology. Em: The new encyclopedia Britannica (Vol.18, pp. 466-488). Chicago: Encyclopedia Britannica.
Trabalho Apresentado em Congresso, mas Nãopublicado
Massimi, M. (2000, outubro). Identidade, tempo e profecia na visão de Padre Antônio Vieira. Trabalho apresentado na XXX Reunião Anual da Sociedade Brasileira de
Psicologia, Brasília, Brasil.
© Ciências & Cognição
Trabalho Apresentado em Congresso e Publicado em
Anais
Campos, R.H.F. e Lourenço, E. (1998). Psicologia da
criança e direitos humanos no pensamento do Instituto
Jean-Jacques Rousseau – Genebra – 1912-1940. Em:
Faculdade de Educação da UFMG (Org.), Anais, V Encontro de Pesquisa da FAE (pp. 154-166). Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG.
Teses ou Dissertações Não-publicadas
Xavier, C.R. (2001). Encontros e permutas entre dois
pensadores: um estudo sobre as correspondências entre
Wolfang Pauli e Carl Gustav Jung. Dissertação de Mestrado, Programa de Estudos Pós-Graduados em História
da Ciência, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.
Obra Antiga e Reeditada em Data Posterior
Descartes, R. (1989). Les passions de l'âme. Em: Alquié,
F. (Ed.), OEuvres philosophiques de Descartes. Tome III
(pp. 939-1103). Paris: Bordas. (Original publicado em
1649).
Autoria Institucional
American Psychological Association (1994). Publication
manual (4ª ed.). Washington, DC: Autor.
Comunicação Pessoal
Carta, mensagem eletrônica, conversa telefônica ou pessoal podem ser citadas, mas apenas no texto, apresentando as iniciais e o sobrenome do emissor e a data completa. Não inclua nas referências.
Web Site ou Homepage
Para citar um Web Site ou Homepage na íntegra, incluir o
endereço no texto. Não é necessário listá-lo nas Referências.
Artigos Consultados em Indexadores Eletrônicos
Mello Neto, G. A. R. (2000). A psicologia social nos
tempos de S. Freud. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Agosto 2000, 16(2), 145-152. Retirado em 28/06/2001, no
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Resumos Consultados em Indexadores Eletrônicos
Fornari, A. (1999). Las experiencias de pasividad como
desafío a la razón [Resumo]. Cadernos de Psicologia, 9
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http://psi.fafich.ufmg.br/cadernos/volume9.htm
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Pantano, D.M. (1997). Epistemología, Historia y Psicología [Resumo]. Em: Sociedade Interamericana de Psicologia (Org.), Resumos/Abstracts, XXVI Congresso Interamericano de Psicologia (p. 85). São Paulo: SIP.
246
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DivulgaArtigo
Revisão
Ensaio
D: 36%
C:
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A:
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48%
ção
CientífiCientífica
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